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Introdução
Ainda que por muito tempo não se tenha estabelecido uma clara distinção entre a arte romana
e arte grega, o esplendor da arquitetura romana foi durante séculos objeto de admiração. No
entanto, a partir de Winckelmann (1717-1768), ao se aprofundar o estudo da contribuição
grega, surgiu a tendência de considerar arquitetura romana como uma “degeneração” da
arquitetura grega clássica. Assim, a verdadeira compreensão do valor original do aporte
Romano é de data bastante recente. Mesmo que ainda haja muito por fazer neste campo, já
estamos hoje em condições de levar a cabo uma análise estrutural da arquitetura romana e
dos significados que representa.
A arquitetura romana não pode ser associada com determinado tipo de edifício dominante,
como ocorre no caso do templo grego. Há, ao contrário, uma multiplicidade de temas edilícios
até agora quase desconhecidos como, por exemplo, as grandiosas construções das termas, das
basílicas, dos anfiteatros e dos circos. Essa multiplicidade indica funções e estruturas sociais
mais complexas, e também uma margem mais ampla de significados existenciais; no entanto,
apesar de diferenças funcionais, os edifícios e as plantas romanas têm características
fundamentais em comum, sobretudo estão em geral organizados sobre uma base axial rígida.
Podemos considerar o eixo como uma das propriedades distintivas da arquitetura romana. Já
encontramos o eixo na arquitetura egípcia mas, lá, ele era de importância secundária em
relação a o espaço ortogonal mais geral. Em Roma, os elementos ortogonais e rotatórios se
unem para formar totalidades complexas organizadas axialmente. Devemos destacar também
que, em geral, o eixo Romano aparece relacionado com um centro, que frequentemente se
define como um cruzamento de eixos. O significado do eixo Romano é, pois, totalmente
distinto do significado simbólico do percurso egípcio.
Paisagem e Assentamento
Isso não significa que os romanos careceram do sentimento da natureza. Também no mundo
Romano alguns lugares foram escolhidos ou consagrados em razão de seu caráter particular.
“Genius Loci” é, sobretudo, um conceito latino. Mas, ao invés de limitar-se a interpretar o
caráter natural, os romanos quase sempre introduziram uma ordem organizadora diferente.
Quando se consagrava um “sítio” o “augur” se sentava no centro e com sua vara, o “lituus”,
determinava 2 eixos principais através do centro, dividindo, assim, o espaço em 4 áreas:
esquerda e direita, adiante e atrás. Esta divisão não era arbitrária, mas representava os pontos
cardeais e se ajustava também às formas da paisagem circundante. O espaço assim definido,
dentro do limite do horizonte, era chamado o “templum”. Os romanos tomavam, pois, uma
imagem espacial geral como ponto de partida de suas planificações, em vez de recorrer a um
caráter específico simbolizado em formas plásticas. Todo lugar Romano é uma manifestação
dessa ordem basicamente cósmica.
É evidente que a paisagem e os assentamentos romanos tinham uma estrutura análoga: eram
concebidos como áreas centralizadas, divididas em 4 zonas por 2 “percursos” de distinto valor
que se cortavam num centro em ângulo reto. Esta organização geralmente concretizava uma
imagem cosmológica e a cidade era concebida como um “microcosmos”, tal como o
demonstra a estreita afinidade entre as palavras “orbs” (mundo) e “urbs” (cidade). A relação
com o Egito é evidente mas, ao fazer de um centro a origem da ordem ortogonal e axial, os
romanos transformaram a imagem estática eterna dos egípcios num mundo dinâmico onde as
possibilidades de partida e de regresso, isso é, de conquistar o entorno, se converteram num
significado existencial primordial. Mas essa conquista se dava como manifestação de uma
ordem cósmica pré-estabelecida “de acordo com os deuses”.
