As ciências naturais integraram os currículos de estudos da Escola
Politécnica, criada no Rio de Janeiro em 1874, pela reforma Rio Branco. Em 1854 o ensino superior, inaugurado no país com a criação por D. João VI, das faculdades de medicina na Bahia e no Rio de Janeiro, foi reorganizado por Luis Pedreira do Couto Ferraz. Na década de 1870, a Escola de Minas de Ouro Preto viria a contribuir para o ensino formal de botânica, da zoologia e, principalmente, das ciências geológicas. (Carvalho, 1978). Mas foi nas escolas médicas que a biologia recebeu maior atenção, especialmente a botânica, a farmacêutica ou matéria médica e, posteriormente, a biologia dos animais parasitas e venenosos. (Coni, 1952). As relações entre clima e saúde, segundo as concepções hipocráticas e neo-hipocráticas constituiram preocupação precoce e originou o falso conceito das doenças tropicais - a maioria destas importadas da Europa. No século XIX, o médico José Francisco Xavier Sigaud (1796-1856), nascido em Marselha e que chegou a presidir a Academia Imperial de Medicina publicou, em 1844, importante contribuição ao conhecimento Du climat et des maladies du Brésil ou Statistique Médicale de cet Empire. A noção correlata de geografia médica foi abordada por Nicolau Joaquim Moreira, em 1864, na Gazeta Médica do Rio de Janeiro, em uma série de artigos sobre a tuberculose. Em 1851, Emilio Joaquim da Silva Maia (1808-1859), primeiro diretor da Secção de Zoologia do Museu Nacional (1842-1859) publicou Algumas idéias sobre Geographia Zoologica. Já no nosso século, H. L. de Campos (1910) estudou a climatologia do Amazonas e a sua influência sobre as doenças da região; A. Galvão Gonzaga analisou a nosologia do Ceará em relação ao clima (1925), havendo Afranio Peixoto e Annes Dias realizado a transição para as concepções modernas. De 1917 a 1937, Afranio Peixoto ministrou um curso de Introdução biogeographica à civilização brasileira, incluindo noções de ecologia, na cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina, onde ressaltava que não há doenças climáticas - e, portanto não há doenças tropicais. Enquanto que a taxonomia e a zoogeografia dependem de observações e coletas extensivas, os estudos ecológicos exigem pesquisas intensivas e localizadas no tempo e no espaço. Às primeiras, interessam as relações entre espécies próximas, de filogenia e vicariância; na ecologia, analisam-se relações entre grupos geneticamente distantes, mas que mantêm relações tróficas estreitas e participam de uma mesma comunidade. No Brasil, os primeiros trabalhos ecológicos foram realizados por botânicos. Na verdade, a ecologia vegetal nasceu, como disciplina independente, com Eugene Warming, que trabalhou em Lagoa Santa, Minas Gerais, de 1863 a 1866 e que, em 1862 publicou a obra que viria a constituir o ponto de partida da fitoecologia. Arthur Neiva (1880-1943), quando diretor do Museu Nacional (27/1/1923 a 27/9/1926) reiniciou as pesquisas na região de Lagoa Santa, para onde enviou o paleontólogo Padberg Drenkpol. Posteriormente, Oliveira Castro, do Instituto Oswaldo Cruz, retomaria os estudos de ecologia vegetal naquela localidade, como veremos adiante. No Museu Nacional, Paulo Schirch, companheiro de Ernst Bresslau em sua primeira viagem ao Brasil e que aqui se radicou, contribuiu para o conhecimento da ecologia animal na Serra do Mar, na década de 1930. Em 1931, Alberto José de Sampaio, da Seção de Botânica do Museu Nacional, participou do Congresso Internacional de Geografia, em Paris e, ao regressar ao Rio de Janeiro manteve correspondência com o Office International pour la Conservation de la Nature, sediado em Bruxelas. Em memorial enviado à Sociedade