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A CAMPANHA OMT ‘TRAVEL ENJOY RESPECT’ EM TEMPOS DE

TURISMOFOBIA

Cristiane Berselli 1

Lucimari Acosta Pereira2

Thays Cristina Domareski-Ruiz3

RESUMO

O turismo sustentável tem sido uma discussão latente nos últimos anos. Em tempos de
turismofobia cabe salientar que o turismo sustentável, incluído nas campanhas da OMT, é
considerado um tema relevante, tendo em vista a questão da maximização do bem-estar
social e da paz. Partindo dessa perspectiva este trabalho teve como objetivo avaliar a
campanha Travel Enjoy Respect, (OMT, 2017). A metodologia utilizada foi de caráter
qualitativo, utilizando a técnica de análise de conteúdo de Bardin (2009); a análise foi feita
em cima dos cinco princípios da campanha: Econômico, Social, Ambiental, Cultural e Paz.
Quanto aos resultados salienta-se que os princípios ajudam os turistas a fazerem escolhas
responsáveis ao viajar e ter um impacto positivo nos destinos que visitam.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo Sustentável, Turismofobia, OMT, Campanha Travel Enjoy


Respect.

RESUMO EXPANDIDO

O turismo sustentável tem sido uma discussão latente nos últimos anos. O debate no que
tange a questão do desenvolvimento sustentável tem influenciado a evolução de conceitos

1
Mestranda em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí, Balneário Camboriú, SC, Brasil.
Currículo: http://lattes.cnpq.br/6612533403164402. E-mail: cristiane.berselli@gmail.com.
2
Mestranda em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí Balneário Camboriú, SC, Brasil.
Currículo: http://lattes.cnpq.br/0654906383338912. E-mail: lucimari.svp@gmail.com.
3
Doutora em Geografia. Professora no Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hotelaria da Universidade
do Vale do Itajaí Balneário Camboriú, SC, Brasil.. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2354612480083767. E-
mail: thaysdomareski@gmail.com.

1
acerca do tema, enfatizando que se faz necessário ponderar de forma apropriada o bem
estar econômico, ambiental, sociocultural e político numa escala longitudinal (Araújo &
Ramos, 2014; Ruschmann,1999). Cabe salientar dentro da perspectiva do turismo
sustentável que a Organização Mundial do Turismo (OMT) tem lançado diversas
campanhas orientadas para o consumidor. Um exemplo é a campanha "Travel Enjoy
Respect" que tem como objetivo envolver turistas para tornar o setor um catalisador para
mudanças positivas, e faz parte do “Ano Internacional do Turismo Sustentável para o
Desenvolvimento” em 2017. A temática tem como princípio ampliar a conscientização
sobre a contribuição do turismo sustentável no desenvolvimento dos setores públicos e
privados, stakeholders e todas as partes interessadas para o turismo como catalisador de
mudanças positivas (OMT, 2017).

Esta campanha vem ao encontro de um problema atual amplamente destacado em


diferentes meios de comunicação e que merecem atenção no campo científico, a
turismofobia, que vem ocorrendo em destinos turísticos como Barcelona na Espanha
(Palomeque, 2015; Abril-Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz, 2015). Neste
sentido, a otimização e a maximização dos benefícios do turismo tanto em âmbito
econômico como social para as comunidades se faz necessário através do planejamento
(Buhalis, 2000; Ruschmann,1999). Desta forma, a maximização dos impactos positivos é
capaz de reduzir os impactos negativos, sendo fundamental para evitar o que tem sido
chamado de turismofobia, ou seja, a rejeição dos turistas pela comunidade local (Abril-
Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz; 2015). Palomeque (2015) em consonância
com Abril-Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz (2015), aponta que o fenômeno
turismofobia é advindo do desequilíbrio da relação cidade-turismo nas relações físicas e
sociais preexistentes.

O desenvolvimento sustentável vai além de ser apenas ligado ao meio ambiente, deve
considerar as dimensões culturais, sociais, éticas, econômicas e ecológicas (Luchiari, 2002;
Barretto 2005). O planejamento turístico através de uma abordagem sustentável procura
minimizar a deterioração de recursos ambiental, cultural e instabilidade social e garantir a

2
segurança aos moradores de forma integrada (Hall 2001, Barretto, 2005). Partindo dessas
premissas o objetivo deste trabalho foi avaliar a campanha "Travel Enjoy Respect" da OMT
(2017) dentro dos cinco princípios estipulados pelo Ano Internacional do Turismo
Sustentável para o Desenvolvimento e a sua relação com a turismofobia. Quanto aos
aspectos metodológicos pode-se elencar que a pesquisa é de caráter predominantemente
qualitativo, com a utilização da técnica de análise de conteúdo de Bardin (2009).

De acordo com a OMT, 2017 é o ano do turismo sustentável, desta forma, a mesma criou a
campanha “O Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento”. Esta
campanha tem sido articulada pela OMT para a promoção do turismo dentro de cinco
princípios: Econômico - crescimento inclusivo e sustentável; Social - inclusão social,
emprego e redução da pobreza; Ambiental - eficiência dos recursos, proteção ambiental e
mudanças climáticas; Cultural - valores culturais, diversidade e patrimônio tangível e
intangível; e Paz - compreensão mútua, paz e segurança (OMT, 2017). Estes cinco
princípios estão em consonância com o manual “Dicas para um Viajante Responsável”
proposto a partir do Código de Ética Mundial para o Turismo.

A escolha da temática da campanha da OMT vai ao encontro com o fenômeno cada vez
mais evidente nos meios de comunicação que hoje está sendo chamado de turismofobia. A
partir das leituras foi possível fazer a relação deste “fenômeno” com a campanha, e cabe
frisar que a mesma é capaz de amenizar os impactos gerados pela insustentabilidade
turística em alguns destinos. Já apontada por Butler (1980) a partir da teoria do ciclo de
vida, os destinos que enfrentam esta situação podem estar em fase de saturação e declínio.

Destaca-se a importância de discorrer sobre as características de formação do que é


chamado destino turístico. Tendo em vista que os destinos são compostos de um sistema
territorial com características singulares advindos do fenômeno cultural e social resultantes
da atividade turística. Características estas composta pelas expectativas do turista, recursos
e atrações do destino, infraestrutura e demais processos como legislação, promoção e
marketing, dentre outros ocasionando modificações no território para atender

3
especificidades relacionados a recepção do turista (Anjos, 2004; Beni, 2006; Reverté &
Clavé, 2007; Buhalis, 2000). Destinos turísticos são sistemas de difícil administração, onde
seu gerenciamento é considerado um grande desafio devido à complexidade das relações
entre os atores locais, e a multiplicidade de atores envolvidos no desenvolvimento (Sautter;
Leisen, 1999; Buhalis, 2000; Saraniemi; Kylanen, 2011).

Dentro da perspectiva da atividade turística, estudos salientam que as interações entre


turistas e residentes em um mesmo espaço geram relações de competitividade territorial,
precisamente pela presença do turista (Reverté & Clavé, 2007; Palomeque, 2015; Abril-
Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz, 2015). Os autores Reverté e Clavé (2007)
enfatizam que o consumo do espaço do outro é estudado no campo da sociologia visando
analisar as relações entre hospedeiro e hóspede devido a crescente hostilidade advindo das
tensões que surgem da utilização e especialização do espaço para o turista, mesmo espaço
comum usados pelos residentes.

Em contrapartida o turismo sustentável vem a ser uma versão mais responsável se


diferenciando por exemplo, do turismo de massa, que na maioria das vezes se preocupa
com a quantidade e não com os benefícios positivos para a destinação (Barretto, 2009).
Desta forma, o turismo sustentável visa oferecer novas sinergias para minimizar conflitos
gerados pela atividade turística tradicional (Palomeque, 2015; Santos & Santos,2011).
Neste sentido, o planejamento e a gestão do turismo devem estar atentos às questões
ambientais, culturais e sociais, buscando minimizar os impactos da atividade e, fazendo
com que os moradores locais estejam inseridos economicamente e socialmente (OMT,
2001).

Quanto aos aspectos metodológicos da presente pesquisa a mesma se caracteriza de caráter


qualitativo exploratório. Com a utilização da técnica de análise de conteúdo. A pesquisa
qualitativa proporciona a compreensão da linguagem, das percepções e valores, a pesquisa
exploratória tem como objetivo fundamental ampliar, esclarecer e modificar conceitos e
ideias (Gil, 2008). Quanto a análise de conteúdo Bardin (2011, p.15) enfatiza que, “a

4
análise do conteúdo é um conjunto de instrumentos de cunho metodológico em constante
aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos e continentes) extremamente
diversificados”. A partir da categorização de dimensões.

As deduções lógicas ou inferências que serão obtidas a partir das categorias serão
responsáveis pela identificação das questões relevantes contidas no conteúdo das
mensagens. Neste trabalho as categorias foram articuladas a partir dos cinco princípios
propostos para o Ano Internacional do Turismo Sustentável para o Desenvolvimento no ano
de 2017 pela OMT, conforme quadro 1.

Princípios Descrição Autor/Ano

Econômico Crescimento econômico inclusivo e sustentável OMT (2017)

Social Inclusão social, emprego e redução da pobreza OMT (2017)

Ambiental Eficiência dos recursos, proteção ambiental e mudanças OMT (2017)


climáticas

Cultural Valores culturais, diversidade e patrimônio OMT (2017)

Paz Compreensão mútua, paz e segurança. OMT (2017)

Quadro 1- 5 Princípios para o ano internacional do Turismo Sustentável


Fonte: Elaborado pelos autores (2017).

A partir das leituras relacionadas à campanha Travel Enjoy Respect, percebe-se que a OMT
visa conscientizar o consumidor sobre o turismo sustentável. Esta campanha é voltada aos
viajantes, para que se conscientizem sobre a importância da percepção, do valor e da
contribuição que um turista consciente pode trazer ao desenvolvimento dos destinos
turísticos. A mensagem central da campanha é traduzida pelo Secretário Geral da OMT,
Taleb Rifai “Toda vez que você viajar, para onde quer que vá, lembre-se de respeitar a
natureza, respeitar a cultura local e respeitar seus anfitriões. Viaje. Aproveite. Respeite”

5
(OMT, 2017, s/p.). Compreende-se que esse tipo de campanha se faz importante,
principalmente em tempos de turismofobia, fenômeno relacionado ao desequilíbrio das
questões simbólicas, sociais, econômicas e territoriais que envolvem a atividade turística
(Clavé & Reverté, 2007) e que estão em congruência com os cinco princípios apontados na
campanha. Identificou-se que a campanha foi estruturada para ser utilizada em vários
idiomas (inglês, espanhol, francês, árabe e russo) e disponibilizados na página da OMT na
internet, contendo as mensagens oficiais, materiais promocionais, logotipos oficiais e vídeo
promocional e cartilha da campanha Travel Enjoy Respect.

Destaca-se na campanha Travel Enjoy Respect a importância do turista ser um viajante


responsável, através do manual "Dicas para um Viajante Responsável", desenvolvido pelo
Comitê Mundial de Ética do Turismo de acordo com o Código de Ética Mundial para o
Turismo. Manual considerado um marco para o desenvolvimento de um turismo
responsável e sustentável. Este, fornece um conjunto de recomendações para os turistas a
fazerem escolhas responsáveis ao viajar e ter um impacto positivo nos destinos que visitam.
O manual contém cinco recomendações: valorize seu anfitrião e o nosso patrimônio
comum; proteja nosso planeta; apoie a economia local; informe-se bem; e seja um viajante
responsável. As cinco recomendações estão consonantes com os cinco pilares da campanha.

A campanha usou estratégias comunicacionais dentro das mídias sociais (Instragram,


Twitter, Flickr e Youtube) e utiliza a #travelenjoyrespect, além da própria página
institucional para estimular órgãos públicos e privados, stakholders, demais envolvidos e
turistas para a sensibilização da importância do turismo sustentável e consequente
desenvolvimento harmônico dentro dos âmbitos econômicos, sociais, ambientais e
culturais. O desenvolvimento harmônico tende a promover a minimização de impactos que
possam gerar turismofobia como apontado pelos autores Reverté & Clavé (2007),
Palomeque (2015) e Abril-Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz (2015).

Alguns destinos turísticos se encontram em uma fase de saturação e possível declínio,


quando o resultado da interação social entre residente e turista é a intolerância e desgaste na

6
convivência dos espaços, estes são promotores da turismofobia (Reverté & Clavé, 2007;
Palomeque, 2015; Abril-Sellarés, Azpelicueta & Sánchez-Fernándesz, 2015). Neste sentido,
os cinco pilares da campanha de Turismo Sustentável da OMT, que fazem parte do Código
de Ética Mundial para o Turismo, contribuem no direcionamento dos destinos turísticos
para o desenvolvimento sustentável e harmônico. Foi possível perceber que a escolha da
campanha de 2017 pela OMT foi estrategicamente escolhida e tem como um dos principais
pilares estipulados da campanha a Paz - compreensão mútua, paz e segurança, premissa
esta necessária em tempos de turismofobia.

Como limitações a este estudo evidencia-se que a campanha ainda está em andamento, não
apresentando dados sobre o sucesso ou insucesso da mesma, outro ponto que pode ser
destacado é a pouca bibliografia encontrada com estudos sobre a temática turismofobia em
específico. Desta forma, sugere-se novos estudos visando avaliar de forma mais
aprofundada as campanhas anuais da OMT, encorajando-se também outros pesquisadores
se aprofundarem na temática turismofobia e o que tem causado este fenômeno. Aponta-se
que este estudo gera contribuições acadêmicas e gerenciais para destinos turísticos e
organizações.

REFERÊNCIAS

Abril-Sellarés, M., Azpelicueta, M. C., & Sánchez-Fernandez, M. D. (2015). Turismo


sostenible: lugareños frente a turistas. El caso de la ciudad de Barcelona. Holos, 3,
331-337.

Anjos, F. A. (2004). Processo de planejamento e gestão de territórios turísticos uma


proposta sistêmica. Florianópolis: Programa de Pós-Graduação em Engenharia de
Produção, Universidade Federal de Santa Catarina.

Araujo, D. F., & Ramos, M. d. (2014). Desafios interculturais e educacionais para um


turismo sustentável. Cenário, 2(3), 89-105.

7
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70.

Beni, M. C. (2006). Análise estrutural do turismo. São Paulo: Aleph.

Barretto, M. (2005). Planejamento responsável do turismo. Campinas, SP: Papirus

Buhalis, D. (2000) Marketing the competitive destination of the future. Tourism


Management, 21(1), 97-116.

Butler, R. (1980). The concept of tourist area cycle of evolution: implications for
management of resources. Canadian Geographer, 24(1), 5-12.

Hall, C. M. (2001). Planejamento Turístico: políticas, processos e relacionamentos. São


Paulo: Contexto.

Luchiari, M. T. (2000). Turismo e meio ambiente na modificação dos lugares. Turismo em


Análise, 2(1), 35-43.

OMT (2001). Global Code of Ethics for Tourism for Responsible Tourism. Santiago,
Chile.

OMT (2017). UNWTO Launches ‘Travel.Enjoy.Respect’ Campaign. Acesso em 24 de


09 de 2017, disponível em http://media.unwto.org/press-release/2017-08-22/unwto-
launches-travelenjoyrespect-campaign

Palomeque, F. L. (2015). Barcelona, de ciudad con turismo a ciudad turística. Notas sobre
un proceso complejo e inacabado. Documents d’Anàlisi Geogràfica, 61(3), 483-
506.

Reverté, F. G., & Clavé, S. A. (2007). Introducción. La naturaleza del turista. De la


turismofobia a la construcción social del espacio turístico. In Clavé, S. A. & Reverté,
F. G. A propósito del turismo. La construcción social del espacio turístico (pp. 11-
33). Editorial UOC.

8
Santos, S. R., & Santos, P. C. (2011). Contribuições da educação ambiental para o turismo
sustentável na APA do Maracanã, São Luís (Maranhão, Brasil). Turismo &
Sociedade, 4(2), 265-285.

Saraniemi, S & Kylanen, M. (2011). Problematizing the concept of Tourism Destination:


An analysis of different theoretical Approaches. Journal of Travel Research, 50(2),
133-143

Sautter, E.T. & Leisen, B. (1999). Managing stakeholders: a tourism planning model.
Annals of Tourism Research, 26(2),312-329.

Rushmann, D. (1999). Turismo e Planejamento Sustentável: a proteção do meio


ambiente. Campinas, SP: Papirus

9
COMUNICAÇÃO INTERNA NA HOTELARIA: UMA ANÁLISE REALIZADA NA
RECEPÇÃO DE UM MEIO DE HOSPEDAGEM DA REGIÃO CENTRAL DO RIO
GRANDE DO SUL

Aliner da Maia Alves1


Lenise David da Silva2
Luciana Davi Traverso3
RESUMO

Comunicar-se é uma atividade essencial para a sobrevivência humana, uma vez que o
processo de comunicação é responsável por todos os relacionamentos ocasionados durante
a vida. Nas organizações a comunicação é responsável por integrar os colaboradores de
maneira a melhorar o desempenho das tarefas organizacionais, também corrobora com suas
motivações deixando-os informados sobre os acontecimentos organizacionais, objetivos e
metas da empresa. Este artigo pretende identificar o impacto da comunicação interna em
empreendimentos turísticos do setor hoteleiro. Para isso foi realizado um estudo descritivo,
em um empreendimento localizado na cidade de Santa Maria RS. Na intenção de responder
aos objetivos da pesquisa utilizou-se entrevistas semiestruturadas direcionadas aos gestores
do empreendimento pesquisado. Assim como o instrumento de observação participante no
setor de recepção. Obteve-se como resultado a identificação de diversos canais
comunicativos com fluxo descendentes, também foi evidenciado que a proximidade
frequente dos gestores corrobora para uma comunicação sem ruídos, o que facilita a
eficiência nas realizações de tarefas.

PALAVRAS- CHAVE: Hotelaria, Recepção, Comunicação Interna.

1
Guia em Turismo pelo IFF. Graduada em Gestão de Turismo pela UFSM. E-mail:
aliner_ms_alves@hotmail.com.
2
Guia em Turismo pelo IFF. Graduada em Gestão de Turismo pela UFSM. E-mail:
lenisedavids@yahoo.com.br.
3
Doutora em Administração de Empresas. Professora da Universidade Federal de Santa Maria. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/4939993298300369. Email: luciana.traverso@ufsm.br.

1
RESUMO EXPANDIDO

Comunicar-se é uma questão de sobrevivência para os seres humanos é diante desta


comunicação que são criados os relacionamentos, sejam eles afetivos ou profissionais. A
comunicação é necessária em todos os aspectos da vida, até mesmo bebês se comunicam
por meio do choro para avisar que algo está errado. Nas organizações não é diferente, pois
a comunicação é um fator essencial para a integração entre os colaboradores e os gerentes
de uma organização. De acordo com Oliveira (2006) o fluxo de comunicação engloba todas
as pessoas que compõem o sistema organizacional. A comunicação interna tem como
princípio fundamental a busca pela integração entre colaboradores e empresa,
proporcionando assim uma efetividade no desempenho das tarefas organizacionais.

No setor hoteleiro a comunicação faz parte de todo o processo e é a recepção o setor mais
comunicativo da empresa. Desta maneira a questão norteadora desta pesquisa se define
como: de que maneira ocorrem os processos de comunicação dentro da área de recepção de
um empreendimento hoteleiro? Desta forma foram definidos objetivos para responder esta
pergunta. Busco identificar à comunicação interna de um empreendimento hoteleiro da
Região Central do Rio Grande do Sul, a pesquisa limitou-se em: observar a interação
existente dentro do âmbito de recepção do objeto em estudo, identificar a percepção dos
gestores com relação aos seus cargos e analisar o compartilhamento de informações dentro
do setor de recepção.

Deve-se levar em consideração que a comunicação é um processo importante para qualquer


interação social, e uma comunicação eficaz melhora o desempenho organizacional
proporcionando ao empreendimento velocidade na resolução de problemas e status de
confiabilidade frente aos clientes. Desta maneira o presente artigo trás a preocupação aos
gestores da hotelaria ao enfatizar que uma má gestão da comunicação pode acarretar em
sérios problemas a organização como um todo. De acordo com Gellerth (s.d) a
comunicação organizacional é um meio de cooperação entre os indivíduos de uma
organização, sendo responsável pelo movimento da informação no ambiente organizacional

2
interno e externo. No entanto o autor salienta que não existe um modelo adequado para o
processo de comunicar-se e sim uma adaptação constante as exigências contextuais da
organização.

São diversos os canais existentes de comunicação, de acordo com Covey (2012 apud
Gellerth, 2012, p. 5) “há quatro tipos básicos de comunicação: ler, escrever, falar e ouvir e,
cada pessoa passa muitas horas se dedicando a pelo menos um destes tipos, portanto a
habilidade é absolutamente crítica para sua eficácia”, sendo que todos são utilizados no
setor turístico. Katz (1989 apud Vieira, 2013, p.14) entende que “a comunicação é o sangue
vital da organização”; essa comunicação em geral ocorre de forma descendente, que é
quando a estrutura principal (chefes) diz aos gerentes intermediários o que fazer e esses
repassam essas ordens aos demais colaboradores da empresa (Vieira, 2013, p.14), essa
forma de comunicação tem um caráter de uma informação simples, que em geral está
referindo-se a execução de um serviço, já a forma ascendente está relacionada à
participação do funcionário perante a gestão da empresa, ficando evidente que suas
colaborações, reclamações e sugestões. Entretanto Curvello (2010, p.23, grifo do autor)
destaca que a comunicação pode ser operada por meio de fluxos, classificados da seguinte
maneira:

 Fluxo Ascendente: Tem caráter de sugestões, críticas e apelos, vindos dos


funcionários e dirigidos para a direção.

 Fluxo Descendente: Em seu consenso geral, são aqueles gerados nos altos escalões,
sendo transmitidos ao quadrado de funcionários, por diversos canais de comunicação,
entre eles: os clássicos boletins ou jornais da empresa.

 Fluxo Horizontal: É aquele que move o dia- a – dia da empresa, executado de


maneira informal, é o que interliga os setores conhecido também como fluxo lateral.

 Fluxo Transversal: Pode ser o poder de subverter as hierarquias, transmitindo as


informações entre os funcionários de diferentes setores e até mesmo entre níveis

3
hierárquicos diferentes, sobretudo no contexto de projetos e programas
interdepartamentais.

A hotelaria, por sua vez, integra o sistema turístico acolhendo os hóspedes que viajam para
aquela localidade, ficando evidente a importância de empreendimentos hoteleiros como
oferta turística que complementa a estrutura de recepção das localidades. De acordo com
Sena (2008) gerenciar um meio de hospedagem, requer uma análise constante aos
ambientes externos do mercador. Porém empreendimentos hoteleiros também necessitam
de olhares frequentes ao ambiente interno, pois a interação entre pessoas dentro destes
estabelecimentos é dinâmica e não acompanhá-la pode resultar em prejuízos
organizacionais.

A comunicação é o processo vital de qualquer organização, de acordo com Ricci (2005) o


motivo de falhas e ineficiências das organizações está relacionado aos problemas de
comunicação. O setor hoteleiro trabalha com um enorme fluxo de comunicação e por isso
dependem muito das interações sociais para alcançar seus objetivos. A recepção é o setor
primário da informação, ali devem estar alocados colaboradores qualificados para receber e
compartilhar informações, seja elas internas ou externas.