O Edifício
O interesse Romano pelo espaço como meio ativo de expressão arquitetônica levou à
valorização dos interiores e à integração do edifício no marco urbano. Isto é evidente até no
tipo mais conservador de edifício Romano, ou seja, no templo. Desde o começo mesmo, o
templo Romano foi concebido de maneira basicamente diferente do templo grego. Por
exemplo, o templo de Júpiter Capitolino (509 a.C.) apresentava colunas muito espaçadas e
relativamente esbeltas. O intercolúnio central era mais largo a fim de acentuar o eixo
longitudinal iniciado na escada frontal, que conduzia ao alto pódio. A cela dedicada à tríade
capitolina (Júpiter, Juno e Minerva) apresentava no fundo um muro cego que se estendia para
abraçar as fileiras laterais de colunas. O edifício não pode ser lido como um corpo plástico em
vulto, visto que está orientado frontalmente.
Em outros tipos de edifícios menos tradicionais, o interesse Romano no espaço fica ainda mais
evidente. Um bom exemplo é constituído pela “basílica” que, em diversos aspectos, tinha uma
função análoga à stoa grega, formando em geral, um dos limites do fórum, oposto ao templo.
O eixo do templo pode, assim, unir-se com o eixo transversal da basílica. Este eixo está
atravessado em ângulo reto por outro eixo longitudinal. A planta biaxial da basílica repete o
esquema básico do espaço Romano: sua secção, com uma nave central mais alta flanqueada
por Naves laterais, não apenas permite a entrada da luz na parte central do espaço, mas
contribui fundamentalmente para a majestosidade do interior. Na basílica de Maxêncio, em
Roma (307-312 d.C.), este efeito é sublinhado pela introdução de 3 grandes abóbadas de
arestas sobre a nave central. Os empuxos destas abóbadas são neutralizados por 3 abóbadas
de canhão em cada lado.
Também a casa romana com átrio ilustra o conceito Romano de espaço. O átrio, de origem
etrusca, é um espaço centralizado iluminado zenitalmente, penetrado por um eixo longitudinal
que, a partir da entrada, percorre o jardim desde o peristilo até o extremo oposto. Em certos
aspectos, a casa com o átrio tem uma afinidade com a casa grega com pátio mas, enquanto a
casa grega se caracterizava por seu isolamento, graças a sua disposição axial a casa romana
forma parte de um sistema espacial complexo. Devido a isso, pode ser considerada como uma
síntese ideal de funções privadas e públicas, ao mesmo tempo fechada e aberta à relação com
o ambiente. O eixo longitudinal terminava numa exedra: a sala de receber do “pater famílias”.
Em consequência, o eixo pode ser interpretado como um símbolo de autoridade, assim como
eixo organizador do templo Romano.
Por último, o teatro exemplifica de forma exemplar as intenções fundamentais dos romanos.
Enquanto o teatro grego podia ser definido como um espaço relativamente “passivo”, que
servia de fundo para as figuras plásticas e ativas dos atores, o teatro Romano é um verdadeiro
espaço “ativo”. Suas fileiras de assentos, colocadas em forte pendente, e a “scena frons”
elevada, criam uma poderosa a sensação de espaço interior. Dentro do espaço, os atores não
atuavam livremente, mas estavam limitados a um estreito proscênio na frente dos
espectadores: apareciam, pois, como um relevo. Junto com os espectadores, formavam parte
de um espaço dominante que se revela axial quando examinado atentamente. No centro da
“scena frons”, sobre a porta principal, se elevava a estátua de uma autoridade e, na frente
dela, atrás dos espectadores, havia geralmente um pequeno templo. Deste modo, a atuação
dos atores se integrava a um sistema existencial compreensivo, e o edifício exemplificava a
busca tipicamente romana da diferenciação funcional como expressão da multiplicidade de
ações que constituem um sistema.
Articulação
Em geral a articulação do muro Romano não corresponde à estrutura técnica do edifício. Ainda
que apareçam elementos técnicos, como o arco, o tratamento formal do muro, mais do que
explicar, oculta a construção. Os edifícios romanos de concreto constavam de um sistema
contínuo de abóbadas, arcos, muros e pilastras, quase sem elementos horizontais. A aparência
dos muros está normalmente condicionada pela aplicação dos membros horizontais e verticais
das ordens clássicas. Só em edifícios utilitários de importância secundária fica à vista a
construção, fato que indica porque se introduziram as ordens em relação com as obras
públicas mais importantes. Os romanos queriam, obviamente, criar uma nova forma simbólica.
