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Revista Crítica de Ciências Sociais

111 | 2016
Número semitemático

Miriano, Costanza (2013), Cásate y sé sumisa:


experiencia radical para mujeres sin miedo
María León Molina

Edición electrónica
URL: http://journals.openedition.org/rccs/6523
DOI: 10.4000/rccs.6523
ISSN: 2182-7435

Editor
Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Edición impresa
Fecha de publicación: 1 diciembre 2016
Paginación: 160-162
ISSN: 0254-1106

Referencia electrónica
María León Molina, « Miriano, Costanza (2013), Cásate y sé sumisa: experiencia radical para mujeres sin
miedo », Revista Crítica de Ciências Sociais [En línea], 111 | 2016, Publicado el 07 diciembre 2016,
consultado el 23 septiembre 2020. URL : http://journals.openedition.org/rccs/6523 ; DOI : https://
doi.org/10.4000/rccs.6523
Revista Crítica de Ciências Sociais, 111, dezembro 2016: 153‑162

Recensões

Eswaran, Mukesh (2014), Why Gender Matters in Economics. New Jersey,


NJ: Princeton University Press, 396 pp., 1.a edição.
Mukesh Eswaran, autor do livro em aná- como, em contexto económico e não eco-
lise, é professor na Vancouver School of nómico, o comportamento determinado
Economics da Universidade de British por razões económicas e não económicas
Columbia, Canadá, Senior Fellow do Bureau (culturais, sociais e psicológicas) se revela
of Research and Economic Analysis of à partida genderizado. As diferenças mani-
Development e investigador associado festas na economia resultam, pois, do con-
da organização Theoretical Research in curso dos diferentes fatores em jogo, dos
Economic Development. Os seus traba- seus pesos e das suas interações.
lhos focam questões de desenvolvimento Partindo da simples constatação de que:
económico associados às desigualdades “[…] pequenas diferenças e vantagens rela-
de género na Economia. tivamente menores (tais como a força física
M. Eswaran apresenta como circunstância nos homens) podem ser amplificadas para
inspiradora deste livro a quase inexistên- produzir diferenças de resultados notó-
cia de livros de Economia abrangendo rias no campo económico” (p. 1), o livro apre-
os tópicos que pensa terem relevo para senta as diferenças de comportamento de
a compreensão do papel das mulheres na homens e mulheres em contexto económico
economia: “Não consegui encontrar um a partir de ângulos bem diversos: porções
livro que oferecesse uma visão abrangente a atribuir à biologia, à psicologia e à socia-
da vida económica das mulheres” (p. xi). lização; distribuição de poder no casal/
Não é, pois, de admirar que o livro pro- /agregado familiar; razões para a diferença
ceda a uma revisão de literatura científica de poder decisório de homens e mulheres
multidisciplinar em torno da questão e causas da sua persistência atual; o porquê
de saber por que razão o género devia da preponderância da divisão de trabalho
interessar à ciência económica. Fazendo ser ainda hoje, para as mulheres, a da atri-
recurso a propostas de leitura tão distintas buição de tarefas ancestrais de trabalho
como o feminismo, o marxismo, o pós­ doméstico e cuidados com as crianças;
‑modernismo, a psicologia, a biologia e a o papel dos mercados na determinação do
ciência política, a questão proposta é a de bem­‑estar das mulheres; discriminação das
saber porque deve o género interessar mais mulheres nos mercados; consequências da
à ciência económica do que aparentemente globalização para o bem­‑estar económico
parece já acontecer. Em particular, como e social das mulheres; consequências do
acomodar efeitos do comportamento cujas matrimónio, contraceção e fertilidade para
causas remetem para tais abordagens disci- as mulheres, comparativamente entre países
plinares com leituras mais potentes do que desenvolvidos e em desenvolvimento; fato-
as permitidas exclusivamente por modelos res económicos determinantes na aquisição
económicos dominantes. de direitos políticos (sufrágio) e efeitos no
O eixo de questionamento que perpassa bem­‑estar económico e social; e, finalmente,
o livro centra­‑se na tentativa de estabelecer como empoderar as mulheres.
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As discussões decorrem em torno de qua- são as mulheres causas e vítimas do declí-


