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JUSTIÇA PENAL NEGOCIADA

(ACORDO DE NÃO- PERSECUÇÃO


PENAL)
Modelos de justiça:

1) Conflitiva
2) Consensuada
2.1) Restaurativa
2.2) Reparatória
2.3) Negociada (figurando como subespécie a justiça colaborativa)
Justiça RESTAURATIVA: baseada num procedimento de
consenso envolvendo os personagens da infração penal (autor,
vítima e, em alguns casos, a própria comunidade), sustenta que,
diante do crime, sua solução perpassa pela restauração, ou seja,
pela reaproximação das partes envolvidas para que seja
restabelecido o cenário anterior (de paz e higidez das relações
sociais).

Justiça REPARATÓRIA: se faz por meio da conciliação


promovida pelos órgãos integrantes do sistema criminal, como
ocorre na transação penal e nos termos de ajustamento de
conduta.
Justiça NEGOCIADA: proveniente sobretudo do direito americano,
o agente e o órgão acusador acordam acerca das consequências
da prática criminosa, o que, evidentemente, pressupõe a admissão
de culpa.
Como ALEXANDRE DA ROSA e AURY LOPES JUNIOR alertam,
somente “os juristas desatualizados insistem em excluir os
institutos da Justiça Negociada do ambiente processual brasileiro,
lutando por manter a ilha moderna do processo penal e o fetiche
pela decisão penal de mérito como o único mecanismo de
descoberta e de produção de sanções estatais”.

É possível verificar que a realização de acordos penais no Brasil –


apesar de não ser a única e suficiente alternativa para a resolução
dos graves problemas de nosso sistema – afigura-se como uma
medida imprescindível e urgente para deflagrar um sério processo
de aprimoramento e reforma do modo com que é realizada a nossa
persecução penal.
Razões que levam alguns países a adotarem este modelo:

1) excesso de processos
2) ganho de honorários mais rápidos
3) evitar penas severas, típicas do sistema norte-americano

6  
Críticas ao sistema:

a) abusos praticados pelo MP


b) overrecomentation (o MP ameaça com pena maior do que
recomendada)
c) bluffing (MP afirma mentirosamente ter mais provas do que
realmente possui)
d) erosão do sistema acusatório
Para resolver esses “perigos”, basta regular o sistema, pressupondo
compartilhamento dos elementos existentes, exigir presença de
advogado e supervisão de um juiz (mais do que um juiz para
homologar.
7  
Análise Crítica do Instituto do Acordo de
Não Persecução Penal  

Equilíbrio Processual   Vantagens e Excesso de Poder  


Desvantagens  
Considerando a assimetria de O acordo pode ser visto como
armas entre as partes, o O acordo permite a um instrumento de excesso de
acordo pode ser uma saída pacificação social e a adoção poder do MP e do Judiciário,
vantajosa para o acusado, de medidas mais brandas que que estariam "jogando para a
mas pode representar um a prisão, mas pode fragilizar a torcida", ou como uma
prejuízo para a resolução acusação ou a impunidade em alternativa moderna e flexível
equilibrada do conflito.   casos mais graves.   ao processo penal.  
Com a publicação da Resolução n.º 181/2017 do Conselho
Nacional do Ministério Público, alterada pela Resolução 183/18, fica
reforçada, no âmbito da persecução criminal, a Justiça
Consensual Negociada, prevendo o acordo de não-persecução
penal.

