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Irmandade Santa Casa de Londrina (ISCAL)

Programa de Residência Multiprofissional

Farmácia

Atividade Avaliativa
Nome residente: Gabriela Peres Peruchi
Data: 18/10/2023
Nome docente-tutor: Janaína Koelzer

Quais as diferenças entre as heparinas disponíveis para uso no Brasil?

A heparina é um medicamento biológico amplamente prescrito,


seguramente o segundo mais utilizado logo após a insulina. Curiosamente, o
uso clínico desses dois medicamentos biológicos foi introduzido pelo mesmo
pesquisador, Charles H. Best, da Universidade de Toronto. A heparina é o
exemplo de medicamento formado por um polímero e com a estrutura de
carboidrato.

O uso clínico da heparina tornou possível determinados procedimentos:


de circulação extracorpórea, essenciais para as cirurgias cardiovasculares; e
de diálises renais. Ela também é amplamente utilizada na prevenção e
tratamento dos eventos de tromboembolismo.
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Originalmente a heparina foi obtida do fígado de cachorros, onde


decorre a origem de sua denominação. Porém a sua utilização clínica não era
factível a partir desse tecido. Esse foi o desafio inicial do trabalho de Best. A
alternativa foi a de utilizar heparina obtida de pulmão bovino, que passou a ser
a principal fonte da matéria prima. Depois outras alternativas surgiram, tanto
que atualmente os países mais desenvolvidos usam apenas heparina de
intestino suíno produzida majoritariamente pela China. Países mulçumanos
utilizam heparina intestinal bovina enquanto alguns países da América Latina
(especialmente Brasil e Argentina) usam esses dois tipos de heparina de forma
indiscriminada.
A heparina é um agente natural com ação anticoagulante. O processo
de isolamento e extração da heparina leva à degradação parcial das cadeias
de glicosaminoglicanos que a compõem, produzindo um fármaco formado por
fragmentos moleculares de pesos moleculares heterogêneos, variando de
3.000 a 30.000, conhecido como heparina não fracionada (HNF), heparina
convencional ou simplesmente heparina. As propriedades farmacocinéticas e
farmacodinâmicas da heparina também apresentam grande heterogeneidade
devido aos diferentes potenciais de ação anticoagulante apresentadas por
frações com pesos moleculares distintos e também devido à ligação da
heparina a células e proteínas plasmáticas.
Outro tipo de heparina comercialmente disponível, a heparina de baixo
peso molecular (HBPM), é composta por fragmentos moleculares com peso
molecular médio de 5.000 e é obtida por despolimerização ácida da heparina
convencional. Devido à existência de diferentes métodos de despolimerização,
existem diferentes heparinas de baixo peso molecular. As preparações de
HBPM apresentam propriedades farmacocinéticas e farmacodinâmicas mais
previsíveis, sendo então, mais convenientes que a HNF para utilização em
diversas situações clínicas. De fato, em diversos países as HBPM estão
substituindo a HNF. No Brasil, no entanto, diversas intervenções clínicas ainda
são dependentes da HNF. Além disso, no Brasil parece permanecer a oferta de
heparina obtida das duas fontes animais disponíveis, enquanto nos Estados

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Unidos e Europa a HNF de origem bovina não é mais produzida devido à


