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Radiojornalismo

no Brasil:
GISELA SWETLANA ORTRIWANO

fragmentos de
história

“A arte da improvisação aconteceu

GISELA SWETLANA
ORTRIWANO
é jornalista, professora
de Radiojornalismo na
ECA-USP e autora de
A Informação no Rádio
(Summus).
gsortriw@usp.br
80
muito, até o rádio começar a entender
que, para usar todo seu potencial,
precisava se organizar; só então, o
rádio disparou em termos de produção,
de qualidade de programação e,
principalmente, de informação”
(Walter Sampaio).
jornalismo esteve presente no rádio des-
de as primeiras experiências de explora-

ção da radiodifusão. As emissoras, de ma-

80 anos de rádio
O neira geral, são inauguradas transmitin-

do algum evento ou, ao menos, informando sobre sua


própria existência. Primeiro meio de comunicação ele-

trônico, operando na velocidade do som, o rádio já nas-


ceu glocal, termo cunhado recentemente em função das

tecnologias hoje disponíveis: tanto contava os fatos do


mundo como os da casa do vizinho.

Fragmentos de uma longa história que ainda não foi

bem contada compõem o texto que procura mostrar um


pouco do trajeto do radiojornalismo brasileiro. Seu am-

biente tradicional é o rádio AM (amplitude modulada);

na FM (freqüência modulada), sua presença está mais


ligada à obrigatoriedade legal, e só a partir dos anos 90

o potencial jornalístico é reconhecido. A opção foi des-


tacar alguns momentos importantes do processo de evo-

lução do jornalismo radiofônico, deixando de lado mui-

80
tos fatos, dados e personagens. Ou seja: muitas outras

histórias possíveis.

“O Rádio, no Brasil, surgiu fazendo vibrar as agulhas


que arranhavam pedrinhas de galena, informando. Isso

ocorreu exatamente no dia 6 de abril de 1919, no Recife,

quando foi fundada a Rádio Clube de Pernambuco” (1).

Na inauguração oficial da radiodifusão brasileira, a 7


de setembro de 1922, como parte das comemorações do

Centenário da Independência, o jornalismo cumpriu seu


papel. O discurso de abertura da Exposição Internacio-

nal do Rio de Janeiro, feito pelo presidente da República


1 Walter Sampaio, Jornalismo
Audiovisual – Teoria e Prática
do Jornalismo no Rádio, na TV
e no Cinema, Petrópolis, Vo-
zes, 1971. Na p. 19, em nota
de rodapé, Sampaio esclare-
ce o significado de pedrinhas
de galena: “Como se sabe, os
aparelhos rudimentares de rá-
dio funcionavam com cristais
de galena, sulfeto de chumbo”.
Epitácio Pessoa, foi transmitido pelos 80 Simplesmente, saiu do ar. Não estava clini-
receptores especialmente importados camente morto, porém, já que ressurgiu em
para a ocasião (a Westinghouse havia ins- 1923, ainda que em condições muito pre-
talado uma emissora, cujo transmissor, cárias, quando o Governo montou, na Praia
de 500 watts, estava localizado no Alto Vermelha, uma pequena estação que trans-
do Corcovado). mitia ‘programas literários, musicais e in-
O jornal A Noite, de 8 de setembro de formativos’. Essas transmissões de fraca
1922, noticiava, sucintamente, o aconteci- intensidade conquistaram um ouvinte fiel
mento sob o título “Um Sucesso de Radio- e ilustre. Um antropólogo brasileiro, Edgard
telephonia e Telephone Auto-falante” (sic): Roquette-Pinto, foi um dos primeiros ou-
vintes assíduos de rádio, no Brasil” (2).
“Uma nota sensacional do dia de hontem
foi o serviço de rádio-telephone auto-fa-

RÁDIO NO BRASIL: DE FATO E DE


lante, grande atrativo da Exposição. O dis-
curso do Sr. Presidente da República, inau-

DIREITO (3)
gurando o certamen foi, assim, ouvido no
recinto da Exposição, em Nictheroy,
Petropolis e São Paulo, graças à instalação
de uma possante transmissora no Corcova- Edgard Roquette-Pinto já experimen-
do e de aparelhos de transmissão e recep- tava o jornalismo radiofônico mesmo an-
ção, nos logares acima”. tes de inaugurar a Rádio Sociedade do Rio
de Janeiro, a 20 de abril de 1923, data que
Encerrando a nota, o jornal carioca com- marca a instalação efetiva e definitiva da
pletava: radiodifusão no Brasil (as transmissões re-
gulares começaram a 1o de maio).
“Desse serviço se encarregaram a Rio de
Janeiro and São Paulo Telephone Company, “Tendo acompanhado as irradiações da
a Westinghouse International Co. e a Westinghouse Eletric no Morro do Corco-
Western Electric Company. À noite, no vado, durante a Exposição do Centenário
recinto da Exposição, em frente ao posto da Independência, Roquette-Pinto incorpo-
de Telephone Público, por meio do rou-se àqueles que se encantaram com o
telephone auto-falante, a multidão teve uma novo meio de difusão. Do encanto passou
sensação inédita. A ópera Guarany, de à prática, montando em 1922, com o cien-
Carlos Gomes, que estava sendo cantada tista Henrique Morize, um pequeno trans-
no Theatro Municipal, foi alli, distincta- missor experimental, com o qual pôs-se a
mente ouvida bem como os applausos aos irradiar, pela sua voz, notícias do dia e
artistas. Egual cousa succedeu nas cidades música erudita destacada de sua coleção de
acima”. discos” (4).