É evidente que não se limitaram à mera imitação da arquitetura grega, que o uso Romano das
ordens difere fundamentalmente do uso grego. Assim, os membros clássicos, mais do que
expressar um determinado caráter ideal, formam uma totalidade dinâmica e complexa de
partes em interação.
O exemplo mais conhecido do uso Romano das ordens é a chamada “superposição”, na qual se
colocam umas sobre as outras colunas dóricas, jônicas e coríntias, semicolunas ou pilastras. A
masculina e robusta coluna dórica sustenta a jônica, mais graciosa, que, por sua vez, sustenta a
coríntia, mais esbelta. O jogo de forças relativamente simples expresso deste modo representa
um novo tipo de relação entre os elementos de um edifício. Atuam em conjunto, não como
indivíduos, mas como partes de um sistema. A ideia organizadora de sistema determina a
eleição de cada parte. Diferente da arquitetura grega, na qual cada elemento continha o
caráter imanente do conjunto, aqui cada parte por si só não nos diz nada sobre o edifício como
totalidade. Um exemplo mais complexo de tais sistemas são dados pelos muros em que as
ordens clássicas se combinam com o almofadado; e devemos ter em conta que, ainda no
século XVI, este artifício era interpretado por Serlio como expressão de uma interação entre a
capacidade organizadora do homem e as forças da natureza. Então, se os romanos queriam
caracterizar o edifício como um sistema dinâmico, por que não usaram o sistema de
construção diretamente para tal fim? Evidentemente porque o jogo de forças numa
construção contínua seria muito complexo e não harmonizaria com a estrita ordem espacial
das plantas e dos edifícios romanos. Os grandes “baldaquinos” das abóbadas de aresta
representam, no entanto, um passo importante para a utilização de estruturas técnicas reais
como meios de organização espacial. Em geral, a articulação romana responde ao problema de
como dar ao espaço continuidade e ritmo, ou seja, ordem dinâmica. Sua intenção básica era
caracterizar o espaço como o cenário da ação humana inspirada pela divindade. O espaço se
converte no cenário variado e dinâmico, mas ordenado, no qual se desenrola a história. As
pinturas murais pompeanas apoiam essa interpretação. Mediante a ilusão da perspectiva,
fazem com que as paredes se dissolvam e o cômodo passa a ser parte de uma totalidade
espacial compreensiva e as ações que ali têm lugar se encontram dentro do plano histórico e
divino simbolizado pelos motivos pictóricos. O espaço Romano corporifica, assim, a dimensão
do tempo, não como uma ordem estática e eterna, tal como ocorria com os espaços
ortogonais dos egípcios, mas como dimensão da ação.
Palestrina
Dois antigos lugares sagrados que já existiam na íngreme ladeira se tornaram o ponto de
partida para o grande projeto de Sila: o templo circular da Fortuna Primigênia, que data do
século III a.C. e, aproximadamente uns 100 m mais abaixo, a estátua da Fortuna com Júpiter e
Juno em seu regaço. Estes dois elementos se incorporaram a um vasto plano de terraços
distribuídos axialmente. Ao templo antigo se adicionou um pórtico semicircular que abraçava
um “teatro” desde o qual se podia dominar toda a campina. Será difícil encontrar outro lugar
onde se evidencie a tal ponto como os romanos utilizavam a paisagem. De um e de outro lado
o espaço está delimitado por colinas, enquanto o cardo dirige a nossa visão até o mar ao
longe. Um vale que corre de leste a oeste atravessa este eixo abaixo do santuário, como um
decumanus. O santuário domina este âmbito ordenado, e o “teatro” surge num sítio a partir
do qual essas associações cósmicas podem ser percebidas e compreendidas (o altar da Fortuna
possivelmente estava situado dentro do “teatro”, no lugar do cenário). A série de terraços que
estão mais abaixo prepara o visitante para esta significativa experiência final. “Preparar”
significa, neste caso, um movimento contínuo dentro de um espaço organizado. Entra-se no
santuário por ambos os lados mediante escadas dispostas simetricamente que levam a uma
espécie de propileus com pórticos com colunas e fontes. Aqui se iniciam as largas rampas de
acesso que se elevam em ângulo reto na direção do eixo principal da planta. As rampas
estavam flanqueadas por muros e não permitiam contato algum com a paisagem antes que o
visitante chegasse à plataforma central, onde uma magnífica vista da planície que se estende
mais abaixo revelava a significação e o poder do eixo principal. As escadarias dão acesso a um
largo terraço flanqueado por colunas dóricas. No centro de cada metade do terraço estão
inseridas exedras jônicas: a ocidental para abrigar um altar, a outra para a estátua da Fortuna
com Júpiter e Juno em seu regaço. Uma escadaria central leva a outro terraço, cujo muro
posterior está articulado por semi-colunas jônicas. Seguindo ao largo do eixo principal,
chegamos a uma ampla plataforma rodeada por 3 lados de colunas coríntias. Daqui se vê o
templo da Fortuna, que aparece por cima do teatro e de seu pórtico semicircular com colunas.
