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CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA – UNISUAM

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS


CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

Thaissa Souza Rechinho Mello

Crimes virtuais contra o patrimônio

O estelionato sentimental

Rio de Janeiro

2023
CENTRO UNIVERSITÁRIO AUGUSTO MOTTA – UNISUAM
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

Thaissa Souza Rechinho Mello

Crimes virtuais contra o patrimônio

O estelionato sentimental

Artigo científico apresentado ao Curso de


Bacharelado em Direito do Centro de Ciências
Sociais e Aplicadas do Centro Universitário
Augusto Motta – UNISUAM como requisito
parcial para a aprovação na disciplina Orientação
em Monografia, sob a orientação do Prof. José
Matheus Antunes Ribeiro de Oliveira.

Rio de Janeiro

2023
Thaíssa Souza Rechinho Mello

Crimes virtuais contra o patrimônio

O estelionato sentimental

Artigo científico apresentado ao Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências


Sociais e Aplicadas do Centro Universitário Augusto Motta – UNISUAM como requisito
parcial para a aprovação na disciplina Orientação em Monografia, obtendo pela banca
examinadora assim composta:

Prof. _____________________________________
Orientador: José Matheus Antunes Ribeiro de Oliveira.

Prof. _____________________________________

Prof. _____________________________________
RESUMO
O estelionato sentimental é um tema bastante atual, e tem se tornado recorrente nos tribunais.
Com o aumento acerca da discussão e sobre sua problemática à sociedade brasileira, o
presente trabalho será apresentado de forma objetiva, buscando trazer o máximo de
informações em relação ao tema escolhido. Assim o presente estudo tem como objetivo
analisar a conduta que ainda não configura como crime, não estando positivado na legislação
pátria, mas que traz prejuízos financeiros para as vítimas, diante da conduta impregnada de
má-fé por parte do agente ativo. Os fatos apresentados, atualmente, tem a resolução dos seus
conflitos através da jurisprudência e da responsabilidade civil. Em relação ao estelionato
sentimental, sua definição e pressupostos gerais e especiais serão abordados no presente
trabalho. O presente estudo aborda também, a possibilidade de indenização por danos morais
e materiais, bem como visa a proteção da dignidade e da honra.

Palavras-chave: Estelionato sentimental, Responsabilidade civil, Proteção, Sociedade, Atual

ABSTRACT
Sentimental embezzlement is a very current theme, and has become recurrent in the courts.
With the increase about the discussion and about its problematic to the Brazilian society, the
present work will be presented in an objective way, seeking to bring the maximum of
information in relation to the chosen theme. Thus, the present study aims to analyze the
conduct that still does not constitute a crime, not being positive in the national legislation, but
that brings financial losses to the victims, in the face of the conduct impregnated with bad
faith by the active agent. The facts presented, currently, have the resolution of their conflicts
through jurisprudence and civil liability. Regarding sentimental larceny, its definition and
general and special assumptions will be addressed in this work. This study also addresses the
possibility of compensation for moral and material damages, as well as the protection of
dignity and honor.