2 Cláudio Mello e Souza, Impres-


sões do Brasil – a Imprensa Terminadas as comemorações do Cen- A partir dessa data, o rádio participou
Brasileira através dos Tempos tenário da Independência, que impressio- de todos os movimentos da vida brasileira.
– Rádio – Jornal – TV, São Pau-
lo, Grupo Machline, s/d. naram o público de acordo com os textos Ajudou a derrubar a República Velha, par-
[1986], p. 163.
dos cronistas da época, as transmissões ra- ticipou da Revolução de 32, fez extensos
3 Alguns aspectos da história do diofônicas foram interrompidas. noticiosos sobre a Segunda Guerra Mundi-
jornalismo no rádio brasileiro
já haviam sido por nós aborda- al. Desempenhou importante papel no Gol-
dos anteriormente. Cf.: Gisela
Swetlana Ortriwano, Os “Não existia um sistema de transmissão pe Militar de 64, participou ativamente da
(Des)caminhos do Radiojorna- regular e, mais importante ainda, de capta- redemocratização durante a Nova Repúbli-
lismo, São Paulo, ECA-USP,
1990 (tese de doutoramento). ção regular das ondas. Por falta de apare- ca e, pouco depois, fez ecoar país afora o
4 Mario Ferraz Sampaio, Histó- lhos receptores e de um projeto capaz de processo de impeachment de um presiden-
ria do Rádio e da Televisão no te da República. Os políticos sempre sou-
Brasil e no Mundo, Rio de Ja-
torná-los acessíveis à população o rádio
neiro, Achiamé, 1984, p. 112. deixou de funcionar e de existir, no Brasil. beram reconhecer sua importância nas cam-

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panhas eleitorais e, na corrida presidencial esmiuçada, interpretada no seu conteúdo e
de 2002, quando o povo depositou suas es- nos seus reflexos no sistema social do Bra-
peranças em um novo perfil administrati- sil e do mundo” (7).
vo, não foi diferente. Não há candidato que
não se interesse em participar de progra- “Que meio para transformar o homem,
mas em emissoras radiofônicas em todas em poucos minutos, se o empregarem com
as cidades por onde passam as comitivas alma e coração”, afirmava Roquette-Pinto
eleitorais. Essa importância se estende a cujas melhores esperanças foram deposita-
atividades de todos os campos de atuação, das no rádio. “Assim ele fazia o Jornal da
sejam conquistas esportivas ou campanhas Manhã, o primeiro jornal falado do rádio
de todo tipo. brasileiro. E improvisava sobre a notícia
A Roquette-Pinto se deve a criação e lida nos jornais matutinos, acrescentando
apresentação do primeiro jornal de rádio novas informações sobre o país de origem,
brasileiro, já no início das atividades da as personagens e os antecedentes do fato”
Rádio Sociedade. (8). Os elogios ao pioneirismo de Roquette-
Pinto vêm sempre acompanhados pela va-
“O Jornal da Manhã não era um simples lorização da qualidade do trabalho que rea-
noticioso, nem um modesto relato dos lizava. “É bom ressaltar que de certa for-
acontecimentos. Era o fato comentado, es- ma foi Roquette-Pinto o introdutor no Bra-
miuçado e interpretado com a autoridade sil do jornalismo de pesquisa dentro do
do sábio. Jornal da Manhã, da Rádio So- rádio” (9).
ciedade do Rio de Janeiro, foi iniciativa As emissões iniciais não eram regula-
jamais igualada. Por meio dele, o comen- res uma vez que as primeiras irradiações da
tarista apreciava os acontecimentos nos própria emissora não apresentavam progra-
noticiários dos jornais, lendo-lhes as man- mas regulares.
chetes e oferecendo um panorama
inigualável de concisão, de realidade e de “Só em 1925 e 26 é que a programação da
objetividade, como somente ele poderia Rádio Sociedade do Rio de Janeiro se fir-
fazê-lo…” (5). mou, começando pela manhã com o Jornal
da Manhã, a cargo do Presidente da entida-
Roquette-Pinto é, de fato, o primeiro de, Dr. Roquette-Pinto. Seguiam-se mais
locutor (e comentarista) do rádio brasileiro. três noticiosos: o do meio-dia, o da tarde e
o da noite. Os demais horários eram toma-
“Com sua voz marcante e bem colocada, dos com números musicais e matéria ins-
5 Saint-Clair Lopes, Comunica-
fazia, pela manhã, a abertura das transmis- trutiva…” (10). ção – Radiodifusão Hoje, Rio
sões. Nessa abertura, lia os jornais que já de Janeiro, Temário, 1970,
pp. 41-2.
havia assinalado com seu lápis vermelho Além do Jornal da Manhã, havia ou-
6 Ana Maria de Souza Barbo-
(hábito antigo), comentando as principais tros programas jornalísticos no rádio brasi- sa, O Pássaro dos Rios nos
notícias do dia, inaugurando, assim, o jor- leiro dos primeiros tempos que mereciam, Afluentes do Saber – Roquette-
Pinto e a Construção da Uni-
nal falado” (6). literalmente, o título de jornais falados: ler versalidade, São Paulo, PUC,
1996, 2 vs., p. 381 (tese de
no rádio as notícias dos jornais impressos. doutoramento).
Saint-Clair Lopes vai além em sua ad- Sem qualquer tipo de elaboração, as notí- 7 “Radiodifusão no Mundo e no
miração: cias eram lidas diretamente do jornal, dan- Brasil”, in IM/Abert, n. 24,
maio 1969, p. 19.
do origem a todo um anedotário próprio: o
8 “50 Anos de Ilusões, entre o
“Com tal gabarito foi elaborado, que ja- locutor, distraído, lê para o ouvinte a notí- Bom e o Ruim”, in O Estado de
mais houve outro que a ele igualasse em cia que termina com um infalível “… con- S. Paulo, 10/6/1973.

