Você está na página 1de 6

Português para convencer:

comunicação e persuasão em direito,


de Cláudio Moreno e Túlio Martins
São Paulo: Ática, 2006. 271p.

Sérgio Lourenço Simões


Mestre em Educação – Uninove;
Mestre em Lingüística – UnG.
Mairiporã – SP [Brasil]
professorsimoes@uninove.br

No atual cenário globalizado, a comunicação assume papel decisivo


no enfrentamento das situações que se põem aos indivíduos para competir
em igualdade de condições num mercado pautado pelas relações conflituo­
sas. Nessa esteira discursiva está o advogado a zelar pelo bom andamento
do diálogo, por meio de linguagem bem elaborada e estruturada nas raízes
do Direito. Nessa perspectiva, há de se levar em conta que a língua é o di-
visor de águas para arregimentar profissionais que hão de fazer a diferença
nessa virada inevitável de construção de uma sociedade mais humana, ética,
eivada de princípios sólidos de soberania moral articulados com a determi-
nação dos representantes da justiça.
Preocupados com a formação dos futuros causídicos, que percorrem
os bancos escolares em busca de sólida formação “basal” infrutífera, por-
que entremeada de descalabros educacionais que lhes tiram a possibilida-
de de conseguir o mínimo necessário para alicerçar a caminhada jurídica,
Cláudio Moreno, doutor em Letras e mestre em Língua Portuguesa, e Túlio
Martins, juiz de Direito e jornalista, trazem à luz Português para convencer:
comunicação e persuasão em Direito.
Os autores dividem o livro em 11 capítulos: no primeiro, “Como não
se deve escrever”, reportam-se às especificidades da linguagem, ressaltando
a importância do vocabulário técnico “[...] exaustivamente definido dentro
do âmbito de cada profissão [...] para evitar as ambigüidades tão comuns da

Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 385-389, 2007. 385


linguagem usual, além de servir para deixar mais rápida e eficiente a comu-
nicação entre interlocutores especializados.” (p. 9), e consignam que “A boa
comunicação é uma necessidade básica na vida jurídica”.
Insistem, como preâmbulo da análise que pretendem seja orientadora
do trabalho de argumentação do bom profissional do direito, em que

[...] o advogado – bem como todos os demais operadores do


Direito – seja um usuário privilegiadíssimo da língua portugue-
sa. Além de dominar o indispensável vocabulário especializado,
ele precisa conhecer todos os recursos expressivos do idioma, as
sutilezas semânticas, as ramificações etimológicas que as pala-
vras mantêm entre si e a variada gama de estruturas sintáticas
que a língua desenvolveu para caracterizar ênfases, ressalvas e
atenuações. (p. 10).

Embora esses argumentos sejam importantíssimos, há que se com-


plementar com a habilidade e intimidade com a língua que só se adquirem
com a prática, desde que acompanhada de boa e intensa leitura de textos.
Na seqüência do alerta, Moreno e Martins ressaltam que, apesar de o
advogado preocupar-se com os aspectos peculiares da “linguagem que usa”
– correção e precisão –, o que “[...] o leva a freqüentar diariamente o dicio-
nário e a consultar a gramática à menor dúvida que tenha [...]”, porque seu
discurso precisa “[...] ser claro e persuasivo [...], ele é o profissional liberal
que produz os textos mais obscuros e pomposos.” (p. 11).
Essa “condenação” da pomposidade como marca do discurso gran-
dioso e de efeito bombástico da manipulação discursiva – artifício inerente
ao exercício da profissão do jurista – em cuja defesa muitos se empenham,
não deve ser entendida como proposta de abandono da linguagem técnico-
jurídica. O que se quer é estimular o debate sobre os excessos promovidos
pelos profissionais que resistem à modernização do estilo, por entenderem

386 Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 385-389, 2007.