Keywords: Sentimental embezzlement, Civil liability, Protection, Society, Actual


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 06
1 O CRIME DE ESTELIONATO 07
1.1 SUJEITOS ATIVO E PASSIVO 08
1.2 AÇÃO PENAL 08
1.3 CARACTERÍSTICAS DO TIPO 09
1.4 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA 09
1.5 ESTELIONATO COMISSIVO E OMISSIVO 09
1.6 DADOS DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA 10
1.7 AS MODALIDADES PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL 10
1.7.1 Estelionato Privilegiado, Art. 171, § 1º 10
1.7.2 Disposição De Coisa Alheia Como Própria, Art. 171, § 2º, I 10
1.7.3 Alienação Ou Oneração Fraudulenta De Coisa Própria, Art. 171, § 2º, II 11
1.7.4 Defraudação De Penhor, Art. 171, § 2º, III 11
1.7.5 Fraude Na Entrega De Coisa, Art. 171, § 2º, IV 12
Fraude Para Recebimento De Indenização Ou Valor De Seguro, Art. 171, §
1.7.6 12
2º, V
1.7.7 Fraude No Pagamento Por Meio De Cheque, Art. 171, § 2º, VI 12
1.7.8 Fraude Eletrônica, Art. 171, §§ 2º-A, 2º-B E 3º 12
1.7.9 Estelionato Contra Idoso Ou Vulnerável, Art. 171, § 4º 13
1.7.10 Outras formas não previstas em Lei 13
2 ESTELIONATO SENTIMENTAL 13
2.1 PREJUÍZOS NÃO PATRIMONIAIS 15
2.2 PERFIL DOS CRIMINOSOS 15
2.3 PERFIL DAS VÍTIMAS 16
2.4 MODUS OPERANDI 16
2.5 PRINCIPAIS TIPOS DE GOLPE 16
2.5.1 Golpe do amor 16
2.5.2 Pacote retido na Receita Federal 17
2.5.3 Golpe do nude 18
2.6 DA TIPOLOGIA APLICÁVEL AO CASO CONCRETO 18
2.7 RESPONSABILIDADE CIVIL 19
2.8 PROJETO DE LEI Nº 6.444 DE 2019 20
CONCLUSÃO 21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 22
INTRODUÇÃO
O início da rede mundial de computadores como é conhecida nos dias de hoje, data do
fim da década de 60, e recebeu, primeiramente, o nome de ARPANET, sigla para Advanced
Research Projects Agency Network. Somente em 1974 o termo “internet” foi utilizado, por
Vint Cerf e Bob Khan, criadores da interface.
O propósito do projeto era compartilhar informações entre pessoas que estivessem em
localidades diferentes para que pudessem comunicar questões relacionadas aos conflitos em
meio a Guerra Fria (1945 – 1991).
A internet somente se popularizou em meados da década de 90, quando o britânico
Tim Berners-Lee, físico e professor, criou o primeiro navegador (www). A partir daí, diversos
sites foram criados, evoluindo e chegando ao que hoje se conhece, culminando nas redes
sociais.
No Brasil, a internet chegou no ano de 1989 e era utilizada principalmente nas
universidades a fim de compartilhar informações com as universidades norte-americanas.
Ao contrário do que se pensava há até pouco tempo atrás, a evolução da internet criou
níveis onde seus conteúdos são dispostos. A surface web, é a parte rasa, onde a maioria dos
usuários navegam. Após, existe a deep web, onde se encontram sites e dados que não podem
ser acessados por pessoas comuns. É preciso que se tenha o endereço correto e credenciais
específicas para navegar. Por fim, há a dark web, que, assim como a deep web, precisa de
credenciais para cessar. O que as difere é que a terceira é amplamente utilizada para práticas
criminosas, tendo em vista sua dificuldade de rastreio.
Após o “boom da internet” e a facilidade de acesso nas redes, pelos mais diversos
tipos de pessoas, muitos crimes, que eram cometidos no mundo “real”, passaram a ser
cometidos de forma virtual, tendo em vista o suposto anonimato preservado à época.
Ao passo que a internet trouxe facilidades para a vida cotidiana, uma vez que é
possível se comunicar, fazer comércio e outras muitas atividades, independente de onde o
usuário se localize no globo, muitos perigos permeiam o seu uso. Há indivíduos – ou
quadrilhas – que utilizam do ciberespaço para cometer crimes, mesmo que na surface web.
Esses delitos possuem as mais diversas naturezas, como por exemplo, aliciamento para o
tráfico de pessoas, compartilhamento de material contendo pornografia adulta, sem
consentimento, e infantil, disseminação de vírus para coleta de dados (malware), dentre
muitos outros.
Embora as autoridades brasileiras estejam em constante vigilância para entender o
modus operandi utilizado, identificar os marginais e combater os crimes, realizando um
trabalho árduo, a criatividade e capacidade dos criminosos se supera a cada dia, trazendo
novas formas e meios de realizar seus feitos.
O presente trabalho será dedicado a explorar um novo tipo de estelionato, cometido
através das redes sociais, o estelionato sentimental. Ele é cometido por golpistas mal-
intencionados que, utilizando da vulnerabilidade das pessoas, demonstram um sentimento que
não é verdadeiro, enganando suas vítimas que, em muitos casos, perdem verdadeiras fortunas
e até bens, acreditando ter encontrado o amor de suas vidas.

1. O CRIME DE ESTELIONATO
O estelionato é um crime comum, de natureza patrimonial, previsto no artigo 171 do
Código Penal brasileiro, onde a fraude é o elemento constitutivo da conduta típica.

Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio,
induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro
meio fraudulento:
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de
réis. (Vide Lei nº 7.209, de 1984)

Quando bem-sucedido, o agente ludibria a vítima, induzindo-a ao erro, a fim de lhe


subtrair patrimônio.
O nome do tipo penal origina-se de uma espécie de lagarto que tem a capacidade de
mudar de cor para que possa iludir sua presa e assim se alimentar - “Laudakia stellio”
(ESTEFAM, 2022).
O ordenamento brasileiro, desde antes de seu primeiro código escrito, já previa a
prática de tal crime, porém, sob o nome de “burla” ou “inliço”, nome dado pelas Ordenações
Filipinas (BITENCOURT, 2019). Analisando o disposto nos artigos correspondentes do
Código Criminal de 1830 (artigos 264 e 265) e o já denominado como Código Penal de 1890
(artigos 338 a 341), antecessor da atual legislação de 1940, é possível notar uma maior
aproximação com o direito das coisas tratado pelo direito civil do que propriamente com as
questões criminais, ainda que houvesse culminação de pena e/ou multa pecuniária. Neste
sentido, Nélson Hungria em sua obra, Comentários ao Código Penal, diferencia o ilícito penal
do ilícito civil afirmando que o primeiro viola a ordem jurídica de tal forma que somente a
aplicação de uma pena é adequada como sanção, em razão da gravidade do fato, enquanto o
segundo, uma simples indenização ou devolução da coisa é necessária para o restabelecimento
da ordem jurídica. Já Cezar Roberto Bitencourt, no livro Tratado de Direito Penal, entende
que não há critério científico que distinga, um tipo de fraude do outro.
Embora o artigo 265 do Código Criminal (1830), comente sobre se utilizar de
falsidade para obter vantagem indevida, nos dias atuais, os imbróglios descritos são
facilmente resolvidos na esfera civil.
Ambos os códigos anteriores, não traziam, em seu texto, a definição do crime de
estelionato, estando esta apenas constante do caput do artigo 171 da atual legislação penal.
A previsão expressa do tipo penal, tem como objetivo tutelar o patrimônio que possa
ser violado mediante ações fraudulentas. Desta forma, pode-se notar que “tutela-se tanto o
interesse social, representado pela confiança recíproca que deve presidir os relacionamentos
patrimoniais individuais e comerciais, quanto o interesse público de reprimir a fraude
causadora de dano alheio” (BITENCOURT, 2019).

