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direcção a Viena. Após 35 Km de caminho, uma parte desses deslocados alcança o
parque Sigmund Freud, então transformado em acampamento temporário. A 28 de
Dezembro desse mesmo ano, o espaço criado para receber migrantes e refugiados é
desmantelado sob vigilância policial por guardas
armados até aos dentes. Num gesto de boa vontade, a congregação de religiosos da
Igreja Votiva, situada junto ao parque, resolve albergar, no interior desse edifício,
cerca de 40 pessoas pertencentes ainda ao grupo inicial. A igreja católica austríaca
torna-se, assim, na guardiã do destino provisório daqueles que apelavam a um
espaço de refúgio e asilo. No seio de uma sociedade próspera e muito conservadora,
este episódio denuncia uma política de protecção a candidatos a refúgio que se torna
num verdadeiro alarme social.
Anabela Mendes
1.11.2023
[A autora escreve segundo o antigo acordo ortográfico]
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desaparecer e deixar de ser visto? Contudo, outros lutam para não serem apagados,
querem ser notados. Alguns, foram expulsos à força dos seus países ou deles fugiram
e agora não encontram refúgio em nenhum outro. No fundo, perderam o seu lugar no
mundo e é como se tivessem sido eliminados da face da Terra, procurando resistir
com as poucas forças que lhes restam. Noutros tempos, os “monstros” eram as
bruxas, os fantasmas, os vampiros, os zombies. Hoje em dia, num mundo sempre
mergulhado em guerras e atormentado por essa terrível “praga” das migrações
forçadas, quando, recorrentemente, se vão (re)erguendo governos totalitários,
quando governam a intolerância, o ódio e os extremismos ideológicos, os
estrangeiros, os estranhos, aqueles que procuram proteção, que suplicam por auxílio,
aqueles que pedem asilo, os refugiados são a nova “peste”. É preciso fazê-los
desaparecer, que raio! O que é que eles querem daqui?
Se, por um lado, parecemos estar cada vez mais desesperados por nos
relacionarmos, simultaneamente, parecemos estar cada vez mais desconfiados das
ligações permanentes que podemos estabelecer com outros seres humanos,
favorecendo antes as conexões operacionalizadas pelas redes virtuais, criando laços e
(ex)terminando-os à velocidade de um toque no ecrã. Segundo Zygmunt Bauman, o
que carateriza este “mundo líquido” do consumismo em que vamos (sobre)vivendo
não é a acumulação de bens, mas antes o facto de os usarmos e descartarmos, muito
fácil e rapidamente, de modo a abrirmos espaço para outros bens. “A vida consumista
favorece a leveza e a velocidade”, afirmava o filósofo polaco. E agora já não são
apenas os objetos que são consumidos (ou não) e descartados (abandonados,
destruídos ou reciclados), mas também as pessoas, outros seres humanos que são
vistos e tratados como mercadoria, consumida, trocada, dissolvida, aniquilada,
ignorada...Tantas vezes nos perguntamos se os outros não são úteis? São
desagradáveis? Indigestos? Que volume de prazer nos proporcionam? Que valor
acrescentam às nossas vidas? Sim, porque é só de mim que se trata, só eu interesso.
Assim, Bauman concluía - de um modo bem inconveniente, meu deus! - que “[a]
solidariedade humana é a primeira baixa causada pelo triunfo do mercado
consumidor.” Mas, no fundo, de que nos servirá estarmos vivos, como é dito no
arranque do texto de Elfriede Jelinek que agora levamos a cena, se o mais precioso
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dos valores da humanidade, a dignidade, nos é roubado. Parece que não nos resta
mais do que sobreviver a todo o custo, buscarmos algum tipo de afirmação pessoal no
meio desta massa de gente virada, quase exclusivamente, para dentro de si, tendo-se
a si mesma como referência, como modelo, a querer superar-se e ultrapassar-se a si
mesma a qualquer preço, para criar e apresentar sempre, a todo o instante, uma
melhor versão de si. Nos nossos perfis – essa versão achatada e chata das nossas
realidades -, todos queremos parecer (e, no fundo, ser!) cool. “Frios”. É preciso que
façamos a tradução? Qualquer indício de uma relação próxima, permanente, quente,
conflituante (e o que nunca se poderia tolerar, violenta, imagine-se!), levará,
imediatamente, a um corte, um swipe left, ao apagamento, ao bloqueio. Dizia-se, no
olho do furacão pandémico que nos envolveu há pouco tempo, que sairíamos de toda
aquela agitação mais fortalecidos, mais unidos... Mas que força é essa, afinal? E o que
nos une, verdadeiramente? Que enorme bolo somos nós agora? É este o caminho que
queremos seguir, até um dia ficarmos completamente gelados, acabarmos
congelados, empurrados de um lado para o outro dentro de arcas frigoríficas?
Pedro Alves
21.11.2023