Os procedimentos de hospedagem são dependentes da área de recepção, é ela quem


determina se há procedimentos a serem realizados, resultantes da chegada ou saída de seus
hospedes. Sendo assim as relações que ocorrem dentro da recepção devem ser harmoniosas
e colaborativas, pois o compartilhamento incorreto de informações ocasionado por brigas,
concorrência individual, autoridade ambígua ou por colaboradores focados apenas em seus
departamentos pode prejudicar todos os setores da empresa.

Visto a importância da comunicação dentro do setor hoteleiro, o presente artigo objetiva-se


em identificar o impacto da comunicação interna em empreendimentos turísticos do setor
hoteleiro. Para tanto se iniciou uma revisão bibliográfica que de acordo com Gil (2010)
possibilita a compreensão do que já foi produzido pela literatura, com a intenção de
familiarizar o autor com o tema abordado. No interesse de alcançar os objetivos, foi

4
realizada uma pesquisa de caráter descritivo, que de acordo com Triviños (2004, p. 10, grifo
do autor) “o estudo descritivo pretende descrever ‘com exatidão’ os fatos e fenômenos de
determinada realidade”.

Partindo deste pressuposto a presente pesquisa tem como objeto de analise principal a
descrição do processo de comunicação existente entre os colaboradores de um
empreendimento hoteleiro localizado na cidade de Santa Maria RS. Quanto a sua
abordagem a pesquisa é qualitativa, pois de acordo com Flick (2009) tem interesse em
compreender a importância do estudo nas relações sociais em seus aspectos de vivencia.
Foram realizadas duas entrevistas com roteiro semi-estruturado aplicado aos gestores do
empreendimento pesquisado. De acordo com Triviños (2010) possibilita a valorização da
presença do pesquisador oferecendo liberdade ao entrevistado ao responder as perguntas e
ao pesquisador de formular ou excluir perguntas no decorrer da entrevista. Também foi
realizada uma pesquisa de campo no formato de observação participante dentro setor de
recepção estabelecimento. Denzin (1989 apud Flick, 2010, p.207) ressalta que o
instrumento de observação participante é definido “como uma estratégia de campo que
combina, simultaneamente, a análise de documentos, a entrevista de respondentes e
informantes, a participação e a observação diretas e a introspecção”. Ou seja, a observação
contou com a participação do pesquisador junto ao objeto analisado.

A observação participante foi realizada durante 31 horas, distribuídas entre os dias 31 de


maio a 9 de junho de 2016, nos diferentes turnos de trabalho: matutino, vespertino e
noturno. Para que não houvesse falha na obtenção de dados das entrevistas foi utilizado um
gravador como meio de não perder informações e após durante a analise essa gravação foi
transcrita. O empreendimento pesquisado é um meio de hospedagem classificado como 4
estrelas, localizado na cidade de Santa Maria Rio grande do Sul. Tem como público alvos
hóspedes consumidores do turismo de negócios, pois viajam para tratar de assuntos
profissionais ou participar de eventos relacionados ao seu trabalho. Usualmente este
público não fica mais que três dias no município; além disso, são caracterizados por

5
precisarem de um serviço rápido, qualificado e com o mínimo de falhas possíveis durante
sua estadia.

As entrevistas foram realizadas com a participação de 2 gestoras mulheres, jovens (37 e 45


anos) e com graduação superior, sendo que uma delas é pós-graduada. Ambas atuam
diretamente junto à recepção, pelas funções que desempenham. O setor de recepção, onde
foi realizada a observação participante, é dividido em quatro turnos de trabalho com
período de seis horas. Sua equipe é composta por seis colaboradores: dois trabalham no
período matutino, três trabalham em turnos distintos (manhã, tarde, noite e madrugada) e
um denominado turnante. que trabalha de acordo com as folgas dos demais colaboradores.

Como resultado foi evidenciado o comprometimento dos colaboradores responsáveis pela


gestão do empreendimento, uma vez que reconhecem a importância e responsabilidade que
suas tarefas têm dentro da empresa. Também se observou que a recepção trabalha com
diferentes canais de comunicação, mas o mais utilizado é o canal impresso como: vouchers,
requerimentos de reservas, livros de registro e memorandos. A comunicação voltada para
ordens de serviço é realizada por meio do sistema (Desbravador), sistema informático que
estabelece contato entre os setores e pode ser observada por todos que tenham acesso a
ferramenta simultaneamente com o radio comunicador, responsável pela comunicação
imediata.

A interação entre colaborador de recepção e gerente é, na classificação de Curvello (2010),


de fluxo descendente, ou seja, a informação em sua maior parte sai do poder executivo para
os colaboradores e seus departamentos. Porém a comunicação existente dentro do setor de
recepção é informal, facilitando o compartilhamento de informações e tornando mais veloz
a realizações de tarefas. Mesmo assim existe a consciência de falha pela gerência, uma vez
que admitem a má qualidade na realização de alguns processos de comunicação interna.

Com relações a informações (sugestões e reclamações) externas que chegam a recepção,


todas são levadas em consideração e compartilhadas com os colaboradores capacitados a
atendê-las. Notou-se também que as falhas no processo de comunicação ocorrem

6
esporadicamente, devido à presença gerencial frequente nas realizações de tarefas da
recepção e ao interesse dos colaboradores em trabalhar de forma eficaz. Essa situação é
muito positiva, pois a empresa consegue resolver bem seus problemas, contudo não
oportuniza o empoderamento e autonomia dos funcionários da recepção, na medida em que
os mesmos precisam pedir à gerência autorização para quaisquer procedimentos, mesmos
os mais simples, tais como: a solicitação da troca de uma unidade habitacional programada
pelo setor de reservas, quando necessário. Sendo assim, notou-se que a comunicação em
geral ocorre de forma descendente. Este tipo de comunicação, segundo Vieira (2013, p. 14)
“é quando a estrutura principal (chefes) diz aos gerentes intermediários o que fazer e esses
repassam essas ordens aos demais colaboradores da empresa”.

A comunicação interna no empreendimento é exercida por diversos canais dentro da


empresa, destacando-se a forma verbal como sendo a grande “fonte de comunicação” para
na comunicação estabelecida no empreendimento; além disso, a gerência está sempre atenta
e próxima do setor, o que faz com que as mensagens sejam compreendidas e realizadas com
bastante eficiência e rapidez. O uso dos recursos tecnológicos faz com que a informação
fique registrada no sistema hoteleiro, de maneira que todos os colaborados do
empreendimento possam ter acesso essa informação, quando necessário.

Diante dos resultados apresentados, conclui-se que o objetivo desta pesquisa foi almejado,
já que se obteve a identificação os canais e fluxos, pelos quais a comunicação interna se
estabelece no empreendimento, bem como se verificou que existem poucos ruídos no
ambiente de trabalho pesquisado. Isto se deve, provavelmente, ao fato do empreendimento
não ser muito grande e, como consequência, as gerências estão muito próximas aos
funcionários da recepção, especialmente. Conforme sugerido pela respondente 1, seria
interessante que uma nova pesquisa fosse realizada englobando também o setor de RH, uma
vez que é o setor que lida com o aspecto mais humano dentro do empreendimento. Para
pesquisas futuras sugere-se a continuidade no trabalho, no próprio hotel visto que em breve
haverá outro empreendimento do mesmo grupo, o que certamente irá alterar os processos
de comunicação na empresa. Sugere-se ainda estudo que comparem empreendimentos

7
hoteleiros com o mesmo porte do que foi investigado, ampliando a compreensão sobre
como a comunicação interna ocorre em diferentes meios de hospedagem.

Destaca-se que o empreendimento passou por um processo de renovação em seu quadro de


colaboradores, fato esse que não gerou mesmo assim grandes falhas na comunicação deste
empreendimento; entretanto fica evidente a falta de autonomia do setor de recepção para
execução de alguns serviços, sendo um setor muito depende do setor de reservas para
realizar qualquer alteração referente ao processo de hospedagem no estabelecimento.

O trabalho apresenta algumas limitações, dentre as quais se destacam: não ter buscado a
percepção dos demais setores do empreendimento sobre a comunicação com o setor da
recepção; e verificar a percepção dos clientes sobre a comunicação no empreendimento.
Encerrando, destaca-se que a comunicação interna pode ser uma das maneiras de
divulgação de informações de caráter importante na empresa, bem como pode servir para o
alinhamento dos objetivos, metas e visão do empreendimento, buscando coesão no grupo
para destacar-se no mercado (Andrade, 2007, p. 6). Além disso, destaca-se que esse tipo de
comunicação visa dar um aspecto mais humano, promovendo proximidade entre as chefias
de demais colaboradores, visto que um ambiente bom para trabalhar tem maiores chances
de ser um empreendimento hoteleiro hospitaleiro.

REFERÊNCIAS

Andrade, L. D. (2007). O papel da comunicação interna como ferramenta de


endomarketing. Monografia de especialização. Universidade Cândido Mendes, Rio
de Janeiro, RJ, Brasil.

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8
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Cabo Verde: O caso da cidade da Praia. Dissertação de Mestrado, Escola Superior
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Hotelaria: Um estudo exploratório em Bauru (SP). Dissertação de mestrado,
Universidade Estadual Paulista, Bauru, São Paulo, Brasil.

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de crise na organização. Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Federal de
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Gerenciamento Aplicadas a Hotelaria. Rio de Janeiro: Sindicato Nacional dos
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Falmer Press.

Triviños, A.N.S. (2010). Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: A pesquisa


qualitativa em Educação. São Paulo: Atlas.

9
ESCRE’VER-SE’ NA NARRATIVA DE VIAGEM INVESTIGATIVA: REFLEXÕES
TEÓRICAS SOBRE O DESAFIO DO PROCESSO DE ESCRITA CIENTÍFICA EM
TURISMO

Maria Luiza Cardinale Baptista1

RESUMO

O texto tem caráter ensaístico e apresenta a discussão sobre os desafios do processo de


escrita da ciência em Turismo, em entrelaçamento a pressupostos da mutação científica
contemporânea. Alinha-se a discussões sobre a convergência midiática e alto
desenvolvimento tecnológico, com suas implicações para a prática da produção científica
na área do Turismo, especialmente, no que diz respeito à inscrição, ao relato escrito. Parte
do pressuposto da escrita científica como relato de narrativa de viagem, considerando os
desafios inscriacionais (de inscrição, criação e acionamento de devires relacionais). O texto
convida a refletir sobre a necessidade de o sujeito da ciência se autorizar a ser autor e, nesse
sentido, a reconhecer que o processo de escrita é um processo de escre’ver-se’.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Escrita científica, Viagem investigativa.

RESUMO EXPANDIDO

O presente artigo apresenta reflexões sobre os desafios da produção da escrita da Ciência


do Turismo, como processo de narrativa de viagem investigativa. A abordagem é
transdisciplinar, envolvendo um olhar para o Turismo, a partir de áreas como: Teorias da
Significação; Teorias da Subjetividade, especialmente a Esquizoanálise; Psicomunicação,
com o viés da interação dos sujeitos com as tecnologias informacionais e o questionamento

1
Doutora em Ciências da Comunicação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil Currículo:
http://lattes.cnpq.br/2996705711002245. E-mail: malu@pazza.com.br

1
da ‘imagem de si’, a partir dos agenciamentos midiáticos. Trata-se de proposição, para o
Turismo, de reflexões resultantes de pesquisa em nível de doutoramento na Escola de
Comunicações e Artes da USP; associada a trabalho de supervisão de textos de teses,
dissertações e monografias, em várias áreas de conhecimento, há mais de 25 anos, em
empresa privada; de docência na área de Metodologia da Pesquisa, também há quase 30
anos, em seis universidades brasileiras; bem como do trabalho de 31 anos como jornalista,
em diversas áreas; e de sua associação à experiência de docente e pesquisadora no
PPGTURH, da Universidade de Caxias do Sul e como professora convidada em três
programas de pós-graduação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), há mais de
sete anos.

O pressuposto geral é que escrever a Ciência é produzir uma narrativa da viagem


investigativa. Na área do Turismo, mais especificamente, a reflexão combina, então, a
compreensão dos desafios inerentes à desterritorialização desejante, do momento em que o
sujeito se põe em movimento de saída de seus territórios de origem, com a árdua tarefa de
‘investigar’ e de produzir ‘ações de investimentos’, nesses processos de
desterritorialização/deslocamento em que se constrói o conhecimento sobre o Turismo.
Momento em que perde o chão de si mesmo e se põe em viagem, em busca de novos
territórios informacionais e cognitivos2.

O texto resulta de reflexão teórica, envolvendo um largo processo de práticas investigativas


e de observação de processos de escrita. A associação do processo de escrita científica a
uma viagem, ao processo de desterritorialização, remete às teorias sobre o desejo3, o que
contribui para que, ao mesmo tempo, se possa compreender sobre os desafios da
investigação, os desafios do turismo e os desafios da escrita, em um exercício de se
‘autorizar a ser autor’ científico do Turismo, assim como acontece em outras áreas. A

2
Neste caso, há uma vinculação das reflexões aqui com o conceito de conhecimento como enação,
apresentado por Francisco Varela (1992).
3
Preliminarmente estudadas pela Psicanálise, com textos de Sigmund Freud (1996) Jacques Lacan (1988)
para chegar aos constructos esquizoanalíticos relativos ao desejo.

2
diferença é a possibilidade de trazer à consciência algumas estratégias de viagem e de
produção dos relatos de sua produção.

Há algum tempo, venho consolidando a proposição do que chamei de Cartografia dos


Saberes4, como um conjunto de trilhas de aproximações e ações investigativas, que
possibilitam ao pesquisador embrenhar-se na ‘viagem investigativa’, considerando suas
bagagens e aquisições, ao longo do percurso, assim como reconhecendo que são necessárias
aproximações e ações investigativas, em sintonia com a dimensão intuitiva da pesquisa.

A Cartografia corresponde a uma espécie de mapeamento mutante, constante e processual,


numa teia-trama da vida da pesquisa em que ‘tudo’ é considerado, especialmente em suas
múltiplas conexões. Assim, também são levados em conta saberes produzidos em tempos
múltiplos e em sujeitos que se entrelaçam. No caso do pesquisador, por exemplo, parte-se
do resgate dos saberes pessoais (a primeira trilha proposta na cartografia) como uma forma
de recompor o percurso interno e suas conexões, de onde deriva a proposição investigativa.
Assim, reconhece-se que a proposta de estudo surge de processos de conexão de saberes,
vivências e experiências, em que vão se evidenciando inquietudes, incômodos,
questionamentos a priori e, também, emergem punctuns5, ritornelos existenciais6 que ficam
vibrando, pulsando no próprio pesquisador. São pontos de confluência e de passagem, que
surgem em meio à névoa das intensidades abstratas que vão conformando as primeiras
brotações do objeto de estudo. Conformam, porque enlaçam, retornam, tocam os afetos.

4
Na área do Turismo, destaco dois textos, um publicado em 2014 na Revista Rosa dos Ventos e outro
apresentado neste ano (2017) no Seminário Anptur, que ocorreu em Balneário Camboriú. (Baptista, 2014;
2017).
5
O conceito está sendo utilizado aqui, no sentido proposto por Roland Barthes (1984). Ele fala da fotografia,
mas eu considero o conceito passível de ser aplicado a outras expressões comunicacionais, discussão que
venho realizando desde a década de 1990. Trata-se de um ponto que brota da produção e nos toca de modo
particular, no inconsciente. Um ponto que nos atinge no campo da efetivação.
6
Ritornelos são elos que retornam, como eu costumo dizer. O conceito vem da música e é trabalhado por
Félix Guattari e Gilles Deleuze, nos livros Caosmose (Guattari, 1992), Mil Platôs (Guattari &Deleuze, 1995).
Há uma boa discussão a respeito do conceito, no texto de Luciano Bedin da Costa. Disponível em:
http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/005e2.pdf. Acesso em: 20 set.2017.

3
Em função disso, muitas vezes, pela dimensão de fluxos incorporais a-significantes ou pelo
caráter de partículas subatômicas em estruturas dissipativas7, o pesquisador não consegue
enunciar, num primeiro momento, nem para si mesmo. Torna-se difícil e desafiador o
processo de escrita. A capacidade de escrever só se obtém com o tempo, em que os
‘substratos inscriacionais’ vão se consolidando, como resultado de trabalho árduo, de
interações múltiplas e conexões ecossistêmicas, assim como mergulhos internos. Não fazer
isso, não remexer as camadas profundas dos saberes pessoais, na sua dimensão processual e
de interconexões, significa perder parte importante do fluxo de construção do conhecimento
e das novas conexões emergentes, com belos, fortes e significativos sinalizadores de
devires científicos. Este é um dos motivos de dificuldades de escrita. A inscrição não tem
bases no próprio sujeito ou ele desconhece essas bases, as camadas mais profundas de
significação, de onde brota a intenção de dizer.

Nesse ponto, temos a conexão com algumas teorias que nos ajudam a compreender o que
eu chamo de fluxos abstratos e substratos informacionais. Destaco que as propriedades
essenciais surgem das relações entre os múltiplos elementos e substâncias intervenientes, e
não da soma de partes, o que se tinha como pressuposto numa visão reducionista-
cartesiana-mecanicista, que caracteriza a Ciência tradicional, decorrente da Revolução
Científica8. Assim, caminhamos para a compreensão decorrente dos ensinamentos da Física
Quântica e perspectivas orientais do conhecimento, que nos chamam a atenção para o fato
de que os fenômenos ocorrem pelas suas conexões profundas, em que estão em interação as
múltiplas e minúsculas partículas, que, na interação, geram probabilidades de interconexões
e não probabilidades de coisas. Assim ocorre também com a escrita.

7
Remeto aqui ao pensamento de Ilya Prigogine. Interessante o que afirma Capra: A teoria de Prigogine
propõe uma “[...] mudança de percepção da estabilidade para a instabilidade, da ordem para a desordem, do
equilíbrio para o não equilíbrio, do ser para o vir-a-ser. No centro da visão de Prigogine está a coexistência de
estrutura e mudança, da “quietude e movimento [...]” (Capra, 1997, p.149)
8
Revolução Científica considerada como o resultado dos processos de mutação que foram desencadeados no
final do século XVI e início do século XVII, com a emergência de constructos como o cartesinanismo, de
Renè Descartes, o mecanicismo de Isaac Newton e o reducionismo de Francis Bacon. Excelente discussão a
respeito está em Fritjof Capra (1991), o Ponto de Mutação; em Roberto Crema (1989), Introdução à visão
Holística.

4
Na década de 20, a teoria quântica forçou-os [os físicos tradicionais] a aceitar o fato de que os objetos
materiais sólidos da física clássica se dissolvem, no nível subatômico, em padrões de probabilidades
semelhantes a ondas. Além disso, esses padrões não representam probabilidades de coisas, mas sim,
probabilidades de interconexões. As partículas subatômicas não têm significado enquanto entidades
isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações, entre vários
processos de observação e medida. Em outras palavras, as partículas subatômicas não são “coisas” mas
interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por
diante. Na teoria quântica, nunca acabamos chegando a alguma ‘coisa’: sempre lidamos com
interconexões (Capra, 1991, p.41).

Escrever é aninhar letras e palavras e demais sinais gráficos, buscando dar sentido ao
pensamento, à nossa intenção de dizer. Em princípio, não deveria ser complicado. Não é, eu
penso, imediatamente, pela minha paixão por escrever. É bastante complicado, eu penso
também, em seguida, quando reflito um pouco mais a respeito das minhas pesquisas e
práticas de supervisão de texto, em empresa privada e nas universidades. Nesse sentido,
venho acompanhando pessoas em seus processos de escrita vários, acadêmicos ou não, que
se debatem, cada vez mais, para garantir a expressão da sua ‘intenção de dizer’. Sujeitos
lutando consigo próprios, para se ‘autorizarem a serem autores’, como eu costumo dizer,
inspirada em título de uma disciplina que assumi na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, em mais de uma edição do um Curso de Especialização em Educação:
“Metodologia da Pesquisa e a Produção de Autoria”.

A complicação pode ser verificada, quando compreendemos que os sinais estabelecidos


para serem aninhados, selecionados e combinados para a expressão são sinais definidos, ao
longo do tempo, também como enigmas de expressão e comunicação, bem como de lógicas
de poder, entranhadas nos meandros da Educação, talvez mais do que como chaves de
interpretação (Giovannini, 1987; Havelock, 1996). Explico: os mesmos recursos que temos
para nos expressar estão marcados por regras e leis de combinação, semânticas e sintáticas,
que nos ‘tiram’, em parte, a liberdade expressiva e comunicacional. É sempre preciso
escrever, conforme as normas. As normas da Gramática, da estruturação do código
linguístico a que estamos vinculados. Na verdade, essas normas se constituem um mar de
regras que, se for considerado a priori, nos faz engolir o texto, antes mesmo que ele ouse
‘pensar em sair’. É o que acontece, em muitos casos, quando o sujeito trava na escrita,
mesmo sabendo o conteúdo do que quer dizer no texto. No caso da Escrita da Ciência, a

5
situação complica ‘um pouco’. Às regras tantas da Gramática, somam-se outras, que se
sobrepõem, que são as regras da metodologia da pesquisa e, depois, as da escrita científica,
normalizadas por centro de poder nacionais e internacionais. São regras de corte, de
decepagem, regras que matam e excluem o sujeito que não as cumpre. Tudo isso acionado
por ‘prazos-lâmina’.

Antes de ‘seguir viagem’, destaco que as reflexões e proposições práticas relativas à escrita,
bem como o caráter mais solto da escrita deste texto, tem inspiração nos pressupostos do
Jornalismo Literário Avançado e da Escrita Criativa (Lima, 2004; 2009), que associo às
práticas da escrita científica. O Jornalismo Literário Avançado propõe uma sensibilização
do sujeito jornalista (que eu associo ao sujeito cientista), com a produção de uma captação
mais sensível, subjetivada, e a expressão mais próxima da literatura.

No caso, nessa proposição de uma escrita narrativa, em interação com o receptor, trago
essas premissas e proposições para a escrita científica, considerada aqui como o conjunto
de ações responsáveis por ‘contar o saber’. Percebo que o caráter hermético da escrita
científica é um dos fatores de distanciamento de jovens pesquisadores, de pesquisadores
iniciantes em relação à Ciência. O que proponho, nesse sentido, como cientista das áreas da
Comunicação, da Subjetividade e do Turismo é justamente o contrário. O texto científico
precisa comunicar, dialogar e afetivar (no sentido que utilizo nas minhas pesquisas, como
‘tocar os afetos’) do receptor. Trazendo para o Turismo, afirmo que o texto tem que
provocar ao leitor ‘refazer a viagem de conhecimento produzida’, durante o processo da
investigação científica.

A escrita está sendo compreendida como conjunto de dispositivos de inscrição e analisada a


partir da ênfase na escrita verbal, ainda que, em alguns momentos, seja transversalizada por
narrativas visuais. A produção linguístico-verbal, por sua vez, é vislumbrada como trama de
significação, essencialmente heterogênea em múltiplos sentidos. Acredito que este se
constitui em campo privilegiado para observar a paisagem das mutações contemporâneas, à
medida que, por trás da noção processos de escrita, venho discutindo elementos do

6
potencial de constituição da linguagem, a partir dos processos de inscrição do ‘sujeito em
relação’. Sujeito maquínico9 em relação, tentando expressão para seus universos
significacionais, arquitetando ‘con-tato’, visando existências partilhadas. É assim na
produção da escrita da Ciência. O que se produz é resultado de caminhos que se
estabeleceram como possíveis inscrições, marcas de saberes reconhecidos pelos pares.