tro módulos organizados em capítulos, nio da fertilidade?” e 9 – “Que benefícios
que se seguem a um primeiro capítulo retiram as mulheres do acesso melhorado
introdutório. Uma caraterística que se ao controlo de natalidade?”
destaca é a da existência de uma secção No Módulo 4, intitulado “Empoderar as
de “Exercícios e questões para discus- mulheres”, discutem­‑se formas de pro-
são” no fim de cada capítulo. Embora tal moção do desenvolvimento e reforço da
faceta possa emprestar ao livro um cariz autonomia decisória e económica das
pedagógico mais tradicional, a verdade é mulheres. Composto dos dois últimos
que o restante texto não segue tal modelo. capítulos: 10 – “Como as mulheres alcan-
De leitura acessível, o texto não oferece çaram o sufrágio e quais os seus efeitos
dificuldades de interpretação, exceto em económicos?” e 11 – “Como podem as
alguns, poucos, pontos de tecnicidade mais mulheres ser empoderadas?”
exigente (por exemplo, sobre modelos de É neste último capítulo do Módulo 4
negociação). Numa apreciação global, (Capítulo 11) que se concentram as “lições”
acaba por ser um livro para estudantes de colhidas em módulos anteriores. Seja
licenciatura, tal como no Prefácio o autor no mercado de trabalho ou de crédito
confessa ter sido o seu desígnio, sendo as (Capítulos 4 e 5 do Módulo 2) ou no acesso
questões “[…] tratadas a um nível não ao planeamento familiar das mulheres
técnico que presume apenas conhecimento (Capítulo 9 do Módulo 3), as consequên-
dos princípios básicos da economia” cias de diferenças biológicas e/ou psi-
(p. xi). cológicas, caucionadas por formações
O Módulo 1, “Matérias fundamentais”, sociais (sociedade patriarcal) e culturais
procura estabelecer quais os mecanismos (casamento), traduzem­‑se em práticas
centrais sociais, psicológicos e económicos económicas reprodutoras que a Economia
que determinam as diferenças de género. (mercados competitivos) só consegue con-
Este módulo é composto de dois capítulos: trariar parcialmente (Módulo 2). Perante
2 ­– “Comportam­‑se homens e mulheres a insuficiência de modelos estritamente
de modo diferente em situações económi- económicos (por exemplo, salários de efi-
cas?” e 3 – “O que determina o equilíbrio ciência ou gosto pela discriminação) para
de poder no agregado familiar?” a explicar e desmontar as desigualdades,
O Módulo 2, “Género nos mercados”, torna­‑se necessário encontrar, por entre
discute o papel das mulheres nos mercados mecanismos não económicos que delas
e o grau de discriminação que aí encontram deem conta, as vias da sua superação.
num pano de fundo geral de globalização. A este propósito, o autor aponta duas linhas
Composto de três capítulos: 4 – “São as de ação frutuosas no empoderamento das
mulheres discriminadas negativamente no mulheres. Por um lado, a evidência que o
mercado de trabalho?”, 5 – “De que modo papel da educação tem na determinação
os mercados de crédito afetam o bem­‑estar de autonomia das mulheres (nos países
das mulheres?” e 6 – “Que efeitos tem desenvolvidos ou em desenvolvimento)
a globalização nas mulheres?” e que tem conexão conhecida nos países
O Módulo 3, intitulado “Casamento e ferti- mais desenvolvidos com o incremento de
lidade”, aborda questões de natureza mais liberdade face ao casamento, à fertilidade
institucional e sociológica em três capítu- e à contraceção, todas promovendo a des-
los: 7 – “Quão bem se dão as mulheres montagem de desigualdades. Em países
na instituição casamento?”, 8 – “Porque em desenvolvimento, os movimentos de
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globalização parecem ter trazido maior económico, o crescente aporte de mulheres


rendimento e liberdade de escolha às nos sistemas de ensino e no mercado de
mulheres, pelo que, por força de razão, trabalho (com a correlativa expressão de
aí a educação, com as suas consequências preferências de consumo genderizadas),
de autonomização da mulher, constitui uma obrigam a dar atenção ao papel que as
via de superação de preconceitos e práticas mulheres cada vez mais têm como alvos de
discriminatórias que minam formações políticas sociais de apoio à família, infância,
sociais e culturais atávicas. Por outro lado, saúde e poupança. As caraterísticas das
o acesso das mulheres ao sufrágio, com o mulheres que inspiram novas políticas
apoio renitente, mas efetivo, de legisladores sociais de apoio à família são as mesmas
(homens), constituiu um avanço maior na que se exprimem na negociação (por
equalização das desigualdades. Eswaran exemplo, altruísmo vs. interesse próprio,
sugere que o poder da legislação preventiva cooperação vs. competição) (Capítulo 2)
das desigualdades à partida (por exemplo, e nas escolhas de consumo que, em con-
quotas), que resultaram em grande medida textos específicos (agregado familiar, Capí-
nos EUA, não deve ceder à facilidade de tulo 3), constituem ainda, ironicamente,
esquecer as consequências indesejáveis ameaças de estereótipo (Capítulo 2) que
para as mulheres, principalmente em paí- minam o seu desempenho.
ses menos desenvolvidos (por exemplo,
na Índia). Mais ainda, do ponto de vista Miguel Oliveira