A necessidade de buscar-se soluções céleres e efetivas inspirou a


edição do art. 18 da Resolução n. 181/17

9  
Resolução 181 CNMP (art. 18)
Art.  18.  Não  sendo  o  caso  de  arquivamento,  o  Ministério  Público  poderá  propor  ao  inves?gado  acordo  de  não  
persecução   penal   quando,   cominada   pena   mínima   inferior   a   4   (quatro)   anos   e   o   crime   não   for   come?do   com  
violência  ou  grave  ameaça  a  pessoa,  o  inves?gado  ?ver  confessado  formal  e  circunstanciadamente  a  sua  prá?ca,  
mediante  as  seguintes  condições,  ajustadas  cumula?va  ou  alterna?vamente:  (Redação  dada  pela  Resolução  n°  
183,  de  24  de  janeiro  de  2018)    
I  –  reparar  o  dano  ou  res?tuir  a  coisa  à  ví?ma,  salvo  impossibilidade  de  fazê-­‐lo;  (Redação  dada  pela  Resolução  n°  
183,  de  24  de  janeiro  de  2018)    
II  –  renunciar  voluntariamente  a  bens  e  direitos,  indicados  pelo  Ministério  Público  como  instrumentos,  produto  
ou  proveito  do  crime;  (Redação  dada  pela  Resolução  n°  183,  de  24  de  janeiro  de  2018)    
III  –  prestar  serviço  à  comunidade  ou  a  en?dades  públicas  por  período  correspondente  à  pena  mínima  cominada  
ao  delito,  diminuída  de  um  a  dois  terços,  em  local  a  ser  indicado  pelo  Ministério  Público;  (Redação  dada  pela  
Resolução  n°  183,  de  24  de  janeiro  de  2018)    
IV  –  pagar  prestação  pecuniária,  a  ser  es?pulada  nos  termos  do  art.  45  do  Código  Penal,  a  en?dade  pública  ou  de  
interesse   social   a   ser   indicada   pelo   Ministério   Público,   devendo   a   prestação   ser   des?nada   preferencialmente  
àquelas  en?dades  que  tenham  como  função  proteger  bens  jurídicos  iguais  ou  semelhantes  aos  aparentemente  
lesados  pelo  delito;  (Redação  dada  pela  Resolução  n°  183,  de  24  de  janeiro  de  2018)    
V   –   cumprir   outra   condição   es?pulada   pelo   Ministério   Público,   desde   que   proporcional   e   compa[vel   com   a  
infração  penal  aparentemente  pra?cada.  (Redação  dada  pela  Resolução  n°  183,  de  24  de  janeiro  de  2018)  
10    
CONCEITO  DE  ANPP  
 
Acordo   de   Não   Persecução   Penal   é   entendido   como   “[...]   o   ajuste  
passível   de   ser   celebrado   entre   o   Ministério   Público   e   o   invesEgado,  
acompanhado  por  seu  advogado,  e  que,  uma  vez  cumprido,  ensejará  
a  promoção  de  arquivamento  da  invesEgação”.    

(OLIVEIRA,   Ana   Paula   Feitosa.   A   solução   consensual   de   conflitos  


penais   mediante   a   homologação   judicial   de   acordos   de   não  
persecução   penal   em   audiências   de   custódia.   2019.   132   p.  
Dissertação   (Mestrado   Profissional)   Universidade   de   Fortaleza.  
Programa   de   Mestrado   Profissional   em   Direito     Gestão   de   Conflitos,  
Fortaleza,  p.  35)   11  
OBJETIVOS DO ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL  

Conciliação   Economia Processual   Justiça Penal


Alternativa  
Promover a solução Poupar recursos do Estado e
consensual dos conflitos das partes envolvidas.   Estimular a aplicação de
penais.   medidas diversas da prisão,
em casos que assim permitam.  
• O   ANPP   despontou-­‐se   a   parEr   da   necessidade   de   aprimoramento  
das   invesEgações   presididas   pelo   Ministério   Púbico   objeEvando   a  
“efeEvidade   e   proteção   dos   direitos   fundamentais   dos  
invesEgados[...]”,   destacando-­‐se   ainda   a   exigência   de   “meios  
alternaEvos   para   solucionar   as   questões   aEnentes   ao   Processo  
Penal,  com  vistas  a  maior  celeridade  na  resolução  de  crimes  menos  
graves”.  

• Busca   evitar   que   os   delitos   de   menos   complexidade   e   gravidade  


sejam   judicializados,   servindo   os   acordos   como   instrumento   de  
filtragem,   onde   busca-­‐se   a   efeEvidade   da   tutela   jurisdicional   de  
forma  célere  a  resolução  das  demandas  criminais.  
13  
Se   trata   de   nova   possibilidade   de   acordo   na   seara   criminal,   o   qual  
apresenta   semelhante   viés   despenalizador   já   existente,   com   a  
finalidade  de  conter  a  judicialização  de  fatos  hpicos,  as  mazelas  de  um  
processo  criminal,  uma  eventual  condenação  e,  consequentemente,  a  
reincidência,   objeEvos   semelhantes   aos   previstos   no   insEtuto   da  
transação  penal.  
 
