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Como sabemos o que sabemos:


Métodos em Psicolinguística
Tradução semiautomática de: COWLES, H. W. Psycholinguistics 101. N. York: Springer,
2011, Cap. 3.

Enquanto a física e a química são referidas como as ciências "duras" e a psicologia e áreas
semelhantes são consideradas ciências "suaves". É de fato muito difícil estudar quase
todos os aspectos da cognição humana. E, ao contrário de alguns outros aspectos de
nossas maravilhosas habilidades humanas, a linguagem é geralmente considerada como
uma habilidade especificamente humana. Ou seja, porque a diferença entre, digamos, as
habilidades visuais humanas e as de outros mamíferos é realmente de grau, podemos usar
animais ao invés de humanos como sujeitos de pesquisa quando a coisa fica complicada (e
os crânios precisam ser abertos). No entanto, a diferença entre a linguagem humana e
outros sistemas de comunicação animal é considerada por muitos como uma diferença de
natureza qualitativa e não meramente quantitativa. Não é verdade que os humanos só
tenham alguns uma espécie de versão melhorada de um sistema de comunicação animal.
(Na verdade, alguns pesquisadores argumentam que ainda temos vestígios de uma
comunicação animal na nossa linguagem). Com a linguagem, parece que estamos a fazer
algo diferente. Isso significa que não nos ajuda muito recorrer a animais nas pesquisas
sobre linguagem; ratos de laboratório simplesmente não serão capazes de nos dizer nada
sobre como palavras ambíguas são processadas ou como entendemos respostas a uma
pergunta. Além disso, como não estamos dispostos a abrir a cabeça das pessoas só para
dar uma olhada, precisamos encontrar maneiras de estudar a linguagem nas pessoas sem
recorrer à cirurgia invasiva.

Portanto, não podemos confiar nas mesmas observações "objetivas" que nossos colegas
do departamento de física usam. Por exemplo, mesmo que pudéssemos pegar um pouco
de cérebro, medir e (suavemente!) eletrocutá-lo sem procedimentos invasivos, isso ainda
não produziria dados que nos permitam dizer que descobrimos algo como processamento
de orações relativas1. Para piorar as coisas, a linguagem é uma daquelas coisas que

1
NT.: Orações subordinadas adjetivas (em Portugal, Orações subordinadas adjectivas) são orações
subordinadas que exercem o papel de adjunto adnominal em relação à oração principal. As orações
subordinadas adjetivas, também conhecidas como orações relativas, são cláusulas que mantêm, com um
determinado sintagma nominal, relação semelhante à que se estabelece entre o nome e o adjetivo, ou seja,
exercem a mesma função gramatical de um adjetivo. Estas construções podem se manifestar nas línguas

1
fazemos sem pensar conscientemente. Certamente, podemos escolher cuidadosamente
as nossas palavras num debate, ou quando somos pegos comendo um pedaço de bolo que
prometemos guardar. Mas, mesmo assim, estamos pensando principalmente no conteúdo
do que queremos dizer - não estamos pensando "talvez eu devesse colocar uma oração
relativa aqui . . . . Ei! Não se esqueça do artigo! . . . Preciso de uma flexão nesse último
verbo? . . . ," e assim por diante. Tente perguntar para alguém como é que eles sabem o
que significa "Mulher suspeita do assassinato do marido". Vá em frente. Ou mesmo, "O
rapaz beijou a menina." Não funciona - nós processamos a linguagem em milissegundos e
simplesmente não temos acesso consciente ao que acontece nos bastidores. Resumindo,
não podemos perguntar às pessoas como elas fazem. Nós, nas ciências "brandas",
estamos presos ao duro trabalho de fazer ciência em algo que é difícil de ver – um alvo em
movimento através de um vidro escuro.

E isso nos leva ao próximo problema. Ao olhar para os fenômenos naturais no universo, o
universo não olha para nós. E, embora a base do princípio de incerteza de Heisenberg seja
a de que a observação muda o que você olha, até onde sabemos, ao contrário dos
humanos, as cadeias moleculares de carbono não estão tentando adivinhar o propósito de
nosso estudo para escolher o que fazer num experimento.

Então, onde é que isso nos deixa? Precisamos ser muito, muito espertos. E isso é
exatamente o que os investigadores de línguas têm sido. Na primeira metade deste
capítulo, vamos cobrir uma visão geral das técnicas que são usadas para medir o
processamento da linguagem. Na segunda metade, vamos dar uma olhada nas coisas que
os psicolinguistas fazem ao planejar experimentos para garantir que seus resultados sejam
válidos.

TIPOS DE RESPOSTAS - O QUE PODEMOS MEDIR?

Nesta seção, vamos cobrir uma grande variedade de coisas diferentes que os
pesquisadores podem medir para aprender mais sobre o processamento da linguagem.
Discutimos essas técnicas mais ou menos na ordem do seu nível de granularidade em
relação ao curso temporal do processamento da linguagem (resolução temporal) - desde
técnicas que fornecem informações sobre o resultado final do processamento (baixa
resolução temporal) até técnicas que nos dão uma visão quase milissegundo por
milissegundo do processamento da linguagem em tempo real (alta resolução temporal).
Tem havido uma tendência, especialmente nos últimos anos, em direção às técnicas de
alta resolução temporal. Tanto assim que Mitchell (2004) sentiu a necessidade de

apresentando diferentes configurações, as quais são designadas estratégias de relativização (ER). Fonte:
Wikipédia.

2
defender o uso continuado de técnicas clássicas. Na verdade, enquanto algumas técnicas
de pesquisa nos dão uma visão bastante extraordinária sobre o processamento humano
de informações quase em tempo real (para não mencionar belas imagens de cérebros, em
alguns casos), não há nenhuma técnica, ou mesmo conjunto de técnicas, que seja o
“campeão”. Cada técnica tem pontos fortes e fracos, perguntas que é particularmente
adequada para responder e perguntas que não pode responder.

Pense assim: se você quiser pintar um retrato do seu animal de estimação favorito, você
vai precisar de um conjunto de pincéis pequenos. No entanto, se você quiser pintar um
quarto em sua casa, então seria demorado (e bem ridículo) usar esses mesmos pincéis -
você precisaria usar pincéis maiores. E aqueles pincéis maiores não seriam tão bons a
pintar retratos. Pode-se pensar nisso como a noção de "a ferramenta certa para o
trabalho certo" aplicada à ciência. Um bom pesquisador vai ter uma coleção de pincéis
que podem lidar com qualquer projeto que o pesquisador tenha. E muito bons
pesquisadores cuidadosamente combinam o pincel com o projeto.