profundidade, alcance e qualidade. Nele o tinua na página x”, ou então “… como se 9 Azeni Passos, “Rádio, o Meio
mais Eficaz da Comunicação
Mestre distribuía fartamente informações, pode ver na foto ao lado”, etc. Tentando de Massa, Completa 57 Anos
de Vida”, in Diário Popular,
como devem ser consideradas em seu sen- evitar os riscos que esse procedimento re- 25/10/1979.
tido. Não era um relato, puro e simples dos presentava e solucionar o problema, “pas-
10 Mario Ferraz Sampaio, op.
acontecimentos; era a notícia comentada, sou-se a utilizar o recurso de recortar as cit., p. 144.

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notícias dos jornais e ordená-las de forma “César Ladeira, em particular, adquiriu
mais coerente e lógica, facilitando a leitu- enorme prestígio […]. Diante do microfo-
ra. De forma pejorativa, este procedimento ne da Record, ele costumava dirigir-se aos
ficou conhecido como gillette-press ou te- ouvintes de forma direta, numa conversa
soura-press” (11). Apesar de subverter a sem cerimônia, carregada de emoção e
função do rádio, era comum nos seus pri- apelo patriótico. Nas vozes desses locuto-
meiros tempos e continua presente em res, começaram então a ser ouvidas as crô-
muitas de nossas emissoras, com roupa- nicas escritas por Antonio Alcântara Ma-
gem nova: gillette-press virtual, resultado chado, Genolino Amado, Orígenes Lessa
de copy e paste obtidos em sites da Internet. e, mesmo, Mário de Andrade, que, sob o
“O noticiário, além de muito reduzido, vi- pseudônimo de Luís Pinho, fazia questão
nha com algum atraso, porque era todo de ressaltar o caráter democrático e popu-
colhido nas colunas dos jornais…” (12). lar do movimento revolucionário paulista.
Não existiam ainda repórteres nas rádios, Um pouco mais tarde, Rubem Braga escre-
apenas locutores, abastecidos pela veria também crônicas para a Rádio
recortagem dos jornais. Record” (15).
Segundo Humberto Sodré Pinto, os jor-
nais falados foram lançados no Recife em A Rádio Record de São Paulo foi pio-
1926: “Isto não implica dizer que, até en- neira em vários sentidos. Primeira líder de
tão, as notícias e informações de quaisquer audiência, introduziu logo no início dos
naturezas estivessem ausentes de nossos anos 30 a programação política, levando os
microfones. […] Eram, porém, divulgados políticos até seus estúdios, para as “pales-
esparsamente e sem nenhuma sistematiza- tras instrutivas”, como as denominava Pau-
ção” (13). lo Machado de Carvalho, proprietário da
Em 1932, durante a Revolução Cons- emissora, que assim relembra sua origem:
titucionalista, temos o surgimento do ra- “[…] No distante 30 de novembro de 31,
