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Lê a apreciação crítica que se segue.

Contamos sempre outra vez

Uma das melhores contistas portuguesas, Teolinda Gersão, continua neste livro a
abrir portas sobre os nossos quotidianos e realidades de um mundo que parece
encolher-se cada vez mais.

Atrás da Porta e Outras Histórias – 

Depois da coletânea de contos Prantos, Amores e Outros Desvarios (2016) – Prémio de


Conto Camilo Castelo Branco – a escritora Teolinda Gersão (Coimbra, 1940) regressa com
mais catorze narrativas curtas em Atrás da Porta e Outras Histórias. Aos universos agitados e
perturbados do livro anterior, sucedem-se agora ambientações mais calmas e apaziguadas,
5 pelo menos na aparência daquilo que se conta. Porque por detrás de um quotidiano – ou de
uma realidade – existe outra coisa que estes contos buscam, estando estes narradores sempre
sabedores que o ato de contar não mostra (não pode mostrar) a versão real, porque esta não
existe. Contar é sempre uma aproximação a algo, um espreitar de um ângulo mais ou menos
inesperado, um afastar de cortinas, um entreabrir de uma porta, uma espreitadela por uma
10 janela, ou mesmo o inventar de outras dimensões mais ou menos ocultas da realidade (que
Teolinda Gersão também explora em alguns contos deste livro, como veremos adiante). O
narrador de um dos contos, titulado justamente «História mal contada», afirma logo de início
que as histórias de que não fomos testemunhas nem participantes «são sempre mal
contadas»; mas que as outras, em que participámos ou em que fomos testemunhas, também o
15 são. [...] Por isso esclarece: «De onde se pode concluir que contar não é fácil. É por isso que
contamos sempre outra vez. E nunca se saberá a versão certa, que se tornaria a única, porque
essa claro que não existe.» Talvez por isso, nos contos de Teolinda Gersão não há lugar para
finais fechados, nem culpas nem epifanias.
No conto que dá parte do título ao livro, Atrás da porta, narrado na primeira pessoa, a
20 personagem – que vai consultar um psiquiatra para averiguar se está louco ou se «a realidade
é esta, e foi o mundo exterior que enlouqueceu» – faz de imediato no discurso uma inversão
dos expectáveis propósitos quando afirma para o médico: «Foi para conhecer a sua cabeça
que aqui vim.» [...]
Teolinda Gersão é uma autora exímia na técnica do conto regular, no uso da sua forma
25 canónica, e no seu acabamento formal. Mas por vezes tenta outro tipo de exercícios, e nesta
coletânea há um conto narrado num conjunto de quase micronarrativas, «Os dias de sol», em
que a sua mestria não se nota (é o conto literariamente mais fraco do livro) [...].
Referi, quase no início do texto, que alguns contos exploravam dimensões ocultas da
realidade, pois a transcendência também está presente: assim acontece, por exemplo, nos
30 contos «Nascer» – em que um ser (um espírito?) ainda por ser dado à luz nos conta o lugar do
tempo de onde vimos: «um instante, sempre igual e sem fim» – ou no conto que encerra a
coletânea, «Dona Branca e os prestidigitadores», em que a conhecida «banqueira do povo»
conta os seus momentos pós-morte e tece considerações sobre o atual estado dos mercados
financeiros [...].
35 O universo contístico de Teolinda Gersão continua a ser um dos mais interessantes e
sempre inesperados da recente literatura portuguesa, onde os contos não abundam.

DIREITINHO, José Riço, 2019. «Contamos sempre outra vez». Público.


https://www.publico.pt/2019/02/15/culturaipsilon/noticia/contamos-1861219 [Consult. 2021-12-11]
Seleciona a opção que, em cada um dos itens, permite obter uma afirmação adequada ao sentido do
texto.

1. No parágrafo das linhas 1 a 18,

(A) traça-se a evolução da obra literária da escritora Teolinda Gersão.


(B) sugere-se uma explicação para o ambiente mais calmo da última obra de Teolinda
Gersão.
(C) revela-se claramente a intenção de Teolinda Gersão ao escrever o seu último livro.
(D) apresenta-se uma explicação para a escolha do título da apreciação crítica.

2. De acordo com o primeiro parágrafo,

(A) o que se conta é necessariamente diferente da realidade em si.


(B) contar é abrir as portas à verdade.
(C) os finais de Teolinda Gersão são sempre abertos, pois nem sempre quem conta é
testemunha do que conta.
(D) é mais fácil contar uma história de que fomos testemunhas do que uma história de que
não fomos testemunhas nem participantes.

3. Os elementos enumerados entre as linhas oito e dez

(A) revelam a complexidade dos contos de Teolinda Gersão.


(B) são contrastantes.
(C) são equivalentes, no contexto em que são usados.
(D) comprovam a variedade presente nos contos de Teolinda Gersão.

4. No segundo parágrafo, o autor

(A) compara o título do livro a um dos contos aí incluídos.


(B) sintetiza o conteúdo de um dos contos do livro.
(C) reitera a ideia de que alguns contos são dominados pelo fantástico.
(D) evidencia as vantagens da escrita na primeira pessoa.

5. No contexto da sequência «Teolinda Gersão é uma autora exímia na técnica do conto regular,
no uso da sua forma canónica» (ll. 24-25), as palavras sublinhadas significam,
respetivamente,

(A) «exuberante» e «religiosa».


(B) «exigente» e «excêntrica».
(C) «notável» e «contemporânea».
(D) «habilíssima» e «tradicional».

6. As referências aos contos «Nascer» e «Dona Branca e os prestidigitadores»

(A) fundamentam a afirmação apresentada no início do parágrafo.


(B) exemplificam a presença da morte ao longo do livro em análise.
(C) comprovam que Teolinda Gersão nem sempre consegue concretizar com sucesso o
seu talento.
(D) é uma alusão aos dois momentos mais importantes da nossa existência.

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