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Sergio V. de Luna
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Algo muito semelhante ocorre com o cientista em seu
trabalho de pesquisa. Como você, ao fazer um relato da festa, ele
também esboça, esquematiza a realidade quando pensa sobre ela.
Assim, como não foi possível a você estar presente em todos os
lugares da festa, em todos os momentos, ele também não consegue
olhar o problema que tenta resolver de todos os ângulos possíveis.
Finalmente, também como você, ele faz a única coisa que lhe resta:
seleciona aspectos que lhe parecem mais importantes. Falta alguma
coisa em nossa comparação? Sem dúvida! Em primeiro lugar, o fato
de que outro pesquisador talvez fizesse uma seleção diferente e, com
isto, chegasse a resultados diferentes. Em segundo lugar, como você,
o pesquisador também sofre influências que o levam a interpretar
seus resultados de uma determinada maneira.
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pesquisadores, quer por acreditarem nele, quer por colocarem em
dúvida a verdade de suas afirmações.
Hereditariedade X Ambiente
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Desde o nascimento a criança demonstra reações a
determinadas situações sem que tenha havido qualquer possibilidade
de que ela as tenha aprendido. Tais reações são denominadas
reflexos: por exemplo, a estimulação da região da boca de um
recém-nascido fará com que ele volte a boca em direção à fonte de
estimulação; se sua cabeça cair para trás, ele abre os braços para
fora e os traz de volta em direção ao peito, como se pretendesse
agarrar-se a algo.
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Por outro lado, era evidente que mesmo a maturação
biológica dependia de um exercício constante, de uma relação com o
ambiente que proporcionasse o desenvolvimento e o fortalecimento
das estruturas biológicas. Uma criança não anda de uma hora para
outra, mas pratica e coordena uma série de movimentos antes de
conseguir andar.
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considerado baixo, superar suas limitações. Não custa lembrar que o
contrário também é verdadeiro: esta estrutura pode produzir
limitações que nenhum treino superará, tanto dentro de uma mesma
espécie (um cego poderá compensar sua deficiência, mas não
enxergará), como entre espécies (não conseguimos voar sem um
auxilio de instrumentos).(*)
(*)
Se você tiver interesse na questão das relações entre genética e
comportamento, sugerimos a leitura de dois artigos excelentes e acessíveis. Um do
Prof. Frotta-Pessoa e o outro do Prof. César Ades, ambos no recém-lançado livro
Psicologia no ensino de 2° Grau: uma proposta emancipadora. São Paulo: Edicon,
1986 (pp.41-59 e 60-73).
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1. O tipo de reflexo que estamos considerando aqui (mais tarde
falaremos de outro tipo) deve ocorrer com todos os indivíduos
sadios de uma mesma espécie, de forma razoavelmente
homogênea; retome os exemplos já dados e verifique se isto é
verdade.
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Há um segundo tipo de relação entre indivíduo e o
ambiente com características suficientemente diferentes daquelas
verificadas na situação envolvendo o reflexo. Comecemos a
ilustrá-lo com um exemplo. Consideremos um comportamento
comum, tal como chamar uma pessoa pelo seu nome, e
comparemos o que ocorre quando fazemos isto com as
características do reflexo, que resumimos acima.
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4. Finalmente, o fato de uma pessoa ser alta ou baixa, gorda ou
magra, não nos levará a dizer seu nome em tom mais alto ou
baixo, nem mais rápida ou lentamente.
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Do ponto de vista do conceito de interação, porém, não é
necessário imaginar que apenas outra pessoa ou ser vivo possa
constituir um dos elementos do par que interage. Se você estiver
consertando um aparelho quebrado (foi o fato de ele não funcionar
que levou você a consertá-lo), cada ação sua afeta o aparelho de
algum modo; por sua vez, os resultados das suas ações
determinam as próximas até que você o conserte, ou desista de
fazê-lo. Revendo os exemplos que demos até aqui você poderá se
perguntar:
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identificar o que poderia haver de comum em todas elas e que
permite afirmar que houve aprendizagem.
(*)
Embora não pretendamos entrar neste tipo de detalhe, não custa mencionar o
fato de que há transformações temporárias que não são consideradas como
aprendizagem. É o caso, por exemplo, da habituação (após algum tempo no
escuro, passamos a enxergar), da fadiga (um músculo submetido a esforço
contínuo pode deixar de responder temporariamente) da febre (que pode produzir
alucinações) ou do efeito de drogas.
