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AULA 4 SEGUNDO PERÍODO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE CLÍNICA

CLÍNICA

DA

CRIANÇA

III
1 MÉTODO PSICANALÍTICO I
Org. Prof.º ME. Ozias Figueiredo Gomes

SUMÁRIO

1. …03

a. O Início da psicanálise com crianças no Brasil ……….……………………………….03

b. Melanie Klein ……………………………………………………………………….…04

c. Donald Winnicott …………………………………………………………………..… 05

d. Françoise Dolto ………………………………………………………………………. 05

1.1 PSICANÁLISE VERSUS PSICOTERAPIA ………………………………………... 06

1.2 O SINTOMA DA CRIANÇA E A CRIANÇA DO SINTOMA …………………..… 07

1.2 DEMANDA E INDICAÇÃO PARA A PSICOTERAPIA INFANTIL ……………... 09

SEGUNDA PARTE DA AULA

2. MANEJO CLÍNICO …………………………………………………………………………. 10

2.1 O BRINCAR NA ATUALIDADE DO MUNDO DIGITAL ……………………..…. 10

2.2 A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR PARA O DESENVOLVIMENTO E O


PSIQUISMO INFANTIL ………………………………………………………………..…… 11

2.3 PRIMEIRO TEMPO DO BRINCAR …………………………………...……………. 11

2.4 SEGUNDO TEMPO DO BRINCAR ………………………………………………… 11

2.5 TERCEIRO TEMPO DO BRINCAR ……………………………………………...… 12

2.6 A REPRESENTAÇÃO NA INFÂNCIA E A INFÂNCIA DA REPRESENTAÇÃO .. 13

3. A TÉCNICA LÚDICA ………………………………………………………………………. 13

a. Jogos …………………………………………………………………………………. 14

b. Desenho livre ……………………………………………………………………….... 14

c. Desenho dirigido ……………………………………………………………………... 14


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d. Vivências de fantasias ……………………………………………………………..…. 14

e. Recursos artísticos ……………………………………………………………….…… 14

f. Histórias e poesias ………………………………………………………………….… 14

g. Livros infantis ………………………………………………………………………... 15

h. Dramatização …………………………………………………………………………. 15

i. Testes projetivos …………………………………………………………………...…. 15

4. A TÉCNICA GRÁFICA …………………………………………………………………….. 16

5. REFERÊNCIAS ……………………………………………………………………………... 17

1 O LUGAR DOS PAIS NA ANÁLISE INFANTIL

Desde os primórdios da realização da psicanálise com crianças, a participação dos pais e a


maneira com que eles se posicionam frente ao tratamento dos filhos, consciente e inconscientemente
(Priszkulnik, 1995), bem como sua compreensão acerca dos objetivos, alcances e limites do tratamento
mostram-se de especial importância no processo terapêutico como um todo.

Embora o paciente trazido para intervenção seja a criança, a inseparabilidade do mundo


psíquico dela e dos pais, bem como a total dependência da criança para o custeio dos honorários e
transporte até o local de atendimento fazem com que a relação dos pais com o filho e mesmo as
questões individuais dos pais estejam presentes constantemente na psicoterapia psicanalítica infantil.

Mesmo a adesão ao tratamento e sua eficácia são muitas vezes constatadas como inteiramente
dependentes do funcionamento psíquico parental, ocorrendo de a psicoterapia da criança ser
interrompida precocemente por decisão unilateral da família, decisão esta a respeito da qual por vezes
não se tem conhecimento da real motivação e questões subjacentes que a ocasionaram.

Assim, o estudo da relação que se dá entre os pais e a psicoterapia do filho pode ser
considerado importante para a compreensão dos motivos que acarretam tais fenômenos, para que se
possa, a partir disso, gerir formas de manejo das questões envolvidas.

Estima-se que de 10 a 20% das crianças brasileiras sofram de problemas psiquiátricos, entre as
quais uma parcela diminuta recebe atendimento especializado (Gastaud, Basso, Soares, Eizirik, &
Nunes, 2011).