No cenário contemporâneo, a produção da escrita tem sido desafiada em diversas


instâncias, que iniciam com a complexificação dos processos de pensamento e
conhecimento, bem como dos processos interacionais dos sujeitos. Isso vem ocorrendo a
partir de fluxos e tecnologias cada vez mais complexas e pela tendência de direcionamento
dos fluxos informacionais para campos abstratos, ao mesmo tempo em que se instalam
instâncias de verificação e valoração dos escritos produzidos. Quer dizer, o texto vive, na
sua essência e produção, uma ampliação dos desafios inerentes à virtualização e às
dificuldades de registros de intensidades abstratas, por um lado, e, por outro, a presença
cada vez mais forte de setores de controle do sujeito, no caso, do produtor de conhecimento
em Turismo.

Assim, são instalados mais e mais indicadores, que vão ou não comprovar a ‘produção’,
vão ou não validar a produção, estabelecendo uma escala de pontos e de nominações que
referendam e indicam que o sujeito pode ou não continuar existindo na área. A escrita é
uma questão de sobrevivência, para a Ciência, para o pesquisador, para os programas de
pós, para os grupos de pesquisa e para o próprio campo do saber, no nosso caso, o do
Turismo.

Os saberes do Turismo são produzidos em cenários de virtualização constante e crescente


dos processos interacionais das redes midiáticas, bem como são entregues para uma trama
do que eu chamo de engrenagem maquínica, que dá ou não validação, que os aceita ou não
como ‘publicáveis’, passíveis de serem tornados públicos. A simples observação desse

9
A noção de subjetividade maquínica está baseada aqui em Félix Guattari, especialmente no texto Caosmose
(1992). Está detalhada em vários textos meus. Ver: Baptista (1996; 2000; 2002).

7
aspecto amplia e, ao mesmo tempo, constitui-se como metáfora da complexa teia de
agenciamentos no processo científico turístico, comunicacional e inscriacional (de escrita
que inscreve e aciona novas realidades), seja ele mediado ou não por dispositivos
tecnológicos.

Os maquinismos abstratos engendrados acionam componentes semiológicos incorporais a-


significantes, que formam fluxos informativos, numa composição de uma espécie de campo
de forças, cujos direcionamentos estão longe de serem simplificados reducionisticamente a
vetores ou eixos. Para lembrar Milton Santos e Susana Gastal, esses fluxos se associam a
fixos, no caso, aqui, territorialidades e corporificações inscriacionais, que vão dando
visibilidade para o pensamento e a intenção de dizer que ‘ousa brotar nas escrituras’. Aos
poucos, a inscrição do pensamento/desejo de fala vai se tornando visível e se propõe como
campo de enigmas e potência de comunicação dos saberes, para ser a fronteira de contato
com o Outro, o receptor do texto.

Para facilitar a compreensão, pode-se pensar na metáfora do campo de forças, que se


constitui numa espécie de névoa intensa, densa, da qual não é possível separar as partes,
mas, eventualmente, se pode vislumbrar alguns elementos, ainda que sabendo que esses
elementos são ínfimos, diante do plano de consistência dessa substância efêmera que, em
geral, define a comunicação. É assim também na comunicação escrita e, claro, na escrita da
Ciência. Para quem estuda turismo, parece fácil entender que o que está em jogo é o
aumento da energia do campo de onde brotam as significações a serem comunicadas,
depois uma espécie de borbulhar nesse campo, consolidando algumas cristalizações
(quando surgem as primeiras inscrições), para, depois, derivar em fluxos rizomáticos (rumo
à viagem) e na expressão do texto que brota, que se inscreve, para ser entregue para o leitor.
Tem-se, então, a lógica do ritornelo associado ao rizoma. É interessante, nesse sentido, a
síntese de Costa (2017), a respeito do ritornelo:

São três os componentes que envolvem o conceito: o componente direcional (da ordem do ponto, 1ª
manifestação frente ao caos que se abre), o componente dimensional (quando se busca o território e
sua consolidação) e o componente de passagem ou de fuga (que faz o território estar sempre em
variação).

8
A complexidade do processo de interação-trama entre os sujeitos, na vinculação pelo texto
científico, nessa narrativa de viagem investigativa, desnuda-se como desafio de entrega em
um mundo cheio de engrenagens de julgamento, valorização e proposição de dogmas.
Parece importante, como proposição reflexiva, que possamos interagir, no sentido de
produção de uma ciência mais amorosa, que possibilite mais autonomia e que, também,
autorize o sujeito a ser autor de sua produção. Uma ciência mais autopoiética e marcada
pela esperança e pela alegria de escre’ver-se’ em texto de saber, em poder autorizar-se a ser
autor.

REFERÊNCIAS

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pesquisa em turismo. In Anais... XIV Seminário Anptur. Pesquisa Científica em
Turismo. Limites e Possibilidades. Balneário Camboriú, 13-15.

Baptista, M. L. C. (2014). Cartografia de saberes na pesquisa em turismo: proposições


metodológicas para uma ciência em mutação. Rosa dos Ventos Turismo e
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Baptista, M. L. C. (1996). Comunicação: trama de desejos e espelhos: os metalúrgicos,


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Capra, F. (1991). O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São


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9
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Varela, F. J.; Thompson, E.; & Rosch, E. (1992). De corpo presente. Barcelona: Gedisa.

10
GAMIFICAÇÃO VOLTADA AO TURISMO

Iraci Cristina da Silveira de Carli1

RESUMO

A gamificação ou a inserção de atividades gamificadas no turismo pode exercer influência


importante na promoção dos destinos e na qualificação da experiência turística. Esse artigo
tem como objetivo promover uma reflexão sobre a importância da gamificação no turismo.
O texto recupera conceitos sobre jogos digitais e gamificação (ou atividades gamificadas).
Apresenta a experiência de três projetos de gamificação no turismo desenvolvidos pelo
Laboratório de Criação e Aplicação de Software da Universidade de Caxias do Sul: Jogo da
Olimpíada Colonial, Quiz Turístico e Agenda Colaborativa e Gamificada. Os projetos são
analisados e classificados segundo seu contexto de aplicação.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Jogos Digitais, Gamificação, Atividade Gamificada,


Tecnologia da Informação.

RESUMO EXPANDIDO

O turismo, como as demais atividades do ser humano, vai se modificando conforme a


inserção de novas tecnologias da informação na sociedade. Experiências de turismo ricas
que aumentem a interação do visitante com o ambiente serão cada vez mais presentes. A
conectividade ubíqua (onipresente) deverá se intensificar em função de celulares mais
baratos e também pelo aumento de conexões de dados ao redor do mundo (Bonilla, 2013).
Diante deste cenário, reunir conectividade e gamificação aplicadas ao turismo pode se
revelar uma excelente oportunidade para engajar o visitante em suas experiências de
viagem. Renovar as experiências turísticas a partir da aplicação das estratégias de

1
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/1150643981771487. E-mail: icsilvei@ucs.br.

1
gamificação se converte em um novo campo de estudo que impulsiona o desenvolvimento
tecnológico nesta área (Bonilla, 2013).

Há alguns anos atrás, prevalecia a ideia de que os jogos possuíam o único intuito do lazer
ou qualquer função associada ao conceito de entretenimento. Hoje, no entanto, muitas são
as organizações que adotam mecânicas de jogos como estratégia viável para gerar
dedicação em clientes ou funcionários, as chamadas atividades gamificadas ou
simplesmente gamificação. Estas técnicas também são exploradas para influenciar o
comportamento das pessoas nas áreas de saúde, educação, turismo, entre outras. Segundo
um artigo da IEEE (2013), 85% das atividades em nossa vida incluirão aspectos próprios
dos jogos para 2020. Ou seja, pouco a pouco estamos assistindo à gamificação de nossa
vida, “o jogo definitivo”. Resumidamente, a gamificação é a aplicação de elementos de
jogos, fora de seu contexto original. O seu objetivo é o de obter maior envolvimento entre o
indivíduo e uma determinada situação, aumentando a eficiência, o engajamento e o
interesse na realização de uma atividade (Alves et al., 2012; Palmer et al, 2012; Navarro,
2013; Deterding et al., 2011).

Este artigo propõe uma reflexão sobre a gamificação no turismo e relata alguns projetos que
foram desenvolvidos neste âmbito, pelo Laboratório de Criação e Aplicação de Software da
Universidade de Caxias do Sul. Os projetos são analisados e classificados segundo o
contexto da aplicação. Trata-se de uma pesquisa de viés qualitativo e exploratório, baseada
em revisão bibliográfica e estudos de caso. O texto está organizado da seguinte forma: (1)
conceituação de gamificação, motivação e jogos, e elementos de um jogo; (2) relato e
classificação de três projetos de atividades gamificadas aplicadas ao turismo, desenvolvidos
pelo Laboratório de Criação e Aplicação de Software.

O poder dos jogos (e das atividades gamificadas ou gamificação) está na satisfação que os
jogadores usufruem, no prazer obtido nas tarefas desenvolvidas durante o jogo. O que faz
com que estas atividades sejam divertidas quando muitas vezes retratam cenários e
atividades repetitivas de contextos reais? O que os torna realmente divertidos são todas as

2
mecânicas que estão intrinsecamente embutidas nos jogos: a sensação de triunfar e o
reconhecimento desses feitos; a capacidade de resolver problemas e desafios; o sentimento
de explorar e colecionar novas realidades imersivas; o componente surpresa e imaginação;
o trabalho de equipe e compartilhamento (Navarro, 2013).

MacGonigal (2011) destaca que os jogos apresentam quatro elementos fundamentais:


objetivo, regras, sistema de feedback e participação voluntária. O objetivo fornece um
senso de propósito aos jogadores. As regras estabelecem limitações na forma como os
jogadores podem alcançar o objetivo, fazendo-os explorar espaços de possibilidades
oferecidos, o que libera a criatividade e motiva o pensamento estratégico. O sistema de
feedback mantém o jogador atualizado em relação a sua situação no jogo. A participação
voluntária requer que os jogadores aceitem as regras, objetivos e feedbacks inerentes ao
jogo.

A motivação dos jogadores pode ser intrínseca ou extrínseca. Na motivação intrínseca, há


três aspectos que despertam o interesse do indivíduo: competência, relacionamento e
autonomia. Por outro lado, a motivação extrínseca é baseada no ambiente externo que
envolve o indivíduo e no desejo humano que todos têm por obter recompensas
(Zichermann, et al., 2011; Werbach.et al., 2012; Bussarelo, et al., 2014). A criação de uma
boa experiência de jogo considera também o tipo de jogador, que pode apresentar vários
perfis. Zichermann e Cunninghan (2011) destacam quatro perfis: exploradores,
empreendedores, socializadores e predadores.

Considerando o perfil do jogador e os aspectos de sua motivação, são desenvolvidas as


dinâmicas, que compreendem os aspectos a serem considerados em um jogo. Para Werbach,
(2012), as dinâmicas mais importantes são: (a) Restrições: limitações; (b) Emoções:
curiosidade, competitividade, frustração, felicidade; (c) Narrativa: uma história consistente;
(d) Progressão: o jogador se desenvolve e cresce no decorrer do jogo; (e) Relacionamentos:
interações sociais geram diversos sentimentos. Para dar vida às dinâmicas, as mecânicas
aparecem como processos básicos para promover a ação e a participação dos jogadores.

3
Segundo Werbach (2012), existem três pilares básicos: pontos, conquistas e placar.
Zichermann et al. (2011) complementam incluindo: níveis, desafios e missões, integração e
loops de engajamento.

O Laboratório de Criação e Aplicação de Software da Universidade de Caxias do Sul tem


como objetivo reunir alunos e professores no desenvolvimento de software que possa ser
utilizado pela comunidade. Uma das temáticas trabalhadas pelo Laboratório é o
desenvolvimento de jogos e atividades gamificadas para o turismo. Junto à apresentação, os
projetos são classificados segundo a sua aplicabilidade, utilizando como referência a
proposta de Souza et al. (2017). Além de fazer uma revisão bibliográfica sobre gamificação,
esta proposta identificou diferentes possibilidades de aplicação da gamificação no setor de
turismo: marketing, plataforma de planejamento de viagem e avaliações online,
sustentabilidade, aplicação mobile, marketing do destino turístico, educação de línguas,
mídias digitais, terminais móveis em lugares históricos, rotas educacionais e smart city.

Os projetos que compõe o catálogo de atividades gamificadas e jogos do Laboratório são:

Jogo da Olimpíada Colonial: O Jogo Olimpíada Colonial foi desenvolvido para o evento
turístico da Festa da Uva de 2016, do município de Caxias do Sul.

Segundo a classificação de Souza et al. (2017), este jogo tem como objetivo geral atrair a
atenção do visitante, despertando o interesse e gerando comportamentos desejáveis. Trata-
se de uma aplicação mobile que utilizou o design de jogos digitais junto a técnicas de
turismo. É classificado como uma aplicação de marketing do destino turístico. O intuito do
projeto era promover uma aproximação da tecnologia com a tradição da festa. O jogo
deveria ser fiel às características da prova real que fazem parte da Olimpíada Colonial –
amassar uvas com os pés, resgatando o modo de vida nas colônias. Ao mesmo tempo,
deveria cativar o turista consumidor de tecnologia da informação e comunicação, o qual
está sempre conectado à internet através de seus dispositivos móveis (smartphones e
tablets).

4
Na versão virtual da prova, o jogador é desafiado a produzir a quantidade de suco
(garrafões) definidas no início de cada fase, dentro do tempo determinado. Para tal, deve
pressionar os botões de maneira sincronizada, reabastecendo a mastela quando necessário e
retirando os garrafões sempre que cheios. Também deve ficar atento para os bônus
oferecidos pelos personagens, tais como taça de vinho e pedaço de queijo. O jogo possui
12 níveis que representam os distritos, bairros ou regiões onde são realizadas as provas
reais durante as competições da Olimpíada Colonial da Festa da Uva. Para finalizar o jogo,
é necessário passar todos os 12 níveis buscando a melhor pontuação possível.

O jogo digital foi desenvolvido para as plataformas IOS e Android, disponibilizado nas
lojas de aplicativos, no início da Festa da Uva de 2016. Foram 1500 downloads,
aproximadamente, além do público que pôde jogar em equipamentos instalados nos
Pavilhões da Festa da Uva. Durante a Festa, pôde-se observar o envolvimento e a
identificação dos jogadores (turistas e residentes) com o jogo. Vários elementos do jogo
foram utilizados a partir do imaginário relacionado ao destino turístico - a Festa da Uva e
região. Além do cenário do jogo ser a própria Festa da Uva, os personagens provocaram
imediata identificação. Os personagens Radicci, Guilhermino e Genoveva, cedidos pelo
cartunista Iotti, colaboraram nesta aproximação do jogo com o imaginário turístico, pois
caracterizam, com humor caricaturizado, o colono da região. Estes personagens estão
presentes em um jornal de circulação diária da região, em comerciais de televisão e outras
mídias. A dinâmica do jogo é narrada utilizando um sotaque que foi denominado pela
equipe de “português acolonado”. Não foi utilizado o dialeto italiano, pois dificultaria a
compreensão por parte dos turistas.

Quiz Turístico - O Quiz Turístico é um jogo desenvolvido na forma de perguntas e


respostas sobre os pontos turísticos de um determinado destino. Uma vez que estes locais
são ricos em história e cultura, o Quiz Turístico irá servir de incentivo aos visitantes destes
lugares. O jogo deve ser praticado em caminhadas pelo destino turístico. A atividade
reconhecerá o local através do GPS(Global Positioning System) do smartphone e assim
liberará as missões que os jogadores devem cumprir. Cada local possui desafios específicos

5
que, quando cumpridos, recompensam o jogador com mais informações e com a liberação
de novas missões. Ao término do jogo, o visitante poderá trocar sua pontuação no jogo por
recompensas reais, tais como, um desconto em um determinado evento ou local.

O Quiz foi desenvolvido para o município de Caxias do Sul, mas poderá ser adaptado a
qualquer outro destino turístico. Está disponível em plataforma Android ou IOS. O jogo foi
testado e avaliado por um grupo de 14 alunos do Bacharelado em Turismo da Universidade
de Caxias do Sul. O grupo respondeu a um questionário de avaliação, no próprio
aplicativo. Os resultados demonstraram que, no mínimo, cada jogador adquiriu sete
informações novas sobre os locais dos jogos, sendo que 44% reconheceu ter aprendido mais
de onze informações. Os resultados também demonstraram que 77% dos jogadores se
sentiu muito ou razoavelmente motivado a visitar estes locais, apesar da grande maioria ser
residente. A aceitação do jogo foi considerada satisfatória, visto que 89% atribui nota maior
que 7 (sobre total de 10) e 33% avaliou com nota 10 (nota máxima).

Segundo a classificação de Souza et al. (2017), trata-se de uma aplicação mobile, que tem
como objetivo integrar jogos sociais e tecnologia baseada em localização, podendo levar ao
interesse crescente da rede social de marketing no turismo baseado em localização.

Agenda Colaborativa Gamificada - Trata-se de um sistema colaborativo e gamificado


para centralizar, distribuir e avaliar os eventos turísticos de um determinado destino. Este
projeto está em estágio de desenvolvimento. A agenda será colaborativa, pois deverá
proporcionar a inclusão de eventos turísticos sem a necessidade de um moderador,
atendendo às expectativas de uma sociedade cada vez mais conectada ao ciberespaço
(Pimentel e Fuks,2011). A agenda comportará atividades baseadas na mecânica de jogos,
para que os usuários colaborem de forma interativa e divertida, aumentando o seu interesse
e engajamento na tarefa de compartilhar, avaliar e receber as informações turísticas.

Este sistema enquadra-se em dois contextos de aplicação (Souza et al., 2017): marketing,
pois explora a tendência da gamificação e seu potencial para o desenvolvimento de
experiências; e plataforma de planejamento de viagem e avaliações online. No Brasil, a

6
gamificação como ferramenta direcionada à competitividade dos destinos turísticos é
investigada por poucos autores (Souza et al., 2017).

O Laboratório de Criação e Aplicação de Software desenvolveu dois projetos de atividades


gamificadas voltadas ao turismo e está desenvolvendo uma terceira proposta. O número de
downloads do Jogo da Olimpíada Colonial foi considerado satisfatório, visto que não
ocorreu nenhuma divulgação do mesmo na mídia. Os resultados da avaliação do Quiz
Turístico demonstraram que os jogadores (ou visitantes) sentem-se envolvidos e engajados
com o local, através do jogo, adquirindo informações novas sobre o destino. As pesquisas
encontradas na literatura já indicam que experiências de turismo ricas e a interação do
visitante com o ambiente, através da tecnologia da informação e atividades gamificadas,
será cada vez mais presente. Porém, ainda é necessário investigar de forma efetiva até que
ponto a gamificação impacta na experiência dos turistas, antes, durante ou após a viagem.

REFERÊNCIAS

Bussarello, R. I., Ulbricht, V. R. & Fadel, L. M. (2014). A Gamificação e a sistemática de


jogo: conceitos sobre a gamificação como recurso motivacional. Gamificação na
educação. São Paulo: Pimenta Cultural, p. 11-37.

Detering, S. et al. (2011) Gamification: Toward a Definition. In: CHI 2011. Workshop
Gamification: Using Game Design Elements in Non-Game Contexts.

Diana, J. B.; Golfetto, I. F. & Baldessar, M. J. Gamification e Teoria do Flow. (2014). In:
Fadel, L. M.; Ulbricht, V. R. & Batista, C. R. Gamificação na educação. São Paulo:
Pimenta Cultural, p.38-73.

Huizinga, J. (2000) Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo.
Perspectiva.

7
Navarro, G. (2013). Gamificação: a transformação do conceito do termo jogo no contexto
da pós-modernidade. São Paulo: Biblioteca Latino-Americana de Cultura e
Comunicação.

Palmer, D., Lunceford, S., & Patton, A. (2012). The engagement economy: how
gamification is reshaping businesses. Issue 11. Reino Unido: Delloite.

Pimentel, M.; & Fuks, H. (orgs.). (2011). Sistemas colaborativos. Rio de Janeiro: Elsevier
- Campus.

Souza, V. S. et al. (2017). O potencial da gamificação para aumentar a competitividade dos


destinos turísticos: revisão de literatura baseada na Scopus. Turismo em
Análise, 28(1), 91-111,

Werbach, K; & Hunter, D. (2012). For the win: how game thinking can revolutionize your
business. Filadélfia, Pensilvânia: Wharton Digital Press.

Zichermann, G.; & Cunningham, C. (2011). Gamification by design. Implementing game


mechanics in web and mobile apps. Canada: O’Reilly Media.

8
HOSPITALIDADE AMOROSA: AMOROSIDADE COMO MATRIZ
POTENCIALIZADORA DA HOSPITALIDADE ENQUANTO PATRIMÔNIO

Renan Lima Silva1

RESUMO

O presente trabalho trata da amorosidade como matriz potencializadora da hospitalidade ,


associando-a ao patrimônio cultural. O objetivo é o apresentar teoricamente tal ocorrência,
buscando uma construção de sentido que aproxime amorosidade, como proposta por
Baptista (2014), Hospitalidade segundo Camargo (2008) e Patrimônio Cultural conforme
Pelegrini (2006). Percebe-se com esse breve levantamento teórico as aproximações teóricas
e potencialidade práticas da utilização de tais conceitos, e sua aplicabilidade em prol do
planejamento e preservação da atividade turística.

PALAVRAS-CHAVE: Hospitalidade, Amorosidade, Patrimônio Cultural.

RESUMO EXPANDIDO

O trabalho aqui proposto vem de uma crescente preocupação com algumas questões
vinculadas ao turismo, hospitalidade e às relações sociais estabelecidas nessa atividade.
Esses questionamentos resultam de um processo de amadurecimento ao longo da minha
trajetória acadêmica. Por conta disso, o que se pretende desenvolver aqui, considera a
atividade turística, a partir de um olhar social, entendendo-a como cultural, que se
desenvolve pelo seu potencial das relações das pessoas em fluxo. As manifestações
culturais da comunidade incluem a hospitalidade, a partir do entendimento de Camargo
(2005).

1
Mestre em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul. Professor substituto na Universidade
Federal do Pampa, Campus Jaguarão, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/0735199171911174. E-
mail: renan.turismo@gmail.com.

1
Os aspectos aqui apresentados foram defendidos e apresentados como uma possibilidade de
olhar sobre atividade turística, na apropriação cultural presente na representação da dádiva,
ou seja, relacionada ao dar receber e retribuir (Mauss, 2002), e para além dessa, na sua
representação como amorosidade (Baptista, 2004). A ideia é, através desse estudo,
demonstrar teoricamente como a amorosidade pode constituir fator de importância para a
cultura de hospitalidade enquanto patrimônio cultural de uma cidade turística. O turismo
pode ser entendido como a cultura daqueles que o tem como parte do seu trabalho ou
mesmo forma de lazer, através das relações estabelecidas na sua prática. Essa forma de
compreensão do turismo não necessariamente prioriza o deslocamento e sim o fluxo
(Hannerz, (2002).