diojornalismo em São Paulo, mais em ter- dávamos início a uma série de palestras
mos de editoriais, muitas vezes com fortes culturais. O autor-apresentador era nada
conotações de parcialidade. Experiências mais nada menos que Monteiro Lobato”
de diversos formatos jornalísticos estive- (16). A Record foi um marco norteador
ram presentes nas emissoras paulistas des- para diversas mudanças que seriam
de o início, mas era a primeira vez que o introduzidas nas emissoras no processo de
11 Jimmy Garcia Camargo, La rádio era utilizado no Brasil como instru- evolução das empresas radiofônicas.
Radio por Dentro y por Fuera,
Quito, Ciespal, 1980, p. 26. mento de mobilização popular. César La- Em 1932, a Record organizou a cadeia
12 Trecho da exposição de Rena- deira, que ficou conhecido como o “Locu- de emissoras paulistas para a divulgação
to Murce no Primeiro Congres-
so Nacional de Comunicação,
tor da Revolução”, conclamava o povo pela da Revolução Constitucionalista. Logo
realizado no Rio de Janeiro no Rádio Record a pegar em armas por uma depois, introduziu outra inovação: a con-
período de 10 a 16 de setem-
bro de 1971. Cf.: Mario Ferraz Carta Constitucional. Na verdade, hoje se tratação de cast exclusivo, no que seria
Sampaio, op. cit., pp. 172-6. sabe que vários locutores se revezavam na imitada por outras emissoras.
13 “Subsídios para a História do apresentação, procurando manter um pa-
Rádio em Pernambuco”, in Co-
municações & Problemas, n. 2, drão que confundia o ouvinte e deixava a “A Record ia capengando até que estourou
1965.
impressão de que Ladeira estava perma- a Revolução de 32. E aí surgiu – para sorte
14 Reynaldo C. Tavares, Histórias nentemente em ação. “César Ladeira e seus da PRB 9 – o inesquecível César Ladeira
que o Rádio não Contou, São
Paulo, Negócio Editora, 1997, companheiros de microfone Nicolau Tuma, […] que era forçado a falar mais de 12 horas
p. 179.
Renato Macedo e Licínio Neves imortali- por dia. Como fazer, se isso constituiria um
15 David José Lessa Mattos, O Es-
petáculo da Cultura Paulista – zaram-se em memoráveis ‘irradiações’ que esforço demasiado? Naquele tempo, não
Teatro e TV em São Paulo: avançavam pelas madrugadas, transfor- havia os recursos de hoje. Gravar como?
1940-1950 , São Paulo,
Códex, 2002, pp. 149-50. mando a Rádio Record de São Paulo em ‘A Em 1932 não se gravava em fita. Até que
16 Fernando Reis, “O Rádio Riso- Voz da Revolução’, inscrevendo-a defini- Januário de Oliveira, cantor que mais tarde
nho e Franco”, in Propaganda, tivamente na história da radiofonia de São se revelaria um showman extraordinário,
n. 235, fevereiro/1976, pp.
50-1. Paulo e do Brasil” (14). aventou uma idéia maluca. Experimenta-