MEDIDAS OFF-LINE VERSUS MEDIDAS ONLINE

Outra forma de pensar a resolução temporal é em termos de medição off-line versus a


medição online. Off-line é o termo dado a medidas que fornecem a informação sobre o
estado final do processamento. A limitação das técnicas que produzem medidas off-line é
que os pesquisadores não podem isolar quais processos são responsáveis pelos dados. Por
exemplo, se você pedir para alguém responder de alguma forma no final de uma frase,
todo tipo de coisa já aconteceu - processos relacionados à recuperação de significado de
palavras, construção e interpretação de estruturas, compreensão de quem fez o quê a
quem, integração de informações com conhecimento prévio, apenas para citar alguns
processos importantes. Assim, com medidas off-line, simplesmente não é possível dizer
qual parte do processo linguístico contribuiu para a resposta, embora com projetos
cuidadosos você possa fazer alguma forma de isolamento. Mas essas não são técnicas que
permitem que os pesquisadores saibam exatamente quando algo aconteceu, ou qual
processo é a fonte de algum efeito. Em vez disso, essas medidas são usadas quando os
pesquisadores estão interessados em questões mais amplas sobre processamento, como,
por exemplo, como as pessoas interpretaram o significado de uma frase, ou como essa
frase influenciou o seu modelo interno (mental) sobre estado de coisas no mundo.

As medidas online fornece informação sobre o processamento da língua à medida que ele
se desenrola. Para muitos investigadores, "online" é um termo relativo - algumas medidas
são muito "online", enquanto outras não são tanto. Uma maneira de pensar nisso é
imaginar off-line e online como extremos em um continuum ao invés de categorias

3
rígidas. O que torna uma medida menos "online"? Depende um pouco da técnica, mas,
em geral, as técnicas que exigem a interrupção do processamento linguístico pelo
participante são consideradas menos online.

TAREFAS EM QUE SE COLETAM DADOS DE RESPOSTAS CONSCIENTES

Questionários
A medida off-line prototípica é o questionário. Com um questionário, pedimos às pessoas
seus julgamentos sobre o que acabaram de ler ou ouvir. Essa é realmente uma técnica útil
e barata que pode ser usada para ajudar a elaborar estímulos para outro tipo de
experimento, ou pode ser usada para comparar o resultado final do processamento com o
curso temporal dos processos que levam até lá. Por exemplo, pense que você está
interessado em saber como as pessoas sabem a que se referem as palavras durante a
leitura. Que tipo de coisa vem à mente quando encontra a palavra gato? Lendo uma
história sobre um gato, como você sabe, cada vez que a palavra "gato" é mencionada, se o
autor está falando sobre o mesmo gato ou um novo? Um pesquisador pode estar
interessado em coisas que acontecem quando alguém encontra uma palavra, mas
também pode querer saber qual é a interpretação final da frase ou trecho. Então, eles
poderiam dar um questionário cheio frases ou mesmo passagens curtas com certas
palavras sublinhadas e pedir às pessoas que leiam cada frase/passagem e façam um
círculo em torno da palavra a que a palavra sublinhada se refere. Por exemplo:

A Sarah admirava a Susan porque ela sabia certas coisas.

Então, as pessoas circundam Sara ou Susana como correferente de ela na segunda parte
da frase? Os estudos com questionários podem nos dizer isso, e os pesquisadores podem
mudar pequenos elementos de uma frase para ver se eles que influenciam a
interpretação. Por exemplo, e se a Sarah admirasse a Susan apesar de saber certas coisas?

Na verdade, vários tipos de dados podem ser coletados a partir de estudos de


questionário. Incluindo, por exemplo, como duas palavras estão relacionadas uma com a
outra, ou o quão aceitável uma frase é para as pessoas. Isto pode ser feito usando escalas
de Likert, nas quais se pede às pessoas que façam um círculo em torno de um número
numa escala. Você pode ter respondido a este tipo de pergunta em pesquisas - por
exemplo, cartões de feedback de restaurantes muitas vezes pedem aos clientes que
avaliem o quão boa a comida era, o quão limpo o estabelecimento estava, e assim por
diante, em uma escala numérica na qual uma extremidade (por exemplo, 1) corresponde
a "Ruim" e a outra extremidade (por exemplo, 7) corresponde a "Excelente". As escalas

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Likert podem ser (e são) aplicadas a vários tipos de questões de pesquisa. Para escolher
apenas um de muitos, muitos exemplos, na pesquisa em linguagem, pode-se pedir aos
participantes de uma pesquisa que façam um círculo em torno de quão típica é uma coisa
particular para uma determinada categoria - assim numa escala de 1 (muito típica) a 7
(muito atípica), quão típico é um pinguim como uma espécie de pássaro? Neste caso, é
provável que a maioria das pessoas faça um círculo de 6 ou 7 (pinguins não são aves muito
típicas).

Respostas motoras
A primeira técnica mais “tecnológica” da psicolinguística foi a técnica de apertar botões.
Se o tempo que se leva para pressionar um botão em resposta a um estímulo não for
gravado, esta técnica acaba sendo apenas uma versão chique de um questionário. No
entanto, é possível registar a velocidade que alguém responde a algo pressionando um
botão e, neste caso, é coletado um novo tipo de informação - quanto tempo demora o
sistema de processamento humano a tomar a decisão de responder. Isso ainda está na
parte mais "off-line" de uma escala, assim como todas as tarefas que coletam dados de
respostas conscientes. No entanto, algumas aplicações dessa técnica são consideradas
mais "online" do que outras.

A tarefa de apertar botões é talvez a mais versátil de todas as coisas que podemos fazer
para coletar dados que envolvem tempos de resposta. As possibilidades são quase
infinitas. Em primeiro lugar, podemos pedir aos participantes que apertem um botão em
resposta a qualquer tipo de pergunta ou julgamento. Podemos pedir-lhes que julguem se
uma determinada sequência de letras (por exemplo, THRIP) é uma palavra real ou não.
Podemos pedir que as pessoas pressionem um botão enquanto leem cada palavra de uma
frase. Podemos até pedir-lhes que continuem a premir um botão à medida que leem, mas
mudem para um botão diferente na palavra onde uma frase deixa de fazer sentido para
eles. Podemos pedir-lhes que respondam sim/não a perguntas que sobre a sua
compreensão do que acabaram de ler.

