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APRENDIZAGEM

Sergio V. de Luna

Dificuldades para a definição da aprendizagem

Como costuma ocorrer com a maioria dos conceitos da


Psicologia, a dificuldade de se falar sobre a aprendizagem começa
com a sua definição. Há muitas razões contribuindo para essa
dificuldade e a maioria delas está ligada ao papel que a teoria
desempenha na pesquisa e na explicação dos resultados que obtemos
com ela. Por esta razão, vamos começar tentando entender este
papel para, posteriormente, verificar de que modo a teoria pode
complicar a definição de aprendizagem.

Toda vez que nos exprimimos, oralmente ou por escrito,


nós o fazemos incompletamente, como se fosse um esboço, um
esquema. O relato que fazemos para um amigo da festa à qual ele
não compareceu não é a festa; é apenas um esboço, um resumo
daquilo que nos chamou a atenção ou que acreditamos que interesse
a ele. Outra pessoa, quase certamente, faria um relato diferente da
mesma festa.

É importante lembrar que nem por isto nosso reato é


necessariamente falso ou mentiroso. O fato de estarmos presentes à
festa não nos permite participar de tudo, estar presente em todos os
lugares, conversar com todas as pessoas, ouvir tudo o que foi dito e
observar tudo o que ocorreu. Mesmo que isto fosse possível,
entretanto, outro fator tornaria o nosso relato diferente dos demais:
a interpretação. O fato de sermos amigos de João provavelmente
faria com que interpretássemos sua ausência como decorrência de
um impedimento, enquanto outra pessoa poderia interpretá-la como
uma ofensa deliberada ao dono de casa.

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Algo muito semelhante ocorre com o cientista em seu
trabalho de pesquisa. Como você, ao fazer um relato da festa, ele
também esboça, esquematiza a realidade quando pensa sobre ela.
Assim, como não foi possível a você estar presente em todos os
lugares da festa, em todos os momentos, ele também não consegue
olhar o problema que tenta resolver de todos os ângulos possíveis.
Finalmente, também como você, ele faz a única coisa que lhe resta:
seleciona aspectos que lhe parecem mais importantes. Falta alguma
coisa em nossa comparação? Sem dúvida! Em primeiro lugar, o fato
de que outro pesquisador talvez fizesse uma seleção diferente e, com
isto, chegasse a resultados diferentes. Em segundo lugar, como você,
o pesquisador também sofre influências que o levam a interpretar
seus resultados de uma determinada maneira.

Certamente há diferenças importantes no modo como o


nosso relato de uma festa pode ser influenciado por uma série de
circunstâncias, em relação às alterações que o trabalho do cientista
sofre, até porque se espera que ele tenha sido treinado o suficiente
para eliminar as influências mais óbvias. Mas ele é certamente
afetado e o principal fator de influência, como você já deve ter
percebido, é a teoria.

Ao iniciar uma pesquisa, um pesquisador já leu muito do


que se escreveu a respeito do seu problema de investigação. E as
informações que recolhe começam a dirigir a sua atenção para
determinados aspectos do problema. Mais tarde, ao concluir a
pesquisa, o cientista acaba se defrontando com resultados que ele
não sabe explicar muito bem. Novamente, ele recorre à teoria ou a
uma teoria que lhe permita explicar (interpretar) esses resultados. Ao
divulgar suas descobertas, ele provavelmente irá influenciar outros

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pesquisadores, quer por acreditarem nele, quer por colocarem em
dúvida a verdade de suas afirmações.

O importante a ressaltar, disto tudo, é que cada


pesquisador trabalha com um pedaço da realidade que estuda, um
esboço dela. Consequentemente, sua visão desta realidade é a
interpretação que sua teoria permite e tem como base as informações
que ela sugeriu que ele recolhesse. Sendo um esboço, esta visão da
realidade funciona exatamente como um mapa. O melhor mapa para
você chegar a um local desconhecido deveria conter todos os
detalhes do percurso que você deverá percorrer, mas, neste caso, ele
perderia a sua função: seria tão grande que provavelmente você não
poderia carregá-lo; ao mesmo tempo, seria tão detalhado que seria
difícil usá-lo como guia. Seguindo o mesmo raciocínio, você
entenderá porque a teoria esquematiza, esboça a realidade. Embora
estejamos sempre com a esperança da que a cada novo conjunto de
pesquisas nós saibamos cada vez mais, a verdade é que nem sempre
eles são complementares (teorias diferentes podem levar a
resultados conflitantes). Além disso, para cada resposta que
encontramos, novas perguntas aparecem, obrigando à revisão de
teorias ou à criação de outras.

Alguns conceitos introdutórios

Nesse tópico pretendemos apenas introduzir conceitos


básicos que, acreditamos, facilitarão a compreensão e a análise de
tópicos subseqüentes.

Hereditariedade X Ambiente

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Desde o nascimento a criança demonstra reações a
determinadas situações sem que tenha havido qualquer possibilidade
de que ela as tenha aprendido. Tais reações são denominadas
reflexos: por exemplo, a estimulação da região da boca de um
recém-nascido fará com que ele volte a boca em direção à fonte de
estimulação; se sua cabeça cair para trás, ele abre os braços para
fora e os traz de volta em direção ao peito, como se pretendesse
agarrar-se a algo.

A existência de reflexos é possibilitada, em cada espécie,


pela transmissão hereditária. Herdamos uma estrutura biológica cujo
desenvolvimento garante a emissão de reações específicas a
estimulações ambientais específicas: o aumento ou diminuição da
luminosidade produzirá uma contração ou dilatação da pupila; a
presença de determinados sabores na língua (limão, por exemplo)
produzirá salivação. Especialmente no ser humano, esta estrutura
biológica é razoavelmente incompleta no nascimento; parte dela
precisa passar por um processo de maturação biológica de modo que
certas reações possam ocorrer. Isto é verdade tanto em relação ao
reflexo (alguns só aparecerão com o tempo), quando em relação a
outras manifestações não reflexas (andar, coordenar as mãos, etc.).

Observações sobre as rápidas transformações por que a


criança passa ao longo do processo de maturação biológica levaram
pesquisadores a enfatizar o papel da hereditariedade e da maturação
biológica na aprendizagem. Na medida em que seus estudos
concentravam-se essencialmente em atividades motoras específicas
(engatinhar, andar, pressão de objetos, equilíbrio, etc.), seus
resultados tendiam a confirmar o grande peso que atribuíam à
hereditariedade e à maturação na determinação da aprendizagem.