O santuário de Palestrina não está integrado por corpos plásticos individuais como o templo de
Delfos, mas é constituído de terraços, colunatas, rampas e escadarias unificadas para formar
um todo integrado. A continuidade é uma de suas fundamentais propriedades formais. A
continuidade espacial e plástica geral se combina com uma distribuição axial dominante.
Observamos uma série de elementos significativos ao nos dirigirmos à meta final: o grande
muro poligonal sob o primeiro terraço, e as ordens dórica, jônica e coríntia nos níveis
principais. Cada elemento se torna parte dependente de um todo dinâmico que parece
concretizar uma ação significativa. Desde o momento em que o visitante ingressa no santuário,
o traçado o captura, como uma força espacial que o conduz até a meta. Desse modo, o templo
da Fortuna estende sua influência além de suas dimensões e se converte em agente de uma
ordem cósmica que abarca toda a paisagem. É evidente que o santuário pode ser lido a partir
do templo e que o percurso Romano se estende a partir de um centro. O regresso egípcio foi
substituído pela partida e pela conquista romanas.
o Panteão
O Panteão é formado por 2 elementos principais: uma vasta rotunda com cúpula, e um
extenso pórtico com colunas. O pórtico se assemelha ao de um templo Romano normal, e
originalmente esteve precedido por uma escadaria, já que o nível do solo era
consideravelmente mais baixo. Estava flanqueado por pórticos mais baixos com colunas que se
estendiam para frente em ambos os lados. O efeito geral do exterior não diferia do de outros
tempos romanos. O Panteão constituía o elemento dominante de um espaço exterior ativo. A
rotunda não foi concebida como um corpo plástico, mas como envoltório que continha a
grande cela, que parece expressar uma nova imagem do universo humano. Ambas entidades
não formam, aparentemente, uma totalidade integrada. O pórtico tradicional e a
revolucionária rotunda parecem somados sem uma íntima necessidade. No entanto, um
exame mais detido revela características formais que contradizem essa interpretação (por
outra parte, bastante comum). Um volume retangular foi introduzido entre o pórtico e a
rotunda, o qual atua como transição natural. Os entablamentos dos dois volumes principais
não coincidem, mas ambos se prolongam mediante o elemento de transição, produzindo uma
interpenetração de formas que só podem ser percebidas numa concepção total do edifício.
Além disso, foi introduzido um eixo longitudinal que, partindo do pórtico, percorre o volume
de transição e, depois de atravessar a rotunda, termina numa abside. Esta abside está
flanqueada por colunas que, através de rupturas no entablamento, se conectam visualmente
com um arco que penetra no tambor da cúpula. Uma vez no interior, no entanto, o eixo é
menos evidente que o efeito centralizador do espaço circular e da cúpula hemisférica. Tem-se
assinalado, constantemente, que uma esfera com um diâmetro de 43,20 m poderia ser inscrita
dentro do espaço. Mas é importante destacar que os caixotões da cúpula não estão
relacionados com o centro desta esfera, mas com o centro do pavimento, ou seja, com o
espectador que ali se detém. Deste modo, se define um eixo vertical que se eleva livremente
até o céu, através da ampla abertura até o zênite. O Panteão integra, assim, a dimensão
sagrada da vertical na organização do espaço interior.