A  jusEça  criminal  negociada  tem  origem  no  sistema  de  jusEça  norte-­‐
americano  (plea  bargaining),  compreendida  como  sendo  “negociação  
de   acordo”,   o   que   poderia   ser   expresso   literalmente   como  
“negociação  judicial”,  “acordo  perante  a  jusEça”,  mas  em  linhas  gerais  
a  tradução  efeEva  é  “negociação  de  confissão””.    
14  
“Em   sua   essência,   não   seriam   todos   os   casos   que   o   fato   de   se   está  
negociando   um   beneicio,   oficialmente   viesse   a   estar   reconhecendo  
uma   confissão   por   parte   daquele   que   em   tese,   ao   momento,   estaria  
sendo  interpelado.”  
 
Assim,  o  plea  bargaing  é  mecanismo  processual,  advindo  do  sistema  
norte-­‐americano,  onde,  em  linhas  gerais,  acusação  e  defesa  detém  a  
possibilidade  de  negociar  um  acordo  em  casos  criminais.  
 

15  
A  Lei  nº  13.964/2019,  chamada  de  Pacote  AnEcrime,  incluiu  o  arEgo  
28-­‐A   e   seus   quatorze   parágrafos   ao   Código   de   Processo   Penal,  
concedendo   a   possibilidade   do   Acordo   de   Não   Persecução   Penal  
(ANPP),   que   trata   de   uma   condição   de   transação   entre   o   Ministério  
Público   e   o   suposto   infrator,   que   se   assemelha   à   aplicação   da  
Transação   Penal,   mas   tem   por   objeEvo   evitar   o   ajuizamento   da  
denúncia.  
 
a   confissão   do   réu   é   essencial   para   a   efeEvidade   do   acordo,   todavia   a  
confissão  não  é  antecedente  necessário  ao  ANPP.  Deve  ser  feita,  se  o  
invesEgado  assim  o  quiser,  somente  quando  concretamente  proposto  
o   acordo   pelo   Ministério   Público,   não   antes   ou   depois,   e   sempre   na  
presença  de  advogado.   16  
O Superior Tribunal de Justiça igualmente entende que “o acordo de não
persecução penal "instituído pela Lei nº 13.964/19 esgota-se na fase pré-
processual, não incidindo em casos em que, como o presente, já ocorreu o
oferecimento da denúncia"

O STF entende quanto a possibilidade do Acordo de Não Persecução Penal


(ANPP) ser implementado também em processos iniciados antes da vigência
do Pacote Anticrime, aplicando-se o instituto da retroação do ANPP,
reconhecendo que a norma deve ser aplicada nos processos em curso, ou
seja, após o oferecimento da denúncia, haja vista ser norma processual mais
benéfica.

É possível ainda sua celebração inclusive na mesma oportunidade da


audiência de custódia. Explica-se: como é sabido, por ocasião da realização
da audiência de custódia, não se admite que o preso seja indagado acerca
do mérito da imputação 17  
Art.   28-­‐A   CPP.   Não   sendo   o   caso   de   arquivamento   e   tendo   o  
invesEgado   confessado   formal   e   circunstanciadamente   a   práEca   de  
infração   penal   sem   violência   ou   grave   ameaça   e   com   pena   mínima  
inferior   a   4   anos,   o   Ministério   Público   poderá   propor   acordo   de   não  
persecução   penal,   desde   que   necessário   e   suficiente   para   a  
reprovação  e  prevenção  do  crime,  mediante  as  seguintes  condições.  

