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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Célebre por ter criado a iniciativa “Cidade das Crianças”, que aposta na
transformação das cidades a partir do olhar das crianças que nela habitam,
Francesco Tonucci defende que as políticas públicas urbanas têm como tarefa
garantir o direito ao brincar de meninos e meninas.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Ele postula que a escuta efetiva da criança deve servir para gerar
uma mudança de paradigma, uma inversão de prioridades capaz de reverter o
planejamento masculino de cidade. “Eu não quero uma cidade infantil, uma
cidade pequena. Não quero uma cidade montessoriana. Quero uma cidade
para todos. E para estar seguro de que não esquecerei ninguém, escolho o
mais novo.”
E analisa o conflito atual entre as crianças e seus pais. “As crianças pedem, à
escola e à cidade, mais autonomia e mais liberdade. E seus pais pedem, à escola
e à cidade, mais controle, mais vigilância e mais proteção. São duas visões
conflitivas e devemos escolher de que lado estamos”, defende.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
do ensino primário, por volta dos 11 anos, tínhamos que escolher se íamos
para o ginásio, que nos prepararia para a universidade, ou se passaríamos
diretamente para o ensino profissionalizante. E esta era a solução mais comum
para a maioria dos meus companheiros – àqueles, claro, que a escola não tinha
perdido no meio do caminho. A primeira reflexão, portanto, é analisar quem
eram esses que seguiam estudando.
A maioria destes meninos e meninas eram filhos de famílias de nível social alto,
com algumas exceções, como eu, cujos pais não pertenciam a esta classe, mas
sentiam um orgulho imenso de que seus filhos pudessem seguir estudando.
Porém, grande parte desses estudantes vinham de famílias que ofereciam
livros, que tinham adultos que liam, fosse por trabalho ou por gosto, eram
famílias que tinham o costume de ler um livro antes que seus filhos dormissem.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Nos anos 60, então, o parlamento italiano amplia a obrigação escolar até os 14
anos. Nesse momento, teria sido muito importante que a escola se
perguntasse: o que devo mudar para me tornar uma escola para todos?
Entretanto, a única mudança que a escola fez foi apagar as atividades ligadas à
formação para o trabalho, as oficinas, os ateliês, tudo aquilo relacionado às
atividades manuais.
E a escola acabou oferecendo para todos aquilo que era para poucos.
Isso produziu um desastre, porque a maioria dos alunos que estavam nessa
escola não tinham uma base cultural. E eu acredito que isso não mudou
substancialmente nos dias de hoje. A escola segue sendo para poucos. O
primeiro desafio, portanto, ainda é como fazer com que a escola seja para
todos – e para cada um.
A primeira coisa é o que Lóris Malaguzzi, criador e diretor das escolas Reggio
Emilia, disse em um de seus poemas. Para ele, as crianças possuem mais de
cem línguas, cem maneiras de pensar, de sonhar e de fazer, mas lhes roubam
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
99. Quem rouba as crianças não é, em minha opinião, apenas a escola. Acredito
que ela tenha muita responsabilidade nesse processo, mas que não seja a
única. E como ela faz isso?
“A criança tem
uma centena de línguas
(E cem cem cem mais)
mas eles roubam 99.
A escola e a cultura
ao separar a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
pensar sem as mãos
fazer sem cabeça
para ouvir e não falar
de compreender sem alegria
de amar e de maravilhar-se
só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe:
para descobrir o mundo que já está lá
e do cem
eles roubam 99”
(Loris Malaguzzi, “As Cem Linguagens das Crianças”)
Oferecendo pouco.
A escola diz que o que lhe interessa é saber escrever, contar, um pouco de
ciência e nada mais. O resto não interessa. E, claro, os que nasceram literários,
matemáticos ou científicos se encontram bem nessa proposta. Mas aqueles
que nasceram bailarinas, músicos, artistas, exploradores ou investigadores
ficam de fora. A escola não os reconhece e eles não reconhecem a escola.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
O escritor colombiano Gabriel García Márquez dizia que aquele que nasce
escritor não o sabe previamente. E que a educação deveria assumir como seu
papel principal ajudá-lo a descobrir o que ele chama de seu “brinquedo
favorito”. Porque apenas trabalhando sobre o que é o seu “brinquedo
favorito”, ele poderá chegar ao que chamamos de excelência, ele poderá ser
capaz e ele poderá ser feliz.
Bom, mas o que significa tudo isso? O que deveria fazer a escola para alcançar
esses resultados?