dos Amigos das Árvores, criada no Rio de Janeiro em 1931, Sampaio sugeriu a realização da Primeira Conferência Brasileira de Proteção à Natureza, que teve lugar em 1934, cujo relatório foi publicado no Boletim do Museu Nacional em março de 1935. Em 1932, Sampaio ministrou, no Museu Nacional, um curso de Extensão na Universidade do Rio de Janeiro, sobre Fitogeografia do Brasil. No texto do curso, publicado pela Companhia Editora Nacional na coleção Brasiliana, o autor informa que Os estudos botânicos no Brasil, com algumas excessões, teem sido essencialmente floristicos ou descritivos, no terreno da Fitogeografia e Fitopatologia, principalmente. Muitos outros ramos da Botanica precisam ser por igual desenvolvidos; já estão esboçadas varias especialidades, assim a Dendrologia, Citologia, Genetica pura e Aplicada, Farmacognosia, Histologia Vegetal, Ecologia, Geografia Botanica, Fitotecnia, e mesmo, Sistemática Experimenta". Em 1935, Sampaio publicou a Biogeographia Dynamica, onde discutiu problemas de ecologia aplicada à conservação da natureza. O movimento conservacionista da época resultou na legislação especial baixada pelo governo de Getulio Vargas: Código de Caça e Pesca, Código Florestal, Código de Águas, Código de Minas, Lei das Expedições Artísticas e Científicas. (Ihering, 1902; Sampaio, 1935) Nas décadas de 1940 e 1950, A. Ducke destacou-se pelos estudos sobre ecologia florestal, na Amazônia. Posteriormente, Takeushi destacou-se pelos estudos sobre as caatingas do Rio Negro, que publicou no Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi. Encarregado, por Decreto Real de D.João VI, de inventariar os recursos naturais do país, o Museu Nacional sempre participou do preparo dos projetos de legislação de proteção à natureza. Em 1965 e 1967 colaborou com a comissão chefiada por Victor Abdenur Farah, do Ministério da Agricultura, para revisão da legislação. José Candido de Melo Carvalho integrou a missão brasileira que representou o Brasil na Conferência de Estocolmo, em 1972, e teve participação ativa na criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente, do Ministério do Interior. No Museu Nacional nasceu a primeira instituição conservacionista não governamental de atuação nacional, a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e, em 1966, fundou-se o Centro de Conservação da Natureza de Minas Gerais, em Viçosa, inaugurando a criação de núcleos regionais da FBCN. Pesquisadores do Museu integraram comissões de especialistas da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais Renováveis (IUCN) sediada em Morges, na Suiça. No Museu foi preparada a primeira Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção e pesquisaram-se dados para a inclusão de espécies no Red Data Book, que relaciona as espécies ameaçadas de extinção no mundo. No Museu Nacional, o serviço de Ecologia surgiu em meados de 1951, tendo sido implantado efetivamente em 1953, anexo ao Departamento de Botânica. Desde 1952 recebeu avultados recursos do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq). No Relatório Anual de 1956, o então Diretor do Museu, José Candido de Melo Carvalho, registrou: A atual administração, mediante resolução da Congregação, longe de extinguir o serviÇo anÔmalo, houve por bem subordina-lo à D.B., com divisão equânime das verbas do Museu Nacional e do CNPq, concedidas para pesquisas em Botânica. Segundo relatório extenso fornecido pelo Chefe da Equipe, as pesquisas ecológicas realizaram-se no estado do Rio de Janeiro e Distrito Federal, mais intensamente na área de Cabo Frio, sob a forma de projetos de pequena amplitude e duração limitada, visando o conhecimento da vegetação e das