18  
REQUISITOS PARA CELEBRAÇÃO DO ANPP  

1   Confissão de 2   Reparação do 3   Acordo voluntário e


autoria ou dano causado   consciente  
participação  
Se possível, o acusado O acordo não pode ter
O acusado deve admitir deve ressarcir o prejuízo sido obtido mediante
ter cometido o crime ou causado à vítima ou à coerção ou fraude.  
ter colaborado para sua sociedade.  
execução.  
PROCEDIMENTOS PARA CELEBRAÇÃO DO
ANPP  
1   2   3  

Proposta do Análise da Defesa   Audiência de


Ministério Público   Homologação  
A defesa deve avaliar a
O MP deve propor o proposta e manifestar seu O Juiz deve avaliar os
acordo, apresentando os interesse em celebrar o requisitos e a manifestação
requisitos e benefícios aos acordo.   das partes, e homologar ou
envolvidos.   não o acordo.  
Casos Práticos de Celebração e de
Descumprimento do Acordo de Não
Persecução Penal  
Caso 1   Crime de trânsito com lesão Indenização à vítima e
corporal culposa   prestação de serviços
comunitários  

Caso 2   Fraude em processo licitatório   Pagamento de multa e


restituição do valor desviado  

Caso 3   Corrupção ativa de agente Pagamento de multa e


público   prestação de serviços à
comunidade  
Análise  judicial  do  acordo    
 
O   art.   28-­‐A   prevê   verdadeira   solenidade   para   julgamento   do   ANPP.   O   juiz  
marca  audiência  para  verificar  a  sua  voluntariedade,  por  meio  da  oiEva  do  
invesEgado  na  presença  de  seu  defensor,  bem  como  sua  legalidade.    
 
A  “raEo  legis”  fica  bem  clara.   Confere-­‐se   ao   juiz,   com   a  oiEva  do  invesEgado  
(compromissário)  e  de  seu  defensor,  a  salutar  possibilidade  de  avaliar  se  o  
acordo  foi  ou  não  forçado,  contra  a  vontade  do  invesEgado.    
 
Daí   porque,   na   audiência   a   que   se   refere   o   disposiEvo,   não   haver   previsão  
quanto   à   presença   do   proponente   do   acordo   (Ministério   Público),   mas  
somente  do  indigitado  e  seu  defensor.  A  legalidade  do  ANPP  também  será  
objeto  de  análise  judicial.     22  
Conceito  e  natureza  jurídica    
 
Tomado  pelo  espírito  de  jusEça  consensual,  compreende-­‐se  o  acordo  
de   não   persecução   penal   como   sendo   o   ajuste   obrigacional   celebrado  
entre   o   órgão   de   acusação   e   o   invesEgado   (assisEdo   por   advogado),  
devidamente  homologado  pelo  juiz,  no  qual  o  indigitado  assume  sua  
responsabilidade,   aceitando   cumprir,   desde   logo,   condições   menos  
severas  do  que  a  sanção  penal  aplicável  ao  fato  a  ele  imputado.    

23  
Cuidado:

Não se confunde com COLABORAÇÃO PREMIADA

A colaboração premiada poderia ser definida, já com base na Lei


12.850/13, como a possibilidade que detém o autor do delito em obter o
perdão judicial e a redução da pena (ou sua substituição), desde que, de
forma eficaz e voluntária, auxilie na obtenção dos resultados previstos
em lei.

24  
ANPP   Colaboração  premiada  
Art.   18.   Não   sendo   o   caso   de   arquivamento,   o   Art.   4o     O   juiz   poderá,   a   requerimento   das   partes,  
Ministério   Público   poderá   propor   ao   inves?gado   conceder   o   perdão   judicial,   reduzir   em   até   2/3   (dois  
acordo   de   não   persecução   penal   quando,   terços)  a  pena  priva?va  de  liberdade  ou  subs?tuí-­‐la  por  
cominada  pena  mínima  inferior  a  4  (quatro)  anos  e   restri?va   de   direitos   daquele   que   tenha   colaborado  
o   crime   não   for   come?do   com   violência   ou   grave   efe?va   e   voluntariamente   com   a   inves?gação   e   com   o  
ameaça   a   pessoa,   o   inves?gado   ?ver   confessado   processo   criminal,   desde   que   dessa   colaboração  
formal   e   circunstanciadamente   a   sua   prá?ca,   advenha  um  ou  mais  dos  seguintes  resultados:  
mediante   as   seguintes   condições,   ajustadas   I   -­‐   a   iden?ficação   dos   demais   coautores   e   par[cipes   da  
cumula?va  ou  alterna?vamente:   organização   criminosa   e   das   infrações   penais   por   eles  
I  –  reparar  o  dano  ou  res?tuir  a  coisa  à  ví?ma   pra?cadas;  
II  –  renunciar  voluntariamente  a  bens  e  direitos   II  -­‐  a  revelação  da  estrutura  hierárquica  e  da  divisão  de  
III   –   prestar   serviço   à   comunidade   ou   a   en?dades   tarefas  da  organização  criminosa;  
públicas   III   -­‐   a   prevenção   de   infrações   penais   decorrentes   das  
IV  –  pagar  prestação  pecuniária   a?vidades  da  organização  criminosa;  
V   –   cumprir   outra   condição   es?pulada   pelo   IV   -­‐   a   recuperação   total   ou   parcial   do   produto   ou   do  
Ministério  Público   proveito   das   infrações   penais   pra?cadas   pela  
organização  criminosa;  
V   -­‐   a   localização   de   eventual   ví?ma   com   a   sua  
integridade  csica  preservada.  
25  
 