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Suponha que um professor esteja ensinando seus alunos
como extrair uma raiz quadrada, e que ele opte por duas
atividades de ensino: aula expositiva e demonstração de exercícios
no quadro. Ao final da aula, estritamente falando, ele deverá
admitir que ninguém aprendeu nada já que não foi capaz de
constatar qualquer alteração na habilidade de extrair uma raiz
quadrada de seus alunos (aprendizagem). Isto só poderá ser
verificado com a demonstração, por parte do aluno, daquilo que
sabe (desempenho). Esta distinção obriga-nos a admitir a
possibilidade de uma pessoa aprender alguma coisa sem dar-nos
conhecimento do fato; entretanto, deixa claro, também, que é
apenas através do desempenho que podemos avaliar se e quanto
ela aprendeu. Nós voltaremos mais tarde a esta questão porque
ela te implicações importantes no ensino e, de modo mais geral,
na avaliação do que uma criança sabe ou pode aprender.
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regulação de temperatura e produção de hormônios). Em especial,
já se demonstrou que o controle das reações emocionais está
associado a mecanismos reflexos e que estes desempenham
função importante sobre o comportamento emocional. Alem disto,
há alguns anos pesquisadores vêm estudando como aproveitar os
conhecimentos acumulados sobre os reflexos no ensino do
controle de fenômenos como alterações da pressão arterial e das
ondas cerebrais.
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A criação de novos reflexos
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salivação. Neste caso, porém, poderíamos dizer que o som era neutro
em relação à salivação.
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Não temos possibilidade de nos estender mais neste
assunto e, com isto, corremos o risco de não lhe dar oportunidade de
julgar, por você mesmo, alcance das descobertas de Pavlov. Mas é
possível, pelo menos, analisar duas implicações que permitirão
avaliar o potencial do condicionamento pavloviano.
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interruptores de luz, abrimos torneiras, respondemos a perguntas ou
reclamamos do volume do rádio. Dificilmente algum desses
comportamentos deixará de produzir um efeito e, qualquer que seja,
ele deverá afetar-nos de volta (mesmo que, por exemplo, falte força
elétrica ou água, ou que a pessoa a quem nos dirigimos não
responda). Estes efeitos recíprocos entre o indivíduo e o ambiente
podem produzir aprendizagem na medida em que permitem ampliar a
possibilidade de interação entre ambos.
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Então, seria extremamente provável que ele apertasse o interruptor
(ou abrisse a torneira). Ou seja, a probabilidade de um indivíduo
comportar-se de uma maneira particular e uma determinada situação
depende, entre outras coisas,
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a) a história passada de interação com o ambiente.
Ao nascimento, pessoas e objetos que nos circundam tem pouca
ou nenhuma possibilidade de interagirem conosco. Já vimos que,
neste período, a relação da criança com o ambiente é estabelecida
basicamente através de reações (reflexos). Mas já está presente
uma atividade muito útil para as finalidades que discutimos:
movimentos musculares desordenados que prenunciam o que,
mais tarde, será chamado de comportamento exploratório. Através
desta atividade, a criança altera seu ambiente e pode sofrer os
efeitos disso. Por exemplo, o primeiro contato da criança com o
chocalho colocado em seu berço pode ser puramente acidental.
Durante sua movimentação no berço, um de seus braços poderá
bater no chocalho e, com isto, produzir som.
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então parece não ter havido qualquer interação entre ambos; por
outro lado, se formos observando que ela passa mais tempo olhando
para o chocalho, dirige seus braços em direção a ele, e, finalmente,
consegue tocá-lo cada vez mais, então começa a se evidenciar uma
aprendizagem decorrente de uma interação entre a criança e seu
meio.
b) Condições motivacionais
Motivação é o segundo dos fatores que listamos como condições
determinantes da probabilidade de o indivíduo comportar-se. Trata-se
de um dos mais antigos e controversos termos da Psicologia.
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Já vimos que o quadro genético de cada espécie dota seus
membros de uma estrutura capaz de se ajustar ao ambiente com
respeito a sua preservação, sem que seja necessário haver
aprendizagem. Neste sentido, pelo menos parte da questão
motivacional não apresenta dificuldade de compreensão, mesmo que
não seja tão fácil explicá-la; as razões desses comportamentos
estariam na evolução das espécies e na hereditariedade, e a questão
da motivação encontraria aí a sua explicação.