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Deakin e Nunes (2009), e Nunes, Silvares, Marturano, e Oliveira (2009) abordam a
importância da realização de psicoterapia na infância com crianças que demandam tais serviços, na
prevenção do desenvolvimento posterior de desordens mentais ou mesmo do agravamento dos
sintomas.

A eficácia do tratamento, no entanto, depende da permanência da criança até o momento em


que haja o alcance dos objetivos, com o consentimento mútuo da família e do terapeuta.

A interrupção prematura da psicoterapia acarreta desvantagens tanto para a criança e sua


família como para o terapeuta e a instituição onde o serviço de psicanálise está alocado (Nunes et al.,
2009).

A psicanálise pode ser compreendida como método de investigação dos processos


inconscientes e do mundo subjetivo, bem como corpo de conhecimentos que se compõe no
questionamento constante dos saberes da consciência.

Pode-se, ainda, compreendê-la como pesquisa, ao tratar da investigação acerca da teoria


psicanalítica, derivada das experiências de analistas com a aplicação do método psicanalítico
(Nogueira, 2004).

A psicanálise de crianças, especificamente, é tida como lócus privilegiado da descoberta, tanto


quanto do surgimento das dificuldades em normalizar paradigmas dentro do campo científico em que
está inscrita (Bleichmar, 1994).

Segundo aponta Rosemberg (1994), a partir das obras de Freud, autores fizeram suas próprias
leituras do método e da teoria psicanalítica, que deram origem ao desenvolvimento da compreensão da
relação dos pais com a psicanálise da criança sob diferentes perspectivas, afetando em muito o manejo
clínico.

Ao comentar a análise do pequeno Hans, realizada por Freud praticamente através do contato
exclusivo com o pai da criança, Mannoni (1987) aponta que a criança doente apresenta-se como o "...
suporte daquilo que os pais não podem enfrentar - o problema sexual" (p. 15), que se mostra presente
na relação dos pais de Hans, comprometendo seu relacionamento conjugal.

A autora, que parte do referencial teórico de Lacan e cujo trabalho desenvolveu-se


extensamente com crianças psicóticas e suas famílias, coloca que no caso exposto por Freud é possível
evidenciar a implicação inevitável dos pais no sintoma da criança, em que a sede da angústia
localiza-se primeiramente neles, de onde se formará o sintoma.

No entanto, no desconhecimento ante a experiência com crianças ainda imatura, Freud não
explorou essas questões ao lidar primeiramente apenas com aqueles pais da realidade, confiando até
mesmo o próprio tratamento do garoto a eles.

A interpretação de Mannoni (1987) sobre a fobia apresentada por Hans, conectando a


sintomatologia da criança às questões inconscientes de seus pais, embasa o proposto por Rosenberg
(1994), ao afirmar que o inconsciente materno empresta-se à criança na estruturação de seu
próprio imaginário. Ressalta-se que apesar desta assertiva, para Mannoni, é a criança quem
estruturará seu próprio mundo psíquico (Rosemberg, 1994), de modo que há momentos em que as
subjetividades se cruzam, e a interferência da mãe tem papel ativo no processo de cura da
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criança, cujo psiquismo em construção encontra-se fortemente atado à fantasmática parental.

1.1 Psicanálise Psicopedagógica

Mannoni (1987) considerava imprescindível a introdução dos pais no processo de cura da


criança, mas olhava com ressalvas a proposta de reivindicar uma postura educativa perante eles, "...
intervindo no plano da realidade, nas questões concernentes à vida da família" (p. 58), trazendo a
terapia para a perspectiva de uma experiência corretiva, em que o analista orientará os pais
sobre o que fazer, saindo do lugar da relação analítica, para ocupar um outro, mais pedagógico.

Anteriormente ao desenvolvimento do trabalho e das perspectivas de Mannoni, e num


referencial teórico bastante diverso, Klein (1997) também enfatizava ser contrária a um
posicionamento pedagógico.