condições ambientais, o levantamento dos recursos naturais renováveis, seu controle e utilização e o treinamento de ecologistas. Abrangem as pesquisas a Dinâmica da vegetação e a Autoecologia. Em 1963, o Setor de Ecologia da então Divisão de Botânica funcionava em instalações próprias, no antigo Horto da Quinta da Boa Vista, ao lado do Museu. No relatório desse ano, o Diretor, Newton Dias dos Santos registrou que: ...considerando que uma das metas da atual direção do Museu Nacional‚ a de desenvolver e incrementar as pesquisas ecológicas sensu latum, englobando tanto o aspecto vegetal quanto animal. No segundo semestre de 1957 funcionara um curso intensivo, com a duração de cinco meses, de Ecologia Vegetal. Em 1961 foi oferecido, na Faculdade Nacional de Filosofia, um Curso Avulso de Especialização, de quatro meses, para 40 alunos, de Introdução à Ecologia. Merecem destaque os trabalhos de pesquisadores do Museu como os de Luiz Emygdio de Mello Filho sobre paisagismo e impacto ecológico e aqueles de João Moojen, pioneiro nos estudos de ecologia de reservatórios silvestres de peste bubônica no Brasil. O Centro de Conservação da Natureza do Estado da Guanabara, posteriormente incorporado à Fundação de Engenharia e Meio Ambiente do Rio de Janeiro (FEEMA) também destacou-se por oferecer cursos e desenvolver pesquisas, em sua sede na Floresta da Tijuca, na década de 1960. Karl Ahrens, da Faculdade Nacional de Filosofia, A.C. Brade e Carlos Toledo Rizzini, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro destacaram-se nos estudos de ecologia vegetal. Rizzini seguiu a tradição de Barbosa Rodrigues. Em São Paulo, Herman von Ihering (1850-1930), Naturalista Viajante do Museu Nacional, que viera do Rio Grande do Sul, foi convidado a implantar um museu. Autor eclético, escreveu sobre temas científicos e políticos. Foi, no entanto, seu filho, Rudolph von Ihering, que, patrocinado pelo Departamento da Indústria Animal da Secretaria da Agricultura de São Paulo, iniciou o estudo da biologia e ecologia de peixes de água doce, no rio Mogi Guaçu. Chefiou uma comissão instalada em 1928 e constituída por Lauro Travassos, acadêmicos Clemente Pereira e Zeferino Vaz, além de André Dreyfus, Arnoldo Rocha, Eduardo Etzel, Flavio da Fonseca, Ricardo Guimarães, João Camargo Barros e Nelson Planeta, da Faculdade de Medicina. Em 1930, publicou Ihering Notas ecologicas referentes aos peixes d'agua doce do Estado de São Paulo, nos Archivos do Instituto Biológico. Entre as iniciativas adotadas para o estudo da ecologia da febre amarela, naquele Estado, destaca-se a de Henrique Beaurepaire Aragão, quando diretor do Serviço de Febre Amarela do Estado de São Paulo, que planejou uma rede de estações biológicas e construiu a de Perus, no final da década de 1930: A estação, além de suas finalidades próprias para o estudo dos mosquitos e dos outros animais por eles sugados, também oferecia campo para o trabalho de quantos se interessassem por outros estudos faunísticos, botânicos, mineralógicos, meteorológicos e de microclima, prestando-se assim a variadas observações que devessem ser feitas no próprio local, e dispondo o investigador de uma instalação apropriada, embora rústica e organizada com toda a simplicidade. A estação ecológica de Perus constituiu um modelo de estação ecológica de pesquisa. Na década de 1940, destacaram-se, em São Paulo, os trabalhos de Felix Rawitcher sobre ecologia e origem dos cerrados, sucedidos pelos de Mario Guimarães Ferri, na Universidade de São Paulo. No Ceará, Dardano de Andrade Lima; na Amazônia, Adolfo Duke e William Black e em Pernambuco, Vasconcelos Sobrinho nortearam os estudos de ecologia e biogeografia.