Marcelino (1996) trás a prática do lazer a partir dos fazeres cotidianos, que são
manifestações culturais inseridas no desenvolvimento do ser e no seu processo de
desterritorialização e reterritorialização, reconstruindo a si mesmo em alguém melhor
(Baptista, 2013). A sociedade pós-moderna apresenta como prática uma lógica de fluxo,
nas relações sociais, são uma forma de entendimento do turismo como um fazer ou como
uma manifestação cultural de quem o prática e também de quem o produz. Para Silva
(2016, p.48), “podemos entender que o Turismo se desenvolve na complexidade das
relações estabelecidas, o que pode vir a interferir nas investigações a seu respeito. Em uma
comunidade onde o Turismo é um fazer do cotidiano, para mim, a atividade se apresenta
como a representação desses fazeres, ou seja, cultura”. Acreditando que esse seja a
compreensão que é dada para a atividade na forma a ser estudada aqui, o entendimento do
turismo passa por uma compreensão enquanto prática de desenvolvimento sociocultural ou
melhor de transformação ou hibridismo daquilo que se produz culturalmente e
humanamente (Trigo, 2013 ).

Assim sendo, os turistas também se motivam pelo interesse do outro e por aquilo que não
têm no cotidiano, ou seja, o diferente, a fronteira, de forma mais subjetiva e complexa
inteculturalmente (Moesch, 2002). Em consonância a isso, o estudo que se apresenta aqui
tem como princípio um turismo baseado em fluxos e no entendimento do mesmo como

2
manifestação cultural e principalmente como marcas culturais dos fazeres de ambientes
turísticos e consequentemente como patrimônios culturais desse ambiente.

Em estudos sobre o patrimônio cultural brasileiro se percebe uma compreensão rasa e mal
formulada da lógica e importância que tal conceito pode ter no contexto de construção da
própria proposta de turismo. Há hoje um contraste em relação a identidade e a identificação
do patrimônio cultural e a sociedade que se apropria do referido. O que se percebe no
binômio identidade/identificação, é que a palavra identidade ganha caráter coletivo em
detrimento a individualidade num contexto sócio produtivo, sendo que “a história do
patrimônio é a história da construção do sentido de identidade e mais particularmente, dos
imaginários de autenticidade que inspiram as políticas patrimoniais” (Poulot, 1997, p. 36
apud, Ferreira, 2006, p.79).

O que se segue a partir dessa apropriação é uma posição descontextualizada do conceito de


identidade que é utilizado, também pelo turismo, muito mais como uma ferramenta de
estereotipação do que como de emponderamento e apropriação das comunidades dos seus
fazeres. A memória aparece como questão importante, não podendo ser entendida como
possível percepção social descontextualizada e descaracterizada do coletivo, valorizando o
passado na sua relevância para o presente, em termos sociais. Desse modo, o que se
apresenta é um deslizamento da compreensão do patrimônio para além das suas
subdivisões, histórico, material, imaterial ou natural, para uma compreensão do patrimônio
em um sentido mais amplo, patrimônio cultural, e consequentemente em todos os âmbitos
que envolvem os fazeres, incluindo o fazer turismo. O patrimônio cultural abarca o meio
ambiente e a natureza, e ainda se faz presente em inúmeras formas de manifestações
culturais intangíveis, alem de suas materialidades. (Pelegrini, 2006, p.126)

A preservação do patrimônio esta diretamente condicionada à necessidade de


entendimento mais ampliada do termo patrimônio cultural, bem como, o entendimento do
papel social na memória coletiva e individual, se entendidos turismo e hospitalidade
enquanto manifestações culturais. Mauss (2003) tem seus estudos fundamentados nas

3
relações de dádiva e retribuição e na forma como essas relações se estabelecem
subjetivamente. Sua teoria indica que há contratos sociais implícitos que se impõem
socialmente no dar e receber.

Para a hospitalidade, a visão fundamenta na ideia das relações de dádiva, não só como
trocas de relações comerciais, mas também como troca social e humana. As “trocas e os
contratos fazem-se sob forma de presentes, teoricamente voluntários, mas na realidade
obrigatoriamente dados e retribuídos” (Mauss, 2003 p. 41). Mauss introduz, ao pensamento
das trocas, a subjetividade envolvida nesse tipo de situação. Nesse sentido, podemos
fundamentar o nosso entendimento de como funciona a hospitalidade, sendo uma relação
de trocas econômicas, mas não somente de bens ou serviços e sim de percepções,
informações, tratamentos culturas e transformações, de modo a entender que a própria
hospitalidade se fundamenta a partir do turismo com um importante gerador de fluxo
cultural.

Se mostra necessário compreender que a hospitalidade, como mostrado por Silva (2016), é
um elemento que compõem a cultura e pode ser considerado patrimônio de um local, se for
levado em consideração enquanto alegoria, como proposto por Choay(2011), em suas
características materiais, imateriais e sua relevância nas ações do homem sobre o meio
natural. Segundo o que se entende a partir de Camargo (2008), as práticas de hospitalidade
estão pautadas no entendimento de que existe um fato social, como apresentado por Mauss
(2003), que pressupõem uma troca baseada em um sistema subjetivo intrínseco as práticas
sociais cotidianas de troca, sendo que acontece para além desse sistema entendido como
hospitalidade, ou o que Camargo(2008) denominou como algo a mais do que
hospitalidade. Mas, o que exatamente é esse algo a mais?

O que se propõe com esse estudo é justamente a possibilidade de uma compreensão do


amor ou da amorosidade como proposto por Baptista (2014), como ética da relação, como
ética do cuidado, o que se constitui, no entendimento da autora e das pesquisas que vêm
sendo desenvolvidas pelo Amorcomtur! Grupo de Estudos em Comunicação, Turismo,

4
Amorosidade e Autopoiese, como manifestação presente, ou melhor, matriz
potencializadora do fazer turístico, considerando as possibilidades de maior cuidado. O que
se considera, aqui, é a compreensão de um turismo baseado em uma lógica de fluxos e da
mesma forma a hospitalidade se apresenta como um patrimônio cultural, em materialidade,
imaterialidade e paisagem, cultura de uma comunidade. Essa cultura, pelo que se propõe
com esse estudo, pode ser apresentada com a matriz potencializadora a partir da
amorosidade.

A comunicação e o turismo envolvem processos que acontecem, efetivamente, no encontro


de corpos subjetivos, no entremear-se, na conjunção significacional. Para que sejam
empreendidos processos comunicacionais e turísticos com qualidade, é necessário que
exista uma especie de ‘contrato amoroso’ (Baptista, 2014). Notoriamente, o outro que a
autora apresenta não é uma composição de amor baseada no romantismo histórico, e sim
uma compreensão amorosa baseada no que entende Maturana (1998 apud. Baptista, 2014),
o amor entendido a partir da lógica da ética na relação, buscando o entendimento de que,
sem o outro, a relação simplesmente não existe, tornando também inviável a existência
humana enquanto sociedade.

Em princípio, vale ressaltar a importância em considerar o papel das emoções na


preservação das memórias que constituem o Patrimônio Imaterial Nacional, pois elas (as
emoções) priorizam conteúdos da memória sendo as experiências afetivas dos grupos
condição necessárias a sua preservação (Da Costa & De Castro, 2008, p.126)

A condição patrimonial da hospitalidade está intimamente ligada a sua matriz


potencializadora, no caso, a amorosidade, de modo que se apresenta como objetivo de
estudos futuros o entendimento dos desdobramentos dessa matriz potencializadora, de
modo a promover a compreensão e apresentação da hospitalidade enquanto patrimônio
passível de acionamento através da amorosidade.

5
REFERENCIAS

Baptista, M. L. C. (2004). Comunicação, amorosidade e autopoiese. Anais... Congresso


Brasileiro de Comunicação.

Baptista, M. L. C. (2014). Quem é o Sujeito da Comunicação. A proposição de sujeito-


trama, como campo caosmótico, e suas imbricações complexas, em tempos de
internacionalização. Anais... Colóquio Brasil-Estados Unidos de Ciências da
Comunicação 6

Baptista, M. L. C. (2013). Desterritorialização desejante em turismo e comunicação: traços


especulares e de autopoiese inscriacional. Anais... XIV Congresso de Ciências da
Comunicação da Região Sul. Santa Cruz do Sul: Intercom/UNISC

Choay, F. (2001). A alegoria do patrimônio. São paulo : Unesp.

Da Costa, M. L., & de Castro, R. V. (2008). Patrimônio Imaterial Nacional: preservando


memórias ou construindo histórias?. Estudos de Psicologia, 13(2), 125-131.

Camargo, L. O. L. (2008). A pesquisa em hospitalidade. Revista Hospitalidade, 5(2), 15-


51.

Ferreira, M. L. M. (2006). Patrimônio: discutindo alguns conceitos. Diálogos, 10(3), 79-88.

Hannerz, U. (1997). Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da antropologia


transnacional. Mana, 3(1), 7-39.

Marcellino, N. C. (1996). Estudos do lazer. Autores associados.

Mauss, M. (1979). Antropologia e sociologia. São Paulo: Cosac & Naife.

Moesch, M. (2002). A produção do saber turístico. São Paulo: Contexto.

Pelegrini, S. C. (2006). Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na


esfera do patrimônio cultural e ambiental. Revista Brasileira De História, 26(51),
115-140.

6
Silva, R. D. L. D. (2016). Em ondas com o turismo: o olhar na comunidade sobre o
turismo do Farol de Santa Marta. Dissertação. Mestrado em Turismo e Hospitalidade,
Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul-RS, Brasil.

Trigo, L. G. G. (2013). A viagem: caminho e experiência. São Paulo: Aleph.

7
MOBILIDADES TURÍSTICAS NA/DA FRONTEIRA:

UM ESTUDO NO CHUÍ, RS, BRASIL

Jaciel Gustavo Kunz1

Antonio Carlos Castrogiovanni2

RESUMO

O fenômeno do turismo encontra-se imbricado ao das mobilidades contemporâneas. O


estudo das mobilidades turísticas é complexificado quando vinculado ao das fronteiras.
Diante disso, o objetivo deste trabalho é descrever e discutir como se processam as
mobilidades turísticas em áreas de fronteira, a partir de dados coletados no munícipio
brasileiro do Chuí-RS, na linha de fronteira meridional brasileira, limitando-se com Chuy,
Uruguai. Procurou-se operacionalizar as categorias de análise <automobilidades>,
<materialidades> e <novas TICs> de Hannam, Butler e Paris (2014). Os procedimentos
empregados envolvem pesquisa documental e observações, além de entrevistas
semiestruturadas com o que se denominou ‘agentes locais da mobilidade turísticas’, dentre
os quais, dirigentes de órgãos públicos federais, além de agentes da mobilidade comumente
invisibilizados: taxistas, frentistas e ‘flanelinhas’. Elencaram-se e descreveram-se
determinadas materialidades que possibilitam performances do turismo/turista de fronteira.
Destacou-se a premência do automóvel nos fluxos. As dinâmicas dão conta da existência de
fronteiras (interligação), mas também da imposição de certos limites territoriais.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Mobilidades. Fronteira. Chuí-RS-Brasil.

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFRGS). Professor no Curso de Graduação em
Turismo do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio Grande (FURG),
Campus Santa Vitória do Palmar, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/3082574114190162. E-mail:
jacielkunz@gmail.com.
2
Doutor em Comunicação Social. Professor na PPG de Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/7721027764504488. E-mail:
castroge@ig.com.br.

1
RESUMO EXPANDIDO

Haveria atualmente aspirações hegemônicas, embora seletivas, no sentido de se reduzir ou


mesmo eliminar fronteiras. Tal proposição serviria à livre circulação do capital, das
finanças e das pessoas ao redor do mundo, em suma, ao exercício de uma cidadania
pretensamente global. Nesse contexto, o turismo impulsiona mobilidades e é por elas
impulsionado. Parte-se do princípio que o fenômeno turístico se encontra imbricado ao um
conjunto maior de mobilidades contemporâneas (Sheller, 2011). Contudo, a produção
teórico-científica brasileira acerca das mobilidades turísticas estaria em descompasso com a
estrangeira (Kunz, 2015). O exame das mobilidades contribui para a compreensão do
significado e das práticas dos limites e fronteiras territoriais. Nas áreas transfronteiriças, as
mobilidades turísticas são motivadas basicamente para consumo de determinados serviços e
mercadorias. Isto porque, nessas áreas – auferidas vantagens comparativas fiscais e
monetárias (Kunz & Tosta, 2016).

Dado o exposto, o objetivo central deste trabalho é descrever e discutir como se processam
as mobilidades turísticas em áreas de fronteira, a partir de dados coletados no munícipio
brasileiro do Chuí-RS, cuja sede urbana é a mais meridional do Brasil. O município tem
população estimada em 6.368 habitantes (IBGE, 2016). Está localizada a 511km da capital
do Estado, Porto Alegre. Em relação aos limites internacionais, é limítrofe com a cidade
uruguaia de Chuy, está a 224km do balneário de Punta del Este e a 333km de Montevidéu.
Há uma área urbana única conformada pelas duas cidades, delimitada por uma “linha
divisória” reta: a fronteira é seca. A aduana brasileira está na saída da cidade pela rodovia
BR-471, ou seja, a aduana não está propriamente no limite internacional. Esse adensamento
populacional (Chuí/Chuy) foi classificado como cidade-gêmea, o meio geográfico que
melhor caracteriza a condição de fronteiriça (Brasil, 2008).

As mobilidades contemporâneas ocorrem em velocidade rápida e cruzando muitas


‘fronteiras’, embora de modo desigual (Sheller & Urry, 2007). Para Levy (2001, p.1), a
mobilidade constitui-se numa “relação social ligada à mudança de lugar”, contando também

2
com um dimensão (inter)subjetiva. Hannam, Butler & Paris (2014) elencam como
categorias-chave das mobilidades turísticas as <materialidades>, as <automobilidades> e as
<novas tecnologias da informação e comunicação> (TICs).

A primeira diz respeito a todo o objeto material cujo deslocamento é motivado e ou


acompanhado pelo de turistas, como os suvenires, ou das compras além-fronteiras. Já a
automobilidade é a realização simultânea da autonomia e da mobilidade, o que teria sido
conquistado pelo carro próprio, que permite anonimato, escapismo, privacidade e
flexibilidade no deslocamento ponto a ponto. Por fim, as novas TICs referem-se a todos os
dispositivos que, no contexto das mobilidades, permitem às pessoas movimentarem-se com
mais facilidade pelo espaço real e virtual (Hannam, Butler & Paris, 2014).

Para se compreender a mobilidade contemporânea, a fronteira é um elemento-chave (Augé,


2010). Bento (2012) sintetiza a acepção mais corrente do termo “fronteira”, designando-a
um lugar de início/fim da soberania nacional de um Estado, a partir de uma linha, visível ou
imaginária (Bento, 2012). Historicamente, as fronteiras são vistas a partir da defesa do
território do Estado; porém, observa-se atualmente um movimento constante de tornar a
fronteira num espaço mais aberto para a afluência de fluxos, como os do turismo (Senhoras,
2015). As fronteiras passam a ser vistas como algo a ser atenuado, relativizado (Bento,
2012: 45). Ponderam-se, porém, dois aspectos: a) “a ausência de controle eficaz de
fronteiras deixa[ria] [...] Estados específicos, desprotegidos” (Bento, 2012: 46); b) ações
recentes para desencorajar ou obstaculizar a entrada/permanência de cidadãos de alguns
países. Nesse ínterim, o conteúdo militar da fronteira perde certo sentido, dando lugar aos
conteúdos legal, fiscal e de controle migratório, relativizando as fronteira-limite.

A mobilidade transfronteiriça dos fluxos de turismo, embora considerável, não é incontida:


postos de fiscalização, polícia e guardas de segurança filtram os “verdadeiros” turistas
(Sheller & Urry, 2007). Parte-se do pressuposto que a fronteira apresenta como paradoxo
para as mobilidades turísticas alguns aspectos, ora de fluidez, ora de inércia, a depender do
tempo, da classe social, e, ainda, de políticas estatais (supra)nacionais ou

3
(para)diplomáticas. Há processos de eliminação simbólica e funcional de algumas
fronteiras, concomitantes aos de edificação e consolidação de outras (Augé, 2010; Kunz &
Tosta, 2016), refletindo na seletividade da mobilidade turística.

Este é um dos trabalhos derivados de um projeto de pesquisa cuja primeira fase foi de
pesquisa bibliográfica e documental, realizada sobretudo para se obter informações sobre a
área em estudo e para se conhecer políticas e documentos oficiais. Numa segunda fase,
realizou-se trabalho de campo a fim de coletar dados primários, por meio de observações e
entrevistas. A realização de observações diretas – uma preliminar e outra mais sistemática,
com diário de campo –, e de algumas entrevistas, foi realizada num trecho de seis
quarteirões Avenida Uruguai (Avenida Internacional), no Chuí.

As entrevistas analisadas foram concedidas por: um gerente de hotel; o delegado da Polícia


Federal; dois frentistas/atendentes de postos de combustíveis localizados na rodovia; dois
guardadores de carro que atuavam no recorte pré-delimitado. Esclarece-se que os
guardadores foram os disponíveis, tendo havido um pré-teste. Todas as entrevistas foram
realizadas a partir de um roteiro semiestruturado. As respostas dos sujeitos foram anotadas,
a fim de evitar a reatividade do gravador de áudio. Alguns trechos com expressões mais
representativas dos sujeitos, foram anotados na íntegra, outras, anotadas na sua ideia central
de resposta, a fim de não inviabilizar as anotações. A análise qualitativa em curso tem como
orientação prévia a triangulação e a elucidação das categorias a priori propostas por
Hannam, Butler e Paris (2014).

A primeira categoria, das materialidades, é abordada pelo turismo de compras na fronteira.


O gerente de hotel entrevistado considera que o tipo de turismo mais expressivo na área é o
de compras associado ao lazer. O gerente elenca os principais produtos adquiridos pelos
uruguaios: refrigerante e café (ele cita marcas globais), além de erva-mate.As observações
diretas realizadas em recorte pré-delimitado dão conta desse movimento de uruguaios em
busca de produtos do “lado” do Chuí (Brasil). Enquanto os brasileiros, com poder
aquisitivo maior, costumam buscar free shops e outras lojas no lado oposto da rua (“lado”

4
uruguaio), os vizinhos estrangeiros buscam itens triviais. As mais importantes casas
comerciais do quadrante são supermercados, farmácias, lojas de roupas, calçados, etc.

Especialmente nos supermercados é possível encontrar promoções de produtos básicos,


muito consumidos no Brasil. Essas promoções são expressas somente em moeda
“estrangeira”, o peso uruguaio. Poucas tem cotação também em reais. Quando isso ocorre,
apresentam um câmbio desfavorável ao cliente. Diferentemente dos resultados da
observação e das entrevistas, o delegado da Polícia Federal entrevistado, acredita que a
principal motivação dos turistas brasileiros não sejam as compras, e sim o litoral uruguaio,
na medida em que enfatizou o Chuí como local de passagem, sobretudo para uruguaios em
direção ao Brasil.

Quanto às automobilidades, os frentistas/atendentes de postos de combustível observam


que a maior parte dos turistas viaja de carro próprio, e que, comparando brasileiros a
uruguaios, os primeiros possuem automóveis superiores. Para os entrevistados, há nos
feriados prolongados no Brasil e nos meses de verão maior afluência de brasileiros,
enquanto que os uruguaios, embora também viajem mais em feriados e na temporada,
afluem de forma mais cotidiana. É exatamente em feriados que que se observam veículos
(brasileiros) de “alta qualidade”. O gerente de hotel entrevistado corrobora essa visão.
Segundo ele, argentinos e uruguaios “podem ter carro caindo aos pedaços mas viajam
mais”. Uma das entrevistadas (posto de combustível) acrescentou que observa “casas
rolantes” (motor homes).

Os pesquisados dizem prestar informações aos clientes como parte dos serviços que
prestam. Perguntados sobre esse assunto, consideram que os brasileiros em geral vêm
melhor informados. Ainda, questionados sobre o quão “localizados” os turistas são, revelam
que por vezes lhes perguntam, “Aqui é Brasil ou Uruguai?”. Relatos semelhantes foram os
dos guardadores de carro entrevistados. Uma delas diz ter por vezes observado turistas com
um pé de cada lado da avenida a fim de fotografar esse fenômeno do limite internacional,
ressaltando ainda que tal interesse seria maior por parte de brasileiros.

5
Junto da observação realizada, os relatos coletados dos guardadores de carro que atuam na
avenida dão conta do intenso trânsito de veículos em todos os dias da semana e épocas do
ano. Os guardadores qualificam como “um inferno” ou “sempre tá cheio” o movimento de
veículos. Diante disso, relatam que seu trabalho é vigiar os carros, mas também fazer sinal
para evitar colisões, além de organizar o trânsito. Segundo eles, na fronteira há muito
acidente envolvendo veículos, na medida em que motoristas “andam como loco”. Além das
motocicletas “de turismo”, uma delas menciona o trânsito de ônibus de “bagageiros”
(sacoleiros), o que se relaciona a materialidades características da mobilidade na/da
fronteira em torno do turismo de compras.

Finalmente, no que se refere às novas TICs, optou-se por avaliar o que permite sua
utilização, ou seja, os serviços de internet. O delegado da Polícia Federal considerou de má
qualidade o serviço no Chuí, chegando inclusive a relatar transtornos decorrentes da
ocasional falta de sinal. A avaliação condiz com a do gerente de hotel, que respondeu
dizendo “isso é um baita problema”, chegando a considerar essa a maior queixa dos
hóspedes. Nota, porém, que os hóspedes a lazer demandam menos que os a negócios nesse
sentido. O gerente considera que o problema é infraestrutural, na medida em que a conexão
seria da época da central telefônica (do plug). Também, reclama da companhia que fornece
internet, quando diz que ela fornece apenas dois mega (de velocidade), enquanto que na
avenida do lado urugaio haveria acesso a 120 mega.

Fazendo parte da rede brasileira, o Chuí se encontra no “fim” da linha, também no sentido
de ser um município de pequeno porte e distante da capital. Por outro lado, é de
conhecimento de alguns atores que a velocidade da banda larga é muito superior no “lado”
uruguaio, motivo de reclamação de hóspedes/turistas, gestores privados e entes oficiais do
Estado.

Este trabalho buscou articular empiricamente as categorias das mobilidades turísticas de


Hannam, Butler e Paris (2014) à condição de fronteira, utilizando-se um estudo de caso
único. A partir de dados coletados foi possível observar e descrever, ainda que de forma

6
parcial, como determinadas materialidades compõem a performance de mobilidade de
turistas e agentes locais, mobilidade esta calcada no consumo de mercadorias e serviços de
algum modo diferenciados. Há uma área de contato em termos de produtos oriundos de
distintos países, comum ao que se concebe por faixas de fronteira (troca e interação). No
Chuí, são comercializados produtos para turistas oriundos do Uruguai, e no “lado” uruguaio
ocorre via de regra o oposto. Os produtos demandados por turistas de um “lado” e do outro
também são distintos.

Essa característica impacta e dinamiza o trânsito, sobretudo, de veículos automotores


próprios: pela rodovia BR-471 circulam turistas do Uruguai para o Brasil e do Brasil para o
Uruguai, à procura do turismo de sol e praia; pela Avenida Uruguai estes mesmos circulam,
fazendo paradas para compras, somados aos turistas uruguaios que afluem quase que
exclusivamente a fim de adquirir determinados bens em supermercados. Isto leva a um
trânsito intenso para o padrão de cidade de pouco mais de 6.000 habitantes, não fosse a
condição fronteiriça e a consequente mobilidade que ali se manifesta.