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Por outro lado, era evidente que mesmo a maturação
biológica dependia de um exercício constante, de uma relação com o
ambiente que proporcionasse o desenvolvimento e o fortalecimento
das estruturas biológicas. Uma criança não anda de uma hora para
outra, mas pratica e coordena uma série de movimentos antes de
conseguir andar.

Os efeitos produzidos pelas relações da criança com o seu


meio eram suficientemente fortes para convencer outros
pesquisadores de que o grande responsável pela aprendizagem da
criança era o meio ambiente. Como você pode ter adivinhado,
tendiam a estudar fenômenos onde a influência da maturação era
menos sensível e, como conseqüência, foram enfatizando a influência
do meio (você se lembra da nossa discussão na introdução deste
texto?).

Esta polêmica sobre que fator – hereditariedade ou meio


– seria o grande responsável pela aprendizagem da criança durou
aproximadamente até a metade deste século, quando começou a ser
superada pela compreensão de que ambos os fatores
complementam-se, nenhum deles podendo ser considerado condição
suficiente para produzir aprendizagem, ainda que sejam necessários
para isso.

A concepção atual é a de que os fatores genéticos


garantem a existência, dentro de cada espécie, de uma estrutura cujo
desenvolvimento permite ao indivíduo relacionar-se com seu
ambiente. É fácil perceber este tipo de interdependência com um
exemplo concreto: a altura costuma ser considerada uma
característica facilitadora para um jogador de basquetebol;
entretanto, não só ela é suficiente para que o indivíduo seja um bom
jogador, como também o treino é capaz de fazer outro jogador,

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considerado baixo, superar suas limitações. Não custa lembrar que o
contrário também é verdadeiro: esta estrutura pode produzir
limitações que nenhum treino superará, tanto dentro de uma mesma
espécie (um cego poderá compensar sua deficiência, mas não
enxergará), como entre espécies (não conseguimos voar sem um
auxilio de instrumentos).(*)

A relação entre o individuo e o meio

Em vários momentos fizemos menção à relação entre o


individuo e o meio. É preciso, agora, esclarecer um pouco mais a
expressão.

No tópico anterior foi mencionada a existência de


reflexos. Eles ocorrem essencialmente como uma reação, uma
resposta do organismo a uma ação do meio. Não existe um reflexo
sem alguma alteração no ambiente que o provoque; da mesma
forma, em um organismo sadio, a ocorrência de uma alteração
ambiental capaz de produzir um reflexo irá produzi-lo inevitavelmente
(um sopro súbito no olho produz um piscar incontrolável). Note que a
recíproca não é verdadeira: o fato de haver uma alteração qualquer
no ambiente não implica necessariamente a ocorrência de um reflexo.
Apenas situações específicas produzem reflexos específicos.

Mas já sabemos mais algumas coisas sobre reflexos que


nos ajudarão a distingui-lo de ações não reflexas.

(*)
Se você tiver interesse na questão das relações entre genética e
comportamento, sugerimos a leitura de dois artigos excelentes e acessíveis. Um do
Prof. Frotta-Pessoa e o outro do Prof. César Ades, ambos no recém-lançado livro
Psicologia no ensino de 2° Grau: uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon,
1986 (pp.41-59 e 60-73).

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1. O tipo de reflexo que estamos considerando aqui (mais tarde
falaremos de outro tipo) deve ocorrer com todos os indivíduos
sadios de uma mesma espécie, de forma razoavelmente
homogênea; retome os exemplos já dados e verifique se isto é
verdade.

2. Quanto mais intensa for a estimulação ambiental, mais intensa


será a reação, e mais rapidamente ela ocorrerá: quanto maior
a concentração do limão colocado na língua, mais abundante
será a salivação e mais rapidamente ela será produzida.
Igualmente, a contração pupilar será tanto maior e mais
rápida, quanto mais intensa for a luz que incide sobre o olho.

Podemos resumir o que dissemos até aqui sobre os


reflexos da seguinte maneira:

1. nossa estrutura biológica capacita-nos a responder a


determinadas estimulações ambientais, desde o nascimento,
sem que precisemos aprender a fazê-lo;

2. estas reações – denominadas reações reflexas ou simplesmente


reflexos – são uma resposta do organismo à estimulação
ambiental; dada uma estimulação adequada, a resposta é
inevitável;

3. os reflexos até agora discutidos tendem a ocorrer de forma


semelhante em todos os membros sadios de uma mesma
espécie;

4. a magnitude (grandeza) e a velocidade da resposta dependem


da intensidade da estimulação.

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Há um segundo tipo de relação entre indivíduo e o
ambiente com características suficientemente diferentes daquelas
verificadas na situação envolvendo o reflexo. Comecemos a
ilustrá-lo com um exemplo. Consideremos um comportamento
comum, tal como chamar uma pessoa pelo seu nome, e
comparemos o que ocorre quando fazemos isto com as
características do reflexo, que resumimos acima.

1. Leva algum tempo antes de sermos capazes de chamar alguém


pelo nome. Se considerarmos um adulto, é provável que isto
seja rápido devido ao seu treino anterior com outras pessoas;
de qualquer forma, é preciso que alguém lhe ensine o nome
antes de chamar a pessoa (se isto não estiver suficientemente
claro, para você, imagine que a pessoa tem um nome como
Eberhardt!). De qualquer modo, a idéia importante é que, ao
contrário dos reflexos; este é um comportamento que precisa
ser aprendido.

2. Não há nenhuma relação inevitável entre a estimulação e


ambiental e a ocorrência do comportamento. A presença de
uma pessoa cujo nome você conhece não implica
absolutamente que você ira chamá-la pelo nome, mesmo que
você vá chamá-la.

3. Certamente, todos os humanos falantes chamarão pessoas pelo


nome, até por uma questão de necessidade de comunicação.
Entretanto, a relação com o reflexo pára aqui:
independentemente de conhecerem ou não o nome de uma
determinada pessoa, indivíduos diferentes irão chamá-la ou não
pelo seu nome se ela estiver presente.

