Você está na página 1de 4

Muitos foram os líderes e movimentos revolucionários surgidos no Brasil

durante, principlamente, os primeiros anos dos governos militares. A vertente a


ser estudada neste trabalho é a de Carlos Lamarca, guerrilheiro e militante das
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e Vanguarda Armada Revolucinária
dos Palmares. Após ter tido passagem pelo Exército, abandonou a instituição
por, além de não se tratar de um ambiente onde se sentia bem alocado,
Lamarca passava a conhecer e se indignar com as questões sociais, no
período do golpe, do país em que vivia.

Sua vida como dissidente político passou longe da família. Logo após a
renúncia ao Exército, sua esposa, Maria Pavan Lamarca, e filhos, partem para
Cuba a fim de poder estudar e dar início a uma nova vida para quando o pai os
pudesse reencontrar na ilha, além de, claro, lá manter vivo em todo o ideal
revolucionário. O documento a ser analisado, carta datada de 26 de julho de
1969 a seus filhos César e Cláudia1, revela não só a preocupação de um pai
para com os filhos, mas também a preocupação de um homem da causa para
com a continuidade da revolução, que achava na época estar em andamento, e
que, deveria ser feita em todo lugar. A conclusão da correspondência destaca a
preparação das crianças, com apoio do pai, para que pudessem futuramente
fazer a revolução em qualquer país que fosse.

A carta se inicia com a definição do que é ser um revolucionário aos


olhos de Lamarca. Instrui os filhos que ser um revolucionário é ser uma pessoa
boa, que ama e se preocupa com o bem comum. Mais adiante essa idéia é
confirmada outras vezes, inclusive para que tal característica seja às crianças
motivo de orgulho, uma vez que seria por esse bem maior que estariam os eles
separados do pai. Ao mesmo tempo, lembra que o revolucionário não deve
amar e se preocupar com todos. As mudanças sociais pediriam intolerância
para com qualquer um que trabalhasse para manter o sistema como ele
estava. Pede, com todas as letras, ódio aos que se opunham a seu caminho,
de qualquer modo que seja. Vale frisar, nesse aspecto, que os dois já
passavam por um treinamento para o uso de armas em guerrilha. O pai
pergunta sobre as aulas de tiro que os filhos estariam tendo, e comenta sobre a

1
https://www.marxists.org/portugues/lamarca/1969/07/26-1.htm
pártica de esportes, dos quais fica subentendido que também teriam função de
preparação militar.

Várias são as “técnicas” apontadas pelo pai para que a saudade fosse
amenizada. Além da já citada questão do orgulho a ser sentida, havia ainda a
questão da pobreza e da falta de oportunidades que é frisada na epístola
inúmeras vezes. A questão da fome é citada, são contrapostas as crianças que
no Brasil não tem o que comer, com a fome que não existiria na ilha de Fidel.
Em um trecho inclusive é citado que em Cuba sequer existem mendigos, ou
que não haveriam tantos mendigos como haveriam no país sul-americano. As
mesmas crianças que não teriam o que comer, ao mesmo tempo também não
teriam onde estudar, enquanto a educação cubana havia, desde a Revolução
de 1959, progredido a níveis consideráveis, sendo destaque em toda a
América Latina. Talvez tivesse até sido esse um motivo para Cláudia e César
Lamarca terem sido mandados para lá estudar. O guerrilheiro inclusive
incentiva as a estudarem, perguntarem e se questionarem, tanto para não mais
sentirem falta, como para que aprendam a diferenciar o que é bom do que é
mau, para que pelo “bem” possam se empenhar. De fato Cuba servia de escola
para todos os movimentos revolucionários da América Latina, líderes de
destaque, como Carlos Maringhela, haviam aprendido suas estratégias na ilha
caribenha. O próprio Lamarca, como já foi esclarecido neste texto, pretendia,
após vitórias no Brasil, ir para Cuba com a família, o que acabou não se
concretizando. Nessa perspectiva, e em todas as outras já mencionadas, não
haveria melhor lugar para que se mandasse os filhos no período, e como o
próprio autor nesta estudada já dizia: “O revolucionário tem que ser capaz de
todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar
todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele”
(1969, p. 01). Ou seja, independente de saudade que pudesse haver, a causa
deveria sempre ser maior do qualquer sentimento pessoal, que pela narrativa,
Lamarca também muito os sentia.

A abdicação de formalidades características de quarteis militares, dos


quais Lamarca já tinha vasto conhecimento, também podem ser verificadas.
Todo tipo de hierarquia é condenada em seu texto, orienta os filhos que “não
chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém”. Também
incentiva à inovação, seja ela nas artes (César gostava de desenhar, Cláudia
de pintar) ou nos costumes advindos dos mais velhos (oiví-los, nas sempre
fazer tudo diferente do que estes fizeram), tudo precisava ser renovado para
romper com a idéia de mundo que ele combatia fervorosamente.

A parte emocional de Carlos Lamarca, tanto para os filhos como para a


esposa, além das típicas preocupações de pai, transcritos na carta, talvez não
sejam fator importante neste pequeno estudo, logo, não seria nescessária uma
explanação maior no lado mais humano, que todos temos, do revolucionário.
Carlos Lamarca nunca mais viu a prole ou a mulher. Foi assassinado dois anos
depois de ter escrito a carta sob estudo, em 17 de setembro de 1971, na
chamada Operação Pajuçara, realizada pelo Exército no sertão da Bahia, mais
especificamente na zona rural de Pintada, juntamente com José Campos
Barreto, o ‘Zequinha’, outro guerrilheiro de destaque no período. Sua família
teve de ficar em exílio onze anos em Cuba, tendo recebido um ressarcimento
de R$ 100.000 cada filho em 2007 e ainda o direito de pensão e pelo fato de
Lamarca ter sido, antes de tudo, um capitão do Exército. Esses direitos foram
retirados em 2010 por ação judicial do Clube Militar do Rio de Janeiro.

Bibliografia:

AYERBE, L. F. .A Revolução Cubana. São Paulo: Editora Unesp, 2004.

Carlos Marighella e Carlos Lamarca: memórias de dois revolucionários. In:


FERREIRA, J.; REIS, D. A. (orgs.). Revolução e democracia (1964...). RJ,
Civlilização Brasileira, 2007.

ROLLEMBERG, D. Esquerdas revolucionárias e luta armada. in: DELGADO, L.;


FERREIRA, J. (orgs.) O Brasil republicano - o tempo da ditadura. Vol. 4. RJ:
Civilização Brasileira.

< https://www.marxists.org/portugues/lamarca/1969/07/26-1.htm > visitado em


29 de maio de 2015
< http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL51593-5601,00-
GOVERNO+RECONHECE+LAMARCA+COMO+ANISTIADO.html > visitado
em 30 de maio de 2015

< http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/carlos-lamarca/ >


visitado em 29 de maio de 2015

< https://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/l/lamarca_carlos.htm
> visitado em 29 de maio de 2015

Você também pode gostar