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ram e deu certo. Ele, o tenor Arnaldo marães, Oduvaldo Cozzi e Ismênia dos
Pescuma e o então quase menino Renato Santos – traduziam peças de rádio-teatro,
Macedo conseguiram imitar César Ladeira eram atores, locutores e até trabalhadores
com perfeição absoluta e, assim, ‘toma braçais, quando preciso” (21). Em março
Ladeira dia e noite’. Parece-me que até o de 1940, Vargas encampou a Estrada de
Raul Duarte – não tenho certeza – entrava Ferro São Paulo-Rio Grande e a empresa A
na brincadeira…” (17). Noite, do mesmo grupo empresarial, que
possuía, além do jornal, várias revistas (Ca-
O jeitinho brasileiro, como se vê, faz rioca, Vamos Ler, etc.) e a Rádio Nacional.
parte da história do rádio. Realmente, César A partir daí, “com o dinheiro do poder
Ladeira é considerado um dos maiores lo- público – a emissora passou a ser uma das
cutores que o Brasil já conheceu. “Seu bo- ‘empresas incorporadas ao patrimônio da
letim, das duas às quatro horas da manhã, União’ – a Nacional tornou-se a maior e
diariamente, terminava com um apelo re- melhor emissora do Brasil” (22).
volucionário a Getúlio Vargas: Que renun- Pioneira no Brasil na exploração radio-
cie o ditador” (18). fônica organizada empresarialmente, a Na-
Paulo Machado de Carvalho conta como cional, entre muitos outros programas de
se deu o envolvimento na Revolução destaque, passaria a transmitir o maior mito
Constitucionalista: do radiojornalismo brasileiro: o Repórter
Esso.
“Em 23 de maio de 32, a Record foi inva- Em 1935, era criada a Hora do Brasil,
dida por um grupo de estudantes. […] In- programa de uma hora de duração que ia ao
vadiram e lançaram manifesto pelo micro- ar de segunda-feira a sábado, com noticiá-
fone. Depois, deixaram-nos documentos es- rio oficial, distribuído pelo DIP (Departa-
critos que guardo até hoje em que declara- mento de Imprensa e Propaganda), a partir
vam que ‘para evitar possíveis represálias de 1937. Mesmo após a queda de Getúlio 17 Mauro Pires, “O Rádio do meu
Tempo”, in Folhetim, Folha de
por parte das autoridades, declaramos que Vargas em 1945, o programa sobreviveu e S. Paulo, 24/9/1978.
nesta data invadimos a Rádio Record e atra- existe até hoje, de segunda a sexta-feira, 18 “Meio Século de Radiodifu-
são”, in Suplemento do Cente-
vés de seus microfones fizemos uma pro- com o nome de A Voz do Brasil. A partir nário, O Estado de S. Paulo,
clamação ao povo, em favor da liberdade dos anos 90 sua obrigatoriedade tem sido 3/5/1975.
no Brasil, pela Constituinte, pela Consti- contestada por várias emissoras e algumas 19 Fernando Reis, op. cit.
tuição’” (19). têm conseguido, por medidas judiciais, não 20 Idem, ibidem.
transmiti-lo ou, ao menos, não no horário 21 Sérgio fonseca, Vera Magyar,
“As Novas Dimensões do Rá-
Logo depois, viria o histórico 9 de julho das 19h às 20h (23). dio”, in Propaganda, n. 235,
e a Record passaria a ter participação des- Não devemos esquecer que o jorna- fevereiro/1976, p. 46.

tacada em todo o episódio da Revolução de lismo esportivo já existia desde o come- 22 Idem, ibidem.
32. Carvalho afirma que antes dessa época ço da década de 30 irradiando partidas de 23 Sobre o assunto, existem vários
artigos em jornais e revistas. Um
já havia iniciado uma programação futebol, corridas automobilísticas, boxe resumo do processo pode ser
jornalística regular: “Em 23 de fevereiro e outros esportes. Nicolau Tuma é consi- encontrado no site da Rádio
Eldorado de São Paulo que li-
de 1932 a Record lançava seu primeiro derado o pioneiro entre os locutores es- dera a campanha: http://
portivos: narrou a primeira partida de www.radioeldoradoam.com.
jornal falado, em combinação com os Diá- br/html/vozbrasil.asp (aces-
rios Associados. Quem o inaugurou foi futebol que o rádio transmitiu, a 19 de sado em 16/11/2002).
Assis Chauteaubriand […] que estava eu- julho de 1931, através da Rádio Educa- 24 Sobre essa primeira cobertura
de um campeonato mundial de
fórico no dia da inauguração e tornou-se dora Paulista. O “Speaker Metralhado- futebol diretamente da Europa,
um entusiasta do radiojornalismo” (20). ra”, como Tuma ficou conhecido na épo- detalhes em: Gisela Swetlana
Ortriwano, “França 1938, III
A Rádio Nacional do Rio de Janeiro, ca por transmitir falando muito rapida- Copa do Mundo: o Rádio Bra-
sileiro Estava Lá”, in Revista
lenda do rádio brasileiro, foi inaugurada a mente, também foi uma das atrações Comunicações & Artes, São
12 de setembro de 1936. “A Rádio Nacio- importantes na Rádio Record em seus Paulo, ECA-USP, n. 34, 2o
quadrimestre 1998, pp. 5-16.
nal foi fundada em 1936, mas viveu em primeiros anos. Em 1938 Gagliano Neto O texto também pode ser en-
crise até 1939. Só não deixou de funcionar narrava, diretamente da França, os Jogos contrado em: http://bocc.ubi.
pt/pag/ortriwano-gisela-
porque três de seus fundadores – Celso Gui- da Copa do Mundo (24). copa1938.html