A preocupação com as interrelações do homem com a flora, fauna, clima,
solo, água, ar, esteve sempre presente em Manguinhos. Mario Beaurepaire Aragão (1974) ao analisar o ecólogo Oswaldo Cruz reconheceu que em diversas passagens de sua tese inaugural, apresentada em 1893 –“A veiculação microbiana pelas aguas" nota-se uma noção muito nítida de diversos conceitos só recentemente consagrados pela ecologia. Melo Leitão (A Biologia no Brasil) menciona a tentativa de Oswaldo Cruz de estabelecer uma Estação Biológica Marinha na Ilha Grande. Em 1916, Al¡pio de Miranda Ribeiro, em discurso pronunciado no Museu Nacional, registrou que: Manguinhos que é de ontem e trata de medicina já tem mais história natural que os próprios Archivos do Museu. O estudo dos ciclos biológicos de parasitas e hospedeiros; da distribuição geográfica e ecológica das biocenoses e patocenoses, marcou a rotina das investigações iniciadas no início deste século. Em 1915, Olympio da Fonseca Filho abria um dos capítulos de sua tese de doutoramento sob o título: Ecologia Geral. Na apresentação da monografia intitulada Estudo sobre flagelados parasitos dos mammiferos do Brazil registrou: Cumprindo a formalidade legal da defesa de these, nos é grato faze-lo apresentando um trabalho sobre Historia Natural brazileira.... No laboratório de História Natural da Faculdade de Medicina trabalhavam Pacheco Leão, então Diretor do Jardim Botânico e Hildegardo de Noronha, preparador da cadeira, que encaminharam Olympio da Fonseca ao Instituto Oswaldo Cruz. No seu trabalho foi auxiliado por Arthur Neiva e por Alipio de Miranda Ribeiro, que identificou os mamíferos. A contribuição de Olympio da Fonseca inaugurou um capítulo da ecologia em que foi pioneiro, a ecologia endógena. Foi entretanto na gestão de Henrique Beaurepaire Aragão (1942-1949) que a ecologia passou a constituir preocupação prioritária em uma série de empreendimentos em que colaboraram o Museu Nacional, o Servi‡o Nacional de Febre Amarela (criado em 1939), o Serviço de Malária do Nordeste (1939-1942), o Serviço Nacional de Malária (criado em 1939) e o Serviço Nacional de Peste (criado em 1939). As expedições científicas organizadas pelos pesquisadores de Manguinhos, muitas delas com a colaboração do Museu Nacional realizaram-se sob a visão integradora que caracteriza a ecologia e revelaram a importância das condições socio-econômicas no condicionamento dos padrões sanitários das populações humanas. A adoção formal das técnicas ecológicas modernas deveu-se à colaboração da Fundação Rockfeller que, a partir de 1930, introduziu novos métodos e abordagens para o estudo das relações mútuas entre vetores, hospedeiros e reservatórios de arboviroses e de zoonoses. As pesquisas sobre ecologia da febre amarela, da malária e da peste bubônica constituem exemplos já clássicos. A Fundação Rockfeller proporcionou a vinda ao Brasil de especialistas de renome. Olivério Pinto (1945) mencionou os inventários ornitológicos feitos no Espírito Santo por E.H. Holt, do American Museum of Natural History, New York, o qual estivera no Itatiaia em 1921-1922 e que trabalhara durante vários meses na parte baixa daquele Estado oriental a interesse do Serviço de Febre Amarela, com o fito de investigar as relações provavelmente existentes entre a avifauna e a propagação da forma silvestre da terrível doença. Três anos mais tarde George S. Myers, da Universidade de Stanford, ministrou curso sobre sistemática e biologia de peixes no Museu Nacional, com a participação do Instituto Oswaldo Cruz. Fred Soper, J.A. Ker, Charles Cummings, Joseph R. Bailey, Charles Wagley e outros colaboraram com pesquisadores brasileiros, introduzindo novos métodos de pesquisa em zoologia, botânica, sociologia, ecologia e epidemiologia, sob o patrocínio da Fundação Rockfeller. Na década de 1940, o canadense Pierre Dansereau, da Universidade de Montreal, sob o