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A ópera como teatro – Mário Vieira de Carvalho

Resumo da leitura
Margarida Faria Cardoso

Este ensaio tem como propósito pôr em evidência a relação, por vezes conflictuosa,
entre a poética do teatro e da música, dentro de géneros de teatro musical, focando-se,
sobretudo, na ópera. Deste modo, o autor adopta uma perspectiva flexível e
contemporânea do acto de interpretação e adaptação das peças.
Mário Vieira de Carvalho introduz a problemática com uma breve clarificação da
figura do dramaturgista e da sua função. O dramaturgista é entendido como o mediador
entre o texto dramático e o público, enquanto curador do reportório e intérprete do
próprio texto. Assim sendo, é ele que revela as possíveis leituras do mesmo e define os
parâmetros teórico-estéticos que orientam a encenação.
De seguida, apresenta uma retrospetiva da ópera como género dramático – analisando
uma viragem paradigmática, que nasce de uma progressiva valorização da música
enquanto elemento cénico e que culmina no século XVII com a elevação da mesma a
linguagem formal. É também nesta altura que nasce a “ideia de ópera enquanto
negação do teatro”, que visava reduzir a influência da poética teatral sobre a ópera,
privilegiando os processos musicais. Munindo-se da visão de teóricos incontornáveis
como Verdi, Wagner e Meyrold, refuta essa concepção, considerando-a como obsoleta e
insustentável. Estes constatam que o virtuosismo técnico, desprovido de expressão
dramática, produz resultados que lhes parecem, por diversas razões, unidimensionais.
Por este motivo, reintroduzem a expressão dramática na ópera, através do que Rienäcker
chama uma “teatralização radical de todas as componentes da obra e da
representação”. Esta reaproximação da ópera à poética dramática acarreta determinados
desafios, devido à formação de novas correntes estéticas – gerais da arte e particulares
do teatro – ao longo do século XIX e XX. Por efeito, a ópera acolhe as formas cénicas
do realismo e do naturalismo no século XIX, a “separação dos elementos” de Brecht e o
formalismo de Meyerhold no século XX .
É também essa influência do teatro que vai enaltecer a figura do dramaturgista na
ópera. Este vai assumir uma importância que, até então, tinha sido em grande parte
esquecida. Torna-se, pois, o responsável por repensar o texto e a partitura: aproximando
os clássicos ao presente, transformando-o através da sua tradução, adaptação e própria
reinterpretação.
Posteriormente, o autor menciona a problemática da reinterpretação textual e expõe
duas perspectivas teóricas acerca da mesma, contrastando-as: em primeiro lugar,
apresenta a defesa da preservação da intenção autoral da peça, formulada por Götz
Friedrich, que baseia toda a construção dramatúrgica do sentido em torno de uma
pesquisa de contextos historiográficos da época e notas do autor, em si; e, em segundo
lugar, a noção de texto dramático enquanto meio, através do qual a relação dialética
entre assunto, época de composição e época de realização produzem a significação.
De forma a complementar esta última perspectiva, refere ainda a conceptualização de
Jonathan Miller acerca da ideia da afterlife of the antique de Warburg, mais
concretamente, a sua aplicação às artes performativas. Miller argumenta que tentar
preservar o sentido original de um texto performativo é infrutífero e resulta, geralmente,
na imposição de valores modernos sobre o passado. Mário Vieira de Carvalho
sistematiza essas ideias da seguinte forma: “A redescoberta de uma obra de arte
passado muito tempo implica ser recebida e avaliada por razões tão diferentes das
originárias que muda virtualmente o seu carácter e identidade (por exemplo, o poder
de sugestão da obra inacabada, a escultura partida que sobreviveu à antiguidade,
sobrepõe-se a certos standards de acabamento e perfeição originários)” e “A
restauração de uma obra, por mais rigorosa que seja, não é senão a imposição de
ideias modernas do restaurador acerca do passado”.
Em suma, ao longo do seu ensaio, o autor privilegia a concepção do afterlife do teatro,
culminando a sua reflexão na ideia da impossibilidade de decifrar o sentido original de
uma peça. Apela, portanto, ao diálogo entre a obra e o momento presente, tendo em
conta que o objectivo da arte dramática não seria a reprodução de uma partitura, mas
sim a criação de algo novo – reflexo da experimentação e expansão das fronteiras do
género. Deste modo, encerra o debate com a constatação do triunfo da dramatização da
música, acentuando o papel fundamental da dialética entre a tradição e modernidade
nessa mesma criação.

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