Quanto à postura em relação aos pais, se comparada ao proposto por Mannoni (1987), Klein
(1997) situava-se, em contrapartida, favorável à manutenção de um contato com os pais que se
restringisse ao mínimo essencial.

Para Klein (1997), o contato com os pais não deveria exceder a explicação básica sobre os
significados e efeitos da análise, bem como intervenções de caráter mais ativo seriam utilizadas apenas
quando a criança se encontrasse em risco real, ou seja, quando o ambiente cometesse para com ela
erros grosseiros.

A primazia dessa postura justificava-se, para a autora, por pressupor uma relação
ambivalente e delicada dos pais com relação à psicanálise da criança, com os quais o ideal seria
manter uma relação de cooperação e confiança.

Sua aposta no sucesso do tratamento estava depositada, muito mais, na capacidade da criança
de entrar em um processo analítico e se beneficiar dele, do que na implicação subjetiva dos pais neste
processo.

Para ela, se o desenvolvimento da análise depende das informações cedidas pelos pais,
devido a fortes e longos períodos de resistência, algo de errado pode estar ocorrendo com o
tratamento, comprometendo sua eficácia e a relação de sigilo com o paciente.

Aberastury (1982a), a partir de sua prática clínica, posiciona-se de maneira concordante


à Klein, e enfatiza a recusa a aconselhar os pais ou fazer qualquer sugestão em sua conduta para
com os filhos.

A eficácia destas intervenções, para a autora, era dificilmente sustentada no ambiente


familiar da criança, e acabavam por gerar nos pais um sentimento de culpa que convertia-se em
agressividade e desconfiança, dificilmente manifestos no momento da entrevista com o analista e
levando assim à interrupção ou prejuízo do tratamento de outras formas.

2 O LUGAR DO ANALISTA INFANTIL

Interessado na
constituição da
subjetividade, Freud
(1905/1980)
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apresentou as fases psicossexuais do desenvolvimento infantil, além de reconhecer e dar sentido ao
sofrimento psíquico das crianças.

Inaugurou com o caso do Pequeno Hans (1909/1976) uma possibilidade de tratamento


psicanalítico de crianças, além de apostar em intervenções indiretas ao escutar, orientar e supervisionar
o pai de Hans na compreensão dos aspectos inconscientes do adoecimento do filho.

Apesar de considerar essa intervenção satisfatória, Freud afirmou que o método psicanalítico
não era adequado para ser aplicado em outras crianças, como evidencia Caron: “devido à
dependência e à própria idade delas, fatos que impedem o estabelecimento do enquadre apropriado,
necessário ao tratamento.

Também atribuiu o fracasso da psicanálise com crianças às resistências assumidas pelos


pais, dificuldades externas ao "setting” (2014, p. 68).

Melanie Klein (1923/1996), na busca da superação desses obstáculos, estruturou uma técnica
para a análise de crianças, sustentada pela relação transferencial, em que o brincar se apresentava em
seus aspectos simbólicos.

Segundo Petot (1979/1991), para psicanalisar seus pequenos pacientes, Klein realizava visitas
domiciliares em que utilizava os próprios brinquedos das crianças para acessar suas angústias,
fantasias inconscientes e mecanismos de defesa. Entretanto, essa proposta terapêutica
apresentou dificuldades, tanto pela interferência de pais, irmãos e demais participantes da cena
doméstica quanto pela descontinuidade do material produzido na análise, já que este não era
privativo àquela criança.

Nessa conjunção, Klein transfere os atendimentos para um lugar privado, em sua própria
residência, e organiza uma caixa com brinquedos simples e pequenos para cada criança, com o intuito
de preservar o setting analítico e buscar a menor interferência possível do entorno (pais, irmãos,
família extensa etc.).

Acreditava haver aspectos intrapsíquicos da criança que, se resguardados das interferências


desse público, poderiam ser acessados e interpretados, apontando o caminho do privado e os ganhos de
promover a proteção desse lugar.