Wall, Karin; Almeida, Ana N. de; Vieira, Maria M.; Cunha, Vanessa (coords.);
Rodrigues, Leonor; Coelho, Filipa; Leitão, Mafalda; Atalaia, Susana (2015),
Impactos da crise nas crianças portuguesas: indicadores, políticas, repre-
sentações. Lisboa: ICS/OPJ/OFAP, 218 pp.
A recente crise económica portuguesa tem O livro é composto por quatro partes,
manifestado um alcance, em termos dos sendo cada uma delas um capítulo. As duas
seus impactos, que extravasa aquilo que primeiras incidem numa abordagem macro,
é revelado nos indicadores quantitativos, tendo como propósito analisar, desconstruir
geralmente relacionados com uma análise e sistematizar indicadores sociais relativos à
mais extensiva. A obra Impactos da crise nas situação das famílias e das crianças, obser-
crianças portuguesas pretende responder a vando, em simultâneo, as políticas públicas
dois objetivos principais: primeiro, a partir no mesmo domínio, nos últimos anos em
das narrativas das crianças, e reconhecendo­ Portugal, que correspondem ao período
‑as enquanto vozes legítimas na produção de crise. A terceira parte, correspondente
de discursos, visibilizar os impactos da crise ao terceiro capítulo, situa­‑se numa abor-
no seu dia­‑a­‑dia e respetivas consequências; dagem micro, dando conta dos discursos
em segundo, e de forma mais ampla, dar das crianças sobre a sua perceção da crise
conta de uma série de dados estatísticos e dos respetivos impactos. Na quarta e
que caraterizam a infância em Portugal, última parte estão reunidas as principais
mapeando o papel das políticas públicas com conclusões do estudo realizado, e tecem­
repercussões na vida das famílias portugue- ‑se algumas recomendações no sentido de
sas, em geral e das crianças, em particular. contribuir para uma melhoria da situação
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económica das crianças e jovens num con- (40,4%), seguidas das monoparentais
texto de austeridade. (33,1%); também a condição perante o
Em traços gerais, a obra constitui um trabalho é indicadora da taxa de risco
contributo científico para a atual revisão, de pobreza, com maior probabilidade a
sistematização e mapeamento dos indi- verificar­‑se nos agregados monoparentais
cadores sociais situados no período da desempregados (90,2%) e agregados com
crise económica portuguesa. Sobretudo, dois adultos desempregados (53,2%);
a análise incisiva ao nível dos indicadores entre 2010 e 2013 o número de casais ins-
permite­‑nos ter um olhar mais crítico sobre critos nos centros de emprego passou de
os dados que muitas vezes, ao serem apre- 1530 para 12 065 (um aumento de 688%);
sentados de forma simplista, distorcem o no que respeita à privação material, em 2013,
seu significado. em Portugal, 29,2% das crianças vivia em
Entrevistar crianças e jovens é, também agregados com privação material.
em si, inovador. Como referem as autoras, A segunda parte da obra elenca os dife-
estes sujeitos são normalmente invisibili- rentes apoios sociais facultados através
zados, não tendo lugar para produzir os das políticas públicas, no contexto de
seus próprios discursos, sendo substituídos crise. Os dados mostram que, entre 2010
pelas vozes dos adultos. No entanto, torna­ e 2013, assistiu­‑se a uma redução das
‑se importante trazer para esta reflexão crí- formas de apoio económico, por parte do
tica a posição privilegiada que as crianças Estado, às famílias portuguesas. Prestações
e jovens têm relativamente aos impactos de caráter pecuniário, tais como o abono
da crise e ao modo como a sentem, sendo de família, ação social escolar, subsídios
importante recuperar as funções que as/os sociais de parentalidade, rendimento
filhas/os assumem nas famílias portuguesas social de inserção e subsídio social de
contemporâneas, e relembrar o peso que a desemprego, tornaram­‑se mais restritas,
dimensão afetiva1 alcança. Podemos, assim, diminuindo a elegibilidade das famílias.
admitir que os impactos e as consequên- Também a fiscalidade foi alvo de atenção,
cias da crise chegam às/aos mais novas/ revelando­‑se uma subida da carga fiscal,
/os, já com algum “amortecimento” afetivo. o aumento dos preços e do custo de vida
A primeira parte apresenta a situação em geral (salienta­‑se o aumento do IVA
atual das crianças e jovens a partir dos entre 2010/2012 e a atualização do valor
indicadores sociais. No primeiro capí- patrimonial dos imóveis, traduzindo­‑se
tulo são apresentados indicadores de num imposto municipal sobre imóveis
pobreza, exclusão e de bem­‑estar infan- mais elevado e com menos regalias em
til. É importante destacar alguns dos termos da sua isenção). Numa análise
resultados: desde 2008 que as crianças comparativa face aos restantes países
e jovens constituem a faixa etária com da OCDE em 2012, relativa à despesa
maior risco de pobreza em Portugal; as pública com prestações familiares – seja
famílias com crianças a cargo têm maior em dinheiro, serviços ou deduções fiscais –,
incidência do risco de pobreza, em detri- Portugal surge na vigésima terceira posi-
mento das famílias sem crianças; esse risco ção, no quadro dos 34 membros da orga-
aumenta sobretudo nas famílias numerosas nização.