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4. Finalmente, o fato de uma pessoa ser alta ou baixa, gorda ou
magra, não nos levará a dizer seu nome em tom mais alto ou
baixo, nem mais rápida ou lentamente.

Em vários momentos nós nos referimos ao reflexo como


uma resposta do organismo ao meio. Entretanto, não é possível
considerar o caso acima como uma resposta, pelo menos no
sentido em que empregamos o termo no caso do reflexo. A
contração pupilar e a salivação, por exemplo, são inevitáveis
dadas as devidas estimulações. Mas não há nada de inevitável na
presença de uma pessoa em relação ao fato de nós a chamarmos
ou não pelo nome. Contudo, ao longo do desenvolvimento da
Psicologia, comportamentos como este foram também chamado de
respostas. Isto levou (e ainda leva) pessoas a associarem as duas
situações como envolvendo o mesmo tipo de relação, na qual o
organismo é passivo frente ao ambiente. Nós procuraremos
mostrar no que esta interpretação é incorreta.

A este segundo tipo de relação indivíduo-ambiente nós


chamamos de inter-ação. Grifamos inter como uma forma de
enfatizar que as ações são recíprocas. Vamos ilustrar esta
reciprocidade com exemplo. Você se encontra isolado em uma
festa por não conhecer quase ninguém. De repente, percebe outra
pessoa igualmente isolada e aproxima-se dela (seu isolamento na
festa e a presença de alguém na mesma condição levaram você a
comportar-se). Dirigir-se à pessoa e falar com ela afetam-na de
alguma forma. Esta alteração que você produz na pessoa vai se
reverter sobre você: a pessoa aceita a aproximação e mantém
você conversando; ou, de uma forma ou de outra, ela desestimula
você (quer por ser pouco receptivo, quer por ser pouco
interessante). Este é um exemplo típico de uma interação onde
cada elemento sofre a ação do outro e, por sua vez, age sobre ele.

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Do ponto de vista do conceito de interação, porém, não é
necessário imaginar que apenas outra pessoa ou ser vivo possa
constituir um dos elementos do par que interage. Se você estiver
consertando um aparelho quebrado (foi o fato de ele não funcionar
que levou você a consertá-lo), cada ação sua afeta o aparelho de
algum modo; por sua vez, os resultados das suas ações
determinam as próximas até que você o conserte, ou desista de
fazê-lo. Revendo os exemplos que demos até aqui você poderá se
perguntar:

a) mas, então, o que me leva a chamar uma pessoa pelo nome ou


a não fazê-lo?

b) o que me leva a abordar uma pessoa na festa e a me manter


conversando com ela?

c) o que leva uma pessoa a não se comportar de uma forma que


sabe e pode fazer, num momento em que isto seria “adequado”?

Questões como esta fazem parte do problema da aprendizagem e


serão analisadas daqui para frente. Sugerimos, porém, que antes
de prosseguir na leitura você reveja o que já foi apresentado.

Uma conceituação de aprendizagem

Feitas as considerações acima, podemos tentar


conceituar a aprendizagem. Antes de prosseguir na leitura do
texto, pense em várias situações bastante diferentes, nas quais,
em sua opinião, houve aprendizagem. Analise-as e procure

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identificar o que poderia haver de comum em todas elas e que
permite afirmar que houve aprendizagem.

Apesar de todas as possíveis diferenças entre teóricos da


aprendizagem, parece haver um ponto de concordância entre eles:
a aprendizagem implica uma alteração no modo de o individuo
pensar, sentir, dizer, fazer alguma coisa, enfim, comportar-se. A
maioria das transformações pelas quais passamos ao longo da
vida é decorrente da aprendizagem(*): aprendemos a gostar de
determinadas comidas e a evitar outras; aprendemos em que
circunstâncias dizer ”obrigado” ou ”desculpe-me” e a dar vazão a
nossas emoções ou escondê-las; aprendemos a controlar nossos
esfíncteres e a apreciar a pintura moderna; aprendemos a mentir
e a jogar xadrez.

O que parece haver de comum entre todas estas


situações (e provavelmente entre aquelas nas quais você pensou)
é o fato de o indivíduo passar a comportar-se em relação a seu
meio ambiente de modo diferente daquele como costumava fazê-
lo. Mais do que isto, a ocorrência da aprendizagem implica a
possibilidade dele voltar a relacionar-se com seu ambiente de
forma semelhante quando possível e necessário e/ou útil. Note
que esta última afirmação indica, por exemplo, que a criança que
aprendeu a pedir desculpas em determinadas situações poderá
voltar a fazê-lo em condições semelhantes, mas não indica que ela
o fará com certeza. Esta possibilidade de o indivíduo não exibir o
que aprendeu criou a necessidade de distinguir aprendizagem de
desempenho.

(*)
Embora não pretendamos entrar neste tipo de detalhe, não custa mencionar o
fato de que há transformações temporárias que não são consideradas como
aprendizagem. É o caso, por exemplo, da habituação (após algum tempo no
escuro, passamos a enxergar), da fadiga (um músculo submetido a esforço
contínuo pode deixar de responder temporariamente) da febre (que pode produzir
alucinações) ou do efeito de drogas.

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Suponha que um professor esteja ensinando seus alunos
como extrair uma raiz quadrada, e que ele opte por duas
atividades de ensino: aula expositiva e demonstração de exercícios
no quadro. Ao final da aula, estritamente falando, ele deverá
admitir que ninguém aprendeu nada já que não foi capaz de
constatar qualquer alteração na habilidade de extrair uma raiz
quadrada de seus alunos (aprendizagem). Isto só poderá ser
verificado com a demonstração, por parte do aluno, daquilo que
sabe (desempenho). Esta distinção obriga-nos a admitir a
possibilidade de uma pessoa aprender alguma coisa sem dar-nos
conhecimento do fato; entretanto, deixa claro, também, que é
apenas através do desempenho que podemos avaliar se e quanto
ela aprendeu. Nós voltaremos mais tarde a esta questão porque
ela te implicações importantes no ensino e, de modo mais geral,
na avaliação do que uma criança sabe ou pode aprender.

