Você está na página 1de 4

24/08/2023, 12:38 Os 5 C's da boa redação jurídica

A palavra é, indubitavelmente, o instrumento basilar de trabalho do operador do direito. É por


isso que o jurista não pode furtar-se de dominar, com maestria, o seu traquejo. O mundo do
Direito e suas contendas giram majoritariamente em torno de embates argumentativos a fim de
se fazer prevalecerem teses, o que torna indispensável uma boa comunicação.
Assim, convém observar que há algumas características que não podem faltar em nenhuma
peça jurídica que se pretenda de qualidade. São qualidades que devem ser perseguidas pelo
redator jurídico a todo momento, uma vez que, presente em sua integralidade, esse conjunto
de atributos promove a eficácia do texto forense, assegurando uma eficiente transmissão da
mensagem intencionada.
Trata-se dos "5 C's da boa redação jurídica". Analisemos detidamente cada uma dessas
importantes características.
Clareza
Diz respeito à limpidez na transmissão da mensagem, de modo que se torne facilmente
compreendida pelo receptor. A clareza é das mais importantes qualidades do discurso jurídico,
pois sua ausência tem o condão de minar por completo o entendimento da tese que se quer
defender, o que, consoante asseverado, consubstancia a maior parte do múnus do jurista.
Para promover a clareza, é necessário eliminar eventuais ambiguidades de sentido e fazer uso
de uma linguagem simples, porém elegante e adequada ao contexto. A própria redação das
leis no Brasil impõe o cumprimento desse requisito, conforme se observa no art. 13, §2º e
incisos, da Lei Complementar 95/98.
Além disso, conforme veremos a seguir, o emprego de uma linguagem pernóstica e hermética,
que agrada exclusivamente ao emissor, e confundindo o receptor, evidencia a presença da
exata antípoda da clareza: a obscuridade.
Coerência
Está relacionada ao estabelecimento de sentidos lógicos ao longo do texto, de modo que a
mensagem faça sentido e cumpra o papel almejado com sua redação. A falta de coerência, tal
qual a de clareza, tem se revelado o produto final de uma preocupação excessiva dos juristas
com o uso de palavras e expressões pretensamente eruditas, empregadas de maneira
inadequada. O obstáculo à coerência é, por evidência, a incoerência, a falta de lógica.
É inadmissível conceber a ideia de que um advogado ou advogada tenha uma petição inicial
indeferida em razão da falta de coerência. Infelizmente, a prática forense nos mostra que a
ausência desse atributo ainda redunda naquela desonrosa consequência processual: a inépcia
da inicial.
Da mesmíssima sorte, não menos improdutivos são os casos em que uma das partes
processuais precisa protocolar embargos de declaração para solicitar que o magistrado
esclareça questões de sua decisão. Aliás, o próprio fato de existir um tipo processual
específico para, dentre outras situações, lidar com a falta de sentido das sentenças judiciais,
por si só, já denota a gravidade que há em uma decisão incoerente.
Coesão:
É o atributo da interligação bem-sucedida e lógica entre as partes da dissertação, seja entre as
frases de um parágrafo, seja entre os parágrafos de um texto. Essas conexões geralmente são
firmadas pelos chamados "conectivos de passagem", que relacionam as unidades semânticas

https://www.migalhas.com.br/depeso/340291/os-5-c-s-da-boa-redacao-juridica 1/4
24/08/2023, 12:38 Os 5 C's da boa redação jurídica

do texto e contribuem para a concatenação das ideias, estabelecendo relações de sentido