Uma versão dessa tarefa justifica um pouco mais de discussão: a leitura automonitorada
(SPR - self-paced reading). Como o nome sugere, os participantes são convidados a ler
frases ou trechos no seu próprio ritmo. O tipo mais básico de SPR funciona assim: os
participantes são convidados a ler silenciosamente qualquer coisa que vejam na tela.
Digamos que o experimentador está interessado em como as pessoas processam frases
(uma área comum de aplicação da SPR), e então o experimento vai envolver a exibição de
frases para o participante. Se o experimentador só está interessado em saber quanto
tempo leva para ler a frase inteira, ele pode exibir a frase inteira de uma só vez. O

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participante lê a frase em silêncio e, em seguida, pressiona um botão assim que terminar.
Voilà - nós temos um dados: quanto tempo levou entre quando a frase apareceu na tela e
quando o participante apertou o botão. Normalmente, no entanto, os participantes não
leem a frase toda em uma vez, mas veem apenas pequenos pedaços. A frase vai sendo
lentamente revelada palavra por palavra ou frase por frase, controlada (paced, se preferir)
pelo aperto do botão do participante. Uma implementação particular deste tipo de
método usa traços para indicar o comprimento das palavras que se seguem e dar a forma
genérica das frases que serão lidas. Por exemplo, um participante de um estudo de SPR
pode, para um estudo específico, ver o seguinte:

----- ------- ----- ------- --- ---- ------- ------ .

Então, quando eles pressionam um botão de resposta, a primeira palavra é revelada:

Sarah ------- ----- ------- --- ---- ------- ------ .

Então, quando eles pressionam o botão novamente, a próxima palavra é revelada (e a


primeira palavra é transformada em traços).

----- admira ----- ------- --- --- ---- |------- ------.

O participante segue lendo a frase inteira dessa forma, e então continua a ler frases nas
rodadas seguintes da mesma maneira. Há variações dessa técnina - alguns estudos não
usam traços; alguns estudos agrupam frases em vez de apresentar coisas apenas uma
palavra de cada vez; alguns estudos deixam palavras anteriores na tela; e assim por
diante.

A SPR é às vezes, por brincadeira, chamada de "rastreamento ocular de pobre" e


certamente tem algumas limitações que o rastreamento ocular (discutido a frente) pode
evitar. No entanto, tem sido uma medida incrivelmente útil ao longo dos anos,
fornecendo uma enorme quantidade de dados importantes e informativos sobre como
processamos a linguagem escrita (especialmente ao nível da frase).

Respostas verbais
A última das respostas conscientes de que falaremos aqui é a resposta voverbal. Como o
nome sugere, isto aplica-se aos casos em que os participantes verbalizam a sua resposta.
Este tipo de método de resposta é usado não apenas em experimentos que estão
interessados na produção de linguagem (o mais óbvio), mas também em experimentos

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relacionados à compreensão. Assim como pressionar botões, esta é uma resposta que
pode ser utilizada com todo tipo de questão experimental. E, assim como se aperta um
botão, existem dois tipos de dados que podem ser obtidos: a natureza da resposta (ou
seja, o que o participante realmente diz) e quanto tempo leva a resposta. Ao contrário de
pressionar botões, porém, em que o único dado de cronometragem é realmente o quão
rápido alguém pressiona um botão, os dados de resposta verbal podem fornecer outros
dados de cronometragem. Além do início (i.e., quando a resposta vocal começa), nós
podemos analisar a duração da resposta, ou partes da resposta. Por exemplo, poderíamos
medir quanto tempo leva para alguém dizer uma determinada palavra ou até mesmo uma
vogal dentro de uma palavra. Em termos da natureza da resposta, as respostas verbais
também são uma fonte de dados muito mais rica do que pressionar botões, que
normalmente têm no máximo sete respostas possíveis diferentes (mais comumente 2 ou
3). Com respostas verbais, você pode analisar informações acústicas como entonação
(bem como erros de fala), quais palavras o participante usou (de um conjunto
potencialmente muito grande de opções), a sintaxe que o participante usou, e assim por
diante. Esta tarefa pode ser usada para investigar processos subjacentes à produção de
fala, é claro, mas também pode ser útil para testar coisas que requerem uma resposta
complexa de uma forma mais naturalista. Por exemplo, se você estiver interessado em
trabalhar a memória e a linguagem, pode utilizar um método de resposta verbal para que
os participantes recordem verbalmente uma palavra ou frase que encontraram
recentemente, em vez de os fazer escrever (ou selecioná-la a partir de um conjunto de
possibilidades).

TAREFAS QUE RECOLHEM DADOS DE RESPOSTAS (EM GRANDE PARTE)


INCONSCIENTES

Rastreamento ocular
Como o nome sugere, o rastreio dos olhos (eye-tracking) envolve registrar os movimentos
dos olhos. Para compreender a utilidade deste tipo de resposta, é importante
compreender - pelo menos de um modo geral - como os olhos funcionam durante a
percepção de cenas e a leitura, por isso vamos começar por aí.

No geral, nossa experiência consciente de ver as coisas é que nossos olhos deslizam de
coisa em coisa no nosso ambiente. Quando queremos olhar para algo, nossos olhos se
movem suavemente para esse objeto. Nós olhamos para ele por um momento, e então
passamos para a próxima coisa. No entanto, não é exatamente assim que os olhos
funcionam. Em vez disso, exceto quando estamos rastreando um objeto que está se
movendo pelo nosso campo de visão (como ver um carro passando por nós), nossos olhos
7
captam o mundo em uma série de movimentos diferentes: eles olham (fixam) em uma
coisa, depois pulam (sacada) para a próxima coisa. Essa série de sacadas e fixações é como
nós realmente pegamos a maior parte da informação visual. Nossos olhos repousam em
algo brevemente, e depois, muito rapidamente, seguem em frente.

No rastreamento ocular, câmeras monitoram os olhos e, em seguida, computadores


calculam onde os olhos se fixam em uma exibição visual, e por quanto tempo. Este é um
ótimo método para estudar a leitura porque, ao contrário do SPR, não requer uma
resposta explícita (como pressionar um botão para revelar um novo pedaço de texto) e,
ao contrário de outras medidas "online" como os potenciais cerebrais relacionados a
eventos (ERPs) e fMRI, no rastreamento é possível apresentar textos de forma bastante
natural. Um pesquisador pode, se quiser, apenas exibir um parágrafo (ou uma única frase)
e registrar o padrão de fixações e sacadas enquanto alguém lê. É claro que a leitura neste
método não é completamente natural: os participantes de um estudo de rastreamento
ocular provavelmente estarão usando uma faixa que segura as câmeras, ou terão que
descansar a cabeça sobre um apoio para o queixo (mantendo a cabeça estável). Alguns
tipos de eye-trackers até exigem que as pessoas mordam em uma "barra de mordida"
para manter sua cabeça estável para câmeras que estão localizadas em uma mesa perto
do participante. Alguns eye-trackers não requerem nada disto, mas os participantes
devem manter a cabeça o mais quieta possível. Um exemplo de rastreador ocular é
apresentado na Figura 3.1. Como você pode ver, é improvável que as pessoas se
esqueçam que estão num experimento.