Dois procedimentos básicos geradores de aprendizagem

A maneira como apresentamos os reflexos, até agora,


permite perguntar que relação eles têm com a aprendizagem. Se
esta exige uma transformação na maneira do indivíduo relacionar-
se com o meio, e se os reflexos são garantidos pela maturação da
estrutura biológica, não há transformação alguma na ocorrência de
reflexos. A questão é que se alguns reflexos não são aprendidos,
eles constituem uma importante base para a aprendizagem.

Relações reflexas não aprendidas, como as que


mencionamos aqui, estão associadas a estruturas biológicas que
controlam importantes funções internas, todas elas voltadas para
o ajustamento do organismo (como, por exemplo, digestão,

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regulação de temperatura e produção de hormônios). Em especial,
já se demonstrou que o controle das reações emocionais está
associado a mecanismos reflexos e que estes desempenham
função importante sobre o comportamento emocional. Alem disto,
há alguns anos pesquisadores vêm estudando como aproveitar os
conhecimentos acumulados sobre os reflexos no ensino do
controle de fenômenos como alterações da pressão arterial e das
ondas cerebrais.

Vejamos, agora, de que modo os reflexos estão


implicados na aprendizagem, entendida como uma transformação
no modo do indivíduo relacionar-se com o ambiente.

Inicialmente, precisamos esclarecer uma questão. Já


dissemos que o indivíduo reage às transformações do ambiente ou
interage com ele. Contudo, nem todas as transformações do
ambiente constituem estimulações para reação ou interação. Há
situações que nos entusiasmam e outras que nos causam aversão;
porém, somos indiferentes a outras, incapazes de provocar reação
ou interação. Além disto, as estimulações são capazes de produzir
determinadas reações, mas não outras (por exemplo, limão na
língua produz salivação, mas não produz transpiração). Estas
considerações são importantes porque parte do fenômeno da
aprendizagem consiste em permitir que situações ambientais
originalmente neutras (isto é que não produziam uma reação)
passem a fazê-lo, ou em promover a interação entre o indivíduo e
situações ambientais originalmente neutras, isto é, com as quais
não interagia. Ao primeiro caso chamaremos de criação de novos
reflexos; ao segundo, de ampliação das interações individuo –
ambiente.

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A criação de novos reflexos

Para ilustrar a criação de novos reflexos usaremos um


famoso e antigo estudo do fisiólogo russo Ivan Pavlov. Pavlov
colocava pó de carne na língua de um cão e media a quantidade
de saliva produzida. Depois de algum tempo, Pavlov passou a
fazer com que o som de uma campainha precedesse
imediatamente a administração de pó de carne: em outras
palavras, Pavlov em emparelhou som e pó de carne, o que, em
Psicologia é chamado de pareamento. Após ter realizado alguns
pareamentos entre a campainha e o pó de carne, Pavlov
apresentou apenas a campainha. Antes de continuar a ler, reflita
sobre o seguinte:

1. O que efeitos poderia ter o som da campainha sobre o cão,


antes do pareamento?
2. O que relação poderia haver entre o som e a salivação, antes
do pareamento?
3. O que deve ter acontecido quando, após o pareamento, Pavlov
apresentou apenas o som da campainha?

A resposta à primeira pergunta é discutível, já que


provavelmente você não dispõe de detalhes sobre o procedimento de
Pavlov. Em todo o caso, é muito provável que um som inesperado
faça uma pessoa ou um animal voltar-se em direção à fonte sonora.
Neste sentido, não é possível considerá-lo neutro, já que é capaz de
produzir uma reação.

A segunda pergunta parece mais fácil de responder. A


menos que tivesse havido algum tipo de pareamento anterior, que
Pavlov desconhecesse, não deveria haver relação entre som e

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salivação. Neste caso, porém, poderíamos dizer que o som era neutro
em relação à salivação.

Mesmo desconhecendo o estudo de Pavlov, é possível


adivinhar o resultado do seu estudo (embora tenha levado muito
tempo para alguém fazer essa descoberta!): à simples apresentação
do som, após o pareamento, o cão começava a salivar. Desta
maneira, havia sido demonstrada uma nova relação entre o cão e o
meio, inexistente até então, caracterizando a aprendizagem.

Esta nova relação e também um reflexo e Pavlov


denominou-se de reflexo condicionado: por analogia, o reflexo
original (que vínhamos chamando de não aprendido) foi chamado de
reflexo incondicionado (por não precisar de condicionamento para
provocar a resposta). Entre as possíveis diferenças entre os dois tipos
de reflexos, uma merece ser comentada. A considerável
homogeneidade dos reflexos incondicionados ente os membros sadios
de uma espécie não se verifica em relação aos reflexos
condicionados. A explicação é simples: na medida em que os
primeiros são determinados pela estrutura biológica garantida pela
herança genética, é de se esperar que todos os indivíduos com as
mesmas características apresentam reações semelhantes. Por outro
lado, as estimulações ambientais que provocam os reflexos
condicionados eram originalmente neutras para aquela reação, só
serão comuns a pessoas que, por qualquer circunstância, tiveram a
mesma história de pareamento.

Pavlov fez mais uma descoberta importante: se o novo


reflexo for suficientemente forte (por exemplo, se tiver havido muitos
pareamentos) ele pode ser usado para criar novos reflexos, e assim
por diante.

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Não temos possibilidade de nos estender mais neste
assunto e, com isto, corremos o risco de não lhe dar oportunidade de
julgar, por você mesmo, alcance das descobertas de Pavlov. Mas é
possível, pelo menos, analisar duas implicações que permitirão
avaliar o potencial do condicionamento pavloviano.

Em primeiro lugar, note que o fato de Pavlov ter


provocado o condicionamento através de um pareamento feito em
laboratório não significa que esta seja a única forma de produzi-lo.
De fato, o próprio Pavlov demonstrou que outros objetos
sistematicamente presentes no laboratório durante o
condicionamento podiam adquirir propriedades semelhantes àquelas
adquiridas pela campainha. A situação natural está repleta de
exemplos deste tipo e os exemplos mais famosos ainda parecem ser
os relacionados ao dentista e ao médico: o barulho do motor
funcionando ou a visão da seringa pode provocar as mesmas reações
que a dor; para algumas crianças, o simples avental branco pode
colocá-las em pânico.

A segunda implicação importante é a possibilidade de


eliminar reações. Se uma particular reação foi gerada por um
pareamento, então talvez seja possível eliminá-la (ou mesmo
preveni-la) pelo procedimento inverso (ou seja, impedindo que as
duas estimulações apareçam juntas). Procedimentos deste tipo já
foram desenvolvidos e vêem sendo estudados e aplicados.