Unifica, assim, uma cúpula celestial e um prolongado eixo longitudinal num todo significativo.
Unifica a ordem cósmica e a história viva, e faz com que o homem experimente a si mesmo
como um explorador e um conquistador de inspiração divina, como um criador da história
conforme o plano divino. Isso também se evidencia na divisão horizontal do espaço. O tambor
da cúpula consta de duas zonas articuladas mediante membros clássicos: abaixo, grandes
pilastras e colunas coríntias e, acima, pilastras menores. Estes membros, seus delicados
entablamentos, e os caixotões da cúpula ocultam a complexa construção abobadada e dão ao
interior a sossegada ordem cósmica que se perseguia. A zona inferior tem uma rica articulação
plástica com nichos profundos e colunas independentes que representam, por assim dizer, a
ação no espaço. A zona superior apresenta uma ordem simples, de membros antropomorfos, e
a cúpula transmite a harmonia celestial da perfeição geométrica. Deste modo, o espaço
arquitetônico se converte em símbolo significativo da existência do homem no espaço.
As Termas de Caracalla
As termas representam, sem dúvida, a manifestação mais grandiosa do interesse dos romanos
pelo espaço interior concreto. Nas grandes termas imperiais não só existe uma rica variedade
de interiores abobadados e com cúpulas mas também uma nova intenção de reunir estes
espaços a fim de constituir grupos complexos. Ainda que isto se deva a um programa funcional
diferenciado não se pode explicar apenas por razões funcionais. Enquanto as termas de
Pompéia mostram ainda uma distribuição irregular de espaços, as de Tito (80 d.C.) tinham um
traçado estritamente simétrico em relação ao eixo norte-sul. Nas termas de Trajano (109 d.C.)
encontramos também um eixo leste-oeste plenamente desenvolvido. Este esquema, com sua
afinidade com o cardo e o decumanus dos assentamentos romanos, se repete nas termas de
Caracalla (212-216 d.C.) e nas de Diocleciano (298-306 d.C.).
Como o traçado das termas romanas não pode ser explicado de todo em termos funcionais,
podemos deduzir que também têm um significado simbólico. Ou melhor, que o uso
compreendia funções que iam além dos atos físicos do banho e da ginástica. As termas davam
ao visitante a oportunidade de cultivar o espírito mediante a conversação, a leitura e outras
atividades intelectuais e, durante a época imperial, foram verdadeiros centros cívicos onde se
adotavam importantes decisões políticas. Em consequência, deviam ter uma organização
espacial e uma articulação distinta das estruturas puramente utilitárias. Por tratar-se de um
dos mais importantes proscênio da vida romana, as termas tinha que possuir naturalmente a
estrutura espacial que já encontramos ao nos referirmos à paisagem, ao assentamento, e aos
principais tipos de construção romanos. Não é, portanto, mera coincidência que a organização
das termas se assemelhe a da cidade. Mas seria demasiado superficial explicar essa afinidade
como consequência de funções similares. Melhor dito, ambas manifestam a mesma ordem
básica, fato que prova que os romanos aplicavam o mesmo modelo espacial a todos os níveis.
Spalato
Quando se retirou, depois de sua abdicação no ano 305 d.C., Diocleciano fez construir um
importante Palácio na costa dálmata. É difícil estabelecer se se trata de um Palácio ou de uma
pequena “cidade ideal”. De fato, a planta se parece muito com a de um “castrum” romano,
com suas ruas principais que se cortam em ângulo reto e o “praetorium” situado no extremo
do eixo norte-sul. De fato, o Palácio abrigava uma guarnição e estava fortificado como uma
Fortaleza militar permanente. Mas também incluía elementos próprios da arquitetura de vilas
e palácios, como a “loggia” contínua ao largo da fachada meridional.