Trabalhos posteriores trarão os resultados das entrevistas concedidas por outros atores
locais. De todo modo, considera-se que já se avançou no sentido de “dar voz” a
determinados agentes comumente invisibilizados, mas que (inter)atuam no sentido de
permitir a mobilidade turística transfronteiriça, tal qual se observou em suas dinâmicas
peculiares.

REFERÊNCIAS

Augé, M. (2010). Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: Edufal/Unesp.

Bento, F. R. (2012). Fronteiras, significado e valor: a partir da experiência das cidades


gêmeas de Rivera e Santana do Livramento. Conjuntura Austral, 12 (3), 44-60.

Hannam, K., Butler, G. & Paris, C. M. (2014). Developments and key issues in tourism
mobilities. Annals of Tourism Research, 44(1), 171-185.

7
IBGE (2016). Chuí. Recuperado em 29 ABR 2016, de http://cidades.ibge.gov.br/
painel/historico.php?codmu n=430543

Kunz, J. (2015). As mobilidades turísticas como objeto de estudo: um panorama dos


periódicos estrangeiros (2000-2014). Rosa dos Ventos Turismo e Hospitalidade,
7(3), 377-391.

Kunz, J. G.; Pimentel, M. R. & Tosta, E. (2014). Mobilidades turísticas: cruzando os limites
da fronteira. Anais... Seminário de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo, Fortaleza,
CE, Brasil.

Kunz, J. G. & Tosta, E. (2016a). Fronteira Chuí-RS, Brasil/Chuy, Uruguai: potencialidades


empíricas de estudo das mobilidades turísticas. Anais... Seminário de Pesquisa e Pós-
Graduação em Turismo, São Paulo, SP, Brasil.

Levy, J. (2001). Os novos espaços da mobilidade. Geographia, 3(6), 1-11.

Senhoras, E. M. (2015). Diplomacia e paradiplomacia turística fronteiriça. In De Pieri, V. S.


G. & Teles, R. M. de S. (Org.). Turismo e relações internacionais: fronteiras
transnacionais, paradiplomacia das cidades e inserção internacional do Brasil. Rio de
Janeiro: Cenegri, p. 17-45.

Sheller, M. (2011). Mobility. Sociopedia, (s.n.), 1-12. Recuperado de http://www.sagepub.


net/isa/resources/pdf/mobility.pdf, em 6 fev. de 2014.

Sheller, M. & Urry, J. (2007). Tourism mobilities: places to play, places in play.
Londres/Nova Iorque: Routledge.

8
SENTIDOS E SIGNIFICADOS DOS JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

William Cléber Domingues Silva1


Lluís Mundet i Cerdan2
Miguel Bahl3
RESUMO

Este trabalho teve por objetivo analisar a atribuição de sentidos e significados aos Jogos
Olímpicos Rio 2016. Para isso realizou-se pesquisa documental e de campo com o
intuito de se extrair os dados necessários à análise. Durante a evolução do trabalho
apresentou-se na discussão os termos sentidos e significados no contexto das ciências
sociais. Após a realização da pesquisa documental e de campo a da exposição de
resultados, os pesquisadores realizaram discussão e apresentaram suas principais
conclusões a respeito do estudo que deverá colaborar com o aprofundamento de outras
pesquisas que envolvam temática semelhante no Brasil ou fora dele.

PALAVRAS-CHAVE: Jogos Olímpicos, Rio 2016, Sentidos, Significados.

RESUMO EXPANDIDO

Este trabalho teve por objetivo analisar a atribuição de sentidos e significados aos Jogos
Olímpicos Rio 2016. Para isso realizou-se pesquisa documental e de campo com o
intuito de se extrair os dados necessários à análise. No que se refere à pesquisa
documental, a investigação apresenta os termos sentidos e significados tão bem
explorados por Vygotsky (1987), Lukács (1967) e Namura (2003) no contexto da teoria

1
Doutor em Turismo. Professor e pesquisador no Curso de Turismo da Universidade Federal Rural do
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9800028377818016. E-mail:
wiliamwcds@yahoo.com.br.
2
Doutor em Geografia. Professor Pesquisador no Programa de Pós Graduação em Turismo da Unversitat
de Girona, Girona, Espanha. Currículo: http://lattes.cnpq.br/9428464195782540 E-mail:
lluis.mundet@udg.cat.
3
Doutor em Ciências da Comunicação. Professor e pesquisador no Curso de Turismo da Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/2467559186292051. E-mail:
migbahl@gmail.com.

1
histórico cultural, termos esses ainda pouco explorados por pesquisadores brasileiros no
contexto das ciências sociais aplicadas.

Em uma segunda etapa do trabalho, os pesquisadores apresentam por meio de resultados


e discussão, os sentidos e significados atribuídos aos Jogos Olímpicos Rio 2016 por sete
grupos de análise selecionados para a pesquisa. Após a realização da pesquisa
documental e de campo a da exposição de resultados, os pesquisadores realizaram
discussão e apresentaram suas principais conclusões a respeito do estudo que deverá
colaborar com o aprofundamento de outras pesquisas que envolvam temática
semelhante no Brasil ou fora dele.

No que se refere aos termos sentidos e significados torna-se importante ressaltar que,
historicamente, o homem sempre buscou atribuir sentido às questões rotineiras ou
circundantes como forma de dar/atribuir sentido à vida. Diante de tal questionamento,
diferentes autores como, por exemplo, Lukács apud Namura (2003, p.6) explicam que a
atribuição de sentido às coisas é uma condição humana. Nas palavras de Lukács (1967,
p. 207) o sentido “é uma necessidade humana elementar e primordial: a necessidade de
que a existência, o movimento do mundo e até os fatos da vida individual – e estes em
primeiro lugar tenham sentido”.

Diante de tal observação, Silva (2016) esboça o seguinte questionamento: quais os


sentidos e significados atribuídos aos megaeventos esportivos como, por exemplo, aos
Jogos Olímpicos? Atento à necessidade de responder a essa pergunta, nesse texto
pretende-se construir as bases conceituais necessárias para tal esclarecimento. Diante
desse cenário, Namura (2003) corrobora que atribuir sentido é uma condição humana,
apesar disso, a autora esclarece que:

Os sentidos atribuídos mudam, se transformam e adquirem novos conteúdos, significados e


qualidades no processo histórico-social do desenvolvimento do homem. Dessa forma, as ideias, as
estruturas sociais e as concepções ideológicas que dão sentido à vida podem se transformar,
desaparecer e renovar-se; podem ser produzidas e comunicadas diretamente na expressão
linguística, podem ser aprendidas indiretamente pelos fatos, acontecimentos, costumes, modos de
ser e viver, enfim, as concepções de sentido se transformam nas infinitas relações sociais (Namura,
2003. p. 7).

Diante das colocações acima, pode-se compreender que em megaeventos esportivos,


como por exemplo, os Jogos Olímpicos, os diferentes segmentos sociais residentes na

2
cidade sede podem atribuir diferentes sentidos e significados à realização desse tipo de
acontecimento dentro de seu contexto social. Ao iniciar a análise, registra-se que nas
civilizações antigas o sentido estava associado à estética, pois o belo normalmente era
associado ao bom, contudo a ideia de atribuir valores estéticos à vida como forma de
dar sentido a ela cai em desuso durante a idade média, se reencontrando posteriormente
no Renascimento e em alguns movimentos do século XIX, como por exemplo, no
dandismo e na ética contemporânea (Russ, 1999).

De acordo com Namura (2003) o sentido sempre esteve ligado à experiência sensorial, à
razão, à ética e às bases tradicionais da sociedade, contudo fatos relacionados à
constante inovação tecnológica, ao individualismo exacerbado e pelo fetichismo da
mercadoria motivaram alguns autores como Lipovetsky (1992), Harvey (1996) e Russ
(1998) a sugerirem que atualmente se está atravessando um momento de insuficiência,
esvaziamento ou até mesmo falência do sentido.

Chauí apud Namura (2003) em entrevista publicada pela revista Cult na edição de maio
de 2000, relata que a filosofia se estabelece em períodos em que a sociedade vive
momentos de crise, ou seja, quando a mesma não conhece muito bem ou não entende
muito bem qual é o seu próprio sentido. Diante à afirmação da autora, percebeu-se
recentemente no Brasil grande agitação popular que resultou em protestos e
manifestações populares que ganharam todo o país a partir do segundo semestre de
2013. Perante esses fatos, ressalta-se a importância dessa investigação para se
conseguir atribuir os sentidos e significados à empreitada brasileira de sediar os Jogos
Olímpicos de 2016 e com isso melhor esclarecer toda a sociedade brasileira sobre os
aspectos positivos e negativos de promover um evento de tão grande porte.

Tais esclarecimentos, no caso brasileiro, devem ser relevantes, pois as colocações de


Chauí (apud Namura, 2003) sugerem que a sociedade brasileira, diante dos protestos de
junho de 2013 estava em crise ou na busca, dentre outras coisas, dos sentidos e
significados dos megaeventos esportivos que aqui ocorreram durante essa década.
Nesse contexto pós-agitação popular, tornou-se necessário aos agentes públicos terem
em mãos dados disponibilizados por pesquisas científicas que possam colaborar para
um melhor entendimento desse fenômeno, a fim de possibilitar a toda sociedade um

3
melhor esclarecimento sobre os sentidos e significados da ocorrência de tais
acontecimentos em terras brasileiras e com isso realizar eventos pacíficos e menos
onerosos aos cofres públicos.

Este trabalho faz parte de uma pesquisa de doutorado que teve por objetivo analisar os
sentidos e significados atribuídos aos megaeventos esportivos no Brasil. Diante dos
desafios da investigação, registra-se que a pesquisa realizada durante a construção dessa
investigação foi exploratória e qualitativa, sendo baseada no método indutivo e utilizou-
se da técnica do estudo de caso para poder atingir seus objetivos e galgar suas
conclusões. No que diz respeito à operacionalização do estudo de caso, destaca-se que
para o mesmo utilizou-se de roteiros de pesquisa semiestruturados e de entrevistas com
indivíduos previamente selecionados. Para ter sucesso nessa fase da investigação, o
pesquisador elaborou dois roteiros de pesquisa que foram aplicados a sete diferentes
grupos de análise:

O roteiro de pesquisa 1 - Foi aplicado aos (1) representantes oficiais das associações
de moradores cadastradas na Federação de Associações de Moradores do Rio de
Janeiro, aos (2) turistas domésticos em visita à cidade do Rio de Janeiro, aos (3)
representantes oficiais das entidades representativas do setor de turismo, ao (4)
representante oficial do comitê popular para a Copa do Mundo FIFA 2014 e Olimpíadas
2016, a (5) atletas olímpicos brasileiros e aos (6) representantes oficiais dos gestores
públicos.

O roteiro de pesquisa 2 - Foi aplicado exclusivamente aos representantes oficiais das


confederações esportivas que representam o esporte olímpico no país, pois contou com
perguntas elaboradas especificamente para esse grupo de análise.

Finalizada a coletada de informações realizou-se a tabulação dos dados apurados. A


tabulação dos dados nas questões abertas foi realizada por meio do processo de
categorização. Nessa etapa os pesquisadores buscaram identificar identidades bem como
discrepâncias entre as respostas dos diferentes grupos de análise selecionados para a
pesquisa.

4
Destaca-se que no que se refere aos objetivos do trabalho, a seleção desses grupos de
análise teve por objetivo extrair juntamente aos mesmos quais eram os sentidos
(objetivos) e significados (representação simbólica) dos J. O. Rio 2016. Desta forma e
apoiados nessa metodologia de trabalho, a seguir são apresentados os sentidos
(objetivos) e significados (representação simbólica) atribuídos aos Jogos Olímpicos Rio
2016 pelos sete grupos de análise selecionados para a pesquisa durante o período da
investigação.

Concluindo o trabalho apurou-se juntamente aos grupos de análise pesquisados que os


sentidos e significados atribuídos aos Jogos Olímpicos Rio 2016 pelos grupos de análise
dos representantes das associações de moradores, turistas domésticos, representantes das
entidades representativas do setor de turismo, representante do comitê popular para a
Copa 2014 e Olimpíadas 2016, representantes das confederações esportivas e atletas
olímpicos brasileiros variava em relação aos sentidos e significados atribuídos pelo
grupo de análise dos gestores públicos.

Conseguiu-se constatar que quanto menor a percepção de esclarecimentos por parte dos
entrevistados em relação aos aspectos positivos e negativos de se promover
megaeventos esportivos no Brasil, maior a discrepância em relação aos sentidos e
significados que foram atribuídos aos Jogos Olímpicos Rio 2016 pelo grupo de análise
dos gestores públicos que em tese participaram do processo de idealização do Projeto
Olímpico do brasileiro. Diante tal discrepância e perante um contexto de socialização
dos custos com a realização de megaeventos esportivos, como os Jogos Olímpicos no
Brasil, sugere-se que as autoridades públicas competentes garantam à sociedade em
geral a interação, bem como os esclarecimentos necessários para que a mesma possa
compreender os sentidos e significados atribuídos aos Jogos Olímpicos pelo grupo de
análise dos gestores públicos. Na visão dos pesquisadores tal iniciativa deve ser adotada
com o intuito de possibilitar à sociedade brasileira em geral melhores resultados e
maiores benefícios com a promoção de megaeventos esportivos no Brasil.

Finalizada a pesquisa registra-se a contribuição desse trabalho em apresentar os termos


sentidos e significados nos contexto das ciências sociais aplicadas e ainda identificar os
sentidos e significados atribuídos aos Jogos Olímpicos Rio 2016 durante o período de

5
preparação da cidade do Rio de Janeiro para a realização desse importante megaevento
esportivo. Perante essa investigação pode-se compreender que existem diferentes níveis
de percepções em relação aos sentidos e significados dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
Apesar disso e mesmo perante a um contexto de enormes carências e desilusões de boa
parte da sociedade brasileira em relação ao zelo de nossos governantes com a coisa
pública, pode-se constatar durante o período de realização da pesquisa que a maioria dos
entrevistados apoiava a realização dos Jogos Olímpicos Rio 2016 no Brasil.

Diante à relevância que a temática dos megaeventos esportivos assumiu no Brasil nos
últimos anos e da dimensão de seus impactos políticos, econômicos, ambientais e
urbanos, sugere-se o aprofundamento de pesquisas e análises sobre essa temática no
país. Na visão dos pesquisadores tais iniciativas podem garantir à nossa sociedade
destaque internacional em pesquisas e análises relacionadas aos estudos olímpicos e aos
megaeventos esportivos que são eventos cíclicos e de interesse da comunidade
internacional.

REFERÊNCIAS

Lukács, G. (1967). Existencialismo ou Marxismo. São Paulo: Senzala.

Namura, M, R. (2003). O Sentido do sentido em Vygotsky: Uma aproximação com a


estética e a ontologia do ser social de Luckács. Tese de doutorado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. São Paulo.

Russ, J. (1999). Pensamento ético contemporâneo. São Paulo: Paulus.

Silva. W. C. D. (2016). Sentidos e significados dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Tese
de doutorado. Programa de Doutorado em Turismo, Universitat de Girona,
Espanha.

Vygotsky, Lev S. (1987). Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

6
SINALIZADORES CARTOGRÁFICOS PARA INVESTIGAÇÃO EM HOSTELS

Mara Regina Thomazi1

Maria Luiza Cardinale Baptista2

RESUMO

Este texto apresenta sinalizadores metodológicos relativos à pesquisa em Turismo e


Hospitalidade, envolvendo hostels. O texto traz o relato parcial de uma pesquisa que vem
sendo produzida em nível de mestrado em uma universidade do sul do Brasil. Em termos de
referencial teórico, estão presentes textos relativos à Ciência Contemporânea, como os de
Fritjof Capra (1990, 1991, 1997), Roberto Crema (1989), Humberto Maturana (1998) e
Marutschka Martini Moesch (2002), esta última com associação ao Turismo. Para a
estratégia metodológica utilizada e os estudos cartográficos, tem-se, com base, os estudos
de Suely Rolnik (1989) e, posteriormente, com a Cartografia dos Saberes, Maria Luiza
Cardinale Baptista (2014). Através de aproximações e ações investigativas, a pesquisa
envolve múltiplos dispositivos e também sinaliza relatos de experiências, alinhados à
discussão teórica. Como resultados preliminares, percebe-se que as peculiaridades dos
hostels têm caráter complexo e sistêmico, o que demanda estratégia metodológica em
sintonia com seu universo investigativo processual, mutante e complexo.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo. Hostel. Cartografia de Saberes. Estratégia Metodológica.


Amorosidade.

1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul,
Caxias do Sul, RS, Brasil. Bolsista CAPES. Currículo: http://lattes.cnpq.br/1894753709003626. E-mail:
marathomazi@gmail.com.
2
Doutora em Ciências da Comunicação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil Currículo:
http://lattes.cnpq.br/2996705711002245. E-mail: malu@pazza.com.br

1
RESUMO EXPANDIDO

O presente texto tem por objetivo discutir sinalizadores metodológicos relativos à pesquisa
em Turismo em Hospitalidade, envolvendo hostels, considerando valores como
hospitalidade e amorosidade presentes nas relações sociais, nesse meio de hospedagem, e
suas implicações no turismo. A pesquisa surge da experiência pessoal de uma das
pesquisadoras, durante quatro anos, com esse tipo de hospedagem, e de sua reflexão inicial,
decorrente da observação de alguns diferenciais desse sistema de acomodação. Igualmente,
o estudo está sintonizado com demandas investigativas, no sentido de compreender a
mutação dos fenômenos do Turismo, especialmente envolvendo as condições básicas de
atendimento às necessidades dos turistas.

Nesse sentido, hostel é um meio de hospedagem que traz características bem peculiares.
Trata-se da reversão da tendência de padronização do sistema de hospedagem, para uma
inflexão no sentido do que podemos chamar de uma dimensão conceitual, na definição do
tipo de hospedagem a ser oferecido. Isso quer dizer que os hostels propõem um conceito,
em termos de hospedagem, que ao mesmo tempo resgata aspectos históricos de
proximidades e personalização entre os sujeitos envolvidos na situação e se associam com
dimensões contemporâneas, como a tecnologia de informação, por exemplo. Entre os
aspectos característicos, pode-se mencionar a simplicidade, personalização e o tipo de
acomodação. Na maioria dos casos, os espaços internos são compartilhados e, assim, os
hóspedes ficam em contato, uns com os outros, na maior parte do tempo.

Entende-se que o fenômeno hostel se alinha ao cenário contemporâneo, marcado por


profundas e constantes transformações, em função da globalização, do forte entrelaçamento
econômico, social, cultural e político, além de outras questões. Neste cenário, o turismo
também tem que se reinventar. Em todos os seus processos e práticas, vive-se um momento
delicado, em meio a uma crise que se expressa de muitas maneiras. Assim, verifica-se a
urgência de abordar o turismo em perspectiva mais ampla, considerando que este vem se
entrelaçando à mutação das demandas dos sujeitos envolvidos com as práticas

2
desterritorializantes do turismo. Acredita-se, com base na experiência empírica associada ao
referencial teórico, que hoje o “sujeito do turismo” busca mais do que o turismo comercial.

Aqui, o hostel aparece como uma possibilidade de repensar o modelo de hospedagem


tradicional, em múltiplos aspectos. Para situar essa transformação nos meios de
hospedagem, pode-se mencionar a criação de novas opções, como, por exemplo, o hotel no
sistema budget3, o couchsurfing4 e o Airbnb5. Essa mutação no sistema de hospedagem se
verifica, inicialmente, no hostel, seguindo a sua principal característica, que é oferecer
ambientes de uso comum. Por isso, o hostel é um meio que promove conexões e, por meio
dele, são gerados vínculos entre as pessoas e acontece o resgate de alguns valores, como
confiança, respeito e amorosidade. Tem-se, aqui, a emergência de valorização de um ‘viver
compartilhado’, em contraponto ao destaque classificatório de tipos de hóspedes e
acomodações. Através dos estudos realizados, é possível perceber que o público procura
mais do que um meio de acomodação barato, o que envolve a procura de um turismo do
conviver, em que as pessoas demandam a ampliação da experiência de contato com o outro.

Pode-se perceber, por exemplo, através do uso do quarto compartilhado, que esse ambiente
provoca o hóspede, no sentido de ter respeito ao outro, tendo em vista que este é um
estranho, com o qual deve conviver. Além disso, é desafiado a depositar confiança nesse
sujeito, pois vai deixar seus pertences no quarto e, afinal, dormir no mesmo ambiente que
essa pessoa. A cozinha também é outro ambiente que sugere o respeito pelo que é do outro,
já que os alimentos das pessoas são deixados ali, apenas com identificação de nome. Os
demais ambientes nos remetem à informalidade, onde facilmente se inicia uma conversa,

3
Hospedagem de hotel, mas com quarto compartilhado com no máximo três pessoas. Banheiro no quarto.
Pode ter microondas e geladeiras de uso comum. Recuperado em 6 JUN 2017,
https://viagemmassa.com/2014/03/04/ibis-budget-e-bom-o-que-achamos-do-hotel-super-economico-da-rede-
ibis/ e https://terminaldeembarque.com/2015/05/11/como-e-se-hospedar-em-um-hotel-ibis-budget/.
4
Site que permite oferecer e buscar acomodação grátis em qualquer parte do mundo, na casa de pessoas que
moram no lugar. Tradução literal: “surfe no sofá”. Recuperado em 6 JUN 2017,
http://www.janelasabertas.com/2013/07/07/couchsurfing-muito-mais-que-hospedagem-gratuita/.
5
Site de aluguel de quartos e apartamentos. Recuperado em 6 JUN 2017,
http://www.melhoresdestinos.com.br/airbnb-aluguel-quartos-casas-apartamentos.html.

3
planeja-se um passeio junto, sem aquele pensamento e lógica tradicional de que, antes, é
preciso conhecer uma pessoa, para, depois, conversar com ela.

Pela peculiaridade do objeto de estudo, propõe-se, para esta pesquisa, a utilização da


estratégia metodológica Cartografia de Saberes, que combina diversas aproximações e
ações investigativas (Baptista, 2014). Essa estratégia metodológica é coerente com os
pressupostos da ciência contemporânea6, especialmente relativos ao caráter processual, não
mecanicista, cartesiano e reducionista dos fenômenos. Resgata-se o conhecimento prévio
do pesquisador, associando-o com o conhecimento buscado através da revisão de literatura
e à pesquisa empírica, propriamente dita. No caso desta pesquisa, predomina a ação
investigativa participante, em que uma das pesquisadoras tem o contato direto com o objeto
de estudo, dentro de hostels. A cartografia, aqui, é plural, mesclando aproximações, ações,
em diferentes tempos e dispositivos.

O modo cartográfico de produzir ciência é discutido em nosso grupo de pesquisa como uma
maneira de investigar e de produzir conhecimento, com base no pensamento de alguns
autores. Para conceituar cartografia, parte-se de pressupostos de Rolnik (2011), quando
expressa o sentido da cartografia, que acompanha o pesquisador e “se faz ao mesmo tempo
que o desmanchamento de certos mundos – sua perda de sentido – e a formação de outros:
mundos que se criam para expressar afetos contemporâneos [...]” (p. 23). O cartógrafo,
sempre atento aos fenômenos, como também explana Rolnik (2011), é um pesquisador que
tem um tipo de sensibilidade, uma abertura para a vida, pois mergulha em cada cena, em
busca de elementos, e faz isso sem preconceitos, sem um protocolo rígido de investigação,
apenas com critérios e ética. O cartógrafo, segundo a autora, está sempre investigando de
múltiplas formas, até mesmo as mais sutis, na tentativa de encontrar dados que sejam úteis
para sua pesquisa. É um conhecimento que vai se construindo, pouco a pouco, através
dessas incursões investigativas.