voltadas para a boa compreensão.
A percepção facilitada, ao longo do texto, das relações de sentido entre as frases é o melhor
indicativo de um texto coeso. Esses sentidos, por coordenação ou subordinação, podem ser de
causa, consequência, concessão, condição, comparação, conformidade, conclusão,
explicação, proporcionalidade, temporalidade, finalidade, etc. As conjunções e locuções
conjuntivas são essenciais para firmar essas ligações de sentido.
Em uma outra nota, impende observar que a falta desse atributo traz uma prolixidade ao texto
e, não raro, redunda também em incoerências. Poucos lapsos de redação são tão
deselegantes quanto a construção de parágrafos e teses que em nada se relacionam uns com
os outros. A interligação dos elementos do texto e a fluidez da mensagem dependem, de forma
inescusável, da atenção à coesão.
Concisão:
Concerne à objetividade na comunicação, evidenciada pela capacidade do redator de "dizer
muito em poucas palavras". A concisão contribui diretamente para clareza do texto e, no meio
jurídico, também favorece a diminuição da mora processual.
Como bem sabemos, o deslinde das demandas processuais mais complexas costumam ser
demorado, porém essa delonga também ocorre amiúde pela presença de manifestações
longas e desnecessariamente repetitivas. E aqui importa diferenciar os conceitos de
reiteração e redundância: a primeira representa uma estratégia argumentativa de reforçar
questões importantes ao longo da exposição jurídica, enquanto que a segunda encerra um
vício redacional e linguístico que atenta contra a objetividade do texto, e por isso deve ser
evitada.
Foi-se o tempo em que petições e decisões judiciais precisavam ostentar páginas e páginas de
fundamentação jurídica para serem consideradas de grande quilate no meio jurídico. Com o
advento do emprego expansivo da tecnologia na administração da justiça, adentramos uma
nova era jurídica, marcada por formas inovadoras de se dizer o direito e que se caracteriza,
sobretudo, por exposições sintéticas e úteis nas manifestações processuais.
Dizer apenas o necessário, nos dias atuais, é elegante e significa dispor de um atributo
indispensável para o bom funcionamento da máquina judiciária e para a redução da burocracia
administrativa.
Correção
Traduz-se pelo respeito à gramaticalidade do ponto de vista técnico. A correção se realiza pela
atenção às normas de ortografia, regência, concordância, acentuação, etc.; pelo uso escorreito
dos sinais de pontuação; e pelo emprego adequado das formas morfológicas - pronomes,
adjetivos, advérbios, conjunções, preposições, substantivos, entre outros. A incorreção
gramatical representa uma das maiores máculas do texto jurídico na atualidade, imiscuindo-se
constantemente com o "juridiquês".
Sem ignorar a existência de incorreções das mais encontradiças nos petitórios jurídicos, é
importante reconhecer que a ausência de correção gramatical representa, atualmente, o vício
mais presente nas decisões judiciais. Há uma miríade de razões para tal fato, e elas são das
mais variadas naturezas.
De um lado, temos o estrondoso número de demandas que aportam no Poder Judiciário
diariamente e que termina por gerar uma redução na qualidade das peças em prol de dar

https://www.migalhas.com.br/depeso/340291/os-5-c-s-da-boa-redacao-juridica 2/4
24/08/2023, 12:38 Os 5 C's da boa redação jurídica