patrocínio do Conselho Nacional de Geografia, treinou os primeiros especialistas e introduziu técnicas modernas de investigação em biogeografia ecológica. Um curso ministrado por ele na Universidade do Brasil, em 1946, constituiu a base de um livro texto publicado em 1949, posteriormente ampliado, que se tornou um marco na história da ecologia e biogeografia, Biogeography: an ecological perspective (Ronald Press, N.York, 1957). A ecologia marinha e a ecologia de águas costeiras foram desenvolvidas na Seção de Hidrobiologia do Instituto Oswaldo Cruz, que contou com estações fixas e com embarcações e apoio da Marinha. Um curso ministrado de agosto a dezembro de 1950 no Instituto Oswaldo Cruz, sob a coordenação de Lejeune de Oliveira, formou os primeiros especialistas em ecologia de águas, abordando Hidrobiologia Geral (Lejeune de Oliveira), Hidroquímica (Rubem do Nascimento), Limnosociologia (Firmino Torres) e Ficologia (Lejeune de Oliveira) Lejeune dirigiu, durante muitos anos, as pesquisas na Estação de Hidrobiologia da Ilha do Pinheiro, do Instituto Oswaldo Cruz. A Ecologia Vegetal ficou a cargo de Henrique Pimenta Veloso, que colaborou nas pesquisas sobre febre amarela, malária e outras endemias importantes. Merecem destaque seus trabalhos sobre a ecologia vegetal realizado na Serra dos Orgãos (Veloso, 1945; Soper et al, 1943). Olympio da Fonseca Filho foi responsável, na década de 1950, pelo retorno aos estudos em Lagoa Santa. Relatou que: Quando estávamos na direção do Instituto Oswaldo Cruz, em 1950, pareceu-nos que, dada a importância que a ecologia vinha assumindo, seria conveniente reestudar, cem anos depois, a própria região em que teve origem aquele ramo da biologia, através da obra famosa de Warming intitulada apenas "Lagoa Santa". E, assim, a directoria do Instituto resolveu naquele ano estabelecer um posto de estudos ecológicos em Lagoa Santa. Para a dificil tarefa de restudar por metodos modernos aquilo que Warming tinha observado e relatado havia um século, era preciso encontrar um homem altamente qualificado e grande conhecedor da matéria a pesquisar. Manguinhos dispunha dessse homem na pessoa de Gustavo Mendes de Oliveira-Castro. ...Durante mais de 10 anos permaneceu Oliveira- Castro em Lagoa Santa... Deixou-nos Oliveira-Castro um livro texto, escrito em colaboração com Stanley A. Cain e publicado em 1959, Manual of Vegetation Analysis (Harper & Brothers, N.York), além de uma série de artigos publicados nos Anais da Academia Brasileira de Ciências e um estudo sobre os mosquitos do Vale do Jequitaí, realizado em Engenheiro Dolabela, Minas Gerais e que apareceu na Revista Brasileira de Malariologia e Doenças Tropicais. Em vários Estados foram estabelecidos centros regionais de pesquisa, dois dos quais desenvolveram-se em filiais, o Instituto Ezequiel Dias, de Belo Horizonte, Minas Gerais, e o Instituto Oswaldo Cruz de São Luiz, Maranhão. Em Minas Gerais, os postos de Lassance e Bambuí destinaram-se ao estudo da doença de Chagas. Um posto de investigações ecológicas sobre cerrado foi estabelecido em Lagoa Santa, em 1950. Em Pedra Azul, Minas Gerais, e na serra de Itatiaia, o Instituto manteve postos destinados ao estudo da esquistossomose e da biologia de zonas de média altitude, respectivamente. Mas foi em Santa Catarina que o Instituto desenvolveu, juntamente com o Serviço Nacional de Malária, estudos ecológicos que incluiram o controle de uma doença endêmica através do manejo do ambiente. As primeiras tentativas cientificamente planejadas no sentido de se controlar uma endemia agindo sobre seus vetores devem-se a Manson e Ross, e foram levadas a cabo logo após a identificação dos anofelinos como transmissores da malária humana, em 1897. A pesquisa e o desenvolvimento de produtos químicos e de técnicas avançadas de aplicação de inseticidas em grandes extensões receberam maior impulso durante a Segunda