que o rebuscamento e a complexidade da linguagem contribuem para a re-
tórica e dimensionam o grau de intelectualidade do jurista.
No segundo capítulo, “O direito como linguagem”, os autores abor-
dam os recursos que a língua põe à disposição do advogado para recriar
fatos e situações e fundamentar seu discurso na defesa de sua causa. Servem
o leitor de orientações sobre como descrever os fatos e posicionar-se nos
autos, ilustrando-as com algumas situações concretas, mostrando a impor-
tância da fundamentação das decisões judiciais e das peças montadas pelo
advogado para defender os interesses do cliente.
No terceiro capítulo, “O texto como intenção”, destacam a retórica
como elemento imprescindível ao discurso, desde que destituída dos ex-
cessos. Trazem ao leitor algumas informações da retórica clássica, sua im-
portância na arte de convencer e persuadir, e a comparam com a moderna,
enfatizando alguns pontos que devem ser observados para a consecução dos
objetivos propostos.
No quarto, “Forma e conteúdo”, os autores tratam da adequação do
texto à situação que envolve o objeto, chamando a atenção para a seqüência
textual e os elementos constitutivos das diferentes partes do discurso, e des-
tacam a importância de adequá-lo ao leitor para envolvê-lo e empolgá-lo. E
aí entra a habilidade do advogado, e mais, o domínio da linguagem escrita.
No quinto capítulo, “Quantidade e qualidade”, analisam a dimensão
e a densidade do discurso, ponderando sobre a “exata medida” do texto para
conseguir bons resultados. Advogam pela sensatez do advogado, orientan-
do-o a usar “o melhor argumento” para substanciar a matéria que defende.
Nesta parte, ressaltam as particularidades do vocabulário que deve ser em-
pregado, chamando a atenção para alguns pontos que obscurecem o discur-
so: uso de palavras inúteis – o “ juridiquês”, e destacando a importância do
vocabulário técnico como ferramenta adequada ao discurso jurídico, desde
que bem utilizado.
No sexto, “A qualidade do bom texto”, Moreno e Martins tratam dos
atributos que o texto deve ter. Discutem, ainda, métodos, esquemas e estra-

Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 385-389, 2007. 387


tégias, elaborados por alguns teóricos da comunicação, lingüistas e profes-
sores de português, para nortear o trabalho textual, buscando minimizar os
problemas que entravam a boa comunicação, e questionam alguns pontos,
entre os quais use apenas frases curtas; evite a voz passiva; não fale em pri-
meira pessoa; substitua os substantivos pelos verbos correspondentes. Essas
orientações, “por raciocínio simplista e equivocado”, são apresentadas em
diversos manuais de redação como imprescindíveis à “produção de textos
mais compreensíveis e eficazes”.
No entanto, elas são discutíveis, principalmente no que se refere à
elaboração do texto jurídico, pois, nesse tipo de discurso, em que sempre se
fazem presentes a argumentação e a persuasão, não há como seguir elemen-
tos estruturais preestabelecidos – fórmulas mágicas.
No sétimo capítulo, “A pontuação e a ordem dos elementos na frase”,
os autores trabalham, inicialmente, a importância da sintaxe na construção
e organização da frase, ressaltando que a ordem das palavras na frase e suas
relações são decisivas para a legibilidade do discurso. Na seqüência, tratam
do objetivo da pontuação, ponderando sobre o cuidado que o escritor deve
ter no uso dos diferentes sinais.
No oitavo, “Recursos e estratégias”, trazem à baila algumas peculia-
ridades jurídico-discursivas, tais como a negativa dos fatos, do direito e da
relação de causa e efeito entre ambos, como uma das estratégias argumenta-
tivas. Destacam, ainda, a importância de utilizar marcadores e modalizado-
res que reforcem ou atenuem determinados pontos da argumentação para o
“atingimento” do objetivo desejado.
No nono capítulo, “Pecados mortais”, Moreno e Martins tecem co-
mentários, com exemplos, sobre os vícios inadmissíveis e que impregnam a
redação jurídica, tais como ambigüidades, que tiram a precisão do discurso,
gerando duas interpretações (em geral, os responsáveis pelas ambigüidades
são os pronomes e os adjuntos adverbiais); “arcaísmos” – palavras que se
tornaram obsoletas, e “preciosismos”.

388 Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 385-389, 2007.


Os autores dedicam-se, no décimo capítulo, “A correção do texto”, ao
uso do dicionário como recurso auxiliar indispensável à elaboração do texto
jurídico. Salientam, entretanto, que o advogado não deve ater-se apenas à
utilização dos verbetes lá encontrados, por julgar que palavras não diciona-
rizadas devem ser “postas de lado”. Além disso, enfatizam que muitas pala-
vras consagradas pelo uso ainda não foram incorporadas pelos dicionaristas
por uma questão de escolha pessoal do responsável pela publicação, ou por
simples economia de espaço.
O capítulo 11, “Recursos adicionais”, traz orientações sobre a mon-
tagem de uma petição e os elementos que a compõem. Moreno e Martins
comentam, ainda, a importância da petição inicial, sua estrutura e con-
teúdo. Na seqüência, ensinam a elaborar um contrato e encerram o ca-
pítulo e, portanto, o livro, brindando o leitor com a elaboração de um
Curriculum Vitae.
A obra, pela relevância e amplitude dos assuntos abordados, é indis-
pensável não só aos profissionais de Direito como fonte de consulta e refe-
rência, mas também, e principalmente, para graduandos e pós-graduandos
que se preocupam com a boa comunicação e buscam desenvolver-se como
bons articuladores da linguagem.

Prisma Jurídico, São Paulo, v. 6, p. 385-389, 2007. 389

Você também pode gostar