Dava pouca atenção, porém, à condição de dependência da criança em relação aos seus
responsáveis: “A solução seria uma transposição quase direta do setting adulto para a criança, sendo
esta responsável por sua doença e tratamento” (Caron, 2014, p. 69).

Outros psicanalistas, como Bick (1968), Spitz (1979/1996) e Winnicott (1945/2000),


enfatizaram que, no mundo particular do bebê e da criança, a necessidade de cuidados e a dependência
dos pais são aspectos inerentes a essa etapa da vida.

Tal compreensão contribuiu para o desenvolvimento de novas perspectivas na formação do


analista, abarcando dimensões teóricas dos estágios primitivos da mente e introduzindo novas
modalidades técnicas, que incluíam as entrevistas vinculares e o atendimento conjunto pais/filhos nos
espaços privados dos consultórios.

2.1 A Criança, a construção de um espaço social controverso e o lugar do analista

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Ao tecer este breve panorama histórico, observamos como a criança foi ganhando
centralidade na cena social e, consequentemente, no cenário psicanalítico.

Esse aspecto se intensifica na contemporaneidade, uma vez que, com o isolamento das
famílias, há uma valorização nunca antes vista das crianças e o estabelecimento de um lugar muito
especial para elas.

Segundo Monti (2008), elas se tornaram as soberanas de suas famílias e ainda mais centrais no
plano social. Passaram a ser o ideal da cultura contemporânea, como se portassem a felicidade plena e
o prazer ilimitado.

Dessa forma, elas são muitas vezes direcionadas ao cargo de gerir a vida dos adultos e a tarefa
de desenvolver habilidades e autonomia, as quais ainda não têm capacidade física e psíquica para
alcançar.

As diferenças de gerações ficam borradas, assim como as funções familiares. A cultura do


narcisismo cria a ilusão de que o indivíduo é auto engendrado e não precisa cuidar nem das gerações
anteriores nem das futuras.

Nos dias atuais, os pais não são mais os únicos guardiões das informações sobre sua prole;
também as detêm babás, professores, avós, médicos, juízes, analistas… Não há diferenciação clara
entre as funções, as informações e os espaços públicos e privados para as crianças.

Apesar da extraordinária idealização da filiação, existe em contrapartida uma terceirização dos


filhos. No bojo dessa cultura contemporânea, o analista recebe em seu consultório queixas referentes a
sintomas de sofrimento psíquico das crianças.

Muitas vezes, essas queixas estão associadas à diversidade de configurações familiares, à


alienação parental, à guarda compartilhada, às questões de gênero, aos avanços tecnológicos,
principalmente na comunicação (redes sociais), à maneira de brincar (video games, jogos online etc.),
entre outros, e demandam o manejo de dois espaços: o privado da clínica e o público, o entorno da
criança.

Apesar de, no imaginário social,


a criança ocupar cada vez mais um lugar
de destaque, o que faria supor que ações
de cuidado por parte dos adultos
estariam mais presentes, o que vemos é,
frequentemente, um abandono das
funções parentais. Aguça-nos, portanto,
a possibilidade de pensar o espaço
privado da clínica psicanalítica com a
criança como não excludente das
relações com o seu entorno, de modo
que a centralidade verificada acerca dos
lugares em que ela esteve e está inserida não desemboque numa reprodução de abandonos, em que o
analista se torne um agente terceirizador de cuidados da criança.

2.2 A análise de crianças na contemporaneidade


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O trânsito entre o privado e o público, o fazer analítico com infantes demanda hoje, de modo
frequente, relações do analista com os pais, com outros adultos (avós, tios, babás, madrastas,
padrastos, pediatras, neurologistas, psiquiatras, professores, advogados, juízes etc.) e até outras
crianças (irmãos, primos e amigos).

Tais relações atravessam, em alguns momentos, o setting analítico e, em outros, exigem o


trânsito do próprio analista em espaços além da sala de análise.