Além de permitir aos investigadores recolher dados online sobre o processamento da


linguagem com estímulos linguísticos apresentados de uma forma (relativamente) natural,
o rastreamento ocular fornece uma grande quantidade de dados, particularmente em
comparação com o SPR. Num experimento de SPR, você geralmente recebe alguns dados
para cada frase, um para cada vez que o participante pressiona o botão para continuar.
Mas o rastreamento ocular oferece um conjunto de dados mais complexo, que pode ser
medido de várias maneiras diferentes. Em primeiro lugar, tal como acontece com o SPR, o
participante pode olhar para palavras únicas ou conjuntos de palavras, a que chamamos,
nesse caso de “áreas de interesse”. Assim, por exemplo, você pode medir a quantidade de
tempo desde quando o participante olha pela primeira vez para uma área de interesse até
o participante passar para uma fixação em outra área; a esta medida damos o nome de
tempo de leitura da primeira passagem.

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FIGURA 3.1 Eye-tracker (EyeLink II, SR Research). Foto: Joshua McLawhorn.

Também é possível medir a duração da primeira fixação em uma área de interesse


(geralmente usada quando a área de interesse é uma única palavra). Estes são tipos
bastante óbvios de coisas para medir. Essas medidas dizem algo sobre quanto tempo leva
aos leitores para ler uma palavra quando a encontram pela primeira vez, mas também
podemos olhar para outras coisas. Por exemplo, pudemos olhar para ver quanto tempo
levou desde que alguém olhou pela primeira vez para uma área de interesse até olhar
adiante em um texto. Isso incluiria quaisquer movimentos oculares regressivos para
porções anteriores do texto e assim poderíamos medir quanto tempo levou até que um
leitor se sentisse pronto para continuar no resto do texto - essa medida é chamada de
regression path ou go-past time. Poderíamos também medir a quantidade total de tempo
que alguém gastou fixando em uma área de interesse antes que o estudo termine, o que é
chamado (sem surpresa) de tempo total. Pode-se também medir a percentagem de
regressões fora de uma área de interesse, por exemplo, olhando para ver se um
determinado aspecto de uma frase tornou os leitores mais propensos a olhar para trás no
texto anterior. Nem todos os estudos de pesquisa usam todas as medidas, embora estas
sejam um subconjunto das mais comumente relatadas. Em geral, as medidas são
pensadas para refletir processos precoces durante a leitura (como a primeira passagem)
ou processos precoces e posteriores (como o tempo total). Tomados em conjunto, esses
tipos de medidas podem fornecer um quadro bastante completo de como as pessoas
obtêm informações enquanto leem.

Então, você pode obter muitos dados importantes apenas colocando texto em uma tela e
analisando os movimentos dos olhos, mas você também pode ser um pouco mais esperto

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e criar uma exibição dinâmica que muda de acordo com onde o participante está olhando.
Isto tem sido usado para compreender melhor aspectos fundamentais do processamento
linguístico durante a leitura (ver Rayner, 1998, para uma excelente visão geral). Em uma
versão dessa técnica, um display é apresentado paraum leitor e, em seguida, quando seus
olhos cruzam um limite invisível, esse display muda. Isso pode ser usado para determinar
a importância das informações futuras durante a leitura. Por exemplo, a primeira exibição
nesta técnica pode ser uma frase como "O garçom derrqpcb os óculos", mas quando o
olhar de um participante cruza um limite invisível no final do garçom, então a exibição
muda (durante a sacada) para a palavra "derrubou" em vez de derrqpcb. Os
pesquisadores podem variar as palavras envolvidas para ver que informação influencia e
se os leitores levam mais tempo para ler após a mudança.

As técnicas de rastreamento ocular não se limitam ao estudo da língua escrita, mas


também podem ser utilizadas para investigar a língua falada. O Visual World Paradigm é
uma aplicação relativamente nova da tecnologia de rastreamento ocular que tem gerado
muito interesse entre os pesquisadores e proporcionado uma nova ferramenta para
entender como e quando a informações são integradas durante o processamento de
palavras e frases. Nesta técnica, os participantes olham para uma série de imagens
enquanto ouvem os estímulos linguísticos. Os pesquisadores podem variar elementos
relativos aos estímulos visuais ou linguísticos. Por exemplo, um dos primeiros estudos a
utilizar este método examinou a resolução de ambiguidades referenciais temporárias
(Tanenhaus, Spivery-Knowlton, Eberhard, & Sedivy, 1995). Por exemplo, imagine que você
ouça "Coloque a maçã na toalha na caixa" ao mesmo tempo em que você vê quatro
objetos do mundo real: uma toalha, uma caixa vazia, uma maçã que está em uma toalha e
um lápis. O lápis não é importante, por isso vamos ignorá-lo. Mas, o resto das imagens
importa: esta frase, combinada com este conjunto de objetos, é pelo menos
temporariamente ambígua. Quando você ouve "na toalha" não está claro se você está
ouvindo uma descrição da maçã, ou se você deve colocar a maçã na outra toalha.
Tanenhaus e seus colegas descobriram que, neste caso, as pessoas olham para a outra
toalha um pouco, em comparação com quando há uma segunda maçã (em um
guardanapo) em vez do tal lápis. Neste caso, as pessoas olham para ambas as maçãs,
param um pouco na maçã que está em cima da toalha e depois olham para a caixa. As
pessoas tendem a olhar para objetos (ou imagens de objetos) muito rapidamente depois
de identificarem a palavra que os rotula (se for um nome). No caso dos verbos, vários
estudos têm mostrado que as pessoas tendem a fazer movimentos oculares
antecipatórios antecipação em direção a objetos relacionados à próxima palavra mais
provável, com base no conhecimento sobre o verbo e os objetos da figura. Por exemplo,
Altmann e Kamide (1999) descobriram que ao ouvir a palavra "comer" em uma frase

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descritiva como "O menino vai comer o bolo", as pessoas olhavam para a ilustração de
algo que podia ser comido - mesmo antes de ouvir a palavra que rotulava esse objeto.