1.1. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO


Uma vez que o crime de estelionato é um crime comum, ou seja, pode ser praticado
por qualquer pessoa, não exige que o agente possua determinada condição.
No mesmo sentido, pode ser sofrido por qualquer pessoa, desde que seja determinada.
Se o crime for cometido contra várias pessoas, desconfigura a figura do estelionato, sendo,
então, enquadrado como crime contra a economia popular, conforme a Lei nº 1.521, de 26 de
dezembro de 1951.
Do mesmo modo, deve ser observado se a infração penal não consta no rol do Código
de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990). Além disso, a vítima
deve possuir capacidade de discernimento, pois, caso contrário, a conduta poderá ser
caracterizada como abuso de incapaz (artigo 173 do Código Penal).
Já os ébrios, se em estado de coma alcoólico, o crime será caracterizado como furto,
previsto no artigo 157 do Código Penal. Caso o agente tenha levado sua vítima ao estado de
embriagues, responderá por roubo impróprio, de acordo com o previsto no artigo 157, § 1º da
referida lei.

1.2. AÇÃO PENAL


Anteriormente, tratava-se de ação penal pública incondicionada, porém com o advento
do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), houve uma alteração no tipo de ação penal cabível.
Passou a ser uma ação penal pública condicionada a representação. Somente permanecerá
incondicionada se o crime for cometido contra a Administração Pública, direta ou indireta;
criança ou adolescente; pessoa com deficiência mental; maior de 70 anos de idade ou incapaz.
1.3. CARACTERÍSTICAS DO TIPO
Para que o crime de estelionato se consuma, é preciso que estejam presentes quatro
requisitos: 1) que o agente haja de maneira ardil; 2) que induza ou mantenha a vítima em erro;
3) que o agente, dolosamente, obtenha vantagem patrimonial ilícita; 4) a ação culmine em
prejuízo patrimonial à vítima ou terceira pessoa.
Desta forma, o que caracteriza o delito é, portanto, atingir o resultado vantagem ilícita
e prejuízo, mediante as etapas mencionadas. (DELMANTO, 2021)

1.4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA


A consumação do crime de estelionato decorre do binômio ilícito/prejuízo. Desta
forma, somente quando, por meios ardis e fraudulentos, o agente consegue obter a vantagem
indevida perante sua vítima, é que ocorre, de fato, a realização do crime.
Porém, é possível que haja a modalidade tentada do delito, desde que, por vontade
alheia ao agente, os atos executórios sejam interrompidos. É importante destacar que,
conforme Cezar Roberto Bitencourt, a execução do crime começa somente quando há o
efetivo engano da vítima. Caso esta não seja levada ao erro, o crime permanece apenas nos
atos preparatórios, não sendo passível de punição, sendo caracterizado como crime impossível
(BITENCOURT, 2019).
Já para André Estefam, a tentativa do crime de estelionato caberá em três hipóteses: 1)
uma vez empregada a fraude, o agente não consegue enganar sua vítima; 2) após a aplicação
da fraude, consegue enganar a vítima, mas não subtrair qualquer vantagem; 3) o agente aplica
a fraude, engana o ofendido, obtém a vantagem, mas a vítima não sofre prejuízo de natureza
patrimonial (ESTEFAM, 2022).

1.5. ESTELIONATO COMISSIVO E OMISSIVO


Visto que a definição do estelionato é a obtenção de vantagem ilícita, induzindo ou
mantendo a vítima em erro, pode-se concluir que há a possibilidade de o delito ser comissivo
ou omissivo.
Induzir, caracteriza-se pela ação, ou seja, a vítima é conduzida ao erro através de ações
do agente, enquanto manter, caracteriza a omissão, uma vez que o agente, sabendo que a
vítima está incorrendo em erro, a mantém desta maneira, para que assim, possa aproveitar-se
da sua ingenuidade perante o fato.
No mesmo sentido, Nelson Hungria, em sua obra Comentários ao Código Penal de
1967, descreveu brilhantemente a diferença:
“Há uma analogia substancial entre o induzimento em erro e o doloso silêncio em
torno do erro preexistente. Praticamente, tanto faz ministrar o veneno como deixar scienter
que alguém o ingira por engano [...]. Tanto usa de fraude quem ativamente causa o erro para
um fim ilícito, quanto quem passivamente deixa-o persistir e dele se aproveita.”

1.6. DADOS DA SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA


No Estado do Rio de Janeiro, o crime de estelionato passou a compor o relatório anual
de estatísticas, a partir de 2021, uma vez que houve um aumento significativo de casos
relatados às autoridades policiais. O aumento foi na monta de 46,5% (71.145 casos) em
relação ao ano anterior. Já em 2022, esse percentual subiu para 74,1% (123.841 casos).

1.7. AS MODALIDADES PREVISTAS NO CÓDIGO PENAL


O Código Penal traz uma série de modalidades do crime de estelionato. Ao longo dos
anos, à medida que a sociedade evoluiu, houve a necessidade de prever e punir novas formas
do delito. Algumas delas são caracterizadas apenas como aumento ou diminuição da pena, em
razão da vítima. São caracterizadas seis modalidades pelo ordenamento jurídico.

