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DISCIPLINA: PROCESSO PENAL – PARTE GERAL

PROF. AYRTON BORGES MACHADO


ALUNA: HILDA OLIVEIRA DE ARAÚJO LEAL
MATRICULA: 201902186461
TRABALHO: PESQUISA SOBRE ACORDO DE NÃO
PERSECUÇÃO PENAL

O sistema judicial brasileiro, baseado no modelo Civil Law (fundado na


legislação), é excessivamente formalista, burocrático, ocasionando um engessamento no
judiciário e no Ministério Público, os principais responsáveis pelo início e andamento
processual.

A ineficácia do sistema de justiça e a morosidade para punir aqueles que cometem


infrações penais cria uma sensação de insegurança coletiva. A sociedade e as vítimas,
mais especificamente, veem seus interesses prejudicados. É como se a impunidade
prevalecesse diante do Estado. A sociedade, por consequência, cobra uma resposta
imediata e punitiva dos órgãos estatais.

Nessa conjuntura de ineficiência judiciária e insatisfação social, o poder público


busca meios diferentes para amenizar o problema. E uma solução viável e imediata é a
ampliação da justiça negociada no processo penal.

A negociação na esfera processual penal já existe. A Constituição Federal


promulgada em 1988 inovou ao prever a criação dos Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, que no âmbito penal teriam competência para conciliar, julgar e executar as
infrações penais de menor potencial ofensivo.

Anos depois, em 1995, foi editada a lei 9.099 para referendar a previsão
constitucional. A Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais introduziu mecanismos
que trouxeram mais agilidade ao sistema processual penal, como os institutos da
transação penal entre o Ministério Público e o auto do fato (art. 76), composição civil dos
danos com efeitos penais de extinção para alguns crimes (art. 74, parágrafo único) e a
suspensão condicional do processo (art. 89).

A partir do momento em que a Constituição Federal menciona e autoriza a


possibilidade de transação penal às contravenções, bem como que as leis
infraconstitucionais regularizam institutos de resolução consensual do processo, infere-
se a viabilidade de haver negociação na seara criminal. É o pontapé inicial para a chamada
barganha penal ou plea barbain, importada da justiça norte americana.

Sob acentuada influência do modelo norte americano de justiça negociada e vendo


na prática da barganha uma possível solução para os problemas da justiça criminal
brasileira, é proposto o chamado Pacote Anticrime. Um projeto de lei que prevê alterações
legislativas em vários diplomas legais do ordenamento jurídico brasileiro. Tais alterações
envolviam os códigos penal e processual penal, as leis de execução e de crimes hediondos,
entre outros e tinha como objetivo o combate à corrupção, ao crime organizado e aos
crimes cometidos com violência à pessoa.

Ante a realidade instalada nos tribunais, o Estado, como forma de ampliar os


espaços de consenso no processo penal, crê que os acordos penais seriam uma possível
solução para a crise do sistema. Assim seria possível, não resolver definitivamente o
problema da justiça criminal brasileira, mas, minimizar o estrangulamento da legislação
processual penal. Desafogar o sistema judiciário, que se mostrava insuficiente para
processar e julgar os delitos frente ao crescimento acelerado da marginalidade.

Com proposito de concretizar os objetivos do pacote anticrime, foi finalmente


regulamentado o Acordo de não Persecução Penal – ANPP. Foi inserido no Código e
Processo Penal o art. 28-A que normativa o impedimento da instauração da ação penal
pública para julgamento de determinadas infrações penais em face do investigado, desde
que preenchidos os requisitos estabelecidos pela norma.

O ANPP, desde sua entrada no ordenamento jurídico vem sendo utilizado nos
tribunais de justiça e alcançando seus objetivos iniciais de dar celeridade e vazão ao
congestionamento do sistema judiciário.