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“Geralmente, as emissoras eram ecléticas. o desenvolvimento de sistemas de trans-
Faziam de tudo um pouco, mas algumas se missão de maior alcance são conseqüên-
especializaram, como a Panamericana [atu- cias que ressaltam o aspecto jornalístico do
al Jovem Pan], que começou a transmitir rádio. Nesse contexto surgem no Brasil os
futebol e outros esportes. Houve uma épo- primeiros programas que, em sua evolu-
ca em que eles inclusive transmitiam corri- ção, serão os pilares de sustentação que
da de pulga, qualquer coisa [risos]… todos darão origem ao radiojornalismo praticado
os esportes eram cobertos de qualquer até nossos dias: o Repórter Esso e o Gran-
maneira […] mas depois, as transmissões de Jornal Falado Tupi.
ficaram muito mais enfocadas no futebol” “Em 1941, por necessidade imperiosa
(25). de nos colocarmos a par da II Guerra Mun-
dial, surgiu o ‘Repórter Esso’, exatamente
Caminhando a passos lentos, o radio- às 12h55m do dia 28 de agosto, na Rádio
jornalismo foi se desenvolvendo no Bra- Nacional do Rio de Janeiro, precedido do
sil. Se já estava presente desde as primei- prefixo que se tornou célebre, composto de
ras transmissões, só começa a funcionar, fanfarras e clarins, de autoria do maestro
de fato, ganhando espaços e importância, Carioca” (27). Chegava respaldado pelo
com o advento da Segunda Guerra Mun- sucesso já alcançado em Nova York, Bue-
dial. Mas, desde suas primeiras transmis- nos Aires, Santiago, Lima e Havana.
sões, agregava prestígio às emissoras que Naquele dia 28 de agosto de 1941, Cel-
nele investiam. so Guimarães dava a hora certa e, “ao invés
de sair do ar, continua a falar: ‘Alô Repór-
ter Esso!’ Em seguida a um prefixo de

SEGUNDA GUERRA: A ARMA


fanfarras e clarins que seria sua marca re-
gistrada durante 15 anos na Nacional, ia ao

ESTRATÉGICA
ar a primeira edição do ‘Repórter Esso’, na
voz do locutor Romeu Fernandes: ‘Alô, alô,
aqui fala o repórter Esso, criação radiofô-
Durante a Primeira Guerra Mundial o nica da Esso Brasileira de Petróleo e seus
rádio engatinhava como processo de trans- revendedores…’” (28).
missão e, mesmo assim, foi submetido a A McCann Erickson veio para o Brasil
severo controle, inibindo, quase paralisan- em 1935 e Armando de Moraes Sarmento
do seu desenvolvimento. Na época, foi foi o primeiro brasileiro a dirigir uma agên-
basicamente utilizado para fins de comuni- cia de publicidade americana. Em 1941,
cações militares. Emil Farhat, na época já reconhecido como
O rádio foi uma arma estratégica da Se- jornalista, foi para a McCann, da qual aca-
gunda Guerra. As orientações ideológicas bou por tornar-se presidente. É dele o rela-
e as notícias do front precisavam ser to: “Aconteceu uma coincidência curiosa:
divulgadas com a maior rapidez possível. essa agência, na ocasião, estava às voltas
Os jornais impressos, assim como os cine- com o plano de lançamento de um progra-
jornais, não dispunham da agilidade e al- ma noticioso, que viria a chamar-se Repór-
25 Mario Fanucchi, entrevista em cance que começaram a ser requeridos pela ter Esso, e foi aí então que o noviço de
25/5/1998.
nova realidade e o rádio passou a ser enca- propaganda ofereceu, entre outras suges-
26 Jimmy Garcia Camargo, op.
cit., p. 19. rado como um meio essencialmente infor- tões de slogans e textos de anúncios, um
27 Walter Sampaio, op. cit., p. mativo. “A Segunda Guerra Mundial faz que se tornaria a bandeira daquele noticio-
20. do rádio seu instrumento. As notícias suce- so: o primeiro a dar as últimas” (29). E
28 Sérgio Fonseca, Vera Magyar, dem-se a cada minuto, multiplicam-se os Farhat, falando de si próprio, complementa:
op. cit., p. 48.
sistemas informativos, a audiência exige “Mais tarde, ainda durante a guerra, aquele
29 Ricardo Ramos, Do Reclame à
Comunicação – Pequena His- cada vez mais e mais notícias dos diferen- mesmo redator da agência, talvez influen-
tória da Propaganda no Brasil, tes fronts” (26). ciado por seus antigos conhecimentos jurí-
4a ed., São Paulo, Atual, 1987,
p. 59. O aperfeiçoamento dos equipamentos e dicos, criou outro slogan: ‘Repórter Esso,