Guerra Mundial. Preocupações com a degradação da qualidade do ambiente e com a pouca eficácia de certas ações de controle através do ataque direto aos vetores levaram à busca de novos métodos e ao incentivo das pesquisas no campo do controle biológico. Aparentemente mais seguro, o uso de inimigos naturais como predadores, parasitas ou microorganismos, envolve técnicas mais sofisticadas e riscos potenciais consideráveis, resultante da introdução de espécies em áreas onde não ocorrem naturalmente. Mutações e mudanças de hábitos em organismos introduzidos podem acarretar conseqüências indesejáveis. Em 1898, Adolfo Lutz fôra comissionado para investigar um surto de malária na serra de Cubatão, que atingiu funcionários e operários das obras do segundo ramal da ferrovia Santos-São Paulo. Lutz identificou o vetor e seus criadouros em situação particular: nas bromeliáceas que são características da Serra do Mar. Lutz iniciou estudos de ecologia das comunidades de bromélia, seguindo os passos do naturalista Fritz Müller, que vivera em Santa Catarina no século passado. Posteriormente, a associação malária-bromélia foi encontrada no litoral de Santa Catarina, Paraná e na ilha de Trinidad. Nas décadas de 1940-1950, o Instituto Oswaldo Cruz e o Serviço Nacional de Malária levaram a bom termo um extenso programa de pesquisas básicas e aplicadas, com o objetivo de controlar os focos malarígenos em Santa Catarina. Ao contrário do que acontece na floresta Amazônica, a flora da Serra do Mar é rica em espécies de bromeliáceas, os gravatás, que crescem afixadas nas raízes, troncos , galhos de árvores ou sobre rochas nuas. A água que se acumula entre as folhas imbricadas daquelas plantas é suficiente para manter uma comunidade biótica complexa, que inclui desde invertebrados microscópicos até anfíbios, répteis e pequenos mamíferos. Nessa água, mosquitos depositam seus ovos e criam-se as larvas. Em 1939 foi criado o Servi‡o Nacional de Malária, de estrutura vertical, que iniciou, em todo território brasileiro, um programa sistemático e eficiente de profilaxia. Instalaram-se postos em várias localidades, drenaram-se pântanos, charcos e lagoas temporárias. Apesar dos bons resultados obtidos, os índices de morbidade na região das encostas da Serra do Mar, compreendida entre o norte do Rio Grande do Sul e o Paraná não caíram. Pesquisas intensivas revelaram que as espécies de anofelinos responsáveis pela transmissão da malária nessa região pertencem ao subgênero Kerteszia, cujas espécies criam-se em bromélias. Uma campanha de destruição das bromeliáceas epífitas, rupícolas e terrestres foi executada em três etapas. Na primeira experimentou-se destruí-las manualmente, com o fito de preservar as florestas primárias. Essse método, além de demorado, colocava em risco os trabalhadores. Em seguida, tentou-se a aplicação de herbicidas, inclusive com o emprego de aeronaves, o que implicava em custos elevados. Por fim, decidiu-se eliminar as matas existentes nas zonas urbanas, nas cidades que apresentavam maiores índices de morbidade. Foram assim destruidos cerca de 30 milhões de metros quadrados de florestas. Em 1949, o Serviço instalou um centro de estudo em Brusque, Santa Catarina, que passou a constitutir a Seção de Bioecologia do Institutto de Malariologia, onde se desenvolveram pesquisas na área de biologia, química da água, microclimatologia, botânica, zoologia e ecologia. Sua equipe incluia Henrique Pimenta Veloso e F. Torres de Castro (Instituto Oswaldo Cruz), Mario B. Aragão, Joaquim Ferreira Netto, Casemiro Manoel Martins, Pelagio Viana Calabria, Carlos Eugênio Azambuja, Roberto Miguel Klein e Helio de Souza, do Serviço Nacional de Malária. Os trabalhos foram interrompidos em 1953, mas o Herbário Barbosa Rodrigues, em Itajaí, prosseguiu com os estudos de botânica e ecologia, publicando recentemente um volume sobre o complexo malária-bromélia.