vencimento a uma maior quantidade de casos. Por outro lado, aqui também pesa a crescente
obsessão pelo cumprimento de metas de produtividade nos tribunais de justiça brasileiros.
Entretanto, convém frisar que nem sempre qualidade e quantidade precisam ser variáveis
inversamente proporcionais na produção do texto jurídico.
A preocupação demasiada com o conteúdo das petições e decisões judiciais, em detrimento
da forma durante a produção delas, também contribui fortemente para incorreções, sobretudo
de pontuação e ortografia.
Sejam quais forem as razões que levem os juristas a claudicar das regras gramaticais, certo é
que o devido desvelo para com a norma culta representa elemento indispensável não apenas
na seara jurídica, mas em qualquer ramo profissional. Em vista disso, é necessário que os
operadores do direito realizem sempre uma reciclagem das normas gramaticais, a fim de
assegurar o respeito à norma culta nas peças jurídicas.
Traçadas essas considerações acerca dos atributos essenciais da boa redação jurídica,
devemos ressaltar que a presença uníssona desses cinco elementos em qualquer
manifestação forense permitirá, sem grandes tribulações, uma comunicação eficaz de fatos e
fundamentos jurídicos, contribuindo para o atingimento do mister profissional de qualquer
jurista. De outra banda, é útil lembrar-nos de que qualquer erro cometido na manufatura do
texto forense poderá sempre ser remetido à ausência de uma ou outra das qualidades
retrocitadas.
Ainda transita em abundância nas interações do foro uma linguagem marcada pelas exatas
antípodas de todos esses atributos, de modo que a comunicação entre as partes processuais
se torna cada vez mais obnubilada, engessada e ineficiente. Essa nebulosidade que impregna
a comunicação jurídica, causada também pelo famigerado "juridiquês", pode ser facilmente
evitada por meio do respeito à norma padrão da língua portuguesa, bem como pelo emprego
de técnicas redacionais que ajudem a deixar a escrita jurídica sempre arejada e agradável.
Posto isso, seguem algumas recomendações de escrita que reputamos relevantes e que
podem ser usadas pelo operador do direito para dar substância e solidez à sua redação
jurídica.
A PRIMEIRA delas é a de sempre vincular fundamentos a argumentos. Sói ocorrer nos
petitórios e decisões judiciais a consignação de artigos de leis, ementas de julgados e citações
doutrinárias desprovidos de conexão com o caso concreto. Ou mesmo o inverso: a disposição
de elementos fáticos sem qualquer base jurídica a eles atrelados. Aqui se viola, a um só
tempo, os requisitos da coesão e da coerência.
A SEGUNDA recomendação a ser observada é a abolição de termos pretensamente
rebuscados que em nada contribuem para o desenvolvimento dissertativo do texto. O emprego
de palavras "pseudoeruditas" é precisamente o que caracteriza o "juridiquês" e empobrece a
dissertação jurídica, mormente quando o resto do texto não dá sustento ao uso dessas
expressões "bonitas". É o que o professor Eduardo Sabbag apelida de "plantio de palavras".
Tal prática se presta à mera ocorrência de agradar o ego do emissor da mensagem, dando-lhe
uma falsa sensação de erudição e satisfação com sua própria habilidade textual. De outra
banda, em nada agrada o receptor da informação, razão pela qual esses termos devem ser
afastados o máximo possível, sob pena de se frustrar toda a razão de ser da peça jurídica.
A TERCEIRA observação a ser feita é a de se afastar da escrita forense os chamados
"ISMOS". São eles: os solecismos, os estrangeirismos (anglicismos, galicismos,
espanholismos, etc.), os arcaísmos, os preciosismos e os modismos. Dar vazão à presença

https://www.migalhas.com.br/depeso/340291/os-5-c-s-da-boa-redacao-juridica 3/4
24/08/2023, 12:38 Os 5 C's da boa redação jurídica

dessas falhas redacionais significa criar e aprofundar verdadeiros abismos de compreensão,


que podem ser facilmente evitados como o emprego de bons mecanismos de escrita.
Assim sendo, é notório que são inúmeros os algozes que assolam a comunicação jurídica
hodiernamente; e eles ultrapassam em muito os percalços comuns acima elencados. Nada
obstante essas dificuldades, sabemos que o estudo dos problemas mais urgentes, e seus
respectivos remédios, têm o condão de extirpar da redação jurídica as erronias mais
grosseiras e promover uma comunicação de qualidade, isenta das agruras do tal "juridiquês".
Não nos olvidemos de que as dificuldades ora tratadas afligem não apenas os advogados e
advogadas menos avisados, como também os magistrados e magistradas que se ocupam
exclusivamente da matéria de suas decisões, relegando a segundo plano a forma em que o
conteúdo é exposto. A forma, ressaltamos, deve ostentar igual atenção por parte do jurista. A
priorização do conteúdo em detrimento da forma representa sério lapso de comunicação e,
não raro, de eficácia no múnus profissional de inúmeros operadores do direito.
Seguindo todas as recomendações apresentadas neste breve ensaio, há certeza no alcance
de uma comunicação jurídica de qualidade. E, com o tempo, para além da presença dos 5 C's
da boa redação jurídica, conquistar-se-á também, de lambuja, os atributos da naturalidade e
da originalidade no escrever forense, que são adquiridos com a experiência no labor jurídico
aliado à prática cotidiana da boa leitura.

Eduardo de Medeiros Nóbrega


Assessor Jurídico no Ministério Público do Estado da Paraíba e Revisor Jurídico. É mestre em Direito
pela Universidade Federal da Paraíba e especialista e Comunicação Jurídica pela Faculdade CERS.

https://www.migalhas.com.br/depeso/340291/os-5-c-s-da-boa-redacao-juridica 4/4

Você também pode gostar