1
É possível confirmar a importância das/os filhas/os através das suas funções no trabalho de Cunha,
Vanessa (2005), “As funções dos filhos na família”, in Karin Wall (org.), Famílias em Portugal
– Percursos, interacções, redes sociais. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 465-497.
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Na terceira parte do livro são apresenta- relacionada com a estrutura que é adotada
dos os resultados da abordagem empírica, e a forma como condiciona a análise é
em termos micro, a partir de 77 entrevistas realizada; a segunda, sobre a adequação do
realizadas a crianças e jovens. As autoras modelo de consentimento informado para
procuraram compreender a sua perceção os diferentes grupos de entrevistadas/os.
da atual crise, e a forma como identificam A forma como o livro está disposto permite
os seus impactos no quotidiano. As variá- ler cada parte, individualmente, sem preju-
veis sociodemográficas da amostra dicar a compreensão do que é apresentado
estruturaram­‑se em oito critérios: idade em cada capítulo. Assim, esta organização
(8­‑12; 14­‑17); sexo (masculino e feminino); permite a leitura dissociada entre o nível
regiões de Portugal continental (Norte, extensivo e intensivo da análise que foi
Centro e Sul do país); local de residência realizada. Contudo, sendo o objetivo
(urbana, suburbana e rural); classe social principal das autoras dar voz às crianças
(baixa, média e alta); tipos de família e jovens através da técnica de entrevista,
(monoparental, nuclear ou recomposta); afirmando­‑as enquanto sujeitos capazes de
vulnerabilidade económica (sem, alguma reconhecer os impactos da crise e detento-
ou alta); e outras vulnerabilidades (onde ras de uma perspetiva fundamentada sobre
as autoras integraram a deficiência – física o tema, teria sido interessante ir mais além
ou mental –­ , doença crónica e minoria e cruzar os dados obtidos na abordagem
étnica). O conteúdo deste capítulo está macro, com os discursos das crianças e
organizado em torno de quatro eixos de jovens entrevistadas//os, materializando
análise: definir a crise; os seus impactos; os indicadores sociais e dando um rosto
como vencer a crise (estratégias e solu- aos indicadores.
ções); retratos sociológicos das crianças A segunda questão diz respeito à indiferen-
e jovens. A informação apresentada é ciação que foi dada ao modelo do consenti-
extremamente interessante, mas o texto mento informado, na recolha de dados com
coloca­‑se num plano predominantemente crianças e jovens. Quando consultamos o
descritivo. Uma reflexão mais aprofundada documento (modelo de consentimento),
e um maior detalhe analítico a partir dos a exposição que é feita relativamente aos
discursos seria relevante. Por exemplo, objetivos de estudo facultados às crianças
há uma indiferenciação de pistas analíticas entre os 8­‑12 anos é de igual modo dada aos
ao longo dos tópicos que são apresenta- jovens entre os 14­‑17 anos, questionando
dos e verifica­‑se a dificuldade em situar a adequação da mensagem ao primeiro
os discursos num antes e depois da crise. grupo etário.
Finalmente, na quarta parte é apresentada A obra é um importante contributo para
uma súmula dos resultados obtidos nos conhecer os impactos da crise económica
três capítulos anteriores e são propostas e social do país, ajudando a desbravar um
recomendações relativamente à proteção terreno tantas vezes esquecido nas discus-
e melhoria da situação das crianças e jovens sões políticas, pese embora a sua relevância
no período de crise. social – as condições de vida das crianças
Não obstante o interesse manifesto do tema portuguesas.
tratado e dos resultados obtidos, a obra
suscita duas observações críticas: a primeira Andreia Barbas
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Caleiras, Jorge (2015). Para lá dos números – As consequências pessoais do