26  
CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO?

27  
DISCUSSÃO SOBRE A
CONSTITUCIONALIDADE DO ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL  
Favoráveis   Contrários  
• Art. 5º, XXXV da Constituição: "a lei não • Art. 129, I, da Constituição: "são funções
excluirá da apreciação do Poder institucionais do Ministério Público: (...)
Judiciário lesão ou ameaça a direito".   promover, privativamente, a ação penal
• Art. 98 da Constituição: "a União, no pública, na forma da lei".  
Distrito Federal e nos Territórios, e os • Art. 5º, II, da Constituição: "ninguém será
Estados criarão ouvidorias públicas de obrigado a fazer ou deixar de fazer
defensores dos direitos humanos, (...) alguma coisa senão em virtude de lei".  
com atribuição de (...) medição e
conciliação de conflitos e apuração de
práticas de violações de direitos
humanos."  
1a) As resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público
ostentam caráter normativo primário, com atos de comando
abstrato, que vinculam seus membros.

2a) O acordo de não persecução penal não é matéria de natureza


processual.

3a) O acordo de não persecução penal não é matéria de natureza


penal.

4a) O acordo de não persecução penal veicula matéria de política


criminal a ser realizada pelo titular da ação penal, o Ministério
Público. 29  
Da força normativa das resoluções do CNMP.

O art. 130-A, § 2o, inciso I, da Constituição da República estabelece


que compete ao Conselho Nacional do Ministério Público “zelar pela
autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo
expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou
recomendar providências”.

Sobre esse poder regulamentar, o Supremo Tribunal Federal já


assentou que as resoluções do CNJ (e portanto, também, as do
CNMP) ostentam “caráter normativo primário”.

30  
Assim, o CNJ e o CNMP, “[n]o exercício de suas atribuições
administrativas” ostentam o poder de “‘expedir atos
regulamentares’. Esses, por sua vez, são atos de comando abstrato
que dirigem aos seus destinatários comandos e obrigações, desde
que inseridos na esfera de competência do órgão.” .

31  
A esse respeito, JUSTEN FILHO explica que o Supremo Tribunal Federal
admitiu a validade da expedição de regulamentos autônomos por parte do
Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, afirmando que:
“Esse entendimento foi adotado pelo STF, ao julgar a ADC 12. O STF
considerou válida a Res. 7 do CNJ, que impusera vedação ao nepotismo
no Poder Judiciário. Essa decisão afastou a necessidade de lei para
regulamentar a disciplina constitucional. O STF reputou que a omissão do
legislador não constitui obstáculo à edição de normas regulamentares
destinadas a tornar efetivas determinações constitucionais.
Sob esse prisma, a questão deixa de ser decidida segundo um critério
formal (natureza do ato – legislativo ou administrativo – veiculador de
normas) para ser avaliada em face de um critério material (conteúdo das
normas constitucionais concretizadas). Assim, a figura do regulamento
autônomo adquire extrema relevância nas hipóteses de omissão legislativa
referida a temas essenciais à Constituição.”
32  
É correto afirmar que, de acordo com estável jurisprudência do
Plenário do Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional do
Ministério Público pode expedir regulamentos autônomos, desde
que destinado a regulamentar diretamente a aplicação de princípios
constitucionais.