2. Controle biológico
Coube ao Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, um papel de
destaque no desenvolvimento dos aspectos práticos e teóricos do controle biológico, citado amplamente na literatura mundial. Em 1895, Giuseppi Sanarelli, diretor do Instituto de Higiene da Universidade de Siena, foi convidado a organizar um instituto semelhante em Montevideo. Adquiriu alguns coelhos domésticos de origem desconhecida para iniciar a produção de soros. No ano seguinte declarou-se uma epizootia, com sintomas desconhecidos na Europa, que dizimou sua criação. Em 1898, por ocasião do 9o Congresso Internacional de Higiene e Demografia, realizado em Madri, Sanarelli apresentou os resultados de suas observações, sugeriu que o agente responsável fosse do grupo recentemente descrito como vírus filtráveis e propôs o nome de Myxoma dos coelhos. Em 1909, Splendore descreveu casos ocorridos em coelhos adquiridos no mercado de São Paulo. Em 1911, Arthur Moses descreveu a resistência de leporídeos silvestres do gênero Sylvilagus. Aragão, em 1927, menciona sua ocorrência em diversas regiões, no Brasil, e verificou que, em Sylvilagus submetidos à inoculação em laboratório, 60% apresentavam resistência ou imunidade. Encontrou um exemplar de Sylvilagus, procedente do estado do Rio de Janeiro, com lesão ocular, capaz de transmitir a infecção a coelhos domésticos e concluiu que era o reservatório natural. Na Austrália, coelhos foram introduzidos no final do século XVIII, como fonte de proteína e para produção de peles. Novas remessas chegaram ao país no século XIX, tornando-se uma praga. Inexistindo predadores placentários capazes de controlá- los, multiplicaram-se de maneira a causarem enormes prejuízos aos agricultores. Em 1919, Aragão levou ao conhecimento do governo australiano, através do Dr.Breinl, diretor do Australian Institut of Tropical Medicine, a possibilidade de se utilizar a mixomatose no controle dos coelhos. A decisão foi contrária, levando em conta a importância desses animais como artigo de exportação. Em 1924, o Dr. H. L. Seddon, Director of Veterinary Research, Agricultural Department, New South Wales, solicitou a remessa do vírus a Aragão, recebendo-o em 1926. O vírus foi utilizado apenas em testes de laboratório. Em 1934, o Dr. Jean Macnamara, especialista em poliomielite, visitou o Dr. Richard Shope no Rockfeller Institute, New York. Sem conhecimento dos fatos antecedentes, escreveu a Londres, recomendando o uso do vírus na Austrália. No ano de 1936, em Cambridge, estudos foram realizados por Martin, sendo concedida a permissão para a introdução do vírus, para verificação de sua patogenicidade em outros animais. Em 1943, Bull e Muls concluiram pela sua não-utilização no controle das populações silvestres, em larga escala. O vírus continuou em quarentena, e as autoridades recusaram-se a liberá-lo para uso indiscriminado. Em 1949, os coelhos causavam grandes estragos nas plantações, e Randcliff resolveu retomar as pesquisas. No ano seguinte, foram feitas tentativas de introduzi-lo em áreas úmidas e com grandes quantidades de vetores. Os resultados não foram animadores, pois declaravam-se epizootias limitadas a populações locais. No final de 1950, entretanto, os esforços foram coroados de êxito e a mixomatose espalhou- se pelo país. Em 1951, cancelou-se a quarentena. Em 1962 voltaram as restrições, permanecendo a autorização para pesquisas e uso em laboratório, com o fim de proteger as coelheiras. o uso para controle de coelhos alçados foi autorizado. Também no Chile, em 1954, empregou-se para o controle de coelhos, com bons resultados. A contribuição do Instituto Oswaldo Cruz merece menção destacada na bibliografia especializada, como uma das tentativas bem sucedidas de controle biológico. O final da década de 1960 trouxe grandes mudanças, com a instituição dos programas de pós-graduação e a implantação de cursos de graduação em ecologia. Popularizaram-se os temas relacionados à extinção de espécies, equilíbrio natural, desenvolvimento e uso racional de recursos naturais. Hoje é difícil traçar os limites ou definir um campo específico da ecologia.