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testemunha ocular da história’” (30). E utilizava o locutor do horário, não tinha
O Repórter Esso trouxe um novo estilo apresentador exclusivo. “Só mais tarde a
para a informação: agência publicitária encarregada do progra-
ma resolveu fixar-se em vozes próprias, do
“Com um noticiário sucinto, vibrante, de que resultaria a seleção de Rui Figueira, no
cinco minutos exatos de duração. […] Isso Rio Grande do Sul; Casimiro Pinto Netto
foi o bastante para clarear a mentalidade em São Paulo; e, finalmente, Heron
radiodifusora para o velho ângulo da divul- Domingues na Nacional, a partir de 1944”
gação. Transmitido em horários rigorosa- (36). Eram quatro edições diárias: pontual-
mente respeitados, anunciado pela vinheta mente às 8h, 12h55, 19h55 e 22h55, além
musical que se tornou inconfundível, ad- das inúmeras e freqüentes edições extras.
quiriu estatura e autenticidade para ser co- Para que todo esse sucesso fosse alcan-
nhecido e admirado no Brasil inteiro” (31). çado e a lenda se estabelecesse, foram im-
postas condições, seguidas rigorosamente
A voz grave e modulada de Heron Do- pelas emissoras que apresentavam o pro-
mingues, locutor exclusivo do Esso duran- grama (em algumas cidades, foram muda-
te dezoito anos, tornou-se popular em todo das com o passar do tempo).
o Brasil. Aos poucos, várias emissoras bra-
sileiras também passaram a produzir e trans- “Uma hora antes e meia hora depois do
mitir o Repórter Esso, que foi extinto no Repórter Esso nenhuma emissora que o
dia 31 de dezembro de 1968 (32). “O ‘Re- transmitia poderia divulgar qualquer noti-
pórter Esso’ constituiu uma revolução e uma ciário. Esta era apenas uma das severas nor-
semente benfazeja, que logo frutificou no mas adotadas pela empresa e por sua agên-
rádio brasileiro” (33). cia de publicidade no relacionamento com
Surgiu com a preocupação de defender as rádios Jornal do Comércio (Recife), Tupi
as posições dos Aliados na Guerra. No (São Paulo), Nacional (Rio de Janeiro),
começo, era totalmente produzido pela Inconfidência (Belo Horizonte) e
McCann Erickson, agência de publicidade Farroupilha (Porto Alegre), integrantes da
que detinha a conta da Esso – e não pela rede do Repórter Esso” (37).
Rádio Nacional –, unicamente com notí-
cias fornecidas pela UP – United Press (anos “Não há dúvida sobre o fato de que o
depois, associada a outra agência, passa a ‘Repórter Esso’ foi o programa radiojorna-
chamar-se UPI – United Press International), lístico que conseguiu obter os maiores ín-
seguindo as normas rígidas e funcionais dos dices de credibilidade até hoje no Brasil. A 30 Idem, ibidem.
noticiários radiofônicos norte-americanos. moderna história do jornalismo de rádio 31 Saint-Clair Lopes, op. cit., pp.
66-77.
Além do Brasil, programas semelhantes está associada de forma indissolúvel ao pro-
32 Cf.: “E atenção: Acabou o
foram introduzidos por empresas norte- grama que deu, também, alguns dos maio- Repórter Esso”, in Veja, 8/1/
americanas em diversos países latino-ame- res profissionais do jornalismo brasileiro” 1969, p. 57.
ricanos, dentro da chamada “política da boa (38). A partir daí, o radiojornalismo come- 33 Walter Sampaio, op. cit., p.
22.
vizinhança”. “O sucesso do ‘Repórter Esso’ ça a desenvolver sua técnica específica e a
34 Mario Ferraz Sampaio, op.
se deveu a vários fatores: constante renova- fazer parte do dia-a-dia do brasileiro. cit., p. 127.
ção, seleção cuidadosa das notícias, locução 35 “Alô, Alô, Repórter Esso, Alô”,
exemplar, aprimoramento constante acom- “O pacote cultural-ideológico dos Estados in Jornal da Aesp, n. 70, no-
vembro 1987, p. 25.
panhando a evolução do radiojornalismo no Unidos incluía várias edições diárias de O
36 Idem, ibidem.
mundo” (34). Repórter Esso, uma síntese noticiosa de
37 “O Esso Conta a Guerra e
No início, o Repórter Esso “ficou restri- cinco minutos rigidamente cronometrados, Ensina o País a Ouvir Noticiá-
to à Rádio Nacional do Rio de Janeiro e à a primeira de caráter global, que transfor- rios”, in Cadernos de Jornalis-
mo, Sindicato dos Jornalistas
Rádio Record de São Paulo. Em julho de mou o radiojornalismo brasileiro. Com o Profissionais de Porto Alegre,
n. 1, 2a ed., s/d, p. 20.
1942 foi implantado nas Rádios Inconfidên- noticioso, foi implantado o lide; a objetivi-
cia (Belo Horizonte), Farroupilha (Porto dade; a exatidão; o texto sucinto, direto, 38 Mauro De Felice, Jornalismo de
Rádio , Brasília, Thesaurus,
Alegre) e Clube Pernambuco (Recife)” (35). vibrante; a pontualidade; a noção do tempo 1981, p. 59.