A escola de hoje que eu conheço está muito mais preocupada com o que falta
do que com o que existe. Toda avaliação se dedica a buscar o que falta. As
lições de casa têm como objetivo final ajudar os alunos a recuperar as lacunas.
Pedimos às crianças que dediquem sua atenção ao que não existe, ao que falta,
àquilo que eles não gostam. Ao contrário, deveríamos pedir que se dediquem
ao seu “brinquedo favorito”.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Eu, por exemplo, sou formado para ser professor porque era um mau aluno.
No Ensino Médio, eu não gostava da escola, nunca me suspenderam, mas eu
não ia bem. E, como em minha família não havia possibilidade de que os quatro
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
filhos fizessem universidade, o melhor dos irmãos foi para o Liceu e eu – que
não tinha boas notas e achava a formação de professores fácil – virei
professor.
Aqui na Itália, eu tenho uma briga grande com relação à ampliação da jornada,
porque acredito que as crianças já passam tempo demais dentro da escola. Na
verdade, não sei como será no Brasil, mas aqui os meninos e meninas quase
não saem de casa, passam a tarde em escolas de tempo integral, fazendo
música, esporte, etc., e chegam em casa com as lições de casa que a escola
passa todos os dias – incluindo fins de semana, feriados e férias. Isso é um
abuso da escola, porque a Convenção dos Direitos das Crianças diz
claramente que elas têm dois direitos, expressos no artigo 28 – o direito à
educação formal; e no artigo 31 – direito ao descanso, ao tempo livre e ao livre
brincar. Para todos os estudiosos da infância, e do desenvolvimento infantil, a
brincadeira é a experiência mais importante na vida de um homem e de uma
mulher. Ao longo da vida, todo o cimento sobre o qual se constroem nossa
formação e nossa cultura, foi adquirido nos primeiros anos de vida brincando.
Além disso, brincar é a experiência que mais se parece à investigação científica
e à experiência artística.
Nesse sentido, acredito que a escola deva ocupar a manhã e respeitar a tarde.
Os deveres não contribuem em nada com a formação das crianças, atrapalham
muito e impedem o brincar. Ao contrário, a escola deveria ser uma das mais
interessadas no livre brincar das crianças, porque é assim que elas vivem
experiências e emoções que amanhã poderão ser aportes à vida escolar. As
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
boas escolas que eu conheci não enfocavam nos programas ministeriais ou nos
livros, mas sim na experiência de vida dos alunos.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Dentro de uns anos, esse professor se encontrará em frente a uma sala de aula
de 30 ou 40 crianças, pensando: o que faço agora? E retomará os últimos
quatro, cinco anos de sua formação, sem encontrar nada que lhe seja útil para
este tempo histórico. E o que fará, então? Retomará o que seus professores
fizeram quando tinha cinco ou seis anos e estava na escola. Essa é uma das
explicações do porque a escola não muda. O único modelo que funciona é
aquele que os professores viveram quando eram crianças. Essa é a melhor
garantia de conservação já criada na história.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Tonucci: Creio que aqui se abre um tema mais complexo que é o tema da
cidade. Algumas relações fundamentais, que antes estavam garantidas, se
quebraram. Uma delas é a relação entre as famílias e a escola. Não sei como
será no Brasil, mas na maioria dos casos não há mais uma relação de
solidariedade e participação entre famílias e escola. A família está sempre em
uma atitude conflituosa e está sempre denunciando o que ocorre na escola, o
que deixa os professores muito preocupados. Há denúncias na Itália sobre
avaliação negativa que professores deram a um estudante. Nunca conheci um
bom professor que teve problemas com as famílias, porque ele sabe que uma
de suas responsabilidades é ter uma boa relação com as famílias.
A outra relação que mudou é com a cidade. Antes, a cidade era o lugar das
crianças. Eu me lembro que minha mãe nos enxotava de casa. Sendo de uma
família humilde, ela não podia estar com as crianças dentro de casa, pois era
impossível dar conta de todas as tarefas com meus irmãos e eu lá dentro.
Portanto, dentro de um marco de regras claras de tempo, espaço, atitudes e de
comportamento, nós saíamos de casa. Falo dessas regras porque não
proponho a anarquia, proponho a autonomia. E a autonomia não é fruto do
abandono, ela é resultado do amor e da confiança. Eu te deixo porque confio
em você.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Veja, repito, acredito que esse seja uma das mudanças mais profundas dos dias
de hoje, a que diz respeito à queda da autonomia das crianças. Quando eu era
criança, a autonomia de movimento que meu pai e eu tínhamos era quase igual.