Essas duas aplicações de leitura de rastreamento ocular e o paradigma do mundo visual


sugerem que o rastreamento ocular é adequado para estudar tanto tanto a linguagem
falada quanto a escrita. Em ambos os casos, o rastreamento fornece um rico conjunto de
dados de processamento contínuo com relativamente pouca intervenção do pesquisador.
Os participantes estão certamente conscientes do eye-tracker, mas os estímulos
apresentados podem ser naturais e não evidentes, prescindindo de uma resposta
consciente por parte do participante (embora muitos estudos ainda peçam aos
participantes para responderem a perguntas sobre o que leram, para se certificarem de
que estão prestando atenção).

Potenciais cerebrais relacionados com eventos


O ERP (Event-Related Brain Potentials) são uma técnica que nos permite combinar a
atividade elétrica do córtex cerebral com a apresentação de estímulos a um participante.
Como o rastreamento ocular, podemos entender essa técnica se você souber um pouco
sobre a resposta que estamos medindo - nesse caso, o cérebro. Sem entrar numa aula de
neuroanatomia, vamos abordar rapidamente a forma básica como o cérebro funciona.
Para nossos propósitos atuais, as células mais importantes no cérebro são os neurônios,
que usam um processo elétrico e químico para transmitir informações. A parte química
deste processo que você provavelmente já conhece - é esta parte que permite que as
empresas de farmacologia desenvolvam drogas para ajudar em coisas como depressão: as
drogas que um paciente toma entram no cérebro e alteram a "química" do cérebro -
fazendo coisas como aumentar um certo tipo de químico ou tornando mais difícil para o
cérebro usar quantidades em excesso de outro. (Esses produtos químicos são chamados
de neurotransmissores, e são irmãos de hormônios.) O que nos interessa, no entanto, é o
lado elétrico.

Eletricamente, o que é importante é que a membrana do neurônio mantenha


naturalmente um desequilíbrio elétrico através da quantidade de íons carregados positiva
e negativamente dentro e perto da membrana. Na verdade, é a parte química do processo
que influencia esse desequilíbrio (os neurotransmissores determinam o quão grande é
esse desequilíbrio). Quando o desequilíbrio fica muito grande (muito negativo), é aí que a
parte elétrica acontece: o desequilíbrio negativo aciona o neurônio para enviar uma onda
de mudança elétrica muito, muito, muito pequena ao longo da extensão de saída do
neurônio (chamado axônio). Quando isto atinge o fim do axônio (que pode ser quase tão
longo quanto você é alto ou pode ser praticamente inexistente), a mudança elétrica

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desencadeia uma liberação de neurotransmissores, que por sua vez altera o desequilíbrio
elétrico dos próximos neurônios na cadeia.

Esta é uma visão bastante simplificada do processo, mas ajuda a ter uma noção do que
exatamente o ERP está gravando: quando populações de neurônios no córtex estão
fisicamente alinhadas em paralelo e se tornam eletricamente ativas ao mesmo tempo,
isso cria um pequeno campo eletromagnético que pode ser gravado em um
eletroencefalograma e é visualmente representado como ondas cerebrais. Por exemplo,
os pesquisadores do sono usam eletroencefalogramas (EEGs) para ajudar a entender a
atividade cerebral enquanto dormimos. Os pesquisadores de ERP registram os EEGs, mas
depois também os digitalizam e os relacionam a eventos externos - por exemplo, eles
podem marcar o ponto no EEG quando alguém viu a palavra "cachorro".

Aqui temos uma coisa bem legal sobre o cérebro - apesar de todas as nossas diferentes
experiências na vida e com a linguagem, os nossos cérebros respondem de formas
extraordinariamente semelhantes quando confrontados com a mesma informação
linguística. Por exemplo, em algum trabalho pioneiro no final dos anos 1970 e início dos
anos 1980 sobre o uso de ERPs para estudar o processamento da linguagem, Marta Kutas
e Steve Hillyard estavam interessados em saber se uma palavra surpreendente traria a
mesma resposta que outros tipos de estímulos visuais surpreendentes. Trabalhos
anteriores em pesquisas não linguísticas encontraram que estímulos inesperados
provocaram um aumento da polaridade positiva em torno de 300 ms após o início do
estímulo. Eles queriam saber se estímulos linguísticos inesperados provocariam a mesma
resposta, ou se seriam diferentes. Eles apresentaram às pessoas conjuntos de frases que
às vezes continham palavras que eram coerentes, mas inesperadamente apresentadas em
letras maiúsculas, ou palavras que eram semanticamente sem sentido, mas em fonte
normal, ou ambas as coisas. Por exemplo, as pessoas veriam frases como "A torrada
quente foi coberta de meias" ou "A torrada quente foi coberta de MANTEIGA". Eles
descobriram que quando as palavras foram inesperadamente apresentadas em
maiúsculas, em seguida, uma resposta ERP semelhante à encontrada para outros
estímulos visuais inesperados foi encontrada. No entanto, palavras semanticamente
estranhas deram uma resposta diferente: um pico agudo e negativo na atividade elétrica
começando em torno de 350 ms após a palavra anômala (por exemplo, "meias"). Esta
resposta atingiu um pico de cerca de 400 ms e depois diminuiu rapidamente. Isto é
chamado de componente N400 (N para negativo, com um pico a 400 ms). Em muitos
outros estudos, descobriu-se que todas as palavras provocam uma resposta N400, mas o
tamanho dessa resposta depende de coisas como o quão esperada é uma palavra em
particular e o quanto a palavra real se desvia da palavra esperada. A resposta N400 veio a

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ser pensada como um índice de processamento semântico e pragmático (ver Kutas, van
Petten, & Kluender, 2006; para uma revisão das descobertas recentes dos estudos de ERP
sobre a língua terrestre). O N400 é interessante por uma série de razões, mas para os
nossos fins, esse exemplo nos mostra como os ERPs podem ser usados para estudar o
processamento de linguagem - a partir desses resultados sabemos que as pessoas
começam a processar o significado das palavras que encontram em pelo menos 350 ms
após encontrá-las pela primeira vez. Sabemos também, a partir de muitos outros estudos,
que os processos que suportam esse processamento lexical parecem ser distintos (embora
possivelmente interagindo) de processos que suportam o processamento da estrutura de
frases. Nós sabemos disso porque quando você apresenta pessoas com frases
sintacticamente estranhas ou não gramaticais, você geralmente não vê uma resposta
N400 aumentada (embora existam alguns estudos que a encontre), mas você encontra
uma resposta diferente. O exame das respostas do ERP permite que os pesquisadores
descubram o curso do tempo de processamento da linguagem e distingam diferentes
processos subjacentes.