6
A expressão está sendo utilizada aqui, especialmente, nas suas dimensões complexo-sistêmica-holísticas,
com base em uma série de autores. Entre eles, podem ser mencionados, como destaques: Fritjof Capra (1991),
Roberto Crema (1989), Ilyia Prigogine (2001), Humberto Maturana (1998), Francisco Varela et al (2003),
Boaventura de Sousa Santos (2000, 2001, 2010).

4
Desses fundamentos, decorre a “trama de trilhas”, que vai se construindo através de saberes
pessoais, saberes teóricos e a vivência do pesquisador na área da pesquisa, com a definição
das aproximações e ações investigativas. Além disso, a estratégia prevê considerar a
dimensão intuitiva da pesquisa com o resgate de percepções sutis, que emergem
espontaneamente no pesquisador. Nesse sentido, este estudo faz uma abordagem de
aspectos teóricos, que envolve uma revisão de literatura sobre a temática e os aspectos que
a englobam, como turismo, hospedagem, hostel, hospitalidade e amorosidade. Nesse caso,
com o trabalho teórico, já é possível identificar características dos hostels, seu mercado,
público e seu próprio lugar no turismo contemporâneo.

Ao mesmo tempo, conforme já foi destacado, resgata-se o conhecimento prévio do


pesquisador, bem como as experiências junto ao objeto de pesquisa. Isso implica a
produção de textos, em diário de campo, em que o pesquisador vai inscrevendo suas
lembranças e pensamentos específicos relacionados à temática do trabalho. Trata-se, aqui,
do acionamento da linha cartográfica dos saberes pessoais, combinada ainda com a terceira
linha, que é denominada “laboratório de pesquisa”, para as aproximações investigativas, ou
“usina de produção”, para o conjunto das aproximações e ações investigativas, que criam
oportunidades para que o pesquisador vivencie a sua pesquisa.

Uma das aproximações investigativas deste estudo relaciona-se ao resgate das experiências
de uma das autoras, que tem se construído através da convivência com outros hóspedes em
hostels. Vale mencionar, ainda, o resgate de valores, visivelmente presentes no hostel e não
tão presentes no modelo tradicional de hospedagem. Essa trama de ações investigativas e
reflexões permite perceber, construir e aprofundar o conhecimento que caracteriza esse
contexto social. Com essa prática mais coletiva e menos individual, é possível entender
esse ambiente, que apresenta conceito diferenciado e provocativo, no que diz respeito ao
relacionamento interpessoal.

Assim, em síntese, pode-se afirmar que as características do hostel remetem ao aprendizado


e à descoberta de novas e transformadas práticas. Percebe-se, com a pesquisa e com a

5
observação participante, que há uma mutação de valores no turismo contemporâneo,
associada à emergência de outra concepção de mundo. Em um ambiente onde quase todos
os espaços são compartilhados, tem-se fortemente identificadas mudanças de paradigmas,
facilmente encontrados no modelo tradicional de hospedagem.

Pela observação direta realizada, foi possível perceber que esses valores são praticados em
todos os hostels onde houve a aproximação, através da vivência como hóspede, por parte de
uma das pesquisadoras. Algumas das questões encontradas foram: confiança em deixar
objetos pessoais, no local público; ruptura de ‘pré-conceitos’ relacionados ao local de
origem do sujeito; a forma como o viajante de desloca pela cidade; a própria vivência dele
nesse local; a questão dos vínculos que se criam, facilmente, entre os hóspedes; e a
perspectiva da sustentabilidade, bem presente no hostel de diversas formas.

Todos esses aspectos, associados ao caráter de trama complexa de fatores intervenientes,


lógica processual e mutante, inerente ao cotidiano dos hostels, assim como a dimensão de
interações sutis e que colocam em xeque a lógica capitalística7 que predomina no sistema
de hospedagem convencional, contribuem para que a produção investigativa seja feita com
base na Cartografia de Saberes. Assim, entende-se estar contribuindo para a reflexão
inerente aos caminhos da pesquisa, construindo trilhas e pistas para uma Ciência mais
sensível, atenta à complexidade mutacional dos fenômenos, ao mesmo tempo, mais
subjetiva, mais autoral, no sentido de dar voz ao sujeito que produz a investigação. Do
mesmo modo que no hostel, o sujeito da pesquisa, em nossa perspectiva cartográfica, não é
um número, um código de registro no sistema de hospedagem. É autor de sua estada e
caminhada.

7
Expressão utilizada com base nos pressupostos da Esquizoanálise, especialmente apresentados no texto
Micropolíticas: Cartografias do Desejo (Guattari; Rolnik, 2000).

6
REFERÊNCIAS

Baptista, Maria Luiza Cardinale. (2014). Amorosidade Comunicacional no turismo:


dispositivo para hospitalidade em tempos de complexidade. In: Santos, M.M. C. dos;
& Baptista, I. (org.). Laços sociais: por uma epistemologia da hospitalidade. Caxias
do Sul, RS: Educs.

Baptista, M. L. C. (2014). Cartografia de saberes na pesquisa em turismo: proposições


metodológicas para uma ciência em mutação. Rosa dos Ventos Turismo e
Hospitalidade, 6(3), 342-355.

Baptista, M. L. C. (2004). Comunicação, amorosidade e autopoiese. Anais... Congresso


Brasileiro de Ciências Da Comunicação, 27, Porto Alegre.

Baptista, M. L. C. (2000). O sujeito da escrita e a trama comunicacional. Um estudo


sobre os processos de escrita do jovem adulto como expressão da trama
comunicacional e da subjetividade contemporânea. Tese (Doutorado em Ciências da
Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo.

Camargo, L.O. de L. (2005). Hospitalidade. São Paulo: Aleph.

Capra, F. (1990). O tao da física. Um paralelo entre a física moderna e o misticismo


oriental. São Paulo, Cultrix.

Capra, F. (1991). O ponto de mutação. A ciência, a sociedade e a cultura emergente. São


Paulo, Cultrix.

Capra, F. (1997). A teia da vida. Uma nova compreensão dos sistemas vivos. São Paulo:
Cultrix.

Crema, R. (1989). Introdução à visão holística. Breve relato de viagem do velho ao novo
paradigma. São Paulo: Summus.

7
Guattari, F.; & Rolnik, S. (2000). Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis, RJ:
Vozes.

Maturana, H. (1998). Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte:


Ufmg.

Moesch, M. M. (2002). A produção do saber turístico. São Paulo: Contexto.

Prigogine, Ilya. (2001). Ciência, razão e paixão. In: Carvalho, E.de A.; & Almeida, M. da
C. (org.), Ciência, razão e paixão. Belém: Eduepa.

Rolnik, S. (1989). Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo.


São Paulo: Estação Liberdade.

Santos, B. de S. (2000). Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Grall.

Santos, B. de S. (2001). Um discurso sobre as ciências. Porto, Portugal: Afrontamento.

Santos, B. de S. (2010). Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São


Paulo: Cortez.

Varela, F.; Thompson, E.; & Rosch, E. (2003). A mente incorporada: Ciências cognitivas
e experiência humana. Porto Alegre: Artmed.

8
TI PARADOXALMENTE REDEFINE O TURISMO

Diana Costa de Castro1

RESUMO

O desenvolvimento da tecnologia da informação (TI) parece tão inevitável quanto


paradoxal, da mesma forma que o fazer turístico é parte constitutiva da modernidade. O
objetivo deste ensaio teórico é identificar em que medida a evolução das tecnologias da
informação, paradoxalmente redefinem o conceito de turismo na atualidade. Avalia-se os
paradoxos relativos ao desenvolvimento das TIs e aos pressupostos inerentes ao turismo:
familiarização/estranhamento; acirramento das fronteiras/dissolução das fronteiras;
facilidade e motivação para o deslocamento/dissolução da necessidade de deslocamento;
planejamento/improvisação; tempo de trabalho/tempo de ócio. As TIs podem reduzir
insegurança do turista ao passo que reduzem expectativas de novidade. Em relação às
fronteiras, aborda o caráter social da dissolução desse componente definidor do turismo. A
TI, ao passo que facilita, também propicia o consumo da experiência sem deslocamento e
facilita planejamentos e improvisação. Por fim, a compulsão por estar conectado mesmo no
ócio dilui a fronteira entre os tempos.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, Tecnologia da Informação [TI], Definição,


Contemporaneidade.

RESUMO EXPANDIDO

A tecnologia está imersa e imbricada no contexto social constituindo pilar fundamental que
acompanha e determina o desenvolvimento das sociedades da mesma forma que é por suas
limitações e desejos determinada. O desenvolvimento da tecnologia parece tão inevitável

1 Doutora em Administração. Professora na Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasi. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/7756786407142819. E-mail: diana.costa.de.castro@gmail.com.

1
quanto ligado a paradoxos, na atualidade (Mazmanian, Orlikowski & Yates, 2006), da
mesma forma que o fazer turístico é parte constitutiva da modernidade (Urry, 2001). “Com
efeito, agir como um turista é uma das características definidoras do ser ‘moderno’” (Urry,
2001, p.17). Em relação a tecnologia se poderia ensaiar algo assim: utilizar novas
tecnologias é uma das características definidoras do ser moderno. A diferença talvez recaia
na veloz mudança que esta última sofre, mas o quanto essas inovações de TI podem
provocar uma possível mudança na própria definição do turismo?

O paradoxo, no sentido lógico, contém seu oposto, mais do que simples inconsistências.
Apresenta-se como um desafio à lógica, quiçá impossibilidade em forma pura. Muitos
estudos sobre tecnologia afirmam haver paradoxos inerentes ao seu desenvolvimento. Mick
e Fournier (1998), por exemplo, afirmam ter encontrado mais de 20 menções e
inconsistências. Inconsistências acontecem quando, por exemplo, a tecnologia faz X, mas
também faz Y; já paradoxos, no sentido lógico utilizado pelos autores e também neste
trabalho, contém seu oposto, ou seja, quando tecnologia é ou faz X e não X (Mick &
Fournier, 1998).

Para Leiper (apud Cooper et al. 2001), o turismo é uma atividade imersa em um ambiente e
em um complexo de outras atividades de emissão, de deslocamento e de recepção. Para
Andrade (2004), a definição deve focar a centralidade dos elementos indivíduo, espaço e
tempo. A partir dessas duas perspectivas pode-se ter uma compreensão de que turismo é
tudo que compreende a relação desses elementos de deslocamento, alimentação,
hospedagem, recepção, informação, comunicação, segurança e recreação, tendo que o
indivíduo ser entendido tanto na posição do turista quanto de quem trabalha com o turismo
e o transporte no espaço, atravessando uma fronteira.

O objetivo do presente ensaio é o de identificar em que medida a evolução das tecnologias


da informação paradoxalmente redefinem o conceito de turismo na atualidade. Para isso,
argumentar-se-á que as tecnologias da informação passam a ter um papel central e
paradoxal na definição do turismo porque transformam suas estruturas constitutivas

2
centrais, sobretudo a noção de lugares delimitados por fronteiras, sejam elas geográficas,
políticas ou culturais.

Em 1991 a Organização Mundial do Turismo (OMT) recomendou para a Comissão de


Estatística das Nações Unidas, uma unificação de conceitos de turismo. Tal unificação
pretendia viabilizar a medição dos impactos econômicos, identificar o desempenho de cada
setor e facilitar a troca de informações entre governos e indústria. A própria OMT publica
mais de uma definição ao longo de sua história, donde se destaca turismo como “o
deslocamento para fora do local de residência por período superior a 24 horas e inferior a
60 dias motivado por razões não-econômicas” (apud Ignarra, 2001, p. 23).

Para Acerenza (2002) é preciso distinguir o aspecto conceitual do aspecto técnico dessa
atividade. No aspecto conceitual, ele destaca as teorias humanistas e as teorias da alienação,
que já definem o turismo de forma antagônica. A primeira, cujo principal expoente é
Krzysztof Przeclawski, exagera nos pontos positivos, vê no turismo uma genuína
manifestação humana, e deposita nele a esperança para uma vida de paz e equilíbrio
ecológico na Terra. A visão da alienação tem origem marxista e diz que a indústria de
massas manipula e aliena os indivíduos, impulsionando-os para o fazer turístico. São
representantes mais ilustres dessa corrente Turner e John Ash.

Como a atividade turística é, em consenso, uma ação a se realizar no tempo de ócio, ela,
por definição, deve se opor ao trabalho. É por isso que repetidas definições (OMT, 2001;
Trigo, 2002; Andrade, 2004, Acerenza, 2002) excluem viagens a trabalho da definição de
turismo, apesar de, para fins estatísticos ou técnico (Acerenza, 2002), criar-se a modalidade
ou tipologia turismo de negócios. Andrade (2004) identifica 14 motivações para a prática
do turismo, das quais algumas se destacam pela ligação com o desenvolvimento das TIs: o
estímulo dos meios de comunicação de massa à prática do turismo e ao contato com a
natureza, recompensar a distância das famílias imposta pelo exercício profissional e atender
a necessidades físicas e psíquicas.

3
A exemplo dos paradoxos apontados por Mick e Fournier (1998), Mazmanian, Orlikowski
e Yates (2006); Gonçalves e Joia (2011) e Jarvenpaa e Lang (2005), propõe-se aqui cinco
paradoxos, adaptando o desenvolvimento das TI e os pressupostos inerentes ao turismo,
segundo as definições estudadas. São eles: familiarização/estranhamento; acirramento das
fronteiras/dissolução das fronteiras; facilidade e motivação para o deslocamento/dissolução
da necessidade de deslocamento; planejamento/improvisação; tempo de trabalho/tempo de
ócio. Tais paradoxos estão embasados na argumentação teórica. Os pressupostos estão
baseados no deslocamento de pessoas e o deslocamento, por sua vez, pressupõe que haja
uma fronteira (seletivamente permeável) a ser atravessada para que haja o turismo.

O paradoxo familiarização/estranhamento pode ser entendido como uma extensão ou um


novo significado ao antigo paradoxo novo/obsoleto identificado por Mick e Fournier (1998)
em seu estudo sobre avanços da tecnologia em geral. No estudo feito por Mick e Fournier
(1998) foram entrevistados consumidores de produtos considerados tecnologias novas, e a
partir dos seus relatos em relação ao uso e ao sentimento deles em relação àquela
tecnologia foram consolidados paradoxos. Nesses relatos, havia muitas dúvidas a respeito
de adquirir tais produtos, e também inseguranças pós-compra em relação à obsolescência.
Além disso, eles se sentiam em conflito, porque pensavam que, ao comprar algo novo,
comprariam suas implicações, bem como a rápida transformação do novo em velho (Mick
& Fournier, 1998).

No princípio das viagens, a “ignorância tornava os indivíduos mais medrosos e


desconfiados” (Andrade, 2004, p. 15), mas depois, com o desenvolvimento das TIs, as
relações tornam-se menos defensivas e hostis, já que a tensão sobre o desconhecido diminui
com o aumento da informação. Com ligação em seu sentido antropológico, a
familiarização/estranhamento fala do paradoxo enfrentado pelo turista entre a novidade, ou
o diferente, que motiva a sua viagem, e ao mesmo tempo o limite em que ele consegue
suportar, tamanha alteridade e sentimento de insegurança dela decorrente. Dessa forma, o
desenvolvimento das TIs, como os sistemas Multi-Agent System (MAS) (O'Hare et al,
2009) diluem essa diferença, minimizam as inseguranças ao mesmo tempo que o fazem

4
com as expectativas. Familiarização e estranhamento são, portanto, paradoxos do turismo,
que se estendem e são altamente modificados pelas TIs, a ponto de pôr em cheque a própria
existência do turismo como conhecemos.

Outro paradigma que pode ser revisto para o turismo do modelo de Mick e Fournier (1998)
é o de Integração/Isolamento. Esse paradigma remete a faculdade da tecnologia aproximar
e ao mesmo tempo distanciar as pessoas, como no caso da TV ligada em encontros sociais.
Se as fronteiras são criadas pelos indivíduos, em última análise os indivíduos se deslocam
para ver o que os indivíduos do outro lado fizeram de forma diferente, seja esse diferencial
relativo à cultura material ou imaterial. Ora, se a evolução das TIs oferece hoje mais
fortemente do que já apontaram Mick e Fournier (1998), a possibilidade de aproximar, e ao
mesmo tempo a faculdade de afastar as pessoas, pode levar o potencial turista à inação. Em
uma análise extrema, porque viajar se as pessoas já estão mais perto e também mais longe?
Por isso propomos o segundo paradigma: acirramento das fronteiras/dissolução das
fronteiras.

Os sistemas de informação ao turista apresentados por O'Hare et al (2009) atuam


aumentando a sensação de segurança do turista, criando uma espécie de ambiente familiar
na tela do aparelho, um informante que entende suas necessidades, antevê seus desejos e
comportamentos. Atua de tal forma que torna dispensável o contato com os outros
(autóctones). No limite, o desenvolvimento desses tipos de sistemas pode tornar a viagem
sem razão de ser, já que não há nada novo, tudo pode ser previsto e familiarizado. Pode-se
utilizar a classificação de Plog (apud Cooper et al., 2001) e dizer que tais sistemas são
extremamente úteis para o perfil de turistas psicocêntricos, encorajando-os a viajarem para
outros lugares já que poderia garantir certo grau de familiaridade, mas seriam altamente
indesejáveis aos alocêntricos, que são motivados por novas experiências, vivências e pelo
exótico.

O penúltimo paradoxo proposto para compreender o turismo é facilidade e motivação


para o deslocamento/dissolução da necessidade de deslocamento. Ao mesmo tempo em

5
que a evolução da TI oferece possibilidades seguras, confortáveis e com diferentes modais,
impulsionando e motivando as pessoas a se deslocarem, as mesmas TIs oferecem tantas
informações de qualidade e em fontes tão diferentes a respeito de quase todos os cantos da
Terra que a necessidade de deslocamento para conhecê-las esvai-se.

Fazer turismo sem deslocar-se fisicamente já foi aventado por Molina (2003) sob o nome
de pós-turismo. Tal tipo está embasado em inovações tecnológicas, atrações artificiais, foco
na experiência do turista, e por essas características, oferece aos empreendedores
possibilidades ilimitadas. Tal modalidade caracteriza o turismo realizado nos parques
temáticos, mas outro grande exemplo é Las Vegas, que se apoia na construção de
simulacros e promete experiências únicas aos seus visitantes (quiçá mais intensas do que
nos lugares ‘originais’). O principal foco é como a tecnologia possibilita essas novas
criações e qual é seu limite, a partir do próprio conceito de turismo. Pode-se pensar que a
princípio não há limites. Como Molina (2003) diz, as possibilidades são ilimitadas, porém,
seria possível a experiência, o contato, a troca de informações, sem o deslocamento físico?
A tecnologia já oferece algumas possibilidades de simulações interativas, onde o
participante pode teoricamente fazer e experimentar o que um turista faz e experimenta no
destino.

Dos oito paradoxos encontrados no estudo de Jarvenpaa e Lang (2005), o que poderia ser
adaptado para o turismo é o de planejamento / improvisação. Tal paradoxo diz respeito a
capacidade de planejamento e ao mesmo tempo de improvisação que as TI oferecem. Os
sistemas apresentados por O'Hare et al (2009) ilustram isso, mas também denotam que os
designs ainda dependem muito de informações do usuário e são pouco precisos no caso de
improvisação nas viagens. De acordo com O'Hare et al (2009) o desenvolvimento em
tecnologia móvel tem oferecido novas possibilidades. Tal desenvolvimento expande o
paradigma do Multi-Agent System (MAS) onde a colaboração dos usuários é fundamental.
Hoje o sistema GPS atende a necessidade de um turista que tem por característica a
mobilidade. De certa forma, tais sistemas direcionam o olhar do turista, indicando o que
deve ser visto. Tal fenômeno é reconhecido como parte do turismo e já foi destacado por

6
Urry (2001). Estar em local reconhecidamente interessante, ser reconhecido enquanto
turista e comungar desse olhar pode ser um fato bastante motivador do turismo, a priori.
Mas à medida que em que eles se desenvolvem podem gerar afastamento tal da realidade a
ponto de que a virtualidade a substitua, fazendo desnecessário o deslocamento, como já
argumentado.

O turismo é atividade de lazer, desenvolvida em tempo de não trabalho. Mas se as esferas


trabalho e não trabalho são hibridizadas pelo uso de TI, como sentir-se de férias? Como
fazer turismo e trabalhar ao mesmo tempo? A preocupação com esse paradoxo ligado a
fronteira do tempo de trabalho/tempo de ócio são apontadas também por Mazmanian,
Orlikowski e Yates (2006), onde as possibilidades que o BlackBerry oferece aos usuários
confundem-se com as armadilhas de assumir (sobretudo por controle de pares) a obrigação
ou compulsão por estar sempre conectado, em algum lugar ao mesmo tempo perto e longe.

Se, em sua primeira grande revolução, a mídia, viabilizada pela evolução das TIs levou às
massas um novo sentido de tempo e espaço, em um segundo momento, percebe-se que ela
produz uma espécie de efeito contrário, afastando, distanciando o que ela faz parecer tão
próximo. Ao comunicar partes isoladas de um todo, visões transformadas, através de todas
as técnicas de tornar fantástico e fascinante o que se mostra, acaba-se por evidenciar de
forma exagerada um fato, e, simultaneamente, por ofuscar os outros. Descontextualizar o
fato e as pessoas também parece algo que conduz ao distanciamento, pois quando uma
manifestação cultural, por exemplo, é veiculada pela grande mídia a muitas pessoas este
fato passa a assumir outro significado. A manifestação passa a ser um ritual exótico com
sentido deturpado ou mesmo desprovido de sentido. Esse processo pode tornar a cultura
alheia mais distante do que próxima, difícil de ser compreendida e mais propícia a ser
estigmatizada ou estereotipada.

Assim, o exótico deixa de ser possível de ser familiarizado, e apresenta uma ilusão falsa,
mas muito bem elaborada, de que nos é familiar, pois ‘passa’ ou está veiculada dentro de
nosso contexto. As manifestações, a natureza, as pessoas de outras culturas que aparecem

7
nos meios de comunicação passam a ser objetos de curiosidade, desejo, compaixão ou
repulsão, e, acima de tudo, passíveis de consumo. Nisso, a evolução das TIs liga-se
diretamente com o turismo, que é hoje, mais do que nunca, incentivado por elas, mostrado
o exótico de forma inusitada, impulsionando as massas ao consumo imediatista do diferente
pelo estranho e curioso, até que ele deixe de ser estranho e curioso e passe direto para o
desinteressante sem que ao menos se possa conhecê-lo.

REFERÊNCIAS

Acerenza, M. (2002). Administração do Turismo. Bauru, SP: Edusc.

Andrade, J. V. (2004). Turismo: fundamentos e dimensões. São Paulo: Ática.

Cooper, C. et al. (2001). Turismo Princípios e Prática. Porto Alegre: Bookman.

David, P. A. (1990). The dynamo and the computer: an historical perspective on the
productivity paradox. American Economic Review, Papers and Proceedings, 80,
315-348.

Gonçalves, A. B.; & Jóia, L. A. (2011). Uma investigação acerca dos paradoxos presentes
na relação entre executivos e Smartphones. EnANPAD. Rio de Janeiro.