desemprego. Coimbra: Almedina, 217 pp.*
Neste livro, Jorge Caleiras desafia o leitor conceitos e discutem as relações entre
a olhar para o fenómeno do desemprego desemprego e pobreza, deixando os dois
a partir das representações e do sentir dos capítulos finais para a discussão de questões
próprios desempregados. Os constrangi- em torno do desenho e da implementação
mentos pessoais destes, as circunstâncias das políticas sociais de emprego. De per-
que os envolvem, bem como as perceções meio, sete capítulos abordam as experiências,
em torno dos mecanismos de intervenção as perceções e as representações das pes-
pública, são o mote para um tratamento soas desempregadas. Este miolo materia-
despido dos quadros, gráficos, equações e liza e dá densidade à abordagem do autor.
regressões tão frequentes nas abordagens São relatos de vida, “histórias no sentido
macrossociais e económicas (que o autor biográfico e narrativo do termo. Histórias
não descuidou na tese de doutoramento sempre singulares e irredutíveis, mas que
que deu vida a esta obra). Trata­‑se de um precisamente por isso, nos falam e nos
livro sobre desempregados, em que a tocam” (p. 45). São os 36 casos (num milhão,
análise das consequências pessoais das como atesta o autor), que põem a descoberto
situações de inatividade indesejada parte os perfis pessoais e familiares do desem-
de 36 casos representativos dos diversos prego e que permitem identificar fatores
perfis sociológicos desses mesmos desem- que explicam as dificuldades em (re)ativar
pregados, permitindo explorar as relações percursos de inserção laboral.
entre desemprego e pobreza, questionar Os modos como os indivíduos são envolvi-
e desafiar conceptualizações que tendem dos nas teias do desemprego são examinados
a reificar­‑se acriticamente, examinar linhas desde o terceiro até ao sexto capítulo, com
de intervenção pública e sugerir cami- base nas trajetórias de vida das pessoas
nhos de melhoria da atuação dos agentes através das dimensões escolar, formativa,
com competências de intervenção. familiar e social. Discorre­‑se sobre a escola
Este livro resulta de uma aturada pesquisa que se teve e a que faltou, a qualificação
desenvolvida pelo autor no âmbito do seu obtida e a requalificação pretendida, as
projeto doutoral no Centro de Estudos perspetivas futuras e os constrangimentos
Sociais da Universidade de Coimbra. A pro- presentes, os meandros da precariedade
blemática do desemprego não é estranha e da informalidade, bem como sobre a
ao autor que, como sociólogo e enquanto multiplicidade das causas que levaram à
quadro do Instituto de Segurança Social, inatividade indesejada. As experiências
tem convivido com as questões teóricas, concretas dos desempregados e as mudanças
com as políticas e com os meandros da ocorridas nas suas vidas permitem a Jorge
operacionalização das medidas de promoção Caleiras abordar os significados do trabalho
do emprego e de combate à exclusão social. e do desemprego e as representações dos
Nesta obra, organizada em 11 capítulos, indivíduos em relação a essa condição. As
os primeiros dois capítulos introduzem questões da dignidade, da utilidade social

* O trabalho de investigação desenvolvido no CETRAD pelos autores desta recensão é finan-


ciado por Fundos Europeus Estruturais e de Investimento, na sua componente FEDER, através
do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização (COMPETE 2020) [Projeto
n.º 006971 (UID/SOC/04011)] e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência
e a Tecnologia, no âmbito do projeto UID/SOC/04011/2013.
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e da valorização subjetiva associadas ao tra- e integrada, afirma o autor, “num sistema