Embora o ERP seja uma ferramenta poderosa para investigar o processamento de


linguagem, ele tem alguns aspectos que o torna menos do que completamente perfeito.
Primeiro, ele não nos diz onde é que o sinal se originou no cérebro. Isso é chamado de
problema inverso: não sabemos quantas populações diferentes de neurônios estão
envolvidas na produção do padrão final de atividade elétrica que detectamos no escalpo.
Devido à natureza de como as fontes elétricas interagem, qualquer padrão detectado no
escalpo pode ser gerado por qualquer número de ativações possíveis no próprio cérebro.
Daí o problema. Este problema tem sido mitigado um pouco nos últimos anos pelo uso de
matrizes de eléctrodos densos e alguns algoritmos matemáticos muito sofisticados (e
muitas vezes caros) que podem dar as localizações mais prováveis da fonte do padrão
detectada no escalpo. Em razão de outras pesquisas neurológicas usando outras técnicas
(por exemplo, fMRI), sabemos um pouco sobre quais partes do cérebro estão mais
propensas a serem envolvidas no processamento da linguagem e quais não estão. Isso
ajuda a reduzir as possibilidades de localização dos geradores de origem para ERPs. No
entanto, no final, este problema permanecerá para os ERPs e sua força natural está em
descobrir o curso do tempo dos processos de linguagem, em vez de localizar onde os
processos se originam no cérebro.

Outro problema com os ERPs é que o sinal que o cérebro produz é muito, muito pequeno.
Além disso, ruído é introduzido quando esse sinal é amplificado para o registro dos sinais
elétricos. Há também ruído elétrico externo (estamos todos imersos em ondas
eletromagnéticas de várias fontes, como tomadas elétricas, monitores de computador...).

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Ainda mais ruído pode ser introduzido pela atividade elétrica não cognitiva no corpo:
quando um músculo se move, o que produz um sinal elétrico; os olhos são uma questão
particular aqui porque eles estão fisicamente próximos do que queremos medir e podem
sobrecarregar o sinal quando os movemos. Finalmente, há também o ruído "cognitivo" - o
cérebro está fazendo mais do que apenas processar linguagem, e mesmo os melhores e
mais focados participantes - vão ocasionalmente distrair-se ou perder o foco ao longo do
tempo que dura um experimento. Assim, todas essas fontes de ruído fazem com que a
gravação e análise de dados do ERP seja mais complicada do que parece a princípio. Para
ajudar a melhorar a relação sinal-ruído, os estudos ERP em linguagem tipicamente têm
entre 30 e 50 itens experimentais por condição. Isto significa que um estudo com quatro
condições pode ter até 200 itens que cada participante deve analisar. Mesmo que os
participantes estejam sentados em uma cadeira confortável e encorajados a relaxar, a
longa duração dos estudos pode ser um pouco cansativa. No entanto, assim como
acontece com o rastreamento ocular, os ERPs têm fornecido aos pesquisadores uma
grande quantidade de dados importantes e certamente continuarão a fazê-lo.

Ressonância magnética funcional

Esta técnica fornece aos pesquisadores dados sobre quais áreas do cérebro se tornam
ativas durante uma tarefa (digamos, ler um verbo) em comparação com outra tarefa
(normalmente uma tarefa de "controle" que estabelece um nível básico de ativação, como
olhar para cadeias aleatórias de letras ou símbolos semelhantes a letras). A ativação,
neste caso, é medida por mudanças no fluxo sanguíneo. Em muitos aspectos, o fMRI pode
ser considerado um complemento dos ERPs. Enquanto os ERPs têm o potencial de
precisão na ordem de milissegundos e assim pode fornecer uma excelente fonte de
informações de curso de tempo, a resolução fMRI é na ordem de milímetros e assim
fornece uma excelente fonte de localização das áreas no cérebro que estão na base do
processamento da linguagem. Assim como nos ERPs, uma discussão profunda da técnica
está além do escopo deste capítulo, mas, basicamente, o fMRI funciona aproveitando as
propriedades magnéticas dos núcleos de hidrogênio que estão presentes nas moléculas
de água do nosso corpo, incluindo o cérebro.

Semelhante a um ímã de barra, os núcleos de hidrogênio são sensíveis aos campos


magnéticos devido à sua pequena carga positiva, e vão se alinhar com um forte campo
magnético. Você já deve estar familiarizado com a RM (ressonância magnética), que dá
aos médicos excelentes visões tridimensionais (3-D) do interior do corpo, incluindo os
tecidos moles. Na RM, um eletroímã muito poderoso alinha os núcleos e um pulso de

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rádio breve e cuidadosamente ajustado interrompe esse alinhamento, fazendo com que
os núcleos girem até 180° fora de seu alinhamento com o campo magnético (isso é
chamado de excitação). Os pesquisadores podem afinar o pulso de rádio para fazer com
que o alinhamento seja grande ou pequeno e então medir o tempo que leva para os
núcleos se realinharem ou "relaxarem" de volta ao campo magnético estável.
Crucialmente, diferentes tipos de tecido corporal têm sensibilidades magnéticas um
pouco diferentes e isso significa que as moléculas de hidrogênio irão relaxar em diferentes
tipos de tecido em diferentes taxas. Os médicos e os investigadores tiram proveito destas
diferenças para construir representações 3D que distinguem partes diferentes do corpo.
No caso do cérebro, podemos assim distinguir entre o crânio, líquido cefalorraquidiano,
matéria cinzenta e matéria branca. Isso nos dá uma RM estrutural ou anatômica -
podemos mapear o cérebro (ou outras partes do corpo) por milímetro quadrado.

Então, e o que é a RM funcional? Ela funciona basicamente da mesma maneira, exceto


que os pesquisadores medem o que é chamado de resposta BOLD (blood oxygen
level-dependent signal, em português: sinal dependente do nível de oxigênio do sangue).
Simplificando um pouco, a resposta BOLD aproveita duas coisas: primeiro, as moléculas de
ferro que transportam oxigênio no sangue têm uma resposta magnética diferente do ferro
que não transporta oxigênio - isso nos permite distinguir o sangue oxigenado do sangue
com desoxigenação. Em segundo lugar, grupos de neurônios que se tornam ativos ao
mesmo tempo tendem a usar mais oxigênio do que os neurônios que estão em repouso, e
assim, cerca de 2s após um aumento na atividade neural, há um grande aumento na
quantidade de sangue oxigenado que vai para esses neurônios (na verdade, mais oxigênio
é geralmente enviado do que o estritamente necessário). BOLD detecta um pico
característico no aumento do fluxo sanguíneo que atinge um pico acentuado de cerca de 6
s após o aumento da atividade neuronal.