Chamamos de público o entorno que influencia direta e indiretamente a relação privada do


analista com a criança, que revela a complexa dinâmica em que ela está inserida e abarca elementos
comunicados verbalmente ou em metacomunicações (Ungar, 2014), expressas em silêncios, gestos,
atuações etc.

Muitos trabalhos discutem o dilema vivenciado pelo analista quando convocado a responder a
demandas do entorno de seus pequenos analisandos, refletindo principalmente sobre o lugar dos pais
na análise de crianças (Coimbra, 2014; Lisondo, 2001; Petricciani, 2011; Rosemberg, 1994; entre
outros).

Compreendemos que esse dilema aborda o paradoxo da clínica


psicanalítica infantil, pois, independentemente das escolhas técnicas
feitas pelo analista, ele estará imerso no campo criado pela condição
de dependência da criança ao seu entorno.

Perceber a clínica como o espaço do paradoxo é considerar que essas


questões não têm uma resolução simples, mas que, em contrapartida,
podem ser pensadas e toleradas.

Segundo Winnicott, “paradoxos não existem para serem resolvidos,


mas para serem observados” (1968/2005, p. 144). Tendo em vista
essa perspectiva, reformulamos a questão do lugar dos pais para a do
lugar do analista na análise de crianças, passando a considerar a
necessidade do trânsito entre o privado e o público na clínica da infância.

Nosso olhar recai tanto no entorno da criança como nos cuidados para a preservação do campo
privado da sala de análise, que pode
também, ocasionalmente, ocorrer na sala de
espera, no banheiro, no jardim, entre outros.

A figura mostra a necessidade do


trânsito da função analítica na análise de
crianças, evidenciando como o campo
privado da análise está permeado pelos
outros campos criados pelo entorno.

Há de se considerar que esse espaço


público também é um campo transferencial,
assim como o espaço privado.

2.3 As paratransferências e as contraparatransferências


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Dessa forma, transferências paralelas ao trabalho analítico com a criança acontecem entre o
analista e o entorno. Com isso, esse trabalho se dá no nível das paratransferências, as quais devem
ser acolhidas como parte do processo analítico. Segundo Racker: Assim como o paciente, além de
sua transferência com o próprio analista, estabelece transferências com pessoas próximas ao
analista (familiares, outros analistas etc.), assim também o analista estabelece, além de sua
contratransferência com o próprio paciente, contratransferências com pessoas próximas ao
paciente.

As primeiras poderiam chamar-se de paratransferências, as últimas de paracontratransferências.


(1948/1982, p. 108) Nesse ponto residem os maiores desafios do analista de crianças, pois a relação
paracontratransferencial com o entorno obedece à mesma lógica da contratransferência no terreno
conceitual e metodológico da psicanálise.

De acordo com Castanho (2015), a contratransferência compreendida enquanto aspectos


inconscientes do próprio analista diante de um analisando – ou, podemos dizer, do seu entorno –
tem um duplo registro, de risco e de potencial para o trabalho.

O risco reside no pólo da resistência do analista, que pode limitar o trabalho pela
formação de alianças inconscientes (Kaës, 2009) ou pactos denegativos (Kaës, 2004).

O potencial refere-se à possibilidade de propiciar comunicação, já que o entorno projeta


elementos beta, o que demanda a função alfa do analista (Bion, 1960).

A psicanálise acontece através da experiência e de quem pode aprender com ela. É nesse
caminho que nos dedicamos a refletir sobre inúmeras vivências clínicas com a criança e seu entorno,
engajados na complexa e delicada tarefa que envolve a construção contínua de espaços em que o terror
advindo de dificuldades, invasões, rupturas, riscos, entre tantos outros, possa ser pensado e
transformado, desde que nos coloquemos disponíveis para o desenvolvimento contínuo da função
analítica.

