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Pronunciamento do Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo

Tribunal Federal
23/11/2023

Nesse momento em que o Supremo Tribunal Federal é alvo de propostas de mudanças


legislativas que, na visão da Corte, não são necessárias e não contribuem para a
institucionalidade do país, cabe fazer algumas reflexões objetivas.

1. O desenho institucional traçado na Constituição para o Supremo Tribunal


Federal tem algumas singularidades relevantes. A Constituição brasileira, como toda
Constituição democrática, organiza o Estado, reparte a competência dos Poderes e
define os direitos fundamentais do povo.
2. A Constituição brasileira faz isso, mas também faz algumas coisas a mais.
Ela cuida, por igual, do sistema previdenciário, do sistema tributário, do sistema de
saúde, do sistema de educação, do sistema de proteção ambiental, do sistema de proteção
às comunidades indígenas, da intervenção do Estado no domínio econômico, dos meios
de comunicação social, da proteção da família, da criança, do adolescente do idoso, em
meio a muitas outras matérias.
3. Trazer uma matéria para a Constituição significa, em alguma medida, tirá-
la da política e trazê-la para o direito. Vale dizer: retirá-la do domínio das decisões
discricionárias para o espaço da razão pública do Judiciário. Não é uma vontade do
Tribunal, é o arranjo institucional brasileiro.
4. Nesse cenário, chegam ao Supremo Tribunal Federal boa parte das
questões de grande relevância nacional. Inclusive aquelas mais divisivas da sociedade,
de pesquisas com células-tronco embrionárias a ensino religioso nas escolas públicas,
de importação de pneus à autonomia do Banco Central. E, também, questões que
envolvem produtores rurais, ambientalistas, comunidades indígenas.
5. Como intuitivo, é inevitável que o Supremo Tribunal Federal desagrade
segmentos políticos, econômicos e sociais importantes, porque ao Tribunal não é dado
recusar-se a julgar questões difíceis e controvertidas. Tribunais independentes e que
atuam com coragem moral não disputam torneios de simpatia. Interpretar a Constituição
é fazer a coisa certa, mesmo quando haja insatisfações.
6. Porque assim é, não há institucionalidade que resista se cada setor que se
sentir contrariado por decisões do Tribunal quiser mudar a estrutura e funcionamento do
Tribunal. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas.
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1. O Senado Federal e seus integrantes merecem toda a consideração
institucional do Supremo Tribunal Federal. E, naturalmente, merecem respeito as
deliberações daquela casa legislativa.
2. Porém, a vida democrática é feita do debate público constante e do diálogo
institucional, em busca de soluções que sejam boas para o país e que possam transcender
as circunstâncias particulares de cada momento.
3. Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não
vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu
funcionamento. Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço
do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas,
nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal
Federal. Até porque as mudanças sugeridas já foram acudidas, em sua maior parte, por
alterações recentes no próprio Regimento do Supremo.
4. Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o negacionismo
em relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental,
enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou
como um dique de resistência contra o avanço autoritário.
5. Por esse papel, o Tribunal sofreu ataques verbais e a criminosa invasão
física que vandalizou as instalações da Corte. Após esses ataques verbais e físicos, o
Tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação.
6. Nos últimos 35 anos, o Brasil viveu situações institucionais complexas,
que em outros tempos teriam levado à ruptura constitucional e democrática: crises
econômicas, inflação descontrolada, escândalos de corrupção e dois impeachments.
Apesar de tudo o que ocorreu, o país preservou a estabilidade institucional e a
democracia.

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7. Vale lembrar: cabe ao Supremo fazer valer Constituição, preservar a
democracia e proteger direitos fundamentais. A pergunta a se fazer é a seguinte: esses
objetivos foram alcançados? A resposta é afirmativa. Isso significa que o Supremo
Tribunal Federal cumpriu o seu papel e serviu bem ao país. Não há porque alterar o que
vem funcionando bem.
8. E cumpre lembrar: em todos os países que, recentemente, viveram o
retrocesso democrático, a erosão das instituições começou por mudanças nas supremas
cortes. Os antecedentes não são bons.

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