1.7.1. ESTELIONATO PRIVILEGIADO, ART. 171, § 1º


A legislação entende que se o réu for primário e o prejuízo sofrido pela vítima for de
um baixo valor, aplica-se a pena disposta no artigo 155, § 2º do Código Penal:

Art. 155 - (…) § 2º – Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa


furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um
a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Não se pode confundir o pequeno valor da “res furtiva” com o pequeno prejuízo
sofrido pela vítima, uma vez que o primeiro possui relação direta com o bem subtraído,
enquanto o segundo, possui relação com a vítima.
Desta forma, caracteriza-se o estelionato privilegiado, em razão da pena aplicada ter a
possibilidade de o Magistrado, alterá-la uma vez que sua previsão original é de reclusão, de
um a cinco anos, e multa.

1.7.2. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA, ART. 171, § 2º, I


O inciso I do § 2º do mesmo diploma legal determina que, aquele que vender,
permutar, dar em pagamento, locação ou em garantia coisa alheia, móvel ou imóvel, agindo
de má-fé, passando-se por proprietário, a fim de obter vantagem ilícita, incorrerá no crime
definido pelo caput, bem como sua pena.
Este tipo penal se caracteriza exclusivamente pela má-fé do agente ativo e a
correspondente boa-fé do sujeito passivo. Para a configuração do crime, o sujeito passivo
deve acreditar que o bem pertença ao agente. Neste crime, há lesão tanto do sujeito passivo
quanto do proprietário do bem (GRECO, 2022).

1.7.3. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO FRAUDULENTA DE COISA PRÓPRIA,


ART. 171, § 2º, II
No caso previsto no inciso II do referido parágrafo, também incorrerá no crime de
estelionato, aquele agente que, mesmo proprietário de um bem, o alienar, mesmo ciente de
seus ônus de inalienabilidade. No mesmo sentido, se o bem já foi alienado de forma lícita para
uma outra pessoa, e o agente novamente o fizer, também estará sujeito às penas previstas.
Para Cezar Roberto Bittencourt, o crime somente se consuma se de fato a coisa for
vendida. Uma simples promessa de compra e venda não é suficiente para configurar o
estelionato (BITENCOURT, 2019).

1.7.4. DEFRAUDAÇÃO DE PENHOR, ART. 171, § 2º, III


O código civil, em seu artigo 143 define o termo penhor:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em


garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por
ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Desta forma, pode-se entender que o penhor é a transferência de posse de um bem do


devedor para garantir um débito existente.
Há casos em que o bem permanece em posse do devedor, devendo este mantê-lo em
segurança. Da mesma forma que os incisos anteriores, a defraudação de penhor ocorre quando
o agente, mesmo tendo dado o bem em garantia de uma dívida, dispõe do mesmo, como se
não houvesse qualquer impedimento.
Caso o credor pignoratício consinta a alienação, descaracteriza-se o crime de
estelionato.
1.7.5. FRAUDE NA ENTREGA DE COISA, ART. 171, § 2º, IV
Esta modalidade se caracteriza pela alteração (com relação a espécie, quantidade ou
qualidade), de forma dolosa, de coisa que deve ser entregue a alguém, desde que haja alguma
obrigação legal.
O delito somente se consuma no momento de entrega da coisa à vítima. Enquanto o
agente modifica as características do bem, ele está apenas enquadrado nos atos preparatórios.

1.7.6. FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE


SEGURO, ART. 171, § 2º, V
Conforme explicita o texto legal, aquele que destrói, total ou parcialmente, ou oculta
coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou
doença, incorre no crime de estelionato.
Segundo Cezar Roberto Bittencourt, nesta modalidade, o crime ocorre independente
do prejuízo causado à vítima, ou seja, apenas pelas ações descritas no corpo do texto, há a
configuração do crime. (BITENCOURT, 2019). Já para Rogério Greco, o crime inicia no
momento em que o agente faz o requerimento para o pagamento da indenização (GRECO,
2022).

1.7.7. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE, ART. 171, § 2º, VI


Neste tipo penal, há duas ações previstas para a configuração do delito. A primeira diz
respeito ao agente ativo que, conscientemente, emite cheque para pagamento quando, em sua
conta bancária, não há fundos. Os casos de cheque pré-datado, por possuir natureza de nota
promissória, descaracterizam o delito. Neste sentido, diz a Súmula 246 do STF: “Comprovado
não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos.”
Já a segunda, determina que, mesmo que no momento da emissão do cheque, haja
fundos, o agente procede a retirada do valor antes da apresentação do título pelo credor.

1.7.8. FRAUDE ELETRÔNICA, ART. 171, §§ 2º-A, 2º-B E 3º


Os parágrafos relacionados a este tipo penal foram incluídos pela Lei nº 14.155/21. O
crime é qualificado, e é caracterizado pelo engano do sujeito passivo, através das redes
sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico (e-mail) fraudulento, ou por
qualquer outro meio fraudulento análogo. As informações passadas pela vítima, acreditando
se tratar de um anúncio ou um contato idôneo, são utilizadas pelo agente (hacker) para que
este possa acessar dados, obtendo assim informações sobre contas bancárias, promovendo
transferências de valores para contas das quais possa efetuar saques. No mesmo sentido, os
anúncios fraudulentos, utilizando-se de páginas de web sites clonadas, oferecem produtos
muito abaixo do valor de mercado, a fim de atrair consumidores. Estes inserem seus dados de
cartões e procedem ao pagamento, porém, se tratando de uma fraude, o bem jamais é
entregue.
O dispositivo refere-se, também, ao aumento de 1/3 a 2/3 da pena prevista no § 2º-A
(reclusão, de 4 a 8 anos, e multa) para o cometimento do crime mediante a utilização de
servidor mantido fora do território nacional.
Também aumenta-se 1/3 se o crime for cometido contra entidade de direito público ou
de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência, conforme expõe o § 3º. A
Súmula 24 do STJ incluiu as Autarquias de Previdência Social na causa especial de aumento
de pena da qual trata o referido parágrafo.