balho são, neste âmbito, equacionadas, recor- social que a tolera e aceita, torna­‑se invisível
rendo aos testemunhos dos entrevistados e, portanto, é como se não existisse. Porém,
para descrever os sentimentos negativos ‘está lá’, existe e é extensa, constituindo
(desapontamento, desilusão, frustração e uma realidade enraizada, estável e difícil de
revolta) de estar involuntariamente numa combater” (p. 132).
condição de inatividade. Segue­‑se o disse- As vulnerabilidades pessoais e sociais asso-
car das condições materiais de existência, ciadas ao desemprego e ao risco de pobreza
as estratégias para viver com menos rendi- são analisadas nos capítulos décimo e décimo
mentos e com mais privações, com o endivi- primeiro. Aí são discutidas as fragilidades
damento, com a dependência face a outros e das políticas públicas e a inconsistência das
com a necessidade de acolher e acompanhar medidas de promoção do emprego a partir
ascendentes dependentes. Neste quadro de entrevistas a diversos atores e agentes ins-
de dependência é analisado o papel dos titucionais. Um exercício que Jorge Caleiras
dispositivos de proteção institucional, com desenvolve sem deixar de contextualizar
ênfase para o subsídio de desemprego, uma o que designa de “europeização das políticas
“bengala” de suporte vital (para muitos, sociais e de emprego” (p. 135), sobretudo
a diferença entre o mínimo e o nada). na sua orientação para a redução das medi-
O quotidiano reestruturado pela perda do das passivas (por exemplo, subsídios de
emprego (nalguns casos não se dá uma desemprego) e para um envolvimento mais
manifesta rotura), as estratégias de ocupação ativo dos desempregados na sua reinserção
do tempo e as rotinas de vida familiar, assim laboral, isto enquanto beneficiários de
como as modalidades de busca de emprego sistemas de subsidiação. Neste âmbito,
e a incorporação nos circuitos do trabalho à sedução do discurso das políticas de
informal, são o foco dos capítulos sétimo ativação contrapõe­‑se uma série de cons-
e oitavo. A partir das experiências dos entre- trangimentos ao nível da implementação
vistados, compreende­‑se que passa a haver das medidas, reconhecendo que, de um
mais tempo disponível para a família e para modo geral e apesar da controvérsia em
tarefas domésticas. Com o desaparecimento seu torno, as políticas ativas de emprego
das sociabilidades no contexto da orga- têm méritos. O problema parece residir
nização patronal verifica­‑se um abranda- nas debilidades dos contextos em que as
mento na participação e na interação social. medidas operam, devendo­‑se, para contra-
Paralelamente, a procura de emprego revela­ riar ou corrigir os desajustes entre o desenho
‑se, em geral, pouco sistemática, operando das políticas e as condições de implemen-
a partir das redes interpessoais, já que as tação prática no terreno, dar continuidade
expectativas quanto ao Centro de Emprego a iniciativas promotoras de uma melhor
são baixas. A desvitalização dos sistemas de adequação das medidas aos territórios.
emprego local, mais notória em territórios E da parte dos agentes institucionais, como
de baixa densidade e com tecidos económi- veem e lidam com o fenómeno do desem-
cos mais frágeis, promove a vulnerabilidade prego? E porque não cruzar os discursos
dos desempregados, atreitos a ficarem reféns dos desempregados com as representações
de soluções – quando estas existem – precá- dos agentes institucionais que lidam com a
rias ou do mau emprego. Soluções estas que questão do desemprego? É o que faz Jorge
podem, em alguns contextos, contribuir Caleiras no final do livro, ao analisar criti-
para a produção de representações sua- camente as estratégias ativas de combate
vizadas de pobreza. Esta, assim matizada ao desemprego baseadas na individuação,
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propondo melhorias no desenho das polí- quando se trata de desemprego prolongado


ticas e na conceção de programas orien- associado a baixas qualificações, ao baixo
tados para um reforço dos mecanismos capital social dos indivíduos, à baixa partici-
e do protagonismo da intervenção de base pação cívica e ao recuo das redes de suporte
territorial. formal e informal. A sua dimensão crítica
Em suma, este livro é uma obra importante, assoma, desde logo, quando se interpela os
um contributo para o debate público sobre conceitos de pobreza, exclusão, desemprego
a problemática do desemprego e das estra- e emprego. O autor desenvolve um exercício
tégias para lidar com ela e representa um que ajuda a ler criticamente o modo como as
instrumento para quem se defronta profis- políticas sociais são formuladas e como
sionalmente no terreno com o problema e se desenham as medidas e os mecanismos
com os sujeitos. Integrando na sua análise de intervenção. Trata­‑se de uma referência
as idiossincrasias territoriais, explicita o a reter por todos quantos se interessem pela
potencial de risco associado ao desemprego questão do desemprego e pela análise das
e esclarece como a conjugação de fatores políticas e dos dispositivos de intervenção.
contribui para que o desemprego atue como
catalisador dos riscos sociais, nomeadamente Leonida Correia e Pedro Gabriel Silva

