Você está na página 1de 2

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88)

estabelece os fundamentos do sistema jurídico brasileiro e, implicitamente, define o


modelo processual penal adotado no país. Tradicionalmente, o sistema acusatório é
caracterizado pela separação entre as funções de acusar, defender e julgar, sendo o
Ministério Público o titular da ação penal, ao passo que o juiz deve manter uma
posição de imparcialidade, atuando como um terceiro independente na relação
processual.

A justiça penal consensual, que inclui mecanismos como a transação penal, a


suspensão condicional do processo e os acordos de não persecução penal,
representa uma flexibilização do tradicional sistema acusatório, introduzindo
elementos de consenso e negociação no processo penal. Embora tenha como
objetivo a eficiência e a resolução mais rápida de conflitos, a adoção de práticas
consensuais pode entrar em tensão com alguns princípios do sistema acusatório
implicitamente previstos na CRFB/88:

Princípio da Imparcialidade do Juiz: No sistema acusatório puro, o juiz deve


se manter como um árbitro imparcial entre a acusação e a defesa. No contexto da
justiça penal consensual, o juiz pode assumir um papel mais ativo nas negociações
e acordos, o que pode comprometer sua imparcialidade.

Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa: A justiça consensual pode


limitar o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, especialmente se as
partes se sentirem pressionadas a aceitar acordos para evitar o risco de sanções
mais severas em um processo penal tradicional.

Princípio da Publicidade: Os procedimentos consensuais muitas vezes


ocorrem de forma menos transparente do que os julgamentos tradicionais, o que
pode reduzir a publicidade dos atos processuais e limitar o escrutínio público.

Princípio da Legalidade e da Obrigatoriedade da Ação Penal: A justiça penal


consensual permite que determinados casos sejam resolvidos sem a necessidade
de uma acusação formal, o que pode ser visto como uma flexibilização do princípio
da legalidade e da obrigatoriedade da ação penal.
A adoção da justiça penal consensual representa uma mitigação clara em
relação ao princípio da obrigatoriedade, trazendo consigo a noção de uma
legalidade mitigada, especialmente no que tange às negociações penais.

Tradicionalmente, o princípio da legalidade no direito penal é estrita, o


princípio da obrigatoriedade da ação penal impõe ao Ministério Público o dever de
promover a ação penal em todas as situações em que houver suficiente prova de
autoria e materialidade, sem deixar margem para discricionariedade

Contudo, a justiça penal consensual introduz um elemento de flexibilidade


nesses princípios, permitindo que, em certas circunstâncias, os casos criminais
possam ser resolvidos por meio de acordos entre as partes envolvidas, sem a
necessidade de um processo penal formal. Essa flexibilidade pode ser entendida
como uma forma de legalidade mitigada, na qual o rigor da lei é adaptado para
permitir soluções alternativas que visam à desburocratização do sistema de justiça e
à celeridade processual

O princípio da adequação surge como um balizador nesse contexto,


sugerindo que os mecanismos de justiça consensual devem ser utilizados de
maneira adequada e proporcional, respeitando as peculiaridades de cada caso e
garantindo a proteção dos direitos fundamentais. Esse princípio visa assegurar que
a justiça penal consensual não se desvie dos objetivos de justiça e eficiência que
justificam sua existência.

Dentro desse espectro, é possível delimitar os "espaços de consenso" e os


"espaços de conflitos". Os espaços de consenso são aqueles em que as partes
podem, de forma livre e informada, chegar a um acordo que seja mutuamente
benéfico e socialmente aceitável, respeitando os princípios constitucionais.

Já os espaços de conflito representam as situações em que os interesses das


partes são irreconciliáveis ou quando o recurso ao consenso pode violar normas e
princípios fundamentais, tais como nos crimes hediondos, demandando, assim, a
atuação tradicional do sistema acusatório com julgamento pelo juiz.

Você também pode gostar