A ampliação das interações indivíduo–ambiente

Um grande número de ações que realizamos diariamente


afeta nosso meio ambiente de alguma forma: apertamos

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interruptores de luz, abrimos torneiras, respondemos a perguntas ou
reclamamos do volume do rádio. Dificilmente algum desses
comportamentos deixará de produzir um efeito e, qualquer que seja,
ele deverá afetar-nos de volta (mesmo que, por exemplo, falte força
elétrica ou água, ou que a pessoa a quem nos dirigimos não
responda). Estes efeitos recíprocos entre o indivíduo e o ambiente
podem produzir aprendizagem na medida em que permitem ampliar a
possibilidade de interação entre ambos.

Por questão de facilidade, analisemos os dois primeiros


exemplos dos quatro que demos acima. O que nos mantém
apertando interruptores de luz e abrindo torneiras é, certamente, o
fato de isto produzir luz ou água (ou interromper seu fluxo). É pouco
provável que alguém abra uma torneira ou aperte um interruptor fora
destas situações; por outro lado, é extremamente provável que ele
faça isto se precisar de água ou luz (ou não precisar mais delas).
Alguma certeza sobre o que o individuo fará em situações como as
descritas? Não! Tudo o que podemos afirmar é que, no caso de:

a) ele conhecer a função de um interruptor (ou de uma


torneira), isto é, se ele souber o que ocorre quando ele é
acionado;

b) ele precisar de luz (ou de água);

c) existir um interruptor (ou uma torneira) à disposição;

d) ele dispor de condições físicas e maturacionais para


manipular o interruptor (ou a torneira) (uma criança
pequena poderia não alcançá-los ou não ter coordenação ou
força para acioná-los);

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Então, seria extremamente provável que ele apertasse o interruptor
(ou abrisse a torneira). Ou seja, a probabilidade de um indivíduo
comportar-se de uma maneira particular e uma determinada situação
depende, entre outras coisas,

a) de sua história passada de interação com aquela situação


particular ( ou com situações semelhantes);

b) de condições motivacionais (que razões ele tem para


comportar-se daquela maneira);

c) da disponibilidade de meios para comportar-se (embora,


nestes casos seja óbvia a necessidade da existência de
um interruptor ou de uma torneira, nem sempre é tão
fácil identificar de que meios o indivíduo precisa para
comportar-se);

d) do seu quadro genético e da sua maturação biológica


(como vimos, dependendo da criança, tais
comportamentos poderiam não ser possíveis).

Com um pouco de análise você verá que o que dissemos


para os dois primeiros exemplos vale também para os dois seguintes
(responder perguntas e reclamar do volume do rádio). Experimente
fazer isso. À medida que prosseguirmos você verá oportunidade de
testar sua análise.

Nós citamos, acima, quatro condições importantes para


avaliar a probabilidade de uma pessoa comportar-se de uma
determinada maneira. Vamos, agora, analisar cada uma delas.

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a) a história passada de interação com o ambiente.
Ao nascimento, pessoas e objetos que nos circundam tem pouca
ou nenhuma possibilidade de interagirem conosco. Já vimos que,
neste período, a relação da criança com o ambiente é estabelecida
basicamente através de reações (reflexos). Mas já está presente
uma atividade muito útil para as finalidades que discutimos:
movimentos musculares desordenados que prenunciam o que,
mais tarde, será chamado de comportamento exploratório. Através
desta atividade, a criança altera seu ambiente e pode sofrer os
efeitos disso. Por exemplo, o primeiro contato da criança com o
chocalho colocado em seu berço pode ser puramente acidental.
Durante sua movimentação no berço, um de seus braços poderá
bater no chocalho e, com isto, produzir som.

A questão importante que esta situação suscita é: houve


ou não interação? Sabemos que a interação exige efeitos recíprocos.
Sem dúvida alguma, a criança alterou o meio (balançou o chocalho e
o fez produzir som). Mas sofreu algum efeito? Em caso afirmativo,
como sabemos disso? Dependendo do nível de desenvolvimento da
criança, é possível que ela sorria ou mostre sinais de medo. Mas
como distinguir, nestes comportamentos, uma reação de uma
interação?

A resposta está questão está na conceituação de


aprendizagem que apresentamos logo no início. Dissemos que ela
consistia em alterações na forma de o indivíduo reagir ao ambiente
ou interagir com ele; mas dissemos, também, que o indivíduo deveria
ser capaz de comportar-se de forma semelhante (mantidas as
mesmas condições) quando fosse possível, necessário, útil.
Consequentemente, só com o tempo será possível avaliar se houve
ou não interação entre a criança e o chocalho. Se for possível
demonstrar que seu contato com o chocalho não passa de acidente,

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então parece não ter havido qualquer interação entre ambos; por
outro lado, se formos observando que ela passa mais tempo olhando
para o chocalho, dirige seus braços em direção a ele, e, finalmente,
consegue tocá-lo cada vez mais, então começa a se evidenciar uma
aprendizagem decorrente de uma interação entre a criança e seu
meio.

Cada nova interação que a criança estabelece com o meio


cria condições para novas interações e, portanto, para novas
aprendizagens, gerando o que podemos chamar de conhecimento. É
a esta experiência acumulada que chamamos de história passada de
interações com o ambiente.

b) Condições motivacionais
Motivação é o segundo dos fatores que listamos como condições
determinantes da probabilidade de o indivíduo comportar-se. Trata-se
de um dos mais antigos e controversos termos da Psicologia.

Se você voltar ao exemplo da interação criança – chocalho,


talvez perceba uma lacuna que deixamos em nosso raciocínio.
Dissemos lá que o primeiro empurrão da criança no chocalho
provavelmente seria acidental e deixamos implícito que daí por diante
ela começaria a aperfeiçoar seus movimentos, tornando-os mais
precisos e eficientes. Falta, porém, questionar por que ela faria isto, e
porque outra criança talvez não o fizesse?

Considerações explicativas das razões de um indivíduo


interagir ou não com o seu meio – ou da maneira particular dessa
interação – tradicionalmente têm envolvido o conceito de motivação.
Diferentes teorias, contudo, desenvolveram formulações diferentes
para ele. Nós procuraremos discutir a questão sem entrar nestas
divergências.