Ignarra, L. (2001). Fundamentos do Turismo. São Paulo: Pioneira Thompson Learning.

Jarvenpaa, S. & Lang, K. (2005). Managing the paradoxes of mobile technology. ISM
Journal, fall, 7-23.

Mazmanian, M; Orlikowski, W. J.; & Yates, J. (2006). CrackBerrys: exploring the social
implications of ubiquitous wireless email devices. Conference Paper for EGOS.

8
O'Hare, G. M. P.; O'Grady, M. J.; Poslad, S.; & Titkov, L. (2009). Exploiting Multi-Agent
Systems in Realizing Adaptivity in the Mobile Tourist Domain. AI
Communications, 22 (2), 109-116.

OMT. (2001). Introdução ao Turismo. São Paulo: Roca.

Trigo, L. (2002). Turismo básico. São Paulo: Senac.

Urry, J. (2001). O olhar do Turista: Lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. São
Paulo: Studio Nobel, Sesc.

9
TURISMO DE SAÚDE

Helena Charko Ribeiro1

Maria Luiza Cardinale Baptista2

RESUMO

O texto traz o relato parcial de um estudo referente ao Turismo de Saúde, na cidade de


Porto Alegre. Trata-se de reflexão sobre atividade que vem chamando a atenção de
governantes, profissionais da área da saúde e do turismo, especialmente em Porto Alegre. A
cidade possui hospitais de referência nacional e internacional, que vêm acolhendo pacientes
de outras regiões do país e do exterior. Em termos metodológicos, a produção do texto
resulta de revisão bibliográfica, análise de sites e documentos; e observação sistemática. Os
resultados preliminares apontam que às instituições de saúde oferecem tratamentos com
diferenciais aos turistas de saúde. O Turismo de Saúde conta, em Porto Alegre, com o Porto
Alegre Health Care que administra e dá suporte a esta atividade, bem como a ABRATUS,
instituição em nível federal, cuja tarefa é descobrir destinos no país que possibilitem o
Turismo de Saúde.

PALAVRAS CHAVE: Turismo, Turismo de Saúde, Porto Alegre-RS, Brasil.

RESUMO EXPANDIDO

O turismo é uma atividade complexa, abrangente e dinâmica, capaz de acompanhar ou


lançar tendências no mercado. Neste sentido, procura-se, aqui, apresentar algumas tramas
teórico-conceituais, que acompanham esta atividade, direcionando a discussão para o

1
Doutoranda em Turismo e Hospitalidade pela Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.
Currículo: http://lattes.cnpq.br/9219211504277709. E-mail: hcharko@terra.com.br.
2
Doutora em Ciências da Comunicação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil Currículo:
http://lattes.cnpq.br/2996705711002245. E-mail: malu@pazza.com.br

1
Turismo de Saúde em Porto Alegre. Inicialmente é apresentado o cenário em que as práticas
de Turismo de Saúde sendo consideradas, na pesquisa que está em desenvolvimento no
Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, da Universidade de Caxias do
Sul. A seguir, apresenta-se a reflexão sobre Turismo de Saúde, no que diz respeito a
aspectos históricos e conceituais. Estabelece-se, por fim, a relação com os conceitos e
práticas do Turismo de Saúde.

Em termos de aspectos históricos, o Turismo de Saúde é tão antigo quanto à civilização,


sendo, no início, totalmente voltado às águas termais, o que ainda hoje é usufruído, tanto
para lazer quanto para tratamento de saúde. Com a evolução da tecnologia na Medicina, os
serviços oferecidos na área de saúde ganham complexidade e sofisticação e este turismo de
saúde, por sua vez, ganha uma visão mais ampla na atualidade. Para sua efetivação, estão
entrelaçados: o turista de saúde, seu acompanhante, a cidade, a instituição de saúde,
transportes, etc.. Sua prática envolve uma cadeia complexa de serviços e relações de
turistas de saúde e de seus acompanhantes, nos múltiplos deslocamentos de pessoas,
envolvendo a manutenção, a preservação e a cura de doenças. Assim, algumas pessoas
buscam “recursos naturais e outras tratamento e relaxamento tão necessários ao desgaste
psicofísico ocasionado pela vida moderna” (Brasil, 2010). Atualmente, o Turismo de Saúde
mudou seu foco, direcionando-se para a atividade médico-hospitalar (Almeida; & Ribeiro,
2014).

Várias são as razões que levam as pessoas a procurarem tratamento de saúde em outros
países, que não o seu de residência. Dentre essas razões estão: os altos custos; lista de
espera; não possuir seguro de saúde; ter plano de saúde, mas este não ter cobertura para os
tratamentos; legislação que não permite alguns tipos de tratamento em seu país de origem
(fertilização in vitro, aborto, tratamento com células tronco) (Brasil 2017).

No que diz respeito à conceituação do Turismo de Saúde, apresenta-se a seguir


conceituações de diferentes organismos e autor. O Ministério do Turismo, no Brasil,
adotou, desde 2006, a seguinte conceituação “Turismo de Saúde constitui-se das atividades

2
turísticas decorrentes da utilização de meios e serviços para fins médicos, terapêuticos e
estéticos” (Brasil, 2017). Já Andrade (1999 p.76) define Turismo de Saúde como: “o
conjunto de atividades turísticas que as pessoas exercem na procura de meios de
manutenção ou aquisição de bom funcionamento e sanidade de seu físico e de seu
psiquismo”. Outros autores como Godoi (2009), Fernandes & Fernandes (2011), Garcia-
Altés (2005), etc., também abordam o conceito de Turismo de Saúde sob os mesmos
aspectos.

Vale ressaltar que o conceito de saúde também foi se transformando. Anteriormente,


baseava-se na busca pela cura. Hoje tem ênfase na “visão biopsicossocial do ser humano,
considerando o bem estar, a condição dinâmica saúde-doença, levando o ser humano, a
continua manutenção e promoção da saúde, prevenção e cura de doenças como ações
inseparáveis” (Brasil, 2017). Vale salientar, nesse sentido, que a Saúde está inserida em
todas as áreas e trata-se de um direito universal, e o Turismo, como fenômeno social,
apresenta relação direta com a saúde, sendo que as duas áreas têm como centro o ser
humano (Pimenta 2013).

Como foi salientando, o turismo de saúde, atualmente, não se restringe apenas às estâncias
hidrominerais, spas, etc., como na Antiguidade. Hoje, esta atividade vai além de uma
simples viagem, envolvendo transporte, hospedagem, alimentação e os serviços de saúde.
Para tanto, os hospitais necessitam de uma prévia avaliação para receberem acreditação e
poderem atuar junto aos turistas de saúde internacionais, o que é avaliado pela Joint
Commission International (JCI). Da mesma forma, também os profissionais que atuam
neste segmento devem ter qualificação. Neste sentido, os dois hospitais que farão parte do
estudo de tese serão o Hospital Moinhos de Vento e o Hospital mãe de Deus, os quais são
acreditados pela Joint Commission International.

De acordo com aspectos históricos contidos na cartilha sobre Turismo de Saúde:


Orientações Básicas do Ministério do Turismo, “a realização de estudos científicos
específicos pôde ser vista como marco na transformação conceitual vinculada ao

3
termalismo, uma vez que propiciou a transição da era empírica para a clínica” (Brasil,
2017). Revela-se aqui que os turistas que se deslocam para tratamentos de saúde, para
outros países, representam um novo momento entre dois campos de atividades tão
diferentes, o Turismo e a Saúde, bem como, dos órgãos públicos e privados, que se
entrelaçam com o trade. Este movimento mostra também, que o Turismo de Saúde é uma
grande oportunidade, um desafio entre esses campos de atividades tão diferentes, e que vem
despertando interesse.

Por se apresentar como uma atividade com grandes desafios, o Turismo de Saúde é uma
trilha que revela redes de relações entre as organizações das duas áreas, pacientes, hospitais
e serviços. Para tanto, este entrelaçamento e relações necessita de um desenvolvimento em
excelência de relações de diferentes regiões do país e diferentes regiões no mundo,
envolvendo sujeitos em deslocamento para tratamento de saúde. A cidade de Porto Alegre é
a capital do Estado do Rio Grande do Sul, está localizada no extremo sul do Brasil, no
paralelo 30. Conta com uma população de 1.481,019 de habitantes distribuídos em uma
área compreendida de 496,682 km². Possui uma orla de 72 km, quarenta morros, uma
planície onde se localiza o centro da cidade, bem como uma área rural próxima (IBGE
2017).

De acordo com dados veiculados no site da antiga Secretaria Municipal de Turismo3


(2017), atualmente Diretoria de Turismo, incorporada à Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico (SMDE), a cidade de Porto Alegre apresenta-se como
“multicultural por natureza”. Ao longo dos anos, Porto Alegre vem acolhendo imigrantes de
várias partes do mundo, tais como: alemães, italianos, espanhóis, africanos, poloneses,
libaneses, etc., sendo que, atualmente, vem fazer parte deste grupo étnico os imigrantes
senegalezes e haitianos, ampliando esta multiculturalidade no Estado. A similaridade, da

3
Secretaria Municipal de Turismo de Porto Alegre: esta secretaria foi incorporada a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Econômico, assumindo a seguinte denominação: Diretoria de Turismo. Informações
obtidas, por telefone, com o Diretor de Turismo Sr. Roberto Snel, em 18 de Outubro de 2017.

4
cidade, com a Europa, evidencia-se na cultura e nos costumes, bem como no clima da
região (SMTUR 2017).

Em relação ao Turismo de Saúde, Porto Alegre dispõe de 21 hospitais entre privados,


públicos, um instituto, dois hospitais militares: um do Exército e um da Brigada Militar
(IBGE 2017), dois complexos hospitalares, a saber: Santa Casa de Misericórdia que abriga
sete hospitais, e o Grupo Hospitalar Conceição, que abriga quatro hospitais. É uma das
capitais do país que oferecem instituições de saúde de excelência e profissionais
qualificados. Salienta-se que apenas três hospitais de Porto Alegre fazem parte do cluster de
saúde da cidade, são eles: Hospital Moinhos de Vento, Mãe de Deus e São Lucas (PUCRS),
(PAHC, 2017).

Em 2010, foi criado o Porto Alegre Health Care, como uma instituição público-privada, em
nível municipal, que agrega as principais instituições de saúde da cidade. Segundo o site da
instituição, seu objetivo é “oferecer o que há de melhor em tratamentos e cirurgias, e atingir
pelo menos 5% do volume mundial de turistas de saúde que viajam em busca de
tratamento, volume estimado em um milhão de pessoas” (Saúde Business, 2017).

O Porto Alegre Health Care tem apoio da Federação das Associações Comerciais e
Serviços do Rio Grande do Sul, tendo recebido respaldo, no seu surgimento, do órgão que
existia oficialmente, a Secretaria Municipal de Turismo (PAHC 2017). Além dos hospitais
que fazem parte desta organização – Hospital Mãe de Deus, Hospital Moinhos de Vento,
Hospital São Lucas da PUCRS – ela também envolve instituições de classe, médicos, hotéis
e uma grande rede de fornecedores de serviços de saúde, bem-estar e hospitalidade (PAHC
2017). Dialoga, também, com a Associação Brasileira de Turismo de Saúde (Abratus 2017),
instituição em nível federal, que tem como objetivo revelar destinos dentro do Brasil,
referentes ao turismo de saúde (Abratus, 2017).

O Turismo de Saúde vem recebendo atenção especial das autoridades governamentais,


profissionais do turismo e da saúde (Godoi, 2009, p 9). Porto Alegre proporciona
facilidades, hospitalidade e calor humano, além das instituições de saúde de excelência.

5
Oferece também uma infraestrutura de transporte urbano, hospedagem, alimentação, etc.,
que facilita o deslocamento dos turistas de saúde, que procuram os hospitais da cidade para
tratamento (PAHC, 2017).

Em termos de acesso, Porto Alegre possui o Aeroporto Internacional Salgado Filho, que
está localizado próximo ao centro da cidade, o que possibilita um deslocamento adequado
para aqueles que chegam à cidade, independentemente das razões do seu deslocamento. O
Aeroporto Internacional Salgado Filho de Porto Alegre é o nono na lista dos mais
movimentados do país e o primeiro da região sul (Portal Aviação, 2017). O movimento no
ano de 2014 foi de 8,4 milhões de passageiros (Portal Aviação, 2017). Estes números são
significativos, já que, no mesmo ano de 2014, o Aeroporto Internacional de Guarulhos, em
São Paulo, teve um movimento de passageiros da ordem de 39,5 milhões (Relatório
Operacional Aeroporto de Guarulhos, 2017).

O número de passageiros contabilizado poderia ser maior, se houvessem voos diretos com
maior frequência para o aeroporto da cidade de Porto Alegre, o que facilitaria, não somente
aos turistas de saúde, mas também para os que vêm a negócios, turismo e eventos. Os voos
diretos implicam em redução de custos e tempo de deslocamento para o passageiro. Neste
contexto, convém lembrar que a cidade também abriga eventos, tanto nacionais como
internacionais de grande e médio porte, tais como: Fórum Social Mundial, Eventos
Médicos, Shows Musicais, Jogos de Futebol, Campeonato de Tênis, etc. (PORTO
ALEGRE, 2017).

A cidade de Porto Alegre disponibiliza aos visitantes, passeios no ônibus turístico que
proporciona ao visitante um panorama da cidade tais como: o Guaíba, o Centro Histórico, a
Região Sul da Cidade onde há a zona rural, Museus, Casa de Cultura, dentre outros
atrativos (SMTUR 2017). A cidade de Porto Alegre se apresenta como um dos destinos de
turismo de saúde do país. Isto se deve à excelência das Instituições de Saúde que oferecem
tratamentos aos estrangeiros para diversas especialidades (SMTUR 2017). Destacam-se
entre as Instituições de Saúde os hospitais acreditados, internacionalmente, pela Joint

6
Commission International, no Brasil. São eles: o Hospital Mãe de Deus e o Hospital
Moinhos de Vento, também, reconhecido pelo Ministério da Saúde como um dos seis
hospitais de excelência do país (Hospital Moinhos de Vento 2017). Isso vem reforçar o que
a cidade de Porto Alegre tem a oferecer aos turistas de saúde. Neste contexto, sugere-se
uma atenção mais próxima, por parte das autoridades governamentais, trade turístico,
profissionais da saúde e do turismo, no que diz respeito a melhorias em relação,
principalmente, da malha aérea para o Aeroporto Internacional da cidade. Isto facilitará o
acesso à cidade por parte dos turistas de saúde, bem como para os que vêm a negócios, para
eventos e turismo. A pesquisa também tem se direcionado para a observação dos diversos
aspectos que compõem a excelência dos serviços oferecidos, no que diz respeito à
hospitalidade do turista e seus acompanhantes, aspectos que vem sendo amadurecidos, em
termos teóricos e de campo.

REFERÊNCIAS

Aeroporto de Guarulhos (2017). Relatório Operacional. Acesso 19 jan. 2017,


http://www.gru.com.br/pt/RelatorioOperacional/2014-12.pdf

Andrade, J. V. (1999). Turismo: fundamentos e dimensões. São Paulo: Ática.

Associação Brasileira de Turismo de Saúde (2017). Associação Brasileira de Turismo de


Saúde. Acesso 22 ago. 2017, http://abratus.org.br.

Brasil - Ministério do Turismo (2017). Turismo de saúde orientações básicas. Acesso 5


out. 2017, http://www.turismo.gov.br.

Fernandes, J. V., & Fernandes, F. M. V. (2011)., Turismo de saúde e bem-estar no mundo.


São Paulo: Senac.

Garcia-Altés, A. (2005). The development of health tourism services. Annals of Tourism


Research, 32(1), 262-266.

7
Godoi, A. F. (2008). Hotelaria hospitalar e humanização no atendimento em hospitais.
São Paulo: Ícone.

Godoi, A. F. (2009). O Turismo de saúde: uma visão da hospitalidade médica mundial.


São Paulo: Ícone.

Hospital Moinhos de Vento (2017). Institucional, acesso 20 jan. 2017,


http://hospitalmoinhos.org.br/institucional.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017). Porto Alegre. Acesso 13 jan. 2017,
http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/municipio/4314902.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017). Cidades. Acesso 18 out. 2017,


http://cidades.ibge.gov.br/brasil/rs/porto-alegre/pesquisa/32/28163.

Pimenta, M.A.M.A (2013). A relevância da relação entre saúde e turismo: contribuições


para a gestão. Dissertação.

Porto Alegre Health Care (2017). Porto Alegre Health Care. Acesso 22 jan. 2017,
www.portoalegrehealthcare.com.br.

Porto Alegre - Secretaria Municipal de Turismo (2017). A Cidade, acesso 15 jan. 2017,
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/turismo/default.php?p_secao=256.

Portal de Aviação (2017). Conexões de Aeroportos. Acesso 19 fev 2017,


http://portal.aviacao.gov.br/assuntos-de-aeroportos/ficha-portoalegre.pdf.

Saúde Business (2017). Noticias. Aesso 25 jan. 2017 Disponível em


http://saudebusiness.com/noticias/porto-alegre-cria-cluster-para-incentivar-turismo-
medico.

8
TURISMO E ILEGALIDADES: QUAL A FRONTEIRA?

UM ESTUDO NO CHUÍ-RS, BRASIL

Jaciel Gustavo Kunz1

Antonio Carlos Castrogiovanni2

RESUMO

A experiência cotidiana condição fronteiriça é permeada pelo comércio ilegal/contrabando


internacional de determinadas mercadorias. Contemporaneamente, o turismo e o turista de
fronteira despontam como dinamizadores dessas áreas. Isto posto, o objetivo deste trabalho
é analisar relações que se estabelecem entre o turismo/os turistas e determinadas práticas
ilegais criminalizáveis, como componentes do processo de (re)produção das fronteiras
territoriais. O local estudado é o Chuí-RS, sul do Brasil, na fronteira com Chuy, Uruguai.
Realizou-se pesquisa bibliográfica documental, além de observações diretas em recortes
espaciais pré-estabelecidos. Considerou-se que uma das possíveis especificidades da
condição fronteiriça é uma tendência de as práticas do turismo (sobretudo de compras)
serem permeadas pela tentativa de se burlar ilegalidades e, assim, evitar a criminação.
Observou-se que a incriminação preventiva (Misse, 2011), não é comumente atribuída aos
turistas, contrastando com alguns de seus atos, ou de atos em função destes.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo, fronteira, ilegalidades, criminação, Chuí-Brasil.

1
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia (UFRGS). Professor na Universidade Federal do Rio Grande,
Campus Santa Vitória do Palmar, RS, Brasil. Currículo: http://lattes.cnpq.br/3082574114190162. E-mail:
jacielkunz@gmail.com.
2
Doutor. Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. Currículo:
http://lattes.cnpq.br/7721027764504488. E-mail: castroge@ig.com.br.

1
RESUMO EXPANDIDO

Há mobilidade global e local, combinando/sobrepondo fluxos de informações, mercadorias,


ideias, pessoas, dinheiro e comandos, envolvendo, portanto, o poder (Sheller & Urry,
2007). As mobilidades contemporâneas ocorrem de forma intensa, porém desigual e
seletiva, englobando tanto o turismo de negócios e de lazer, quanto as migrações. O que se
tem claro é que os turistas escolhem o deslocamento, bem como seus meios. O oposto é o
vivido pelos refugiados, cuja única alternativa é o deslocamento transfronteiriço, o que não
lhes é permitido muitas vezes (Bauman, 1999). Diante disso, há dois aspectos
interdependentes: o primeiro deles, é a histórica criminalização de determinadas classes,
grupos ou etnias; o segundo, o erigir de novas fronteiras (limites) para o movimento, em
especial, dessas mesmas classes tidas como perigosas. O turismo e o turista, ao contrário,
costumam ser bem-vindos, bem-recebidos (Bauman, 1999), embora com momentos e
países de menor abertura. Os “vagabundos”, turistas frustrados, no dizer de Bauman (1999),
sonham em ser turistas; estes, moventes porque consumidores. A condição de refugiados ou
imigrantes ilegais, porém, traz consigo a tentativa de impedimento, de imobilização
(Bauman, 1999). Acrescentaríamos, de incriminação, inclusive preventiva.

Está subjacente que o turista institucionalizado e categorizado como tal, é um sujeito ou


grupo sobre o qual, em princípio, não recaem crimes. Paradoxalmente, os procedimentos
para passaportes e vistos, além das práticas de vigilância em fronteiras têm-se multiplicado.
O argumento utilizado é o da manutenção da segurança e soberania nacional, bem como o
resguardo dos próprios turistas, enquanto consumidores em país ou lugar alhures. Em
outras palavras, a proteção visa a “filtrar” os verdadeiros turistas (Sheller & Urry, 2007) e
diferenciá-los de grupos criminosos.

Diante disso, o objetivo central deste trabalho é analisar relações que se estabelecem entre o
turismo/os turistas e determinadas práticas ilegais criminalizáveis como componentes do
processo de (re)produção das fronteiras territoriais, além da respectiva presença de órgãos
de Estado. O lócus de estudo é o Chuí-RS, na fronteira com Chuy, Uruguai.

2
O município do Chuí foi emancipado em 1995, contando com 6.368 habitantes (IBGE,
2016). O Chuí é a sede urbana mais meridional do Brasil. Fica a 511km de Porto Alegre. O
acesso brasileiro se dá pela BR-471. A exceção é o acesso ao balneário da Barra do Chuí,
em Santa Vitória do Palmar. Já o município uruguaio do Chuy conta com 9.676 habitantes.
Fica a 333km da capital nacional, Montevidéu, e a 224km do balneário de Punta del Este.
Chuí e Chuy formam um único adensamento urbano. As cidades ficam numa zona primária,
assim chamado o território entre as aduanas. Não há aduana ou alfândega na “linha”
propriamente dita e sim nas saídas dessas cidades-gêmeas

Metodologicamente, este trabalho é resultante de pesquisa bibliográfica e documental, bem


como de pesquisa de campo, de caráter qualitativo. Nesta, realizaram-se observações
diretas, tendo sido feitas notas de campo. O recorte estabelecido é formado por seis
quarteirões de ruas comerciais da cidade do Chuí, Brasil, no limite com a cidade uruguaia.
Entrevistas foram também realizadas, mas os resultados delas decorrentes não são
analisados neste.

As noções de fronteira e limite são distintas, por vezes antagônicas.

Enquanto a fronteira é considerada uma fonte de perigo ou ameaça porque pode desenvolver
interesses distintos aos do governo central, o limite jurídico do estado é criado e mantido pelo governo
central, não tendo vida própria e nem mesmo existência material. (Machado, 1998: 42, grifos da
autora).

O Estado tem na contiguidade e coesão do território mecanismos para assegurar a defesa


deste. Além disso, “o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas
soberanas e permanece como obstáculo fixo” e “a fronteira pode ser um fator de
integração [como] zona interpenetração mútua”. (Machado, 1998: 43, grifos da autora).
Cumpre considerar, pois, as fronteiras como (re)produção mais ampla do território e da
territorialidade do Estado, a grandes distâncias dos centros de poder. Fronteiras estão
relacionadas a processos locais, regionais, estatais e supranacionais e se manifestam de
numerosos modos, em vidas cotidianas e práticas estatais, além de instituições nacionais.
Mais do que linhas fixas, as fronteiras são atualmente vistas como processos, práticas,

3
discursos e instituições por meio dos quais o poder opera. Nesse sentido, tem-se alterados
práticas da fronteira política, as quais se referem ao monitoramento de dados e vigilância,
tais como, adoção de passaportes biométricos, enfim, procedimentos expandidos de
segurança em aeroportos e aduanas terrestres (Johnson et al., 2011).