Miriano, Costanza (2013), Cásate y sé sumisa: experiencia radical para mujeres


sin miedo. Granada: Editorial Nuevo Inicio, 215 pp.
La filosofía de la superioridad masculina en 1853, el contexto de la época lograba que
sobre la femenina está llena de tautologías algunos lectores “perdonen” el pensamiento
y cuando un nuevo enunciado de esta índole del autor venezolano. La historia parecía
se presenta, y en forma de compendio, para quedar por ahí...
“aleccionar” a las mujeres, parece imposible Sin embargo, un nuevo manual apareció
que podamos continuar sorprendiéndo- para superar al autor. Costanza Miriano,
nos con escritores que dejan moribundos a los periodista italiana, decidió escribir una
avances efectuados por la equidad de género. nueva guía sobre los papeles de género.
Y a pesar de todo, pasa. Su libro Cásate y sé sumisa: experiencia radi-
En el mundo hispano, por ejemplo, ya se cal para mujeres sin miedo es una “orienta-
contaba con textos como el Manual de ción” para los adultos solteros, casados y al
Urbanismo de Manuel Carreño1 que espe- límite del divorcio, para que conozcan que
cifica cómo una dama debe servir la mesa, la obediencia de la mujer es la clave del éxito
colocar los platos, vasos, alimentos y cómo en un matrimonio.
las reglas de la urbanidad deben ser segui- Miriano manda al fondo cualquier avance
das con mayor rigurosidad por las mujeres de los Derechos Humanos y del feminismo
debido a su sexo y para mantener una femi- basándose en la Biblia y en los paradigmas
nidad tímida y opacada frente a un hombre. católicos para respaldar su pensamiento.
El libro fue recomendado como texto guía y El texto de 215 páginas y escrito de forma
usado en los colegios para educar a los ado- epistolar para sus amigos con relaciones
lescentes. Pero como la obra fue publicada complicadas (como las de cualquier ser