Na espécie, é possível afirmar que a Resolução 181/17 busca tão


somente aplicar os princípios constitucionais da eficiência (CF,
artigo 37, caput); da proporcionalidade (CF, artigo 5º, LIV); da
celeridade (CF, artigo 5º, LXXVIII) e do acusatório (CF, artigo 129, I,
VI e VI).

33  
O acordo de não persecução penal não é matéria de natureza
processual.

Considerando-se que o acordo de não persecução é extrajudicial


(não envolve o exercício da jurisdição penal), vez que realizado no
âmbito de um procedimento administrativo investigatório, sem o
prévio exercício de uma pretensão punitiva, é dizer, sem o prévio
oferecimento de denúncia ou queixa, não há o menor sentido em
atribuir-se à regulamentação desse acordo a natureza de norma
processual.
O acordo é um negócio jurídico extrajudicial, que não envolve o
prévio oferecimento de denúncia, nem exige uma prestação
jurisdicional do Estado-Juiz.
34  
O acordo de não persecução penal não é matéria de natureza
penal.

Aparentemente, essa crítica decorre de uma compreensão


equivocada do acordo, confundindo-o com o plea bargain do direito
anglo-saxão.
Ora, há uma clara diferença entre o plea bargain e o acordo de não
persecução.
No acordo não há aplicação de pena. No plea bargain há
efetivamente a aplicação de uma sanção penal. No acordo, uma
vez ocorrendo o seu descumprimento, faz-se necessário o
oferecimento de denúncia, com plena instrução processual para a
aplicação de penal. No plea bargain não é necessária instrução;
simplesmente, executa-se a pena. 35  
Regras de Tóquio
(...)
5 . Medidas que podem ser tomadas antes do processo
5 .1 Sempre que adequado e compatível com o sistema jurídico, a
polícia, o Ministério Público ou outros serviços encarregados da
justiça criminal podem retirar os procedimentos contra o infrator se
considerarem que não é necessário recorrer a um processo judicial
com vistas à proteção da sociedade, à prevenção do crime ou à
promoção do respeito pela lei ou pelos direitos das vítimas. Para a
decisão sobre a adequação da retirada ou determinação dos
procedimentos deve-se desenvolver um conjunto de critérios
estabelecidos dentro de cada sistema legal. Para infrações
menores, o promotor pode impor medidas não privativas de
liberdade, se apropriado. 36  
E o princípio da obrigatoriedade?

A ideia importante da obrigatoriedade é a que não pode o Ministério


Público, sem justa causa, simplesmente abrir mão de dar uma
resposta às investigações penais maduras e viáveis que se
encontram em seu poder. Assim, tal interpretação deixa claro, que o
Ministério Público não pode conceder favores ilegítimos para
determinadas pessoas.
Esse dever de atuação – ainda que nem sempre por meio da ação
penal – decorre, fundamentalmente, do princípio da moralidade
(CR, art. 37, caput) e do dever de objetividade que deve marcar a
atuação ministerial.

37  
Como consigna BARJA DE QUIROGA: “(…) o princípio da
oportunidade não significa que o poder de decisão do Ministério
Público seja absoluto sobre o exercício ou não da ação penal. Em
termo gerais, o Ministério Público tem liberdade de ação dentro de
determinados limites, além do que, dentro desses limites, está
também submetido aos princípios da imparcialidade, igualdade e às
suas atuações precedentes, de modo que deve existir sempre uma
correlação entre as diversas atuações do Ministério Público, para
assim manter os princípios indicados. Dessa forma, o Ministério
Público atuará no processo de forma mais viva, flexível e ágil,
dentro de suas diretrizes que devem ser estabelecidas.
Oportunidade, tampouco, significa oportunidade política, no sentido
depreciativo da palavra.” (BARJA DE QUIROGA, Jacobo López.
Tratado de Derecho Procesal Penal, vol I, 6ª ed. Cizur Menor:
Aranzadi, 2014, p. 469). 38  
Acordo e ação penal privada subsidiária da pública:

Deve-se deixar, ademais, bem claro que a celebração do acordo


não autoriza o ajuizamento de ação penal subsidiária da pública,
uma vez que “o pressuposto dessa ação penal é a inércia do MP” e
o acordo constitui um claro impulso (ação) do Ministério Público e
ele encontra-se previsto expressamente em resolução do CNMP,
que disciplina a atuação da Instituição, máxime em existindo
homologação judicial do acordo.