1.7.9. ESTELIONATO CONTRA IDOSO OU VULNERÁVEL, ART. 171, § 4º


O § 4º constante no dispositivo legal, determina que será aumentada de 1/3 ao dobro, a
pena do agente que cometer o delito contra pessoa idosa (60 anos ou mais, conforme a Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso) ou vulnerável. Por vulnerável,
entendem-se as figuras descritas no artigo 217-A do Código Penal, quais sejam: menores de
14 anos e “alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato”.
É de suma importância, para o aumento da pena, que o agente tenha conhecimento da
idade ou da condição de vulnerável da vítima, pois, caso contrário, poderá ocorrer o erro de
tipo.

1.7.10. OUTRAS MODALIDADES NÃO PREVISTAS EM LEI


Dentre todas as modalidades já previstas em Lei, existem outras que ainda estão em
processo de tramitação no Congresso Nacional. Em geral, tratam-se de aumento de pena caso
o delito seja cometido de determinada forma, por determinado meio ou contra determinada
pessoa. Pode-se destacar uma modalidade chamada “estelionato afetivo ou sentimental”. Esta
será estudada detalhadamente na sessão seguinte.

2. O ESTELIONATO SENTIMENTAL
Nos últimos anos, principalmente na época da pandemia do COVID-19, o principal
meio que as pessoas utilizaram para se comunicar, trabalhar, fazer compras, dentre outras
tantas atividades, foi a internet, uma vez que, independente da distância, duas ou mais pessoas
podem conectar-se através de uma tela de computador, tablet ou smartfone.
Buscando definir o que de fato se trata a internet, tem-se o seguinte conceito:

“A Internet é um conglomerado de redes que permite a interconexão descentralizada


de computadores através de um conjunto de protocolos denominado TCP/IP.”

Pode-se entender então, que a internet é uma forma de interligar os computadores (ou
outros meios que possuam acesso à rede) ao redor do mundo e consequentemente seus
usuários, para que, independente da distância, permaneçam próximos, a fim de atingir os mais
diversos objetivos. Porém, assim como diz o ditado: “de boas intenções, o inferno está cheio”,
não só por pessoas imbuídas de boa-fé a internet é utilizada.
Prevalecendo-se de um suposto anonimato, alguns criminosos, utilizam a internet pra
aplicar golpes em vítimas inocentes. Dentre as mais diversas modalidades e artimanhas
utilizadas, está o chamado estelionato sentimental. Esta nomenclatura surgiu em meados de
2014, através de jurisprudências acerca do tema. Consiste em enganar o agente passivo,
alegando um suposto relacionamento afetivo (namoro, noivado, etc.) a fim de obter vantagem
ilícita.
A advogada criminalista e professora, Cristiane Dupret, brilhantemente explicou o
estelionato sentimental:

“Assim, o estelionatário sentimental se aproveita do fato de a vítima estar


apaixonada, acreditando que a relação amorosa é verdadeira e está sendo construída
na base da confiança. Contudo, após iludir a vítima, o sujeito começa a realizar
pedidos de ajuda financeira, empréstimos com a promessa de recompensa e
ressarcimento futuro, sem que nunca haja uma devolução destes valores. Em outras
palavras, o estelionatário se vale dos sentimentos da vítima, envolvendo a vítima
com declarações, e da confiança amorosa típica de um casal, além de promessas,
como a de um futuro casamento, a induzindo e mantendo em erro, com o intuito de
obter vantagens, praticando assim estelionato afetivo” (DUPRET, 2022).

Em razão de haver discussão sobre a natureza civilista ou penal do estelionato


sentimental, se aprofundou Débora Spagnol:

“No campo dos relacionamentos, quando um dos parceiros age com má-fé e, de
forma proposital, se utiliza do afeto alheio para obter vantagens pessoais, sua
conduta pode caracterizar o que atualmente se denomina ‘estelionato sentimental’”
(SPAGNOL, 2016).
Tal discussão se dá pelo fato de que, muitas vezes, uma das partes, quando acaba o
relacionamento, se sente lesada em razão da disponibilização de recursos aplicados pelo
período em que eram um casal. Neste caso, não se configura o estelionato sentimental, pois
não está presente a má-fé, elemento essencial para adequação do tipo.
Efetivamente, o estelionato sentimental ocorre quando o(a) criminoso(a), através,
principalmente, da internet, induz a vítima a acreditar que ambos estão em um relacionamento
amoroso, para que assim, obtenha, não só dinheiro, mas também imagens e vídeos íntimos,
assim como outros produtos que lhe convier.
Em muitos casos, o agente se passa por outra pessoa, roubando dados e fotos pessoais
de perfis públicos de terceiros, inclusive de pessoas famosas, a depender das atividades e
gostos da vítima, expostos nas redes sociais.