A planta se inscreve dentro de um retângulo que mede 216m x 180 m. O Palácio estava
rodeado por altos muros com torres quadradas salientes, entradas monumentais flanqueadas
por torres octogonais no meio dos muros setentrional, oriental e ocidental. As portas estão
ligadas por ruas com colunatas que se cortam no centro geométrico da planta, determinando,
assim, o esquema Romano básico do “cardo” e do “decumanus”. As ruas dividem a zona
urbana em 4 partes iguais, duas das quais estavam reservadas para a guarnição e as outras
duas, ao sul para o Palácio propriamente dito e dois espaçosos recintos. A parte oriental
contém o mausoléu do Imperador, e a ocidental um templo consagrado à Júpiter e duas
pequenas rotundas. O eixo principal norte-sul levava a uma grande sala de audiências circular
e a outra vasta sala retangular, também de audiências, que comunicava diretamente com a
loggia meridional que dava para o mar. De modo que o eixo não se detinha mas indicava a
integração do Palácio com um espaço natural mais vasto. De especial interesse é a sequência
espacial formada pela porta áurea, no muro setentrional, o cardo e o peristilo localizado além
da interseção principal, o vestíbulo com cúpula, a “aula” e a abertura central da “loggia”. A
porta estava coroada por uma arcada que continha estátuas do Imperador e dos deuses em
seus nichos. Dentro havia um vestíbulo quadrado coberto por uma cúpula celestial. O percurso
processional levava desde a porta, passando pelo peristilo com arcadas, até o vestíbulo com
cúpula que servia como “salutatorium” do Imperador. Entre o peristilo e o vestíbulo se
levantava um frontão glorificatório no qual o entablamento horizontal estava interrompido no
centro por um arco. Mais que como um edifício, o Palácio foi concebido como uma sucessão
significativa de espaços adaptada à dignidade do Imperador divino.
Dentro desta totalidade dinâmica integrada, o mausoléu e o templo formam uma composição
simbólica complementar. Enquanto o templo está orientado para o sol nascente, o mausoléu
está orientado para oeste. Assim, juntos representam o princípio e o fim, e seu eixo comum
tem um caráter verdadeiramente metafísico. Qualquer um que chegue ao vestíbulo imperial
deve experimentar esta apelação do mistério e os limites da existência humana. Muito
apropriadamente, ambos os edifícios ficam ocultos atrás das arcadas laterais do percurso
principal.
Em geral, o Palácio de Spalato se caracteriza pela ordem estrita e a regularidade. Mas esta
ordem representa algo muito mais profundo que a organização militar da sua sociedade
contemporânea. Ao repetir a ordem do “templum” Romano, o Palácio se torna um autêntico
“palatium sacrum”. Assim, Diocleciano construiu para si um Palácio em forma de “castrum”
não tanto para a sua proteção física, mas porque a planta simbolizava uma ordem divina
universal. Como “cosmocrator”, o Imperador era o supremo poder que regia este mundo, e
seu Palácio era uma manifestação de sua posição dominante. “O “palatium” era, pois, um
conceito e não um edifício específico. Um conceito que implicava um poder universal e divino
que emanava dos deuses e que se manifestava na pessoa do soberano”.
Significado e Arquitetura
Mesmo que os romanos tenham herdado as ordens da arquitetura grega clássica, sua intenção
não era primordialmente simbolizar uma multiplicidade de arquétipos ideais. O novo conceito
de sistema implica, melhor dizendo, que as partes estão condicionadas por uma imagem
compreensiva geral. Os elementos individuais dos gregos foram, assim, substituídos pelo
conceito de interação sistemática. Os filósofos estóicos insistiram na natureza essencial
comum de todos os homens e, consequentemente, sustentaram que havia uma só lei e uma
sua Pátria. Posidônio (135-51 a.C.) considerava que a natureza era um grande sistema e que
todos os seus detalhes estavam ordenados pela Divina Providência. Esta atitude ainda está
presente na filosofia de Marco Aurélio, Imperador de 161 a 180 d.C., que declarou: “Oh
mundo, eu concordo com cada nota de tua divina harmonia”. De modo que, ao invés de
perseguir a perfeição ideal, os romanos sentiam que deviam viver em conformidade com o
plano divino, participando ativamente da história. Para os romanos, a vida terrestre não era
mera reprodução imperfeita de arquétipos ideais, mas uma manifestação direta e significativa
da vontade divina. Assim, podemos compreender que a contradição entre a ordem cósmica e a
ação prática seja apenas aparente. Na realidade, ordem e ação eram interpretados como
aspectos de um mesmo processo histórico.