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Capítulo
A L G U N S F U N D A M E N T O S D E H I D R O L O G I A

Bacia hidrográfica e
balanço hídrico

O
ciclo hidrológico é normalmente estudado com maior interesse na fase
terrestre, onde o elemento fundamental da análise é a bacia hidrográfica. A
bacia hidrográfica é a área de captação natural dos fluxos de água originados
a partir da precipitação, que faz convergir os escoamentos para um único
ponto de saída, seu exutório. A definição de uma bacia hidrográfica requer a definição
de um curso d’água, de um ponto ou seção de referência ao longo deste curso d’água e
de informações sobre o relevo da região.

Uma bacia hidrográfica pode ser dividida em sub-bacias e cada uma das sub-bacias
pode ser considerada uma bacia hidrográfica.

A bacia hidrográfica pode ser considerada como um sistema físico sujeito a entradas de
água (eventos de precipitação) que gera saídas de água (escoamento e
evapotranspiração). A bacia hidrográfica transforma uma entrada concentrada no
tempo (precipitação) em uma saída relativamente distribuída na tempo (escoamento).

As características fundamentais de uma bacia que dependem do relevo são:

• Área

• Comprimento da drenagem principal

• Declividade

A área é um dado fundamental para definir a potencialidade hídrica de uma bacia, uma
vez que a bacia é a região de captação da água da chuva. Assim, a área da bacia
multiplicada pela lâmina precipitada ao longo de um intervalo de tempo define o
volume de água recebido ao longo deste intervalo de tempo. A área de uma bacia
hidrográfica pode ser estimada a partir da delimitação dos divisores da bacia em um
mapa topográfico.

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Um exemplo de bacia delimitada é apresentado na Figura 2. 1. A bacia delimitada


corresponde à bacia do Arroio Quilombo, próximo a Lomba Grande e Novo
Hamburgo, até a seção que corresponde a ponte da estrada vicinal indicada no mapa.
O divisor de águas apresentado como uma linha pontilhada separa as regiões do mapa
em que a água da chuva vai escoar até a seção da ponte das regiões em que a água da
chuva não vai escoar até esta seção. O divisor de águas passa, em geral, pelas regiões
mais elevadas do entorno do Arroio Quilombo e de seus afluentes, mas não
necessariamente inclui os pontos mais elevados do terreno. O divisor de águas
intercepta a rede de drenagem em apenas um ponto, que corresponde ao exutório da
bacia (no exemplo é a seção da ponte).

Figura 2. 1: Exemplo de uma bacia hidrográfica delimitada sobre um mapa topográfico.

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A área da bacia pode ser medida através de um instrumento denominado planímetro


ou utilizando representações digitais da bacia em CAD ou em Sistemas de Informação
Geográfica.

O comprimento da drenagem principal é uma característica fundamental da bacia


Tempo de concentração é o hidrográfica porque está relacionado ao tempo de
tempo que uma gota de viagem da água ao longo de todo o sistema. O
chuva que atinge a região tempo de viagem da gota de água da chuva que
mais remota da bacia leva atinge a região mais remota da bacia até o momento
para atingir o exutório. em que atinge o exutório é chamado de tempo de
concentração da bacia.

A declividade média da bacia e do curso d’água principal também são características


que afetam diretamente o tempo de viagem da água ao longo do sistema. O tempo de
concentração de uma bacia diminui com o aumento da declividade.

Outras características importantes da bacia


Os tipos de solos, a geologia, a vegetação e o uso do solo são outras características
importantes da bacia hidrográfica que não estão diretamente relacionadas ao relevo. Os
tipos de solos e a geologia vão determinar em grande parte a quantidade de água
precipitada que vai infiltrar no solo e a quantidade que vai escoar superficialmente. A
vegetação tem um efeito muito grande sobre a formação do escoamento superficial e
sobre a evapotranspiração. O uso do solo pode alterar as características naturais,
modificando as quantidades de água que infiltram, que escoam e que evaporam,
alterando o comportamento hidrológico de uma bacia.

Balanço hídrico numa bacia


O balanço entre entradas e saídas de água em uma bacia hidrográfica é denominado
balanço hídrico. A principal entrada de água de uma bacia é a precipitação. A saída de
água da bacia pode ocorrer por evapotranspiração e por escoamento. Estas variáveis
podem ser medidas com diferentes graus de precisão. O balanço hídrico de uma bacia
exige que seja satisfeita a equação:

∆V
= P−E−Q
∆t

onde ∆V é a variação do volume de água armazenado na bacia (m3); ∆t é o intervalo de


tempo considerado (s); P é a precipitação (m3.s-1); E é a evapotranspiração (m3.s-1); e Q
é o escoamento (m3.s-1).

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Em intervalos de tempo longos, como um ano ou mais, a variação de armazenamento


pode ser desprezada na maior parte das bacias, e a equação pode ser reescrita em
unidades de mm.ano-1, o que é feito dividindo os volumes pela área da bacia.

P = E+Q

onde P é a precipitação em mm.ano-1; E é a evapotranspiração em mm.ano-1 e Q é o


escoamento em mm.ano-1.