2.1. PREJUÍZOS NÃO PATRIMONIAIS


Uma vez que a base de uma relação afetiva, dentre tantas características, é a confiança,
o agente ativo, ludibriando a vítima, consegue envolvê-la de tal forma que, de fato, esta
acredita estar em um relacionamento amoroso.
Desta forma, além das perdas patrimoniais, há também a parte psicológica que é
severamente afetada. Muitas vítimas relatam que deixam de denunciar o crime por vergonha,
pois, na grande maioria dos casos, possuem família, que sequer sabia do “relacionamento”.
Além disso, muitas delas se culpam pelo ocorrido, pelo fato de não terem notado os sinais de
alerta, o que mexe diretamente com sua autoestima.
Fato é que, em grande parte dos casos, mesmo após a consumação do delito, elas
permanecem não se percebendo como vítimas do estelionato sentimental.

2.2. PERFIL DOS CRIMINOSOS


Em geral, possuem um perfil carismático, gentil e educado. O chamado “príncipe
encantado”. Os criminosos utilizam de todo e qualquer detalhe exposto pela vítima para
buscar uma identificação.
Por exemplo: se nos perfis de redes sociais, a vítima em potencial segue e curte
diversas páginas relacionadas a animais, o(a) criminoso(a) se apresenta como um defensor
ferrenho dos direitos dos animais. Se a vítima adora viajar, o(a) criminoso(a) já conheceu o
mundo inteiro. Desta forma, forma-se uma conexão de interesses, que ao longo do tempo e
das conversas, criará uma relação de confiança.
2.3. PERFIL DAS VÍTIMAS
Diferente de outros crimes, no estelionato sentimental não há um tipo específico de
vítima. O crime é cometido contra pessoas de todas as idades e ambos os sexos.
Embora a maioria das vítimas sejam mulheres, o crime é cometido contra pessoas
carentes emocionalmente, que se separaram recentemente e sozinhas.
A disponibilidade financeira da vítima não é levada em conta pelos criminosos, uma
vez que há relatos de pedido de empréstimos em instituições financeiras e até mesmo para
parentes, a fim de suprir a suposta necessidade do golpista.
Também a questão intelectual é irrelevante, pois já foram vítimas do estelionato
sentimental, pessoas com graduações elevadas.

2.4. MODUS OPERANDI


Os criminosos passam meses conversando, trocando mensagens instantâneas e, alguns
mais ousados, até videochamadas realizam. Tudo com a intenção de obter a confiança da
vítima para, então, começar a fazer requerimentos, seja de valor financeiro ou outro pedido,
de acordo com o tipo de golpe do qual ele é especialista.
Em geral, a maneira de abordagem é sempre a mesma: nas redes sociais, ou em
aplicativos de relacionamento, o golpista faz contato com a vítima, iniciando uma amizade.
Conversam sobre vários assuntos do dia a dia. Contam sobre seus gostos e preferências. Com
o passar do tempo, alegam estarem apaixonados e pretendendo construir uma relação mais
profunda com a vítima, que vai sendo cada vez mais seduzida pelas palavras dos criminosos.
São inúmeras mensagens trocadas diariamente com conteúdo amoroso e sentimental, através
de promessas e juras de amor. Quando o golpista percebe que a vítima está sob seu domínio,
começam os pedidos, que, em geral, são atendidos.

2.5. PRINCIPAIS TIPOS DE GOLPE


Cada vez mais os criminosos buscam maneiras de obter vantagens ilícitas de suas
vítimas. Serão estudadas, neste tópico, as mais utilizadas pelos golpistas. Elas são bastantes
eficazes na obtenção da vantagem ilícita e movimentam verdadeiras fortunas.

2.5.1. GOLPE DO AMOR


Esta modalidade consiste em simular uma relação amorosa com a vítima, a fim de
obter vantagens econômicas. Os criminosos, depois de obter o amor e a confiança da vítima,
pedem verdadeiras fortunas, alegando os mais variados motivos.
Desde supostas contas bloqueadas, onde há urgência de realizar o pagamento de uma
determinada conta, até doenças graves, os criminosos utilizam diversas “desculpas” para que
a vítima envie dinheiro para contas bancárias fornecidas pelos golpistas. Uma vez que o valor
é depositado, logo ocorre novo pedido, utilizando outro motivo qualquer.
Em março do presente ano, a Rede Record de Televisão apresentou uma reportagem
no programa Domingo Espetacular onde uma professora aposentada de 58 anos, Maria
Aparecida, supostamente estava vivendo um conto de fadas. Seu namorado virtual, que se
apresentava como Richard, fez inúmeras promessas à vítima, inclusive proposta de
casamento.
O golpista alegava trabalhar para o serviço secreto norte-americano, porém estava
mantido em cativeiro na Síria e pedia à sua “noiva” que enviasse valores em dinheiro para que
pudesse negociar sua liberdade, caso contrário, seria morto.
A aposentada enviava mensalmente os valores pedidos pelo golpista, porém, ficando
sem recursos para, até mesmo se manter, começou a fazer empréstimos. Chegou ao ponto de
vender seus itens domésticos para levantar o valor pedido. Estima que enviou uma quantos
aproximada de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), que eram depositados em diversas contas
bancárias.

