Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Clemente, o imorrível
por Pedro Marin | Revista Opera
Por Pedro Marin - julho 23, 2019
Quando o Brasil escureceu, em 1964, ele tinha treze anos. O pai estava
viajando e, aos poucos, a casa da família foi servindo de refúgio a estudantes
ligados à UNE levados por uma irmã, Maria Valderez, que atuava no
movimento estudantil. Um deles, no quarto, ia lustrando um revólver .38 com
adoração, o enferrujado ferro que ostentava como a arma terminal da
revolução. Chegou enfim o dia de transportar o estudante fugido. Carlos e uma
outra irmã, essa de nove anos, foram juntos no carro, para despistar qualquer
suspeita. Um camburão da Polícia Militar rondava o Largo do Machado
enquanto o carro do estudante esperava o sinal abrir. Sua mão logo encontrou
a maçaneta e, porta aberta, o parabelo brilhante foi dispensado num bueiro.
“Se eu entrar nisso, nunca vou fazer esse papel”, pensou o pequenino Carlos.
O parecer marcaria sua vida.
O ano era 1966. Um amigo de seu grupo de escoteiros, Alex de Paula Xavier
Pereira, apresentou Carlos, agora um garoto de quinze anos, a seu xará baiano
de sobrenome Marighella. Era o início da formação da Ação Libertadora
Nacional (ALN), àquela altura ainda chamada “Ala Marighella”. Carlos Eugênio
jurou lealdade. Alex de Paula brincou; “não disse que ele era firme?”.
Marighella sorriu.
https://revistaopera.com.br/2019/07/23/clemente-o-imorrivel/ 1/6
14/06/2022 21:09 Clemente, o imorrível - Revista Opera
01:24 14:00
https://revistaopera.com.br/2019/07/23/clemente-o-imorrivel/ 2/6
14/06/2022 21:09 Clemente, o imorrível - Revista Opera
https://revistaopera.com.br/2019/07/23/clemente-o-imorrivel/ 3/6
14/06/2022 21:09 Clemente, o imorrível - Revista Opera
Câmara Ferreira assumiu o comando da ALN decidido a dar cabo aos planos
de lançar a guerrilha no campo. Mudou a estrutura da organização,
centralizando-a numa Coordenação Nacional e extinguindo toda aquela
flexibilidade defendida por Marighella nos primeiros anos da ALN, em que
“ninguém deve pedir permissão para fazer atos revolucionários.”
Mas, para abrir uma coluna no meio do Brasil, era necessário dinheiro,
bastante dinheiro. Aos grupos-de-fogo, responsáveis pelos assaltos, pesou
enormemente. Segurando o peso, Clemente se destacava pela disciplina,
mobilidade tática e firmeza na segurança. Houve ocasião em que chegou em
casa atrasado, e ao beijo desesperado e com gosto de lágrimas de Ana Maria
Nanicovic, que imaginava seu companheiro morto ou preso, respondeu
esquivando, para antes travar a arma. Sempre em combate, sempre em guerra
– as balas matam.
A história não caiu bem aos ouvidos de Clemente. Avaliava que, com uma fuga
tão mirabolante, Silvério deveria antes de tudo ser assiduamente investigado
pela organização. Mas Joaquim Câmara confiava no militante vindo do Norte.
Custou muito. Na noite do 23 de outubro daquele ano, na avenida Lavandisca,
em São Paulo, os policiais do Departamento de Ordem Política e Social (Dops),
capturariam Toledo e mais três militantes em um ponto com Silvério. O
último seria o único a escapar, convenientemente. Frustrou-se, na cara do gol
e pela segunda vez, o lançamento da ALN ao campo. Morreu Toledo.
https://revistaopera.com.br/2019/07/23/clemente-o-imorrivel/ 5/6
14/06/2022 21:09 Clemente, o imorrível - Revista Opera
Pedro Marin
26 anos, é editor-chefe e fundador da Revista Opera. Foi correspondente na Venezuela pela
mesma publicação, e articulista e correspondente internacional no Brasil pelo site Global
Independent Analytics. É autor de "Golpe é Guerra - Teses para enterrar 2016" e co-autor de
"Carta no Coturno - A volta do Partido Fardado no Brasil.
https://revistaopera.com.br/2019/07/23/clemente-o-imorrivel/ 6/6