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Já vimos que o quadro genético de cada espécie dota seus
membros de uma estrutura capaz de se ajustar ao ambiente com
respeito a sua preservação, sem que seja necessário haver
aprendizagem. Neste sentido, pelo menos parte da questão
motivacional não apresenta dificuldade de compreensão, mesmo que
não seja tão fácil explicá-la; as razões desses comportamentos
estariam na evolução das espécies e na hereditariedade, e a questão
da motivação encontraria aí a sua explicação.

Entretanto, à medida que subimos na escala evolutiva (isto


é, que passamos das espécies biologicamente inferiores às
superiores), aumenta a complexidade das estruturas neurológicas dos
indivíduos e, portanto, dos atos que eles podem realizar, mas diminui
o seu preparo inato para o desempenho das funções de ajustamento.
Os animais nascem mais bem preparados do que o homem para
reconhecer o perigo e fugir dele e para localizar aquilo de que
precisam para sobreviver. Ainda assim, os animais (e, sobretudo, o
homem) precisam aprender parte considerável dos comportamentos
de adaptação.

Um bebê automaticamente virará o rosto se algo lhe obstruir


a respiração (reação reflexa). Mas uma criança precisará aprender –
de alguma forma - que determinados objetos podem estar quentes e
queimar-lhe as mãos, ou que certos vegetais não são comestíveis. Da
mesma forma, se uma moça evita ter relações sexuais antes do
casamento, não é difícil imaginar que a virgindade possa ser um dos
valores de seu sistema motivacional (embora outros valores possam
igualmente estar em jogo). A questão a analisar é como este valor foi
incorporado ao seu sistema.

21
Deve estar clara, agora, pelo menos uma das dificuldades
que geram a controvérsia sobre a motivação. Por um lado, é um
conceito extremamente difundido na Psicologia como necessário para
a explicação do comportamento e da aprendizagem, por outro lado, a
sua própria explicação envolve a aprendizagem, na medida em que
os fatores motivacionais são, freqüentemente, aprendidos.

Um sistema motivacional complexo vai sendo formado à


medida em que a criança vai interagindo com o ambiente. Tal
sistema incluirá valores e princípios capazes de explicar a maneira
pela qual o indivíduo se comporta. O desenvolvimento deste sistema
motivacional está fora do âmbito deste livro; entretanto, muitos dos
aspectos nele envolvidos serão analisados no capítulo referente à
socialização. Deve ser registrado, porém, que ele começa a ser
formado a partir das interações que a criança estabelece com o seu
meio e leva em conta o resultado da sua interação passada.

Vamos resumir alguns dos aspectos comentados até aqui.

Indivíduo e ambiente alteram-se. Nem sempre, porém, estas


alterações se revertem em efeitos sobre o outro, o que significa que
nem sempre há interação. Suponha, por exemplo, que uma pessoa
caia na rua, subitamente, e sem razão aparente. Isto fará com que
outras pessoas:
a) passem indiferentes;
b) corram para ajudá-la;
c) afastem-se com medo da situação;
d) preocupem-se, mas apenas observem que porque “nunca sabem o
que fazer nestas situações” ou porque “já há gente ajudando”.

O que leva cada pessoa a comportar-se de uma ou outra


maneira (note que no primeiro exemplo, aparentemente, não houve

22
interação) depende da história de interações de cada um, mais os
valores e princípios dela decorrentes. Mais especificamente, depende
das conseqüências advindas do que cada um fez, no passado, em
situações semelhantes e do modo como estas conseqüências foram
se organizando em valores e princípios. Muitas pessoas recusam-se a
ajudar acidentados de trânsito ou a servir de testemunhas em virtude
das complicações que podem advir disso; outras, entretanto, fazem-
no apesar das implicações.

c) A disponibilidade de meios para o indivíduo comportar-se

Este item, aparentemente simples, contém uma implicação


que deve ser ressaltada. De um modo geral, ele apenas afirma que,
se o comportamento em questão depender de recursos (nos nossos
exemplos, torneira e interruptor), estes devem estar disponíveis, o
que é obvio! O que não é tão obvio é o fato de a presença ou
ausência de recursos no ambiente facilitar (ou limitar) as instruções
possíveis do indivíduo. Se, como apontamos, a história passada de
interações de um indivíduo cria condições para novas interações (e,
portanto, para a aprendizagem), é fácil entender que o meio do
indivíduo controla sua aprendizagem.

Considere a realidade de duas crianças. Uma delas vive


constantemente exposta a um ambiente cujas solicitações tendem a
facilitar o desenvolvimento de comportamentos semelhantes (se não
idênticos) aqueles esperados pela escola: a linguagem é a mesma, há
exposição a situações culturais estimuladoras (teatro, cinema,
museus, livros, revistas e viagens), e o contato com situações que, se
não reproduzem as propostas pela escola, provavelmente serão
compatíveis com elas (regras de conduta, por exemplo).

23
A outra criança vive em um ambiente igualmente
estimulador (não há ambiente neutro) e, por isso, interagirá com ele.
Entretanto, o que ela aprende da interação com este ambiente tem
pouca (ou nenhuma) relação direta com as atividades propostas pela
escola formal: buscar dinheiro ou alimento a cada dia, tomar conta
de irmãos menores (embora seja, também, uma criança pequena),
descobrir possibilidades novas de trabalho ou mesmo trabalhar junto
com os pais. Na medida em que o que aprendeu com seu ambiente
não se assemelha com o que é proposto pela escola, é pouco
provável que ela se saia bem nas atividades escolares. Dito de uma
forma mais correta, é pouco provável que a escola saiba aproveitar o
que esta criança aprendeu como ponto de partida para novas
aprendizagens.

Juntando o que já dissemos sobre a importância das


interações passadas e sobre os fatores motivacionais, deduz-se com
quem está a desvantagem em relação à escola. Pode-se dizer desta
última criança que

a) vive em um ambiente cuja solicitação não promove


comportamentos relevantes para a escola;
b) sua história de interações, portanto, será limitada em
relação a tais comportamentos;
c) terá dificuldade para estabelecer novas interações, já que
a história passada facilita ou limita as interações
futuras;
d) finalmente, segundo a mesma linha de raciocínio, é
provável que sua motivação seja pouca para enfrentar
as novas atividades, quer pela dificuldade que elas lhe
apresentam, quer pela pouca relação que mantêm com
sua história de vida.