Paralelamente a isso, a fronteira como prática socioespacial pressupõe uma


performatividade, uma estilizada repetição de atos (Johson et al., 2011) – a exemplo dos
procedimentos de migração –, da qual também participam os turistas que cruzam essas
fronteiras. Englobam-se, também, atores não representantes do Estado, como a mídia e os
cidadãos, já que cada vez menos as práticas de fronteiras são domínio exclusivo do Estado
(Johson et al., 2011). Nas fronteiras, a lei e o sistema de justiça criminal está presente;
paralelamente a esta, determinados ilegalidades e crimes. Ao mesmo tempo que as
fronteiras são expressão da presença de Estados (des)centralizados, o Estado-nação ali é um
tanto abstrato.

Sur (2013), comentada por Richardson (2013), busca transpor o que ela vê como uma
dicotomia inútil entre a mobilidade dos fluxos legais/desejáveis e dos fluxos ilegais ou
impedidos. Acrescentaríamos, entre fluxos legais e ilegais de turistas, e as (i)materialidades
que acompanham/impulsionam esses fluxos.Tais práticas ou atos crimininalizáveis o são
função de tipificações: criando-se tipificação, cria-se lei penal, como processos correlatos.
A lei, porém, pode anteceder, suceder, acelerar ou desacelerar os processos de mudança
social, isto porque as instituições, autônomas, têm ritmos diversos. Assim, o crime o é a
partir daquilo que o Estado dispõe sobre o correto e o incorreto. A definição jurídica, por
meio da lei, sobre o que é crime é apenas o ponto de partida para o estudo do crime.

Misse (2011) propõe uma diferenciação entre crimininalização, criminação e incriminação


preventiva, fazendo transcender a lei como meio exclusivo de estudo e compreensão do
crime. Diferentemente do “supõe-se” da criminalização, a criminação baseia-se na efetiva
interpretação dos eventos cometidos por pessoas ou instituições.

4
Nem toda criminalização de um curso de ação definido em lei será realizada em todos os eventos que
sejam experimentados por indivíduos, apenas uma parte será criminada, isto é, interpretada como
crime. E [...] apenas uma fração dos eventos criminados [...] será finalmente selecionada para
processamento legal por essas agências [policiais]” (Misse, 2011:17).

Nesse ínterim, há tanto um deslocamento do ato para o ator (do crime) – no sentido de
valorizar o “quem fez”, “como” e “por que” – quanto do ator para o lugar, no sentido do
“onde” está o ator. E, em se tratando de criminação/incriminação, “há seleção institucional
dos ilegalismos que ganharão o nome de crime e a busca de seus supostos autores” (Misse,
2011:17). Percebe-se, ainda, a incriminação preventiva, gerada a partir de demandas sociais
de punição, engendradas por um “processo social que ‘estabiliza’ [...] em tipos sociais, a
expectativa de reiteração do sujeito no crime [...] a periculosidade do sujeito, baseada no
que se supõe ser sua propensão natural ao crime, passa a ser decodificada por traços que ele
apresente” (Misse, 2011:17). Tal processo remete ao estabelecimento de classes
(potencialmente) perigosas, historicamente, classes empobrecidas, embora às instituições
coubesse criminar igualmente os cidadãos, pelo menos em tese.

No que tange as relações recíprocas entre “turistas” e “vagabundos”, tem-se que “a política
da sociedade dos turistas pode ser em grande parte explicada – como a obsessão com ‘a lei
e a ordem’, [e] a criminalização da pobreza [...]”. Assim, “os turistas não podem ficar à
solta se os vagabundos não forem presos.” (Bauman, 1999).

Dois aspectos concernentes aos objetivos deste trabalho foram analisados por meio de
fontes bibliográficas, quais sejam, compras em free shops (Pellegero, 2014) e a geração e
coleta ineficiente de resíduos sólidos urbanos oriundos das compras nessa área (Pereira,
2015). De acordo com pesquisa de Pellegero (2014), 89% dos turistas de compras do
Chuí/Chuy eram atraídos pela alta qualidade e pela variedade dos produtos. A distribuição
da nacionalidade dos turistas que frequentam os free shops de Chuy, Uruguai, é assim
constituída: brasileiros (50%), uruguaios (38,7%), argentinos (9,7%), chilenos e
portugueses (0,8% cada). Chama a atenção que, apesar de a venda nos free shops ser
direcionada exclusivamente a cidadãos de nacionalidade diversa da do país onde está, quase
40% dos consumidores são uruguaios. Isso pode ser explicado por uma prática

5
relativamente comum, observada em frente às lojas, que é o “aluguel” de documentos de
identidade (brasileiros) que permite aos nacionais efetuar suas compras.

No segundo aspecto, foi observado o acúmulo de resíduos, como grandes caixas, em frente
aos estabelecimentos comerciais. Outra área observada foram as margens da rodovia, na
saída da cidade, antes da chegada às aduanas. Foram observados acúmulos consideráveis de
resíduos característicos das compras, como sacolas e embalagens de free shops e caixa de
produtos comercializados nessas lojas francas. Isso é explicado pela tentativa de tentar
descaracterizar a compra. Assim, seria possível levar consigo mercadorias acima da cota de
USD350. Essa situação, protagonizada pelos turistas de compra, apresenta um duplo
aspecto da contravenção: um, tentar burlar a cota de compras; e, dois, contribuição à
poluição ambiental, por meio do descarte de resíduos em local inadequado e sem
acondicionamento (Pereira, 2015).

Em relação às observações, destaca-se que, munidos de prancheta e celular com câmera,


percorremos um trecho de seis quarteirões da avenida Uruguai, onde há concentração de
casas comerciais diversas (tais como supermercados, lojas de roupas e calçados, além de
restaurantes e comida de rua), a fim de descrever todo o tipo de comércio ali realizado e os
principais tipos de mercadorias oferecidas.

Como já era de se esperar, por duas vezes fomos questionados por proprietários ou
funcionários de estabelecimentos desta avenida, acerca do que estaríamos fazendo por ali.
Também ocorreu o mesmo ao nos aproximamos de um dos três guardadores de carro
entrevistados, quando um dos seus parceiros de negócio, presumivelmente o responsável,
nos questionou. Consideramos que o simples fato de sermos instados a esclarecer-lhes os
motivos de nossa incursão, embora no espaço público da calçada, mostra a preocupação
desses agentes de mercado locais, acerca de lhes recair alguma fiscalização inesperada, ou
ainda, a aplicação de alguma sanção por determinada prática ilícita, tendo em conta leis

6
municipais ou mesmo federais3. Esses gestos simples demonstram que a fronteira possui
como que uma “atmosfera” de ilegalidade, de criminalidade e/ou de incriminação, o que é
extensível a comerciantes, e possivelmente também a consumidores e turistas.

O estudo, na etapa em que se encontra, oferece elementos ao questionamento acerca do


quão fluídas são as práticas de consumo do turismo e do turista de compras e determinadas
contravenções e ilegalidades em áreas de fronteiras. As práticas do turismo incluem, além
da performance do turista nas fronteiras, o que chamaríamos de atores locais das
(i)mobilidades turísticas. Embora não se tenha recorrido a entrevistas de turistas, são
observadas algumas práticas que são de fato direcionadas a estes, coparticipantes do
(re)fazer fronteira.

Da mesma forma, dada a mobilidade na zona primária, mesmo que não se tenha percorrido
ou havido entrevistas do “lado” uruguaio, tem-se que é possível contemplar, mesmo que
parcialmente, as dinâmicas que caracterizam o comércio, e o turismo a ele vinculados, em
ambos os “lados”, já que são observadas diferenças e em realidade uma inversão nas
mercadorias buscadas em um lado e no outro.

O turista na/da fronteira é comumente considerado indivíduo sobre o qual em princípio não
cabe incriminação preventiva, já que se distanciaria do contrabandista, condição atribuída
comumente à população fronteiriça, conforme estudos de Dorfman (2009). Estudos como
os de Pellegero (2014) e Pereira (2015), além de alguns dados primários desta pesquisa,
apontam para o contrário, ou seja, para práticas de/para/com turistas, as quais procuram
burlar a ilegalidade. Estas, no entanto, poderiam vir a ser criminadas, ou seja, vir a ser
interpretadas como crimes (Misse, 2011), ou contravenções.

Para finalizar, sem concluir, parafraseamos Bauman (1999): “na sociedade dos viajantes, na
sociedade viajante, o turismo e a vagabundagem são as duas faces da mesma moeda [...] A

3
Por outro lado, consideramos que é eticamente relevante que os sujeitos pesquisados (embora não o fossem
diretamente) tenham informações sobre a pesquisa sendo realizada, para que estejam seguros que esta não
lhes cause danos de tipo algum.

7
linha que os separa é nem sempre muito nítida. Pode-se cruzá-la facilmente sem notar”.
Demonstra-se o quão fluida a categoria “turista” se apresenta, especialmente na fronteira.

REFERÊNCIAS

Bauman, Z. (1999). Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar.

Dorfman, A. (2009). Contrabandistas na fronteira gaúcha: escalas geográficas e


representações textuais. Tese de Doutorado em Geografia, Universidade Federal de
Santa Catarina.

IBGE (2016). Chuí. Recuperado em 29 abril, 2016, de http://cidades.ibge.gov.br/


painel/historico.php?codmu n=430543

Johson, J. et al. (2011). Interventions on rethinking ‘the border’ in border studies. Political
Geography, 30(2), 61-69.

Machado, L. O. (1998). Limites, fronteiras e redes. In Strahoecker, T. M. et al. (Org.).


Fronteiras e espaço global. Porto Alegre: AGB, p. 41-49.

Misse, M. (2011). O papel do inquérito policial no processo de incriminação no Brasil:


algumas reflexões a partir de uma pesquisa. Sociedade e Estado, 26(1), 15-27.

Pellegero, D. A. (2014). Caracterização do perfil e análise das motivações dos visitantes


dos free-shops do Chuy/UY. Monografia de Graduação em Turismo Binacional,
Universidade Federal do Rio Grande.

Pereira, T. N. C. (2015). Turismo de compras e geração de resíduos sólidos: um estudo


no Chuí-RS, Brasil. Monografia de Graduação em Turismo Binacional,
Universidade Federal do Rio Grande.

8
Richardson, T. (2013). Borders and mobilities: introduction to the special issue. Mobilities,
8(1), 1-6.

Sheller, M. & Urry, J. (2007). Tourism mobilities: places to play, places in play.
Londres/Nova Iorque: Routledge.

9
TURISMO, DESTERRITORIALIZAÇÃO E AMOROSIDADE:

REFLEXÕES TEÓRICAS

Camila Carvalho de Melo1

Maria Luiza Cardinale Beptista2

RESUMO

A produção em questão apresenta reflexões teóricas aproximando o Turismo aos estudos de


Desterritorialização e Amorosidade. Decorre de uma pesquisa em desenvolvimento, em
nível de mestrado, na Universidade de Caxias do Sul (Brasil). O referencial teórico é
transdisciplinar, com pressupostos de um turismo mais amoroso, com discussões que
apontam para a necessidade de transformação da área. Entre os autores de referência,
destaca-se as abordagens de Mario Beni, Susana Gastal, Luiz Carlos Trigo e Marutschka
Moesch. Para falar sobre o processo de desterritorialização, são trabalhados textos de Sueli
Rolnik e Félix Guattari. Quanto à metodologia, a escolha é pela abordagem qualitativa, de
cunho exploratório, partindo da estratégia metodológica Cartografia de Saberes, proposta
por Maria Luiza Cardinale Baptista. Os resultados preliminares apresentados aqui sinalizam
o Turismo como atividade transformadora do sujeito. Posto em relação com os
sinalizadores de uma nova ética, pode contribuir para uma sensibilização dos sujeitos em
relação às posturas de um novo mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Turismo. Desterritorialização. Amorosidade

1
Mestranda em Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil.
Currículo: http://lattes.cnpq.br/4047509691385278. E-mail: camila.carvmelo@gmail.com.
2
Doutora em Ciências da Comunicação. Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em
Turismo e Hospitalidade, Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, RS, Brasil Currículo:
http://lattes.cnpq.br/2996705711002245. E-mail: malu@pazza.com.br

1
RESUMO EXPANDIDO

Este trabalho decorre das discussões realizadas na pesquisa em desenvolvimento em nível


de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Turismo e Hospitalidade, na Universidade
de Caxias do Sul, intitulada “A viagem como potência de vida: tramas subjetivas e
comunicacionais no processo de desterritorialização do sujeito do Turismo”, e busca
explicar as relações entre Turismo, Amorosidade e Desterritorialização, numa reflexão
teórica, ressaltando os ganhos que se tem ao aproximar essas três matrizes.

A ideia de aproximar esses três assuntos nasce da percepção de um grupo de pesquisas em


Comunicação, Turismo, Amorosidade e Autopoiese! – Amorcomtur!, que conta com a
coordenação da professora Drª Maria Luiza Cardinale Baptista, onde se analisa o
agenciamento e a potência do movimento desejante para o turismo, considerando seu
entrelaçamento com a comunicação, com pressupostos teóricos pautados pela amorosidade
e autopoiese. A orientação teórica do grupo passa por autores como Fritjof Capra,
Humberto Maturana, Boaventura de Sousa Santos, Felix Guattari, Giles Deleuze, Suely
Rolnik, Edgar Morin, entre outros. Esses autores, ao serem colocados em roda de conversa,
contribuem para discussões sobre como produzir pesquisas que sensibilizem tanto o olhar
do pesquisador, quanto dê conta de identificar sinalizadores de amorosidade e potencial de
transformação nesse mundo caótico.

No que se refere à compreensão do Turismo enquanto área de estudo, a principal referência


para a pesquisa até o momento, vem das discussões realizadas no IV Congresso
Internacional de turismo Rede Mercocidades, realizado em Porto Alegre em 2002, onde
autores de reconhecimento internacional discutiam assuntos em torno da temática-pergunta
“Um outro turismo é possível?”. Entre eles Mário Beni, Sérgio Molina, Susana Gastal,
Marutschka Moesch, Margarita Barreto... et al. As discussões renderam artigos, publicados
no livro que recebeu o mesmo nome da temática.

2
[...] devemos buscar respostas identificadas com a humanização e integração social, considerando as
críticas à homogeneização da cultura e a valorização do pluriculturalismo e a plurietnicidade. Cada
cultura deve ser compartilhada com todos, mediada pelo respeito e pela dignidade (Beni, 2004, p. 24).

Neste trecho, Beni (2004) sinaliza para uma postura que se aproxima de uma ética proposta
por Maturana (1998). Para o biólogo, a relação de harmonia e respeito com o mundo
natural é possível, a partir do momento em que reconhecemos essa necessidade e nos
responsabilizamos por isso. Maturana (1998, p. 33) diz que essa responsabilidade “surge
quando nos damos conta se queremos ou não as consequências de nossas ações; e a
liberdade quando nos damos conta se queremos ou não nosso querer, ou não querer as
consequências das nossas ações”.

A importância de esse querer ou não querer e, sobretudo, do bem-querer está justamente na


urgência da transformação de um cenário que caminha para o insustentável, e na
instauração de práticas que possibilitem a criação de uma sociedade mais consciente. Para
Morin (2005, p. 34-35):

Não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo enquanto todo está
cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Isso se verifica não só para as nações e os povos,
mas também para os indivíduos. Da mesma forma que cada ponto de um holograma contém a
informação do todo que faz parte, doravante cada individuo também recebe ou consome as
informações e as substâncias vindas de todo o universo.

O antropólogo considera, ainda, a globalização como grande coadjuvante para esta noção
de coexistência. No Turismo, a manifestação da globalização levanta também sinais de
alerta:

Em um ambiente de intensificação da competitividade, sujeito a fortes pressões, às vezes torna-se


fácil perder as raízes e o fio condutor dos eventos que estão marcando a evolução do turismo. Pode-
se, assim, chegar a pensar que a competitividade depende da quantidade de quartos construídos
anualmente, ou da disponibilidade que oferecem as linhas aéreas para operar determinadas rotas, ou a
quantidade de campanhas publicitárias realizadas. Entretanto, esses são apenas indicadores de
resposta a um processo mais profundo, que tem sua origem nas mudanças sociais e culturais, nos
grandes eixos que determinam uma época, estilos de vida, formas de consumo, motivações (Molina,
2004 p.31).

3
Tanto a citação de Molina (2004), quanto a citação de Beni (2004), representam um pouco
do que vem sendo pensado e proposto como ‘um outro turismo’, e se relacionam com a
pesquisa em questão por considerar a atuação do sujeito em particular, que tem potência
para afetar um coletivo no papel em que ele desempenha, ou na pessoa que ele é3.

Também nesta pesquisa, temos considerado que o Turismo, por ser uma atividade que
promove o contato das pessoas com outras culturas, possui potencial para sensibilizá-las,
numa lógica de que, a partir do momento em que o sujeito se coloca em contato com o
outro, ele se transforma. É neste sentido que a compreensão do processo de
desterritorialização, que ocorre durante a viagem, se manifesta como uma parte importante
do processo, o qual tem apoio teórico da Esquizoanálize com a contribuição de Guatarri e
Rolnik (1996).

A desterritorialização, para a esquizoanálise, acontece a partir do momento em que o


sujeito percebe uma incomodação. Ele passa a não existir mais naquele território, que pode
ser físico ou de ideias. Neste sentido, para reterritorializar, o sujeito precisa fazer
simulações, buscando entender o que é que está acontecendo, e o que é que ele está
buscando. É quando o sujeito compreende ou descobre o que está “estranhando”, que ele se
reterritorializa novamente.

No turismo, trata-se de um processo de vivência desterritorial, que tira o sujeito do seu


papel natural de ser, e o coloca na dimensão ‘ser em movimento’, ser em deslocamento,
para a viagem. Essa viagem, por sua vez, acontece no deslocamento físico e psíquico que o
processo provoca, em um fluxo complexo e subjetivo de transformações de si mesmo.
Conforme explica Trigo (2013, p. 22),

3
A “potência” a que me refiro está em coerência com o que Suely Rolnik (1996) chama de “corpo vibrátil”,
no livro Cartografia Sentimental, e com as discussões propostas pela física quântica, abordadas,
principalmente, por Fritjof Capra.

4
Uma viagem é uma ruptura do cotidiano e, ao mesmo tempo, um encontro com nossas expectativas de
nossos desejos. Ao nos perderemos no insólito como estrangeiros, “estranhos numa terra estranha”,
talvez busquemos sentido e significados em nosso próprio passado, na experiência de vida construída a
partir do lugar onde nascemos e começamos a entender a vida e suas coisas misteriosas e fascinantes.

Nesse encontro com as expectativas e desejos é que o sujeito ‘corre o risco’ de se


desterritorializar. Conforme explica Rolnik (1989, p. 95), “(...) as pessoas estão, como
nunca, expostas a encontros aleatórios, a afetar e serem afetadas de todos os lados e de
todas as maneiras: a se desterritorializarem”. A desterritorialização, portanto, é um processo
inevitável, que ocorre a todo instante, provocada por narrativas midiáticas (lembra-se do 11
de setembro?), relacionais, como a perda de um emprego, ou simplesmente por
acontecimentos cotidianos, como um carro de som na sua porta, no dia do seu aniversário.

Acontece que, enquanto viaja, o sujeito encontra-se mais fragilizado. Tudo é novidade, e o
risco de algo dar errado é grande. Conforme contextualiza Trigo (2013, p. 23),

Chegar à noite em um vilarejo distante, sem a percepção de seus arredores ou cenários, é como
mergulhar em um estado de perda de referências. Então emerge a necessidade atávica de responder
prontamente ao desconhecido que, geralmente, abriga ameaças subliminares e perigos latentes.

É neste cenário de fragilidades, onde tudo (de bom e de ruim) pode acontecer que a viagem
vai transformando o sujeito em algo diferente. As relações com o ambiente, a disposição
das placas na rua, a recepção do hotel, o elevador quebrado... Tudo contribui para o
acionamento de uma ou outra sensação, o que nos leva para a matriz da amorosidade.
Amorosidade é condição de amor. Amor não como aceitação plena e concordância, mas
como “[...] emoção que constitui o domínio de ações em que nossas interações recorrentes
com o outro fazem do outro um legítimo outro na convivência” (Maturana, 1998, p. 22).
Para exercê-la, é necessário construir pontes para o território do outro. Ela pode se
manifestar de diversas formas: nas palavras impressas em um anúncio, no e-mail de
confirmação de reserva do hotel, na cordialidade das aeromoças durante o voo, na
disposição das cadeiras durante o evento...

5
O problema na amorosidade é que ela precisa de uma “pré-condição” para existir, uma vez
que é qualidade inerente de sujeitos e instituições. Sendo assim, depende capacidade de
sentir empatia pelo outro para se fazer presente. No entanto, uma vez que ela existe, é capaz
de acionar, no outro, uma disposição maior para ser amoroso também. Pense em um abraço
caloroso. Aquele demorado, que te envolve como um presente, numa troca de energias. O
abraço dado num momento de fragilidade, que te revigora ao colocar em contato com o
coração de uma forma tão simples.

O grande desafio, ao considerar o Turismo como potencial de transformação social, está


justamente na disposição do sujeito à amorosidade. Ainda assim, no que foi possível
observar até o momento, os processos de desterritorialização estão sempre acoplados a um
processo de autopoiese, o qual Maturana (1998) explica como “reinvenção de si mesmo”, o
que sugere algum tipo de benefício para o sujeito e, em consequência, para a sociedade.
Ainda que o sujeito viajante não se posicione criticamente em relação ao lugar visitado, há,
nele, a composição de tramas visuais e imaginárias, que podem desencadear outras
reflexões futuramente. Um exemplo são as recordações de criança, de momentos de
travessuras, que quando adulto reconhecemos como cenas que formam as nossas matrizes,
mas no momento da vivência não passava de apenas mais um dia. As lembranças da viagem
ficarão, nesta lógica, “armazenadas” no sujeito, vindo à tona quando esse for acionado por
algum movimento da trama comunicacional.

REFERÊNCIAS

Baptista, M. L. C. (2014). Cartografia de saberes na pesquisa em turismo: proposições


metodológicas para uma ciência em mutação. Rosa dos Ventos Turismo e
Hospitalidade, 6(3), 342-355.

Beni, M. C. (2004). Um outro Turismo é possível? A recriação de uma nova ética. In:
Moesch, M. M. Um outro turismo é possível? (p. 11-24). São Paulo: Contexto.

6
Gastal, S. (2005). Turismo, imagens e Imaginários. São Paulo: Aleph.

Guattari, F., & Rolnik, S. (1996). Micropolítica: cartografias do desejo Petrópolis: Vozes.

Maturana, H. (1998). Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte:


Ufmg.

Moesch, M., & Beni, M. C. (2015). Do discurso sobre a ciência do turismo para a ciência
do turismo. Anais... Seminário da Anptur.

Morin, E, & Kern, A. B. (2005). Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina.

Rolnik, S. (1989). Cartografia sentimental, transformações contemporâneas do desejo.


São Paulo: Estação Liberdade.

Trigo, L.G.G. (2013). A viagem: caminho e experiência. São Paulo: Aleph.

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