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Deve estar clara, agora, pelo menos uma das dificuldades
que geram a controvérsia sobre a motivação. Por um lado, é um
conceito extremamente difundido na Psicologia como necessário para
a explicação do comportamento e da aprendizagem, por outro lado, a
sua própria explicação envolve a aprendizagem, na medida em que
os fatores motivacionais são, freqüentemente, aprendidos.
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interação) depende da história de interações de cada um, mais os
valores e princípios dela decorrentes. Mais especificamente, depende
das conseqüências advindas do que cada um fez, no passado, em
situações semelhantes e do modo como estas conseqüências foram
se organizando em valores e princípios. Muitas pessoas recusam-se a
ajudar acidentados de trânsito ou a servir de testemunhas em virtude
das complicações que podem advir disso; outras, entretanto, fazem-
no apesar das implicações.
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A outra criança vive em um ambiente igualmente
estimulador (não há ambiente neutro) e, por isso, interagirá com ele.
Entretanto, o que ela aprende da interação com este ambiente tem
pouca (ou nenhuma) relação direta com as atividades propostas pela
escola formal: buscar dinheiro ou alimento a cada dia, tomar conta
de irmãos menores (embora seja, também, uma criança pequena),
descobrir possibilidades novas de trabalho ou mesmo trabalhar junto
com os pais. Na medida em que o que aprendeu com seu ambiente
não se assemelha com o que é proposto pela escola, é pouco
provável que ela se saia bem nas atividades escolares. Dito de uma
forma mais correta, é pouco provável que a escola saiba aproveitar o
que esta criança aprendeu como ponto de partida para novas
aprendizagens.
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d) O quadro genético e a maturação biológica
Acreditamos que a relação entre aprendizagem e os
fatores genéticos e maturacionais já tenha sido suficientemente
analisada.
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produzindo interações. O choro de uma criança que se machucou
afetará pessoas que procurarão confortá-la, tentarão fazê-la calar-se
ou ridicularizarão sua fraqueza. Dependendo da consistência e da
freqüência de cada um desses tipos de interação, é possível que esta
criança se torne manhosa (porque isto, no passado, produziu alguma
vantagem), ou contida (não por ter tido oportunidade de manifestar
emoções). Algo semelhante ocorre com as formas e locais de
demonstração de emoções proibidas ou censuradas socialmente, ou
ainda com a discriminação sexual em relação às emoções (“menino
não chora” ou “ homem não pode ser sensível”) que, apesar de tudo,
persistem!
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Retomando nosso ponto principal, há uma interação entre
os vários tipos de relação que se estabelecem entre o indivíduo e o
ambiente, de tal modo que comportamentos que começaram como
reações (incondicionadas ou condicionadas) podem interagir com o
ambiente, alterando-o e sofrendo seus efeitos.
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distinguisse o que caracteriza aquele animal em relação a outros, não
há porque chamá-los por nomes diferentes. Por outro lado, o
processo é importante porque permite uma racionalização na maneira
como lidamos com as coisas e pessoas, se não fosse por ele,
precisaríamos aprender a mesma coisa a cada vez que aspectos não
fundamentais fossem alterados; por exemplo: seria necessário
aprender que um dobermann é um cachorro, que um pastor alemão é
um cachorro, etc. Através deste processo, a partir do momento em
que aprendemos o que define um objeto, pessoa ou situação, somos
capazes de classificar todos os elementos com as mesmas
características (todos são, no caso, cachorros).
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um elemento importante nas suas relações com o meio. Chegará o
momento em que, com base em experiências passadas, ela será
capaz de prever efeitos de interações que ela não chegou a efetuar
na prática (algo como “se eu fizer isto, deve acontecer tal coisa”)
antes de agir sobre o ambiente. Se os resultados de sua ação forem
usados para avaliar sua previsão, então ela estará aprendendo a
pensar.
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disponibilidade da criança de engajar-se em atividades novas e levá-
la a avaliar-se aquém de suas possibilidades.
Considerações finais
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direto de nossa ação sobre a torneira; uma resposta (ou silêncio) é
conseqüência da pergunta que fizemos a alguém. Se nos
mantivermos abrindo torneiras ou fazendo perguntas àquela pessoa
será, entre outras coisas, em virtude dos efeitos produzidos por
nossas ações. Interações como estas capacitam-nos a lidar
diretamente com o ambiente.
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de interferências artificiais de outras pessoas que nos estimularão a
ajudar um amigo e nos elogiarão por isto.
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