O acordo de não persecução penal pode ser entendido como um instituto baseado
no direito negocial realizado entro o autor da Ação Penal, o Ministério Público e o
investigado, ou seja, é um negócio bilateral, que possui caráter extrajudicial, conquanto é
proposto antes do início do curso processual, tendo como fundamento precípuo a não
instauração da ação.

Trata-se de um acordo de vontades, portanto, para que tenha validade é


necessário que estejam presentes as condições do negócio jurídico, que possui efeitos
híbridos, pois, na ordem processual reflete no ajuizamento da ação e na ordem material,
na extinção da punibilidade

Sua aplicação não é cabível em qualquer infração penal e depende de alguns


pressupostos para sua concretização. Para tal, o Ministério Público, em detrimento do seu
poder-dever de denunciar, aplica determinadas condições estabelecidas em lei e que
devem ser cumpridas pelo investigado em troca da não persecução penal e da não
inscrição do fato em seu registro criminal. Ressalta-se, que por se tratar de uma
negociação, o investigado não está obrigado a aceitar o acordo, podendo recusa-lo.

O art. 28-A, inserido no Código de Processo Penal pela Lei nº 13.964/2019


disciplina o acordo de não persecução penal e traz em seu caput e §1º os pressupostos que
devem ser analisados quando da possibilidade de aplicação do Instituto, conforme
transcrição abaixo:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado


formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou
grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério
Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário
e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes
condições ajustadas cumulativa e alternativamente
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere
o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição
aplicáveis ao caso concreto.

Primeiramente é necessário que haja indícios suficientes de autoria e prova da


materialidade no caso concreto, pois caso as tratativas do acordo não sejam exitosas, o
passo seguinte é o oferecimento da denúncia, que para tal requer a justa causa, ou seja,
que a opinio delicti deve ser positiva. Portanto, conforme o caput do artigo acima
transcrito “não sendo o caso de arquivamento [...]” e lógico, satisfeitos os demais
requisitos, é possível o início da negociação.

Também é requisito que o investigado confesse de modo formal e


circunstanciadamente a prática do crime. A confissão nada mais é do que o ato de
assumir a autoria de um fato criminoso. Não tem a culpa como seu objeto, e sim a autoria.

Conforme prevê a lei, esta confissão deve ser formal, ou seja, documentada e
assinada pelas partes e circunstanciada, explicada de forma minuciosa, detalhada e
integral, com todas as circunstancias do ato criminoso. Confissões genéricas não são
válidas para a propositura do benefício legal.
Quanto aos crimes em que cabem o ANPP, estes devem ter sido praticados sem
violência ou grave ameaça. Portanto, se o tipo penal descrito na norma tiver como
elementar esses itens, não é possível a realização do acordo.

A infração deve ter pena mínima em abstrato inferior a 4 (quatro anos). Devendo-
se necessariamente levar em conta para essa aferição de pena as causas de aumento e
diminuição presentes na situação concreta.

Encerrando os requisitos expressos, na parte final do caput, o legislador estabelece


que o acordo deve ser proposto se seus efeitos forem “necessários e o e suficientes para
reprovação e prevenção do crime”. O trecho não é novo, possui redação idêntica a ao
disposto no fim do art. 59 do Código Penal quando trata da fixação da pena.

Os incisos de I a V do já mencionado art. 28-A e o §3º trazem as condições


estabelecidas pela lei e impostas para o ANPP. O ajuste das condições é feito entre o
Ministério Público e o investigado, sempre acompanhado de sua defesa.

Art. 28-A. [...]


I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de
fazê-lo; II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo
Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; III -
prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período
correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois
terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); IV - pagar
prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de
interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha,
preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes
aos aparentemente lesados pelo delito; ou V - cumprir, por prazo determinado,
outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e
compatível com a infração penal imputada.
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será
firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu
defensor.