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d) O quadro genético e a maturação biológica
Acreditamos que a relação entre aprendizagem e os
fatores genéticos e maturacionais já tenha sido suficientemente
analisada.

Retomando a questão das relações entre indivíduo e meio

Temos elementos suficientes, agora, para avançar na


análise da aprendizagem.

Os procedimentos de condicionamento de reflexos e de


ampliação das interações indivíduo-ambiente foram apresentados
como processos distintos, o que, de fato, são. Há, porém, grandes
aproximações entre eles, na medida em que certos comportamentos
começam como reações ao ambiente e acabam sendo afetados pela
interação com ele.

Tomemos como exemplo ilustrativo, o caso das emoções.


Há, pelo menos, quatro elementos envolvidos nas emoções:
a) as situações ambientais que as provocam (seja por reação ou
por interação);
b) reações fisiológicas (choro, transpiração, elevação dos
batimentos cardíacos, palidez, etc.);
c) comportamentos verbais e motores (expressão das emoções);
d) sentimentos não expressos.

Alguns destes comportamentos são reflexos e exibidos


desde o nascimento. Outros – como já vimos durante a discussão
sobre o condicionamento de reflexos – serão construídos a partir de
pareamentos. Até então, continuamos tendo o comportamento
emocional como reação a situações ambientais. À medida em que
estas reações vão sendo produzidas, vão afetando outras pessoas,

25
produzindo interações. O choro de uma criança que se machucou
afetará pessoas que procurarão confortá-la, tentarão fazê-la calar-se
ou ridicularizarão sua fraqueza. Dependendo da consistência e da
freqüência de cada um desses tipos de interação, é possível que esta
criança se torne manhosa (porque isto, no passado, produziu alguma
vantagem), ou contida (não por ter tido oportunidade de manifestar
emoções). Algo semelhante ocorre com as formas e locais de
demonstração de emoções proibidas ou censuradas socialmente, ou
ainda com a discriminação sexual em relação às emoções (“menino
não chora” ou “ homem não pode ser sensível”) que, apesar de tudo,
persistem!

Finalmente, a aprendizagem entra em mais um dos


elementos envolvidos nas emoções que citamos há pouco. Uma das
formas de expressão emocional é o comportamento verbal, e este
deve ser aprendido. Embora não seja possível analisar, aqui, o
problema em profundidade, devemos mencionar uma dificuldade
particular que esta situação apresenta.

O comportamento verbal, especialmente no que diz


respeito ao vocabulário, é aprendido pela relação sistemática que a
criança observa entre um objeto ou uma situação e o termo ou
expressão empregada por alguém para expressar-se. No caso de
emoções, torna-se difícil para o adulto ensinar-lhe exprimir o que
sente: como a criança não tem vocabulário para descrever seus
sentimentos (se tivesse, não seria necessário ensinar-lhe), resta ao
adulto a alternativa de tentar inferir o que ela pode estar sentindo e,
então, aplicar uma palavra que lhe pareça adequada. Por exemplo,
um adulto que vê uma criança muito parada e calada depois que a
criança com quem brincava foi embora, pode perguntar-lhe se está
triste, quando, na verdade, ela pode estar ofendida por algo que a
outra fez ou disse.

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Retomando nosso ponto principal, há uma interação entre
os vários tipos de relação que se estabelecem entre o indivíduo e o
ambiente, de tal modo que comportamentos que começaram como
reações (incondicionadas ou condicionadas) podem interagir com o
ambiente, alterando-o e sofrendo seus efeitos.

Alguns componentes essenciais da aprendizagem

Não há duvida de que uma criança que sabe que seu


animal é um cachorro aprendeu alguma coisa: emprega o termo em
relação ao animal quando, antes, não era capaz de fazê-lo.
Entretanto, isto não é suficiente: pouco adianta (a não ser como um
começo) que ela apenas seja capaz de repetir “cachorro” quando
alguém assim a instruir; ela deverá, como já dissemos antes, ser
capaz de empregar o termo em relação ao animal sempre que for
pertinente.

Uma vez aprendido que aquele seu animal é um cachorro,


a criança possivelmente fará algo que você já deve ter presenciado:
chamará qualquer animal semelhante de cachorro! Além deste
desempenho ser menos errado do que parece a principio, o fenômeno
que aí ocorre é extremamente importante.

Para entender o que acontece com a criança, suponho


que alguém diga a você que um quadrado grande, azul e listrado é
um DIF. Você necessitará de muitas tentativas para descobrir se o
que caracteriza um DIF é algum dos elementos (por exemplo, o fato
de ser listrado), uma combinação deles (por exemplo, DIF é qualquer
azul) ou se DIF é uma soma de todos eles. Portanto, se a situação na
qual a criança aprendeu a dizer cachorro não permitiu que ela

27
distinguisse o que caracteriza aquele animal em relação a outros, não
há porque chamá-los por nomes diferentes. Por outro lado, o
processo é importante porque permite uma racionalização na maneira
como lidamos com as coisas e pessoas, se não fosse por ele,
precisaríamos aprender a mesma coisa a cada vez que aspectos não
fundamentais fossem alterados; por exemplo: seria necessário
aprender que um dobermann é um cachorro, que um pastor alemão é
um cachorro, etc. Através deste processo, a partir do momento em
que aprendemos o que define um objeto, pessoa ou situação, somos
capazes de classificar todos os elementos com as mesmas
características (todos são, no caso, cachorros).

Você deve ter percebido que há, aqui, a presença de um


outro processo. Assim como a criança deve aprender que
características permitem agrupar vários elementos em um mesmo
conjunto, ela deve aprender a reconhecer o que permite separar
elementos de diferentes conjuntos (cães não são gatos). Mais, ainda,
deverá aprender que, dependendo da característica que se escolhe,
elementos diferentes segundo um critério (cães e gatos pertencem a
espécies diferentes) passam a pertencer a um mesmo conjunto
(ambos são animais).