Assim, podemos medir as mudanças no fluxo sanguíneo no cérebro em resposta a


mudanças na atividade neuronal. Pesquisadores mapeiam isso na RM anatômica, e voilà
podemos ver quais partes do cérebro se tornam mais ativas em resposta a, bem,
quaisquer estímulos que queiramos apresentar. Mas, como as mudanças no fluxo
sanguíneo são relativamente lentas, não podemos distinguir os eventos no tempo
também. É assim que a RM funcional é um complemento aos ERPs - enquanto os ERPs
podem nos dar informações sobre quando a atividade elétrica muda no cérebro, a RM
funcional (fMRI) pode dizer-nos onde isso acontece. Muitas vezes, não é apenas um lugar
no cérebro que mostra mudanças no nível de atividade. Por exemplo, alguns estudos
(Hagoort, Hald, Bastiaansen, Petersson, 2004; Menenti, Petersson, Scheeringa, & Hagoort,
2008) têm mostrado aumentos na atividade em uma região do cérebro chamada giro

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frontal inferior esquerdo (uma região no lobo frontal do hemisfério esquerdo que inclui a
área de Broca) quando são apresentadas frases que contém informações que violam
nosso conhecimento de mundo (por exemplo.., Com as luzes acesas você pode ver menos
à noite em comparação a Com as luzes acesas você pode ver mais à noite). No entanto,
aumentos de ativação por conta de violações do conhecimento de mundo não são
encontrados apenas no hemisfério esquerdo, mas também no hemisfério direito (giro
frontal inferior direito), sugerindo que ambos os hemisférios desempenham um papel na
avaliação de frases em relação ao conhecimento de mundo.

Projetando Experimentos

Essas técnicas possibilitam saber muito sobre como a língua é representada e processada,
mas por si só não são úteis - elas são apenas parte de um projeto experimental maior que
produz resultados. Cada um dos tipos de resposta que apresentamos acima tem
particularidades, mas o que vamos fazer nesta seção é ter uma breve discussão das
questões gerais que são levadas em conta pelos pesquisadores de linguagem ao projetar
experimentos. Muitas destas questões são válidas para qualquer experimento de
psicologia cognitiva, mas algumas são mais específicas para quando temos a linguagem
como seu objeto de estudo.

Força em Números

Enquanto os pesquisadores usam um ou dois exemplos para mostrar como são seus
estímulos, eles usam muito mais do que apenas um ou dois itens num experimento real.
Isso ocorre porque os pesquisadores precisam ter dados de muitas respostas para o
mesmo tipo de estímulo para ter a certeza de que a resposta que recebem não se deve
apenas a..: (1) acaso, (2) associações idiossincráticas não intencionais, (3) aspectos não
planejados do estímulo e (4) outros fatores externos. Por exemplo, vamos dizer que
queremos saber se as pessoas são capazes de processar nomes de cores mais
rapidamente quando se referem a cores básicas (primárias, secundárias) em comparação
com cores não-básicas (terciárias e além). Então, as pessoas vão responder mais rápido ao
"vermelho" comparado com o "magenta"? Vamos dizer que testamos a rapidez com que
alguém pode dizer as palavras - uma resposta verbal. Com apenas uma única pessoa e um
único conjunto de itens de teste, então os seguintes problemas podem surgir: (1) alguém
pode demorar mais tempo para responder, (2) talvez o vermelho seja a cor favorita de
alguém, (3) "vermelho" é mais curto que "magenta", e (4) alguém pode precisar espirrar
justo quando deveria responder. Esses problemas podem ser aliviados um pouco testando
o mesmo conjunto de itens com muitas pessoas, e há alguns estudos que fizeram

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exatamente isso. No entanto, a solução que melhor funciona para a grande maioria dos
experimentos é criar vários conjuntos de itens que são representativos do tipo de fator
que você deseja testar. Seguindo nosso exemplo de cores, gostaríamos de testar várias
cores primárias e várias cores não-básicas, não apenas um exemplo de cada tipo de cor.

Quantos conjuntos de itens um experimentador precisa? Isto é mais complicado do que


parece. O número de itens necessários para garantir que você tenha realmente obtido
uma amostra grande o suficiente depende da técnica usada e do planejamento do estudo.
Como mencionado anteriormente, estudos de ERP normalmente usam entre 30 e 50 itens
para cada condição que é testada. Então, digamos que você esteja interessado em como o
sistema de processamento de linguagem responde quando encontra algo sem sentido.
Você poderia ter um estudo com duas condições: frases que são sensatas e frases que não
são. Idealmente, estas frases seriam tão pouco diferentes quanto possível em todas as
outras formas (veja a próxima seção) e assim você pode ter uma frase como: O rapaz
andou de bicicleta pela rua e O rapaz andou de bicicleta pela árvore. Você também
precisaria criar e testar pelo menos mais 59 conjuntos de frases que diferem da mesma
maneira. Estudos de rastreamento ocular normalmente precisam de cerca de 10 itens por
condição e, portanto, o mesmo estudo com este método diferente necessitaria apenas de
20 conjuntos de frases.

EVITANDO CONFUSÕES: CONTROLANDO PROBLEMAS CONHECIDOS E TENTANDO


EVITAR PROBLEMAS DESCONHECIDOS

Outra consideração importante que os investigadores devem ter em mente é a potencial


influência de fatores indesejáveis. A maneira mais fácil de ver isso é quando você está
comparando dois grupos de pessoas. Digamos que você está interessado em comparar
como as frases sem sentido são processadas por falantes nativos de uma língua em
comparação com aprendizes de segunda língua (L2) avançados dessa língua. Você deveria
ter o cuidado de testar dois grupos de pessoas que são tão semelhantes quanto possível,
porque de outra forma você correria o risco de ter alguma outra diferença entre os grupos
contribuindo para qualquer diferença no processamento. Por exemplo, digamos que você
não controla as idades dos seus participantes e que, devido à forma como recrutou os
seus participantes (ou mesmo por azar), você tem um grupo de falantes nativos que têm
entre 18 e 23 anos, mas os seus alunos de segunda língua têm entre 30 e 35 anos. Se
houver diferenças entre os grupos, você não pode ter certeza se isso se deve à sua
formação linguística ou à sua idade. Existem alguns truques estatísticos que você pode
fazer para lidar com isso, mas é mais fácil (e com um planejamento melhor) apenas se
certificar de que a idade é igual entre os dois grupos para começar.