O §2º do art. 28-A dispõe sobre as hipóteses em que não é possível a proposta de
ANPP. Tratam-se de requisitos complementares, pois são uma projeção do trazidos no
caput. Segue a transcrição do parágrafo mencionado:

§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:


I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais
Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se
insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento
da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão
condicional do processo;
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor
do agressor.

O inciso I demonstra o caráter subsidiário do acordo de não persecução penal, uma


vez que ele somente pode ser aplicado se não for cabível a transação penal no Juizado
Especial, que é aplicado em menor escala e é mais benéfico ao investigado.

O ANPP também não será realizado se o indiciado for reincidente ou se, de acordo
com os elementos probatórios tenha a conduta criminosa como habitual, reiterada ou
profissional (Inciso II).

O inciso III veda o ANPP para aqueles que, num prazo de 05 (cinco) anos foram
beneficiados com acordo dessa natureza, transação penal ou suspenção condicional do
processo. Nota-se que a realização de qualquer desses institutos da justiça negocial possui
uma espécie de prazo de validade.

E por último, é proibida a celebração do acordo em favor do agressor nos crimes


praticados sob a proteção da Lei nº 11.340/06, que disciplina a violência doméstica e
familiar, bem como nos crimes praticados contra mulher, em razão da condição de sexo
feminino.

Os demais parágrafos do art. 28-A tratam das questões judiciais que envolvem o
ANPP e os respectivos efeitos provenientes de seu cumprimento ou não.

Art. 28-A. [...]


§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada
audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da
oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições
dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério
Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do
investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz
devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante
o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos
requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o §
5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público
para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o
oferecimento da denúncia.
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução
penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não
persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de
sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado
também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o
eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não
constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos
no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo
competente decretará a extinção de punibilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo
de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a
órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.

Firmado o acordo, o Ministério Público solicita que seja designada uma data para
realização da audiência para sua homologação. Neste ato o magistrado ouvirá o
investigado ora acordante, na presença de seu defensor, para verificar a voluntariedade
do negócio celebrado, bem como sua legalidade. Caso atenda aos requisitos legais, o
acordo é homologado e retorna ao Ministério Público para início da execução.

De outro modo, se o juiz entender que o acordo não foi firmado sob o manto da
lei ou que as condições nele estipuladas são inadequadas, insuficientes ou abusivas,
remeterá o acordo novamente ao Ministério Público para que, respectivamente, requeira
novas diligências ou ofereça denuncia, ou proceda com as alterações e reformulações das
condições anteriormente pactuadas.

Sendo cumprido integralmente o ANPP, o juiz declarará extinta a punibilidade


do investigado. E o processo será arquivado definitivamente. E o registro não constará na
folha de antecedentes do acusado. No caso de descumprimento do acordo, o Ministério
Público deverá comunicar ao juízo para fins de rescisão e oferecer a denúncia, podendo
inclusive utilizar-se deste descumprimento para fundamentar o não oferecimento do
benefício da suspensão condicional do processo.

O ANPP vem mostrando ser instrumento útil a serviço de uma justiça


consensual. Pelo viés da política criminal, é possível pôr em prática o entendimento de
que existem meios mais eficientes e econômicos para buscar a reparação do mal causado
a um bem jurídico, em detrimento do processo tradicional e do encarceramento.
Nesse diapasão, fica demonstrado que a atuação extrajudicial é fundamental para
a efetivação dos interesses por celeridade na resolução das demandas penais e na resposta
estatal frente aos anseios sociais. A incorporação desses mecanismos de solução
consensual na seara penal, se apresentam como solução promissora.
O ANPP é uma evolução legislativa no sentido de aplicação de uma justiça mais
contributiva, restaurativa e eficaz. Considerando que os processos criminais no Tribunal
de Justiça do Estado do Pará levam anos para serem julgados no 1º grau, o instituto veio
para reduzir drasticamente a morosidade estatal, já que, da data do suposto fato criminoso
até o arquivamento definitivo pelo cumprimento, vão-se em torno de quatro a cinco
meses.

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