Os procedimentos que garantem estes processos são


basicamente os mesmos. Consiste em prover informações claras e
imediatas para o desempenho da criança, de modo que ela possa
identificar, tão precisamente quanto possível, que aspectos ajudam a
agrupar ou a separar elementos. Novamente, isto é feito, através das
relações que o indivíduo estabelece com seu ambiente.

À medida que a criança vai adquirindo conhecimento (isto


é, vai aprendendo a fazer agrupamentos e distinções, vai descobrindo
como controlar seu ambiente, etc.), este conhecimento passa a ser

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um elemento importante nas suas relações com o meio. Chegará o
momento em que, com base em experiências passadas, ela será
capaz de prever efeitos de interações que ela não chegou a efetuar
na prática (algo como “se eu fizer isto, deve acontecer tal coisa”)
antes de agir sobre o ambiente. Se os resultados de sua ação forem
usados para avaliar sua previsão, então ela estará aprendendo a
pensar.

Aprendendo sobre si mesmo

A comida que colocamos no prato é, em geral,


decorrência da avaliação que fizemos da nossa capacidade de comer.
O obstáculo que procuramos saltar foi medido em relação as nossas
possibilidades. Se tivermos tempo para refletir, só enfrentaremos um
inimigo depois de calcular nossas chances em relação a ele. Enfim,
decisões sobre as nossas possibilidades são tomadas em relação ao
conhecimento que adquirimos sobre nós mesmos, sobre nossas
capacidades. Este conhecimento foi fruto dos sucessos e fracassos
que obtivemos em nossas tentativas em situações semelhantes.
Neste sentido, nossas decisões serão tanto mais corretas quanto
melhor for o conhecimento que tivermos de nós mesmos e a
avaliação que pudermos fazer da situação sobre a qual refletimos no
momento. Este autoconhecimento pode ter influência bastante forte
sobre a aprendizagem.

Se a história de interações de uma criança incluir muito


sucesso com tarefas à altura de suas possibilidades, então é muito
provável que ela se disponha a enfrentar novas tarefas e seja capaz
de avaliar adequadamente suas possibilidades. Por outro lado, uma
história de fracassos constantes (provavelmente devidos a tarefas
acima da suas possibilidades) poderá diminuir sensivelmente a

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disponibilidade da criança de engajar-se em atividades novas e levá-
la a avaliar-se aquém de suas possibilidades.

Considerações finais

O conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo e do


seu ambiente provem das suas relações com este. É verdade que boa
parte deste conhecimento pode ser transmitida por outra pessoa não
dependendo, portanto, de experiência direta. Ainda assim, a
aprendizagem dependeu de experiência direta com seu meio.

Ao longo da vida, novas relações vão sendo estabelecidas


e servirão de base para futuras interações. Desta forma, as
oportunidades oferecidas a cada pessoa marcarão o tipo de relação
que ela mantém com seu meio e, portanto, influenciará sua
aprendizagem.

Cada interação implica a ocorrência de efeitos recíprocos;


indivíduo e ambiente alteram-se e sofrem os efeitos dessas
alterações. Dissemos que estes efeitos ajudam a entender porque
continuamos ou não a nos comportar de uma determinada maneira.
Por exemplo, deixamos de pedir informações a pessoas cujas
respostas, no passado, estavam erradas e continuamos a procurar
amigos em cuja companhia nos sentimos bem. Resta analisar um
aspecto referente a estes efeitos recíprocos que consideramos
fundamental.

Há dois tipos diferentes de efeitos produzidos por uma


interação: o que chamaremos de natural, e o que pode ser
denominado artificial. Um efeito é natural quando é produto direto da
nossa atuação sobre o meio: a água que sai da torneira é produto

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direto de nossa ação sobre a torneira; uma resposta (ou silêncio) é
conseqüência da pergunta que fizemos a alguém. Se nos
mantivermos abrindo torneiras ou fazendo perguntas àquela pessoa
será, entre outras coisas, em virtude dos efeitos produzidos por
nossas ações. Interações como estas capacitam-nos a lidar
diretamente com o ambiente.

Dizemos que um efeito é artificial quando ele foi


decorrente de interferência de um outro elemento na interação que
estabelecemos. A conseqüência natural que sofre uma criança que
quebrou um brinquedo é ficar sem ele. O castigo que recebe da mãe
é um efeito artificial, já que representa a interferência de um outro
elemento na interação. Certamente deve ser argumento que a mãe
faz parte do ambiente da criança e que, portanto, o comportamento
dela deveria ser considerado natural, uma vez que a ação da criança
afetou-a. Não podemos discordar desta última afirmação. O ponto
importante, porém, é que a mãe interferiu na relação da criança com
o brinquedo, e com relação a isto ela é um elemento estranho. Ao
contrário do que descrevemos quanto ao primeiro exemplo, se a
criança deixar quebrar brinquedos é muito possível que ela o faça por
causa das conseqüências fornecidas pela mãe, não pelo efeito natural
de sua ação.

No entanto, não é possível considerar os efeitos artificiais


como o vilão de história porque muito do que precisamos aprender
depende deles. O efeito natural de escrita é a comunicação (ou, pelo
menos, a expressão do que pensamos). Entretanto, se
dependêssemos deste efeito natural para nos mantermos escrevendo,
nunca chegaríamos a aprender; chegamos a isto através de efeitos
artificiais (elogios da família inteira, por exemplo) quando rabiscamos
ou começamos a desenhar letras. Da mesma forma, antes do
coleguismo transformar-se em um valor em si mesmo, dependemos

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de interferências artificiais de outras pessoas que nos estimularão a
ajudar um amigo e nos elogiarão por isto.

Estas situações não chegam a nos preocupar se, de fato,


constituem apenas um passo intermediário necessário para permitir
que o indivíduo interaja diretamente som seu ambiente. O ponto
importante é que se a história de interações do indivíduo for
constituída basicamente por meio de efeitos artificiais, ele passará a
ficar sob a dependência dos elementos que interferem em suas
interações. Se os efeitos de suas interações foram sempre produzidos
por outra pessoa, ele não tem razões próprias para se comportar,
nem critérios pessoais para avaliar suas interações. É o aluno que
estuda para não tirar nota baixa (e não porque assim aprende) e que
depende do resultado da prova para saber se “foi bem”.

Esta é a melhor maneira de criar indivíduos dependentes. Mas o


objetivo da educação deve ser o de formar indivíduos tanto quanto
possível, autônomos.

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