1
Carreño, Manuel Antonio (1998), Manual de urbanidad y buenas maneras. Colombia: Plaza y
Janés Editores [ed. orig.: 1853].
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humano) o sin ninguna relación, fue publi- que entre la época de su abuela Gina y ella
cado en italiano en 2011 y traducido en apareció el feminismo. Entonces ahora se
Noviembre de 2013 al español, por disposi- volvió “obligatorio” trabajar. Para la perio-
ción del Arzobispado de Granada, España. dista esto en lugar de volverse un derecho,
Desde el inicio la autora deja claras tres se convirtió en una desventaja pues las
cosas: la primera es que tener amigos sirve mujeres se volvieron hombres.
“fundamentalmente” para repartir consejos, Sus hijas, y los lectores en general, son enton-
aunque ellos ni los necesiten o menos aún los ces llamados a aprender de su experiencia
soliciten, porque esta actividad de aleccionar y “sabiduría” pues ella cree conocer cuál es
a los demás le parece sumamente gratifi- el secreto de ser una buena mujer. Misterio
cante. La segunda es que las proclamaciones contenido en un antiguo refrán italiano che
hechas para pedir el respeto al cuerpo de la piaccia, che taccia e che stia in casa. Traducido
mujer y su autonomía, carecen de relevancia significa: que guste de ti, que se quede
para quienes denomina de “mujeres norma- callada y que se quede en casa.
les”, sobre todo, en momentos como efec- Con un tono irónico y una narrativa ligera,
tuar el supermercado y recoger a los hijos de y que mezcla peligrosamente algunas bro-
las clases de catecismo. Y la tercera es que mas para ganar la simpatía de los lectores,
las mujeres tienen como tarea suprema dar la va luego incrementando algunas lecturas
vida y engendrar tal como la Iglesia defiende. literales del libro gordo del catolicismo. Ahí
Todo esto en la Introducción del texto que desde el Génesis se habla de las diferencias
sirve básicamente para que el lector recono- básicas entre hombre y mujer y es también
zca cuáles son las supuestas causas de la ines- allí donde Miriano encuentra el sentido
tabilidad en las familias de la época actual. por el que la mujer necesita ser sumisa y
Ya en la página 27 viene la primera epístola obediente como un “acto de generosidad
dirigida a Mónica. ¿Cómo es posible que con los hombres”.
pienses en no casarte?! Interpela la autora La periodista italiana continúa así su redac-
y refuerza un consejo no solicitado, pero ción donde intenta persuadir sobre cómo
publicado, con sus justificaciones conserva- la sumisión es un acto de libertad y que fue
doras/religiosas: la mujer fue llamada para el primer gran acto de reivindicación del
dar la vida y para eso es imprescindible obte- cristianismo hacia la mujer. Se olvida así de
ner el sacramento del matrimonio. Tienes pensar en aquel best seller (la Biblia) como
que aprender a ser sometida como dice San un texto escrito por hombres que debe ser
Pablo. O sea, quedarte debajo de tu marido y leído y revisado con ojos críticos. Sea por
tus hijos, aceptando y dejando pasar las cosas. católicos o no católicos.
En las otras 10 epístolas los reclamos, juicios No piensa además en los avances que la
y defensa de los estereotipos continúan. propia Teología ha efectuado sobre estos
Sus propias hijas llegan a ser incluidas en temas. En cómo la Teología Feminista sur-
el discurso; solo que con ellas trabaja bajo gió como una derivación de la Teología de
la narración y el símbolo del príncipe azul. la Liberación y efectúa continuos llamados
Aquel por quien se debe esperar bien para establecer relaciones libres y recí-
maquillada y sin cuestionarse sobre lo que procas, sin sumisión ni dominio por nin-
se puede desear en la vida. La respuesta guno de los individuos que la conforman.
sobre el futuro de toda mujer ya fue dic- Costanza Miriano hace básicamente todo
tada: serás madre y esposa. lo contrario a lo que los defensores de
Así fue en la época de sus abuelas y así derechos y, alguna vez, la propia Iglesia ha
debería ser ahora, argumenta Miriano, solo reclamado: es necesario buscar prácticas
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y dichos contradictorios contra las mujeres, “vieja escuela” puede llegar a cerrar los hori-
para luego llegar al camino de su liberación. zontes que se abrieron en algún momento
Miriano encuentra hechos y dichos, pero los para buscar la equidad?
usa para fortalecer cadenas. Pero también ¿por qué la postura institu-
El camino de la lucha constante no es uno cional crítica solo llegó del Estado Español
que la autora esté dispuesta a explorar. Para que pidió –sin ser escuchado– retirar el
ella quien lo hace se convierte en alguien libro de la venta, pero no de la Conferencia
insoportable, sobre todo, si es una mujer. Episcopal Española ni del Vaticano?
“El mundo está en nuestras manos, por Miriano tiene con seguridad una visión
tanto, está en un mal lugar porque nosotras femenina del matrimonio, pero nunca ten-
–mujeres– nos hemos extraviado”, asegura drá una postura feminista sobre él. Parece
en la página 58. más una discípula perezosa y acomodada
Sin embargo las críticas que su libro pro- de las jerarquías donde la costumbre del
voca no quedan solo para quien lo escribió. patriarcado vuelve la lucha menos volumi-
El hecho de que el Arzobispado de Granada nosa, pero también infructífera.
apoyó su traducción y publicación provoca
preguntarse ¿hasta dónde el catolicismo de María León Molina

Miguel Oliveira
Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra
Colégio de S. Jerónimo, Largo D. Dinis, Apartado 3087, 3000­‑995 Coimbra, Portugal
Contacto: moliveira@ces.uc.pt

Andreia Barbas
Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra
Av. Dr. Dias da Silva, 165, 3004­‑512 Coimbra, Portugal
Contacto: andreia_barbas@hotmail.com

Leonida Correia
Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento
de Economia, Sociologia e Gestão (DESG), Universidade de Trás­‑os­‑Montes e Alto Douro (UTAD)
Escola de Ciências Humanas e Sociais – Pólo II, Quinta de Prados, 5000­‑801 Vila Real, Portugal
Contacto: lcorreia@utad.pt

Pedro Gabriel Silva


Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD), Departamento de
Economia, Sociologia e Gestão (DESG), Universidade de Trás­‑os­‑Montes e Alto Douro (UTAD)
Escola de Ciências Humanas e Sociais – Pólo II, Quinta de Prados, 5000­‑801 Vila Real, Portugal
Contacto: pgpsilva@utad.pt

María León Molina


Departamento Ciências da Vida, Universidade de Coimbra
Calçada Martim de Freitas, 3000­‑456 Coimbra, Portugal
Contacto: mariuxi.leon@gmail.com

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