epidemia de encefalite espongiforme bovina.
A origem biológica da HNF é um fator pouco explorado nas diretrizes de
dose e posologia do fármaco. No entanto, a fonte animal do medicamento
altera o seu perfil de efetividade e segurança. A heparina bovina possui maior
grau de sulfatação de seus compostos, e isso determina efeitos distintos na
coagulação, trombose e sangramento da heparina de origem suína. A heparina
bovina também difere em sua afinidade pela protamina, substância utilizada na
inibição do efeito anticoagulante do fármaco. Todas essas questões podem
evidenciar a ausência de intercambialidade de doses entre as heparinas de
origem bovina e suína, reforçando a necessidade de monitoramento do
tratamento.
As heparinas obtidas de diferentes tecidos devem ser consideradas
como medicamentos distintos, com monografias particulares nas farmacopeias
e rotulagem distintas para informar aos profissionais de saúde sobre o tipo de
medicamento que será utilizado. Por exemplo: é necessário administrar ao
paciente o dobro da massa de heparina intestinal bovina para atingir a mesma
anticoagulação com o uso da heparina suína.
A origem biológica da HNF pode, então, afetar aspectos de efetividade e
segurança do tratamento com o fármaco. A questão ganha especial relevância
ao observarmos que essas informações estão comumente ausentes nas bulas
dos medicamentos, e que em nosso país, fármacos de diferentes origens
biológicas são comercializados simultaneamente e de forma intercambiável.
As HBPM, por sua vez, não são afetadas por aspectos da origem
biológica do fármaco, porque a heparina bovina não é utilizada na produção
desses produtos devido a possíveis contaminantes virais, como o da encefalite
espongiforme bovina.
Heparina é um medicamento que requer uso cuidadoso. A dose que
assegura o efeito terapêutico desejado é próxima daquela que pode produzir
efeitos colaterais indesejáveis (especialmente o sangramento). Ou seja, sua
janela terapêutica, a distância entre a dose terapêutica e a tóxica, é estreita. Ao
administrar doses maiores em massa de heparina intestinal bovina, devido a

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sua atividade anticoagulante mais reduzida, estamos aumentando os riscos de


efeitos colaterais. Esse é um aspecto que ainda precisa ser melhor explorado,
especialmente em estudos clínicos. Um princípio geral de medicamentos
biológicos é o de procurar preparações mais ativas, ou seja, capazes de
assegurar o efeito terapêutico em doses menores (em massa) reduzindo os
efeitos indesejáveis. Nessa perspectiva, a heparina suína é mais favorável do
que a intestinal bovina. Outro transtorno é o fato de que em vários
procedimentos a ação da heparina deve ser neutralizada ao término do
procedimento. Como durante uma cirurgia cardiovascular que exige uso de
protamina como antagonista. Assim, o profissional de saúde terá dificuldades
em assegurar as doses adequadas do antagonista se não souber qual o tipo de
heparina (bovina ou suína) foi utilizada no paciente.
A estrutura química da heparina – um polissacarídeo com um padrão
específico de sulfatação - dificulta sua produção transgênica. Alguns autores
estão produzindo heparina usando uma combinação de sínteses química e
enzimática. Outros tentam super-expressar enzimas envolvidas na síntese de
heparina em células animais (células CHO). Mas as quantidades de heparina
obtidas por esses métodos estão nas faixas de mg, ao passo que o consumo
anual de heparina está na faixa de toneladas. Isso mostra a dimensão do
desafio de se obter uma heparina transgênica.
Evidências acerca da ausência de intercambialidade de doses entre as
heparinas de origem bovina e suína, o diferenciado perfil de segurança entre
esses fármacos e a permanência de heparinas produzidas a partir das
diferentes fontes animais no mercado brasileiro indicam necessidade de
acompanhamento do tratamento e da resposta dos pacientes. A efetividade e a
segurança da heparina estudadas em populações estrangeiras podem não
representar a nossa realidade, já que a maioria dos países não produz a
heparina bovina e a heparina atualmente comercializada tem ainda
aproximadamente 10% menos atividade anticoagulante que a anteriormente
produzida, e essa alteração pode ter implicações clínicas. Destaca-se também
a necessidade de realização de estudos clínicos no Brasil para se testar a
segurança e a eficácia das formulações de heparina utilizadas no país. Eventos

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que ameacem a segurança do paciente devem ser comunicados ao sistema de


farmacovigilância do país.

Referências:

ISMP, BOLETIM: Heparina: erros de medicação, riscos e práticas seguras na


atualização. Instituto para Práticas Seguras no uso de Medicamentos. Outubro
de 2013, v. 2, n. 5, ISSN: 2317-2312.

JUNQUEIRA, Daniela Rezende Garcia et al. Farmacovigilância da heparina no


Brasil. Revista da Associação Médica Brasileira, [S.L.], v. 57, n. 3, p. 328-332,
maio 2011. Elsevier BV. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-42302011000300017.

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