As unidades de mm são mais usuais para a precipitação e para a evapotranspiração.


Uma lâmina de 1 mm de chuva corresponde a um litro de água distribuído sobre uma
área de 1 m2.

O percentual da chuva que se transforma em escoamento é chamado coeficiente de


escoamento de longo prazo e é dado por:

Q
C=
P

O coeficiente de escoamento tem, teoricamente, valores entre 0 e 1. Na prática os


valores vão de 0,05 a 0,5 para a maioria das bacias.

A Tabela 2. 1 apresenta dados de balanço hídrico para as grandes bacias brasileiras, de


acordo com dados da Agência Nacional da Água (ANA). A região do Rio Grande do
Sul está contida nas bacias do rio Uruguai e na bacia do Atlântico Sul, onde a
precipitação média é de 1699 e 1481 mm por ano, respectivamente. Na bacia do rio
Uruguai o escoamento é de 716 mm por ano, o que corresponde a 4040 m3.s-1 de
vazão média nesta bacia, que tem área de 178.000 km2. Na bacia do Atlântico Sul, em
que está inserida a bacia do rio Guaíba, o escoamento é de 643 mm por ano, enquanto
a evapotranspiração, que completa o balanço, é de 838 mm por ano. O coeficiente de
escoamento nas duas bacias é um pouco superior a 40%, o que significa que cerca de
40% da chuva é transformada em vazão, enquanto 60% retorna à atmosfera pelo
processo de evapotranspiração.

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Tabela 2. 1: Características de balanço hídrico das grandes regiões hidrográficas do Brasil (valores em mm correspondem às laminas
médias precipitadas, escoadas e evaporadas ao longo de um ano).

A tabela mostra que a evapotranspiração tende a ser maior nas bacias mais próximas
do Equador. Observa-se também que a disponibilidade de água (vazão em mm por
ano) é menor na bacia do rio São Francisco e na bacia Atlântico Leste (1) que inclui as
regiões mais secas da região Nordeste do Brasil.

Exemplos
1) Qual seria a vazão de saída de uma bacia completamente impermeável, com
área de 60km2, sob uma chuva constante à taxa de 10 mm.hora-1?

Cada mm de chuva sobre a bacia de 60km2 corresponde a um volume total de 60.000 m3 lançados
sobre a bacia, o que significa que em uma hora são lançados 600.000 m3 de água sobre esta bacia.
Como a bacia é impermeável toda a água deve sair pelo exutório a uma vazão constante de 167 m3.s-1.

2) A região da bacia hidrográfica do rio Taquari recebe precipitações médias


anuais de 1600 mm. Em Muçum (RS) há um local em que são medidas as

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vazões deste rio e uma análise de uma série de dados diários ao longo de 30
anos revela que a vazão média do rio é de 340 m3.s-1. Considerando que a área
da bacia neste local é de 15.000 Km2, qual é a evapotranspiração média anual
nesta bacia? Qual é o coeficiente de escoamento de longo prazo?

O balanço hídrico de longo prazo de uma bacia é dado por

P = E + Q onde P é a chuva média anual; E é a evapotranspiração média anual e Q é o escoamento


médio anual.

A vazão média de 340 m3.s-1 em uma bacia de 15.000 km2 corresponde ao escoamento anual de uma
lâmina dada por:

Q( m 3 .s −1 ) ⋅ 3600 ⋅ 24 ⋅ 365( s .ano −1 )


Q( mm / ano ) = 2
⋅ 1000( mm.m −1 )
A( m )

ou

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365
Q( mm / ano ) = Q( m 3 .s −1 )
A( km 2 )

3,6 ⋅ 24 ⋅ 365
Q( mm / ano ) = 340 ⋅ ≅ 715 mm.ano −1
15000

e a evapotranspiração é dada por E = P – Q =1600 – 715 = 885 mm.ano-1.

O coeficiente de escoamento de longo prazo é dado por C = Q/P = 715/1600 = 0,447.

Exercícios
1) A região da bacia hidrográfica do rio Uruguai recebe precipitações médias
anuais de 1700 mm. Estudos anteriores mostram que o coeficiente de
escoamento de longo prazo é de 0,42 nesta região. Qual é a vazão média
esperada em um pequeno afluente do rio Uruguai numa seção em que a área
da bacia é de 230 km2.

2) Considera-se para o dimensionamento de estruturas de abastecimento de água


que um habitante de uma cidade consome cerca de 200 litros de água por dia.
Qual é a área de captação de água da chuva necessária para abastecer uma casa
de 4 pessoas em uma cidade com precipitações anuais de 1400 mm, como

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Porto Alegre? Considere que a área de captação seja completamente


impermeável.

3) Considere a bacia hidrográfica da figura abaixo, onde cada quadrado


corresponde a 4 km2. Qual é, aproximadamente, a área da bacia, e o
comprimento do rio principal? Qual é o tempo de concentração supondo que
o escoamento ocorra com uma velocidade de 0,1 m.s-1 até atingir a rede de
drenagem e de 0,5 m.s-1 através da rede de drenagem?

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