Por essas razões é que, nesses casos, o requisito da omissão, para


que se autorize a adoção dessa medida de exceção à titularidade
da ação penal pública pelo Ministério Público, não está preenchido.
39  
PRESSUPOSTOS PARA O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO

• a)  existência  de  procedimento  invesEgatório.    


• b)  não  ser  o  caso  de  arquivamento  dos  autos.    
• c)   cominada   pena   mínima   inferior   a   4   (quatro)   anos   e   o   crime   não   for  
comeEdo  com  violência  ou  grave  ameaça  à  pessoa.    
• d)   o   invesEgado   Ever   confessado   formal   e   circunstanciadamente   a  
práEca  do  crime.  

40  
PRESSUPOSTOS PARA O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO

Para a celebração do acordo de não persecução, a presença


cumulativa dos seguintes pressupostos:

a) existência de procedimento investigatório.


ATENÇÃO: A primeira versão da Resolução n. 181/2017 admitia o
acordo somente em sede do procedimento investigatório criminal
(PIC), presidido pelo MP. Ao ser revista, admitiu-se sua aplicação na
investigação policial presidida pela autoridade policial, isto é, nos
autos do inquérito policial.

41  
b) não ser o caso de arquivamento dos autos, existindo justa
causa (lastro probatório mínimo) para a denúncia-crime.

ATENÇÃO: Oferecida a denúncia, fica vedado o acordo de não


persecução penal.

42  
c) cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime
não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa.

ATENÇÃO: Para aferição da pena mínima cominada ao delito, a


que se refere o caput, serão consideradas as causas de aumento e
diminuição aplicáveis ao caso concreto (art. 18, § 13).
 

43  
d) o investigado tiver confessado formal e
circunstanciadamente a prática do crime.

ATENÇÃO: A confissão detalhada dos fatos e as tratativas do


acordo serão registrados pelos meios ou recursos de gravação
audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, e
o investigado deve estar sempre acompanhado de seu defensor.

44  
CONDIÇÕES PARA O ACORDO (cumulativas ou alternativas):
I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, salvo impossibilidade
de fazê-lo;

II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, indicados pelo


Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por


período correspondente à pena mínima cominada ao delito,
diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo
Ministério Público;
(...)
45  
CONDIÇÕES PARA O ACORDO (cumulativas ou alternativas):
(...)
IV – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art.
45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser
indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada
preferencialmente àquelas entidades que tenham como função
proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito;

V – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde


que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente
praticada.

46  
NÃO CABIMENTO DO ACORDO (§ 2º):

• I  –  se  for  cabível  a  transação  penal  de  competência  dos  Juizados  Especiais  Criminais,  
nos  termos  da  lei;  
 
• II  –  se  o  invesEgado  for  reincidente  ou  se  houver  elementos  probatórios  que  indiquem  
conduta   criminal   habitual,   reiterada   ou   profissional,   exceto   se   insignificantes   as  
infrações  penais  pretéritas;  
 
• III   –   ter   sido   o   agente   beneficiado   nos   5   (cinco)   anos   anteriores   ao   comeEmento   da  
infração,   em   acordo   de   não   persecução   penal,   transação   penal   ou   suspensão  
condicional  do  processo;  e  
 
• IV  –  nos  crimes  praEcados  no  âmbito  de  violência  domésEca  ou  familiar,  ou  praEcados  
contra  a  mulher  por  razões  da  condição  de  sexo  feminino,  em  favor  do  agressor.    
47  
CABE O ANPP NO CRIME DE TRÁFICO PRIVILEGIADO?

Art. 33
(...)
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas
poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a
conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja
primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades
criminosas nem integre organização criminosa.

48  
CABE O ANPP NOS CRIMES DE PEDOFILIA (arts. 240 e ss do
ECA)?

Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio,


fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de
sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

49  
FORMALIDADES PROCEDIMENTAIS:
O acordo será formalizado nos autos do PIC ou do IP, com a
qualificação completa do investigado e estipulará de modo claro as
suas condições, eventuais valores a serem restituídos e as datas
para cumprimento, e será firmado pelo membro do Ministério
Público, pelo investigado e seu defensor.