Nós dois tínhamos a bicicleta como meio de transporte e íamos circulando pela
rua. A ideia de viajar não existia. Agora eu cruzo o oceano com facilidade e
minha neta nem sai de casa. Ou seja, nossas experiências de mobilidade são
muito diferentes. O que mais me impressiona é que as crianças perderam a
possibilidade de sair de casa, enquanto as novas tecnologias lhes permitiram
se conectar com o mundo e acessar informações que na minha infância eram
impensáveis de se conseguir. Uma criança com enorme mobilidade cognitiva
https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ 13/21
22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
não pode sair de casa. Tenho medo que, dentro de pouco, os adultos digam que
não vale à pena sair de casa porque temos esse meio que eu e você estamos
utilizando para realizar essa conversa. Há momentos da vida que é preciso o
toque, a briga, o contato.
“O que mais me impressiona é que as crianças perderam a possibilidade de sair de casa, enquanto as
novas tecnologias lhes permitiram se conectar com o mundo”
Crédito: Bruno Fontes l Flickr/Creative Commons
ET: Quando se fala sobre o direito à cidade, nem sempre as crianças são
nomeadas. Será que, ao não nomeá-las, corremos o risco de esquecê-las
quando pensamos e projetamos o espaço urbano?
Tonucci: Sim. Isso significa ocupar-se de todos e não de um alguém. Essa foi a
escolha ao dedicar o meu trabalho às crianças. Eu não quero uma cidade
infantil, uma cidade pequena. Não quero uma cidade montessoriana. Quero
uma cidade para todos. E para estar seguro de que não esquecerei ninguém,
escolho o mais novo. Essa é a motivação cultural da Cidade das Crianças que,
traduzidas em decisões administrativas, se trata de mudar três prioridades.
https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ 14/21
22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
viram que a rua tinha, ao todo, nove metros de largura, sendo seis metros para
os carros (ida e volta), mais o estacionamento, sobrando três metros para as
calçadas que, divididas em dois lados, terminavam com 1,5m cada.
Considerando o mobiliário urbano, os pedestres tinham cerca de um metro
apenas para caminhar, o que os obrigava a andar em fila única. Então disseram:
“Bom, façamos o que diz esse senhor, invertamos as prioridades!”. Como
chove muito na Galícia, tomaram como base para definir o espaço dos
pedestres que fosse possível passar duas pessoas com o guarda-chuva aberto.
Esse foi o plano urbanístico da cidade. Somando o mobiliário urbano,
chegamos à três metros de cada lado, totalizando seis metros para os
pedestres. Lamentavelmente, sobraram apenas três metros para os carros.
Sinalizaram todas as ruas e diminuíram drasticamente o espaço para os carros.
Viram que, estreitando as ruas, a velocidade dos carros diminuía. Há estudos
que mostram que, se a calçada tem menos de três metros, os carros não sobem
mais de 30 km. Então, definiram que a velocidade da cidade inteira seria 30
km/h.
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22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
ET: Como fazer com essas prioridades sejam invertidas e assumidas por
quem detém o poder da decisão nas cidades, considerando a diversidade
de interesses que a compõe?
Tonucci: Nossa proposta é uma proposta política e a colocamos nas mãos dos
prefeitos. São poucos os prefeitos capazes de escutar as crianças de verdade.
Há muitos que querem escutá-los aparentemente, como forma de publicidade,
para sair em fotos na imprensa. Nós renunciamos a todos esses dispositivos.
https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ 17/21
22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
Não é fácil encontrar prefeitos que se coloquem ao lado das crianças, porque
isso os coloca em conflito com seus eleitores, que são os pais. Por isso falo com
muito orgulho dessa experiências de Pontevedra, porque o prefeito
praticamente retirou os carros da cidade, mas segue sendo eleito por sua
população.
https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ 18/21
22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
CL IQ UE AQ UI PAR A C OM E N TAR
https://educacaoeterritorio.org.br/reportagens/francesco-tonucci-a-crianca-como-paradigma-de-uma-cidade-para-todos/ 19/21
22/12/2022 14:49 Francesco Tonucci: a criança como paradigma de uma cidade para todos - Educação e Território
2 comentários
Turk
5 de outubro de 2016 às 08:57
tatiane
4 de outubro de 2019 às 16:53
EDUCAÇÃO E TERRITÓRIO
Conheça os idealizad ores e parcerias da iniciativa aqui.
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