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Estas mesmas preocupações se aplicam a materiais em estudos psicolinguísticos. Estamos
testando uma amostra com um subconjunto de pessoas de uma população maior, e
também estamos testando uma amostra de itens linguísticos individuais de uma grande
população (de frases língua). Acontece que há uma série de propriedades da linguagem
que poderiam, se ignoradas, causar problemas para determinar corretamente o resultado
de um experimento. Permanecendo com nossas frases sem sentido um pouco mais,
imagine que você obedientemente criou um conjunto de 20 frases para um estudo de
rastreamento ocular. No entanto, você se concentra tanto em garantir que a mudança de
palavras em cada conjunto de frases resulte em algo sem sentido que você não perceba
outro padrão: todas as palavras críticas e alvo na condição sem sentido são mais longas do
que as palavras nas versões “normais” das frases. Oops. Acontece que o comprimento das
palavras contribui para certas medidas do tempo de leitura. Outros fatores conhecidos
incluem a frequência com que a palavra ocorre no uso da língua e a relação semântica
entre as palavras. Assim, a menos que você esteja especificamente interessado em testar
(e manipular), digamos, comprimento ou frequência das palavras, você deveria ter certeza
de que suas palavras críticas não diferem de forma sistemática entre as condições com
relação a esses fatores.

Isto torna a concepção e o desenvolvimento de itens linguísticos algo desafiadores, e as


diferenças de opinião entre os pesquisadores sobre a validade dos materiais uns dos
outros têm surgido ocasionalmente. Às vezes, erros genuínos são cometidos, mas outras
vezes uma equipe de pesquisa pode simplesmente não levar em conta alguma diferença
potencial que se revela importante. Outra equipe detecta a diferença e testa a hipótese
de que foi este fator anteriormente desconhecido que causou ou contribuiu para o
resultado.

Sendo sorrateiro: Distratores

Outro aspecto dos experimentos psicolinguísticos que é importante, mas que geralmente
não recebe muita atenção nas descrições dos resultados, é o uso de itens adicionais que
não são uma parte do projeto experimental, mas servem para distrair os participantes da
verdadeira natureza do projeto ou ajudar a garantir que eles dão respostas válidas. Por
exemplo, digamos que você estava interessado na rapidez com que as pessoas são
capazes de identificar palavras e quais fatores estão implicados nesse processo. Você
pode muito bem usar uma tarefa de decisão lexical, na qual se pede às pessoas que
decidam se uma sequência de letras é uma palavra real ou não. Elas podem pressionar um
botão para "sim" e outro para "não" e o momento de suas respostas corretas será

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analisado. Mesmo que você não esteja interessado em como as pessoas respondem às
não palavras, é importante incluir algumas rodadas sem palavras (nos quais um
participante pode ver sequências como "tripem" ou "malque"). Para entender o porquê,
imagine que você foi um participante do estudo. Se todas as cadeias de letras que você vê
são palavras reais, você pode muito bem parar de fazer a tarefa e começar a pressionar o
botão "sim" de qualquer jeito. Agora seus dados não refletem mais o processo de decidir
se algo é uma palavra - refletem a rapidez com que você pode apertar o botão "sim". Em
outros casos, os distratores são importantes para camuflar a natureza do que o
pesquisador está interessado. Digamos que agora você está interessado no quanto um
tipo específico de erro gramatical interrompe o processamento. Como você quer que seus
itens experimentais sejam o mais parecidos possível para evitar efeitos indesejados, você
tem um conjunto de materiais nos quais o erro, quando ocorre, está sempre no mesmo
lugar na frase. Não vai demorar muito para que os participantes antecipem que eles
podem ver um erro neste ponto, e assim você pode descobrir que eles começam a ler de
forma diferente na antecipação de erros potenciais. Este é um problema porque você
quer que as pessoas leiam o mais normalmente possível - afinal de contas, você está
interessado no quão perturbador o erro é para os processos normais de leitura, não no
quão perturbador é "antecipar um erro a qualquer momento" nos processos de leitura.
Então, você provavelmente vai precisar de um monte de distratores (não é incomum ver
experimentos com duas vezes mais distratores do que itens experimentais), e você
provavelmente vai precisar ter alguns desses distratores com erros em outras partes da
frase. Variando o distrator cuidadosamente, você pode camuflar o propósito específico do
seu experimento e evitar que os participantes adivinhem o que está por vir. Como bónus,
isto também aumenta a probabilidade de eles ficarem interessados e alertas enquanto
leem as suas frases.

Equilibrando os Números

Na seção "Força em Números", abordamos anteriormente o fato de que os pesquisadores


precisam apresentar vários itens do mesmo fenômeno linguístico. Essencialmente, eles
geralmente não apresentam o mesmo item em diferentes versões para o mesmo
participante (embora tenha sido feito ocasionalmente, em certos tipos de métodos, por
exemplo, aqueles usados com percepção de fala, podem fazer isso sem problema). Em vez
disso, eles muitas vezes dividem suas frases em grupos e fazem com que os participantes
vejam um subconjunto de seus materiais. Por exemplo, digamos que você ainda estava
interessado nos efeitos dos erros gramaticais. Você faz 20 pares de frases, uma das quais
pode ser parecida com esta:

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Gramatical: A chave que abre os armários está sobre a mesa.

Não gramatical: A chave que abre os armários estão sobre a mesa.

Se você mostrar os dois ao mesmo participante, eles sem dúvida notarão e começarão a
suspeitar do porquê de estarem vendo duas frases praticamente idênticas,
particularmente se você mostrar todas as 40 frases (20 em cada versão) para que cada
frase que eles vejam tenha uma frase emparelhada que eles vejam mais tarde. Então,
você mostra a versão gramatical desse par de frases para metade dos participantes e a
versão não gramatical para a outra metade. Entre esses dois grupos, você apresenta
metade das frases na versão gramatical e a outra metade na versão não gramatical. Isto é
por vezes referido como um desenho de medidas repetidas e certamente não é exclusivo
da psicolinguística, embora seja usado com bastante frequência.

Mesmo quando essa forma particular de equilibrar os números não é usada, os


pesquisadores são cuidadosos para garantir que a forma como eles apresentam seus
materiais aos seus participantes não resulte em um design desequilibrado, ou que
inadvertidamente cause algum tipo de estratégia indesejada por parte dos participantes.

REFERÊNCIAS

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