Você está na página 1de 5

‘A escola não pode ser uma empresa porque

a lógica da educação não é a do mercado’ –


Nuccio Ordine

Por Revista Prosa Verso e Arte

‘A escola não pode ser uma empresa porque a


lógica da educação não é a do mercado’ –
Nuccio Ordine

Por Revista Prosa Verso e Arte


Nuccio Ordine - foto: Juan Peces / El Pais.

O professor universitário Nuccio Ordine contesta as “universidades-empresa” e defende mais


investimento na educação, nomeadamente nos estudos clássicos.

Nuccio Ordine** acabou há pouco um périplo pela América Latina, depois Lisboa, onde realizou a
conferência “A utilidade dos saberes inúteis”, na Torre do Tombo, a convite da Fundação Francisco
Manuel dos Santos. A conferência está baseada no livro que publicou em 2013.

O livro “A Utilidade do Inútil”, publicado pela Kalandraka, foi traduzido para 20 línguas, está em 30 países
e já vendeu mais de 200 mil exemplares. Neste, o professor italiano da Universidade de Calabria, filósofo
e especialista na obra de Giordano Bruno, critica a lógica do lucro que chegou ao mundo do ensino e da
investigação e propõe uma reflexão sobre quais são os verdadeiros saberes que podem ajudar a sair da
crise.

Abaixo a entrevista concedida à Bárbara Wong, do jornal ‘Público’*

Finalizando Nuccio Ordine cita Victor Hugo e a necessidade de se investir na educação: “Seria necessário
multiplicar as escolas, as disciplinas, as bibliotecas, os museus, os teatros, as livrarias.”

Actualmente temos gente muito competente à frente de empresas ou de governos, altamente


especializada, mas que não sabe identificar uma peça de Bach ou nunca leram Thoman Mann. A escola
falhou?

Esse é o grande problema da contemporaneidade: temos gente super especializada e que perdeu o
sentido geral e global do saber. Hoje as escolas e as universidades preparam os alunos para seguirem
uma especialização e isso é muito perigoso. Estas devem proporcionar uma cultura geral. Einstein já
dizia que a especialização mata a curiosidade e esta está na base do avanço da ciência e da tecnologia.
Por exemplo, a actual directora do CERN [o laboratório europeu de física de partículas] é uma italiana
[Fabiola Gianotti] que fez estudos clássicos no liceu, aprendeu piano durante dez anos, mas é uma
grande física. Os maiores arquitectos italianos, como Renzo Piano, fizeram estudos clássicos. Portanto
é preciso ter uma cultura geral de base.

O que é preciso mudar no ensino?

O meu livro é um grito de alarme. Quando pergunto aos meus alunos por que estão na universidade,
respondem-me que é para obter um diploma. Um diploma não serve para nada! Há uma visão utilitarista
da educação que mata a ideia de escola. Vamos à escola para sermos pessoas cultas! Para sermos
pessoas melhores, para sermos éticos, não importa o curso.

Na apresentação do meu livro, viajei de Norte a Sul de Itália e os estudantes diziam-me: “Professor,
adoro os gregos e os latinos, mas os meus pais perguntam-me ‘o que vais fazer com literatura? Porque
não te inscreves num curso onde possas vir a ganhar dinheiro?’ Isto é a corrupção da ideia do que deve
ser a universidade! É corromper os estudantes. Temos médicos que o são porque ganham muito
dinheiro e não por razões humanitárias e não pelo que prometem no juramento de Hipócrates. Esta
corrupção – a ideia de ganhar muito dinheiro – atravessa a sociedade inteira, chega à política, à
economia. Por isso temos corrupção no mundo inteiro.

Costumo ler uma história belíssima de Kavafis [poeta grego, 1863-1933] sobre Ítaca, a história de
Ulisses, que diz que a experiência da viagem é que fará de ti um homem rico, fará de ti um homem
melhor. Se não fizeres essa experiência, de nada te servirá chegar a Ítaca.

Isso significa?

Significa que devemos estudar por amor ao conhecimento, por amor à aprendizagem, para que sejamos
homens e mulheres livres. Os alunos têm de compreender que não há saber sem conhecimento e que só
se é livre se formos sábios. E isso não têm nada a ver com o mercado e com aquilo que este pede.

No seu livro critica as universidades-empresa.


Contesto a ideia de que as universidades sejam empresas. A nossa missão não deve ser vender
diplomas que os estudantes compram. Isso é uma enorme corrupção. A escola não pode ser uma
empresa porque a lógica da educação não é a do mercado. O princípio da educação é aprender a ser
melhor, para si mesmo e não para o mercado. O que vemos na City em Londres [no centro financeiro
britânico] são pessoas com elasticidade mental, pessoas que vêm dos estudos clássicos ou da filosofia
porque compreendem melhor o mundo do que os especialistas em economia ou programação.

As consequências da Declaração de Bolonha, que veio alterar a forma como o ensino superior está
organizado, são negativas?

Bolonha foi muito dura para o futuro do ensino. Há coisas graves, a começar no léxico, as palavras não
são neutras, têm significado, e quando as primeiras palavras que os alunos aprendem, quando chegam
ao ensino superior, é “créditos” e “débitos”, impomos uma lógica da economia no ensino. As
universidades recebem financiamento consoante os seus resultados, quanto mais alunos com sucesso,
mais financiamento recebem, e assim baixa-se o nível para todos passarem. Ninguém vai avaliar a
qualidade, só a quantidade. Deixa-se de financiar as pesquisas de base, mas se não fossem essas não
seria possível fazer ciência. As grandes revoluções são fruto de pesquisas de base. Por isso, é preciso
redireccionar as coisas porque o inútil de hoje pode ser o útil de amanhã.

Que modelo de escola é que defende?

Costumo contar aos meus alunos que Albert Camus, quando ganhou o Nobel da Literatura, fez duas
coisas: escreveu uma carta à sua mãe e uma ao seu professor da escola média [3.º ciclo do básico],
Louis Germain. Foi ele que o incentivou a continuar a estudar, porque Camus era bom aluno, embora
pobre. Camus agradeceu ao seu professor tudo o que fez por ele. É essa a escola que quero! Uma
escola em que o professor e o aluno estejam no centro e os professores não estejam soterrados em
burocracias. Os professores perderam a paciência para ensinar e a paciência tem de estar no centro da
pedagogia.

E os pais? O que podem fazer para criar seres humanos mais completos: dar um computador ou um
smartphone ou levar os filhos ao teatro ou a um concerto?

Comprar o computador e levá-los ao teatro, a ler poesia, a ouvir um concerto porque tudo isso pode
mudar a vida de uma pessoa. A música pode fazer milagres, como pode a ciência. O poder libertado do
utilitarismo pode tornar a humanidade mais humana.

*Entrevista originalmente publicada no jornal português ‘Público’, 21.10.2017.

**Nuccio Ordine é professor, filósofo e crítico literário italiano, um dos mais importantes estudiosos da
Renascença na atualidade, especialmente sobre o filósofo Giordano Bruno.
RECOMENDAMOS

Revista Prosa Verso e Arte


https://www.revistaprosaversoearte.com

Literatura - Artes e fotografia - Educação - Cultura e sociedade - Saúde e bem-estar

   

COMENTÁRIOS

Você também pode gostar