2.5.2. PACOTE RETIDO NA RECEITA FEDERAL


Esta modalidade é mais comumente realizada por quadrilhas. Nela, o primeiro
criminoso, também simulando um relacionamento amoroso com a vítima, alega ter enviado
um pacote contendo diversos itens de valor (incluindo ouro e carros de luxo), porém informa
que o mesmo ficou retido pela Receita Federal. Em um momento posterior, um segundo
criminoso entra em contato com a vítima, se passando por um agente da Receita Federal, ou
até mesmo funcionário de uma suposta transportadora por onde o pacote foi enviado,
informando sobre a necessidade do pagamento de uma taxa para a liberação do “presente”.
Inocente, e sem ter conhecimento acerca do tema, a vítima realiza o depósito do valor,
que geralmente é bastante alto, mas, sempre ocorre outro entrave que impede a liberação. E
novamente a vítima deposita o valor pedido, e assim sucessivamente. Ocorre que não existe
nenhum presente. São formas de a quadrilha extorquir dinheiro da vítima, que, iludida,
aguarda o pacote que contém “tesouros inestimáveis”.
2.5.3. GOLPE DO NUDE
Já esta modalidade é uma mescla do estelionato sentimental com posterior extorsão.
Os criminosos, como sempre, simulando um relacionamento amoroso com a vítima, solicitam
fotos e vídeos íntimos (com conteúdo sexual), ou em outros casos, realizam videochamadas
onde pedem que a vítima “dance” sensualmente, sem roupas para eles. Ocorre que nesses
casos, as vítimas são gravadas e desconhecem o fato.
Os golpistas muitas vezes, vendem esses conteúdos para a indústria ilegal de filmes
adultos, e, quando a vítima se recusa a continuar com os envios, passam a ameaçá-las.
Uma vez que já se envolveram na vida privada, tem conhecimento e meios de manter
contatos com familiares e amigos da vítima.
Informam que se, não houver novos envios, ou se a vítima não depositar um valor
determinado pelo criminoso em posse das imagens, irá divulgá-las na internet ou enviar para
seus conhecidos.
A vítima, temendo a exposição, acaba coagida a manter o regular envio dos vídeos
e/ou fotos. Em alguns casos, paga a quantia pedida, porém nunca é suficiente para ser deixada
em paz, sendo-lhe requerido cada vez mais.

2.6. DA TIPOLOGIA CRIMINAL APLICÁVEL AO CASO CONCRETO


Uma vez que, atualmente, não há previsão legal para o crime de estelionato
sentimental, em que pese já haver projeto de Lei no Senado Federal para tipificar
corretamente o delito, deve ser analisado com cautela o caso concreto, para poder capitular
corretamente o crime.
Embora o estelionato sentimental não seja cometido exclusivamente contra mulheres,
discute-se a possível punição do crime de violência psicológica contra a mulher, constante no
artigo 147-B do Código Penal:

Art. 147-B. Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno
desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos,
crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação,
isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer
outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui
crime mais grave.

Ocorre que é muito difícil o enquadramento neste tipo penal, concomitante ao


estelionato sentimental, uma vez que, se concretizado o estelionato, o bem jurídico tutelado é
exclusivamente o patrimônio, não há que se discutir outros prejuízos, tais como o psicológico.
Já em relação às questões de dignidade sexual, é possível que além do estelionato,
incida sobre o caso, tendo em vista que há previsão legal, conforme artigo 215 do Código
Penal:

Art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém,
mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de
vontade da vítima:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.
Parágrafo único. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica,
aplica-se também multa.

Há a possibilidade, também, de enquadramento do crime de extorsão, positivado no artigo


158, caput, do mesmo diploma legal:

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito
de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se
faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

2.7. RESPONSABILIDADE CIVIL


Se tratando do estelionato sentimental, ainda que o bem tutelado seja o patrimônio,
assiste à vítima o direito a uma reparação civil, uma vez que é clara a violação a sua honra e
dignidade. Neste sentido, Cristiane Dupret leciona:

“Além da possível condenação penal, também é possível pleitear a referida


reparação civil, bem como a devida indenização por danos materiais e morais, sendo
necessário comprovar os repasses de valores e bens que houver ocorrido. O
estelionato afetivo viola os deveres de confiança e de lealdade, além de causar
frustração, insegurança, vergonha e constrangimentos para a vítima, o que constitui
fato ofensivo ao seu direito de personalidade”. (DUPRET, 2022)

Portanto, desde que seja comprovada a responsabilidade civil do agente, é cabível o


requerimento de indenização por danos materiais e morais. Nesta toada, devem estar presentes
os requisitos legais: conduta humana (dolosa), dano e nexo de causalidade, conforme
explicitam os artigos 186 e 927, ambos do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Se algum dos requisitos não estiver presente, não configura a responsabilidade civil do
agente, conforme se pode ver através da jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO


POR DANO MATERIAL E MORAL. ESTELIONATO SENTIMENTAL. NÃO
CONFIGURADO. AUSÊNCIA ATO ILÍCITO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O
estelionato sentimental, fundado basicamente na figura do estelionato previsto no
art. 171 do Código Penal, exige, para ficar caracterizado, a prova de artifícios, ardis
e dissimulações do agente, que conduzam a vítima a erro e falsas percepções. 2.
Inexistindo provas de que a Autora tenha sido enganada, induzida a erro ou que
tenha tido falsa percepção da realidade no curso da relação amorosa que manteve,
não há elementos para configuração do estelionato sentimental. 3. Recurso
conhecido e não provido. (Acórdão 1372300, 07090616820208070001, Relator:
GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, 7ª Turma Cível, data de julgamento:
22/9/2021, publicado no DJE: 29/9/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Em outro sentido, quando presentes os requisitos para a aplicação da condenação em


danos materiais e morais, resta claro o direito da vítima a ser restituída dos valores perdidos e
de indenização:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ESTELIONATO


SENTIMENTAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
INCONFORMISMO DO RÉU. 1. Restou demonstrado nos autos que a autora
efetivamente foi vítima de estelionato sentimental, tendo o réu obtido a expressiva
quantia de R$ 50.000,00 com promessas de investimentos e compra de imóvel. 2.
Em que pese o réu alegar que a irresignação da autora seria em razão do fim do
relacionamento, verifica-se através do Laudo de Exame em Material Audiovisual
emitido pelo ICCE que o réu reconhece que recebeu os dois valores indicados na
inicial como dano material, sendo que o primeiro valor estaria aplicado e o segundo
estaria na sua conta do Itaú.
3. Danos morais configurados, em razão da insegurança e do abalo psicológico
sofrido pela Autora ao se descobrir enganada financeira e afetivamente pelo réu. O
valor da indenização, fixada em R$ 20.000,00, atende aos critérios da razoabilidade
e proporcionalidade. 4. Improvimento do recurso. Sentença mantida. Majorados os
honorários advocatícios em 2% do valor da condenação, conforme a regra do art. 85,
§ 11 do CPC, observada a gratuidade de justiça deferida. (0117128-
38.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). MARCO AURÉLIO BEZERRA DE
MELO - Julgamento: 09/06/2022 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL)

2.8. PROJETO DE LEI N.º 6.444, DE 2019


De autoria do Deputado Federal, eleito pelo partido Republicanos/DF, Julio Cesar
Ribeiro, o projeto de Lei nº 6.444/2019, pretende alterar o art. 171 do Código Penal, para
tipificar o estelionato sentimental. Em sua justificativa, o deputado discorre sobre a
necessidade de dispor sobre o tema, tendo em vista o alarmante aumento de denúncias neste
sentido.
Assim diz o texto presente na proposta:
“Art. 171 - (…)
§ 2º (…)
Estelionato sentimental
VII - induz a vítima, com a promessa de constituição de relação afetiva, a entregar
bens ou valores para si ou para outrem”.

O texto visa punir o agente que, valendo-se se uma suposta relação afetiva com a
vítima, induz a mesma a entregar-lhe bens ou valores, seja para si ou para terceiros.
Atualmente, o referido projeto de Lei aguarda para ser votado pelo Senado Federal.

CONCLUSÃO
O presente artigo buscou elucidar o crime que, embora ainda não esteja, de fato,
positivado na legislação pátria, vem sendo discutido no Judiciário, tendo em vista o
exponencial aumento de ocorrências.
O delito, pautado na conduta dolosa do agente, também chamado de scammer, tem
como principal característica a má-fé, no momento em que, utilizando-se de meios ardilosos,
consciente de suas verdadeiras motivações, abusa da confiança de sua vítima, valendo-se
muitas vezes do anonimato da internet, a fim de obter vantagens patrimoniais ilícitas.
Demonstrou-se, também, o perfil desses criminosos, como escolhem suas vítimas em
potencial, e a forma como aplica os golpes, de acordo com as questões emocionais do
sofrente, além de mostrar a inocência com que alguns usuários expõem suas vidas cotidianas
na internet, sem o mínimo de cautela necessária para se resguardar deste tipo de indivíduo.
Revelou-se as consequências sofridas pelas vítimas, como os prejuízos patrimoniais e
emocionais, que geram traumas irreparáveis, além da exposição vexatória a que muitas se
submetem quando decidem relatar os delitos às autoridades, onde muitas vezes, os sinais de
alerta eram tão claros, e foram ignorados, que só lhes resta a vergonha perante todos à sua
volta.
Além disso, apresentou-se no presente texto, as modalidades mais utilizadas pelos
scammers que têm por objetivo, subtrair patrimônio das vítimas em benefício próprio ou de
terceiros, utilizando-se de meios vis.
Embora a legislação brasileira, nos casos do estelionato sentimental, ainda não tenha
tipificado especificamente o crime, muito se discute acerca do tema, precisando verificar o
caso concreto para aplicar corretamente a norma legal. Desta forma, por analogia, utiliza-se o
artigo 171 do Código Penal, bem como outros crimes previstos, a depender do que for
apresentado pela vítima. No mesmo sentido, é possível uma responsabilização na esfera civil,
a fim de, ao menos tentar, reaver parte do patrimônio despendido no crime.
Diante do exposto, embora haja projeto de Lei para tipificar o estelionato sentimental,
pode-se concluir que o presente crime precisa de atenção das autoridades e representantes
legislativos, uma vez que, não se tem muitos conteúdos na internet alertando aos usuários
acerca desta modalidade criminosa.
Alguns canais no YouTube realizam um trabalho excepcional de alerta e disseminação
de informações e links, porém, ainda é insuficiente perante a enormidade de usuários que
navegam na internet e que não possuem conhecimento acerca do tema, se tornando vítimas
em potencial.
Este deve ser um combate de toda a sociedade, a fim de evitar que amigos e familiares
desavisados, comuniquem-se com pessoas estranhas, principalmente quando todos os sinais
de que algo está errado, são percebidos.

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de março de 2023.

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