3 O LUGAR DO ANALISTA DE CRIANÇAS

O lugar do analista de crianças, portanto, não é um lugar fixo, mas um lugar em trânsito.
O movimento do analista nos espaços privado e público estabelece um elo de comunicação com
os estados mentais da criança e com os participantes do seu entorno.

Esses elos formam uma rede que sustenta tanto a instauração e a manutenção do trabalho
analítico com a criança quanto a qualidade da relação do entorno com o analista e com a criança.
A disponibilidade física e psíquica do analista, o uso de seu repertório onírico e lúdico e a
habilidade de se comunicar e transitar entre o privado e o público são condições sine qua non para
que o trabalho analítico com a infância seja tecido artesanalmente com os fios da função analítica,
num interjogo constante entre a realidade psíquica e a realidade externa.

Assim, fio a fio, o analista tecerá seu próprio lugar na análise de crianças. Seu olhar para os
desafios/buracos que surgem na sala de análise poderá, com o uso de sua função analítica, tecer uma
rede de sustentação e criar diversas possibilidades para a construção de uma clínica viva, que se mova
entre o privado e o público, a serviço do desenvolvimento de seu pequeno analisando.

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4 CAIXA LÚDICA

Quem realmente introduziu a caixa de brinquedos no setting foi Arminda Aberastury. Ela via
esse recurso como representação do mundo interno da criança e contingente de suas representações
inconscientes e relações objetais (Reghlin, 2008, p. 169).

Há psicoterapeutas, por exemplo, que utilizam uma caixa lúdica diferente para cada criança e
outros que trabalham com uma caixa em comum para todas elas.

Contudo, não há regra ou checklist sobre


os itens que devem compor a caixa, todavia,
além das preocupações clínicas já citadas, é
importante uma espécie de antecipação à certos
desenrolares possíveis de brincadeiras, isto é,
por exemplo, caso escolha colocar pincel e tinta
em sua caixa e deixá-los à disposição da criança,
provavelmente também será necessário papel
e/ou toalha, água, bem como um ambiente que
comporte respingos e manchas de tinta. Esse é
um adendo que faço, principalmente aos
iniciantes. É natural que com a experiência
prática, esse tipo de situação seja ultrapassada.

A maioria das caixas lúdicas são feitas de papel, madeira ou plástico e, de uma forma geral, os
principais itens encontrados em seus interiores são:

1. Papéis sulfite (brancos e coloridos),

2. Papel kraft,

3. Lápis,

4. Lápis de cor,

5. Aquarela,

6. Apontador,

7. Giz de cera,

8. Massinha,

9. Retalhos,

10. Perflex,

11. Cola (bastão e/ou líquida),

12. Fita adesiva,

13. Barbante,

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14. Jogos (como damas, dominó, jogo do mico ou pega varetas),

15. Brinquedos (como fazendinha, família terapêutica, carrinhos, casinhas, conjunto de


cozinha, telefone).

Vale citar a preocupação que alguns têm em colocar ou não a borracha e a tesoura dentro das
caixas, isto é, a não borracha faz lidar com a frustração de um desenho falho e a não tesoura obriga a
utilização de outros meios para separar os objetos, por exemplo. “Klein sugere que os materiais sejam
pequenos, permitindo que a criança os manipule, ou seja, tenha controle sobre os mesmos, mas não tão
pequenos que possam colocar sua vida em risco.” (Trapiá et al., 2012, p. 239)

5 BIBLIOGRAFIA

1. SILVA, Julia Montazzolli; REIS, Maria Elizabeth Barreto Tavares dos. Psicoterapia
psicanalítica infantil: o lugar dos pais. Temas psicol., Ribeirão Preto , v. 25, n. 1, p.
235-250, mar. 2017 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2017000100
015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 14 nov. 2023.
http://dx.doi.org/10.9788/TP2017.1-15Pt.
2. O lugar do analista de crianças Tecendo as tramas entre o espaço privado da clínica e
o público;Revista Brasileira de Psicanálise · Volume 51, n. 4, 55-70 · 2017

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