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Desde a criação do direito como disciplina em si se tem a construção de debates acerca do

aperfeiçoamento das técnicas jurídicas, assim como do conteúdo normativo a da morfologia


procedimental. Talvez a premissa mais óbvia dentro todo o campo de estudo da área seja a de que o
direito não é uma ciência exata. E por consequência, experimenta uma maior sucessão de variações
e e transformações ao passar do tempo. A busca pelo alcance à justiça plena, objetiva e absoluta se
demonstra como uma meta utópica fixada ao horizonte, que parece sempre se distanciar dos
desbravadores do campo teórico em maior velocidade do que esses possuem de alcançá-la.
Contudo, a utopia dessa construção doutrinária jurídica é o que confere de mais belo no estudo e o
que motiva e possibilita o contínuo aperfeiçoamento das bases fundamentais e de seus
desdobramentos dentro e até mesmo tangencialmente ao campo jurídico.

Fato é, o direito nunca será uma ciência exata e tão pouco algum vago dia obterá a aquisição
da verdade absoluta de todas as coisas que permitirá ao jurista realizar o julgamento sem receio
algum de controvérsias e falsas constatações. Ainda existe muito a que se construir na esfera
jurídica, muito a se abandonar junto à âncoras de sistemas passados ultrapassados e, por óbvio,
muito a se aprimorar a fim de se obter cada vez mais um maior grau de refinamento aplicável às
instituições do direito.

Dentre essa vasta gama de aplicabilidade dessa noção de refinamento dos métodos jurídicos,
uma discussão que, sem sombra de dúvidas, merece uma análise detalhada de seus pontos e a
construção de um debate rico e contundente trata da temática da justiça negocial inserida nos
meandros da esfera penal. Mas para entender isso, primeiro é fundamental entender o papel da
negociação dentro dos vários ramos do direito. O direito em quanto área, possui uma variedade de
campos de estudo e atuação e que se estendem a medida em que o avanço e as modificações da
sociedade produzem a necessidade do estabelecimento de tutelas a novas relações de interação
social. Por meio disso, surgem as várias áreas do direito, cada uma com a sua peculiaridade, mas na
busca pelo mesmo objetivo. Frente a isso, é fundamentalmente importante se colocar que essas
peculiaridades de cada área nos mostram, em termos práticos, como um mesmo tema é tratado das
mais variadas e até mesmo, em determinados casos, antagônicas formas, ao se estabelecer um
paradigma para a sua aplicação dentro daquela determinada área.

Para se compreender melhor essa proposição, é possível analisar a aplicação e o modo de


interatividade da prática negocial nos campos do direito. A esfera civil, a exemplo bem claro, é uma
das que atestam inequívoca relação de afinidade com a prática negocial instaurada em seus
procedimentos de resolução de conflitos. Seja dentro de um processo, ou até mesmo pelas formas
mais simples expressadas por acordos extrajudiciais, dentro do direito civil, a negociação é uma
instituição sempre bem vinda que, pela maioria das vezes, provoca não só uma melhor resolução
dos conflitos como, de forma semelhantemente equiparada, a ocorrência de uma economia
processual e simplificação de determinados procedimentos. O que para o direito é extremamente
positivo, pois corrobora no combate a morosidade e a excessiva burocracia procedimental.

Contudo, deve-se atentar para a tentativa da transferência desse raciocínio para o campo do
direito penal. Diferentemente do debate civilista, o âmbito penal possui peculiaridades exclusivas
que lhe conferem a necessidade de um olhar diferenciado para os debates travados.

O direito penal é fundamentalmente um direito constituído por um sistema acusatório. A


presença do juiz deve ser experimentada de forma que este seja, durante todo o processo, um agente
alheio aos acontecimentos para que se evitem juízos de valores e para que as proposições levantadas
com fundamentação nos princípios básicos do contraditório e ampla defesa sejam verdadeiramente
consideradas pelo julgador em sua decisão. O juiz exerce, pois, um papel fundamental e inafastável
dentro do processo. A tomada do sistema penal pelo modelo negocial representa à figura do juiz
uma ameaça, pois pode em última instância reduzir sua participação a de um mero espectador no
decorrer do processo, tirando-lhe a capacidade de realmente realizar a verificação da ocorrência e
do respeito à justiça. Este é o efeito da banalização da negociação processual.

A negociação possui o objetivo fundamental de produzir maior eficiência aos procedimentos


e ao processo como um todo, reduzindo a sua duração com o intuito de beneficiar primariamente as
partes envolvidas, em essência o acusado. Contudo, a implementação dessa prática acaba por vezes
conferindo um maior poder ao Ministério Público, que, na falta da análise julgadora do magistrado,
possui maior liberdade para exercer suas atribuições frente a negociação. É importante salientar que
o objetivo do MP no processo fundamenta-se na construção da acusação contra o polo passivo que,
até a extinção do processo, não possui qualificação de culpabilidade. Em um contexto em que a
decisão e deixada meramente à negociação das partes, até mesmo o princípio do in dubio pro reo
poderá ser relativizado, uma vez que o possível acordo apenas passará pelas vistas do julgador para
fins de homologação, retirada qualquer análise de existência real ou não de provas contundentes que
possibilitaram a penalização do acusado que é, sem dúvida, o polo mais fraco da ação penal.

Em última exposição, tratando-se de análise comparativa entre os papeis e funções exercidos


pelo juiz e pelo MP, o juiz não quer e nem pode querer condenar o acusado. Se o juiz demonstra
interesse na condenação, conclui-se que este está atuando de forma parcial. O juiz deve buscar a
averiguação dos fatos para tentar atingir a verdade e assim se fazer justiça. Diferentemente, o MP
atua no polo ativo da ação penal, configuradamente por possuir o objetivo de acusar. Logo, pelo
raciocínio lógico, é dedutivo que ele atue na negociação tendenciosamente, buscando atingir um
acordo entre os dois polos que mais se aproxime do seu objetivo que o constitui enquanto parte do
processo, qual seja, o objetivo de acusar. Diante dessa exposições, é inegável que o afastamento do
processo penal contencioso somado ao advento da aplicabilidade da negociação nos procedimentos
para fins de imposição de sanções penais violam direitos e garantias fundamentais. Isto porque,
embora seja reconhecível a ocorrência de benefícios gerados por casos específicos em que houve
êxito na aplicação da prática negocial, estes mesmos casos específicos não podem ser usados como
paradigmas em uma mesma realidade a onde se reconheça a interferência nos direitos e garantias do
acusado. Em outras palavras, a ocorrência de vários casos benéficos no contexto processual não
estabelece paradigmas que possam ser aplicáveis como regra geral, mas existência de apenas um
caso de violação dos direitos garantidos ao réu constrói a antítese do paradigma.

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