Realizado o acordo, a vítima será comunicada por qualquer meio


idôneo.

ATENÇÃO: Constou expressamente da Resolução que o acordo


poderá ser celebrado na mesma oportunidade da audiência de
custódia. 50  
HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL:

Os autos, com o acordo, serão submetidos à apreciação judicial. Se


o juiz considerar o acordo cabível e as condições adequadas e
suficientes, devolverá os autos ao Ministério Público para sua
implementação.

51  
Se considerar incabível o acordo, bem como inadequadas ou
insuficientes as condições celebradas, o juiz fará remessa dos
autos ao procurador-geral ou órgão superior interno responsável por
sua apreciação, nos termos da legislação vigente, que poderá
adotar as seguintes providências:
I – oferecer denúncia ou designar outro membro para oferecê-la;
II – complementar as investigações ou designar outro membro para
complementá-la;
III – reformular a proposta de acordo de não persecução, para
apreciação do investigado;
IV – manter o acordo de não persecução, que vinculará toda a
Instituição.
52  
Como fica a confissão e documentos entregues pelo
compromissário quando o acordo não é homologado pelo juiz
e o PGJ não insiste nos seus termos?

A melhor solução é realmente esta: não homologado o acordo e


sendo tal entendimento confirmado pelo Procurador-Geral, deverá a
confissão ser excluída dos autos e os elementos de prova
eventualmente fornecidos pelo investigado deverão ser-lhe
restituídos.

53  
FISCALIZAÇÃO DAS CONDIÇÕES FIXADAS NO ACORDO

É dever do investigado comunicar ao Ministério Público eventual


mudança de endereço, número de telefone ou e-mail, e comprovar
mensalmente o cumprimento das condições, independentemente de
notificação ou aviso prévio, devendo ele, quando for o caso, por
iniciativa própria, apresentar imediatamente e de forma
documentada eventual justificativa para o não cumprimento do
acordo.

54  
CONCLUSÃO:

Extrai-se da Resolução que a comprovação do cumprimento das


condições pelo investigado – ou a impossibilidade de fazê-lo –
figura como uma das condições para a manutenção do acordo,
consubstanciando-se assim em uma demonstração de sua
responsabilidade pessoal. Inverte-se, com isto, a tradicional forma
de fiscalização de condições e medidas que acompanham
benefícios processuais ou executórios, pois o investigado passa a
assumir um comportamento ativo, tanto que previsto o oferecimento
da denúncia como uma consequência imediata da não
comprovação.

55  
(DES)CUMPRIMENTO DO ACORDO

Descumpridas quaisquer das condições voluntariamente ajustadas, o


Ministério Público comunica o juiz para que decrete sua rescisão,
possibilitando ao titular da ação o oferecimento da denúncia. Em que pese
a redação do parágrafo, não estamos diante de um simples comunicado,
mas de verdadeiro requerimento ministerial para que o juiz julgue
rescindida a avença. A decisão judicial, inclusive, tem natureza constitutiva
negativa (e não meramente declaratória).

ATENÇÃO: O descumprimento do acordo de não persecução pelo


investigado também poderá ser utilizado pelo membro do Ministério
Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão
condicional do processo.
56  
CONSEQUÊNCIAS DO DESCUMPRIMENTO DO
ANPP  

Retorno do Processo Cumprimento do Utilização do Acordo


Penal   Acordo Anterior   em Prejuízo  

Em caso de O acusado pode ser O acordo não pode ser


descumprimento, o obrigado a cumprir o utilizado contra o acusado
processo pode ser acordo anteriormente em prejuízo de outra ação
retomado do ponto anterior celebrado.   penal.  
à celebração do acordo.  
CUMPRIMENTO DO ANPP

• De acordo com o novel artigo (28-A), cumprido integralmente o ANPP, o


juízo competente decretará a extinção da punibilidade. O juízo
competente, na linha da opção do legislador na Lei 13.964/19, é o da
execução penal.

PRESCRIÇÃO
 
• Alterado o art. 116 do CP, IV, não corre a prescrição da pretensão
punitiva enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não
persecução penal.

58  
Cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o
arquivamento da investigação.

59  

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