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exato de cada notícia; aparentando impar- parar às importância que tinha o Repórter
cialidade e contrapondo-se aos longos jor- Esso’” (41).
nais falados da época. Porém, o formato A vivência na apresentação do Repór-
inovador do noticiário não influiu somente ter Esso proporcionou “um conhecimento
na área profissional mas, também, nas dis- detalhado dos recursos técnicos indispen-
putas políticas, ideológicas e culturais da sáveis para o desenvolvimento de um pro-
época” (39). grama jornalístico radiofônico. Assim, em
1948, Heron Domingues consegue implan-
Durante os 27 anos em que esteve no ar, tar na mesma Rádio Nacional a redação
o Repórter Esso deu em primeira mão as pioneira de radiojornalismo, que recebeu o
principais notícias do Brasil e do mundo, nome pomposo de Seção de Jornais Fala-
sempre fazendo jus a seus slogans: “Teste- dos e Reportagens, descrita como ‘cem
munha ocular da história” e “O primeiro a metros de redação de notícias no 20o andar
dar as últimas”. do edifício de A Noite’” (42). Em texto
Mário Lago nunca se esqueceu do Re- inédito esboçado em novembro de 1949 e
pórter Esso: intitulado “Técnica e Execução do Radio-
jornalismo”, Domingos relacionava, “além
“Todos os tipos de programação eram ou- dos ‘objetivos e importância do radiojor-
vidos, acompanhados com o fanatismo de nalismo’, 22 itens fundamentais para a pro-
sempre, mas naqueles dias os jornais fala- dução e execução corretas de um jornal
dos vinham na cabeça, dominavam o Ibope. falado” (43).
E dos noticiários, quem viveu aqueles dias
me dará razão, o Repórter Esso deixava to- “A Seção de Jornais Falados e Reporta-
dos os outros a perder de vista. Quando gens fundada por Heron Domingues na
entrava no ar a tal musiquinha meio marci- Rádio Nacional organizou, pela primeira
al, meio passo doble, que era sua caracte- vez, um sistema de equipe (um chefe, qua-
rística, principalmente se fosse para anun- tro redatores e um colaborador do noticiá-
ciar edição extraordinária, o Brasil inteiro rio parlamentar), rotina e hierarquia pecu-
parava, pois talvez tivesse chegado o mo- liares a uma redação de jornalismo radio-
mento que todos esperavam. Nós mesmos, fônico. No mesmo texto inédito, ele regis-
no estúdio, já estávamos em assanhamento tra que ‘em 1950, a Rádio Nacional, atra-
total e incontrolável, atropelando as cenas vés do seu setor radiojornalístico, acompa-
e desatentos ao trabalho, quando víamos o nhou os grandes órgãos da imprensa, em pé
Heron Domingues aparecer na técnica, si- de igualdade, na cobertura do período pré
nal de que a novela ia ser interrompida para e pós-eleitoral. Foi quando definitivamen-
transmissão de um telegrama quentinho, e te se consolidou o conceito de reportagem
corríamos ao seu encontro, esperançosos radiofônica” (44).
39 Luciano Klöckner, “O Repórter de sabermos a novidade antes dos ouvin-
Esso e a Globalização: a Pro-
dução de Sentido no Primeiro tes” (40). Em 1953 foi criada a Rede Nacional de
Noticiário Radiofônico Mundi-
al”, in XXIV Congresso Brasilei- Notícias que permitia a retransmissão, pe-
ro da Comunicação, Intercom, Lago afirma que, mesmo quando outra las ondas curtas, dos jornais falados da
Núcleo de Pesquisa Mídia So-
nora, Campo Grande, MS, se- emissora dava uma notícia, “se o Esso não Nacional por dezenas de emissoras no inte-
tembro/2001.
confirmasse era como se não tivesse havi- rior do Brasil.
40 Mário Lago, Bagaço de Beira
Estrada, São Paulo, Civilização
do essa notícia”. E, apesar da evolução No dia 3 de abril de 1942, a Rádio Tupi
Brasileira, 1977, pp. 107-8. dos meios de comunicação, conclui: “Eu de São Paulo começa sua tradição jornalís-
41 Idem, ibidem, p. 108. sou como o caipira de Monteiro Lobato. tica, colocando no ar, às 22h, a primeira
42 Sonia Virgínia Moreira, O Rá- Acocoro-me sobre os dedões dos pés, con- edição de outro mito: o Grande Jornal
dio no Brasil, Rio de Janeiro,
Rio Fundo Editora, 1991, p. tinuo picando meu fuminho caboclo, cus- Falado Tupi. Criado por Coripheu de Aze-
27. pindo para o lado e me rindo na alegria das vedo Marques e Armando Bertoni, com
43 Idem, ibidem, p. 27. gengivas puras: ‘Tem jeito não, seus mo- uma hora de duração diária, pode ser con-
44 Idem, ibidem, p. 28. ços. Ainda não apareceu nada pra se com- siderado o primeiro “jornal de integração

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nacional”, sendo ouvido em todo o ar, pela primeira vez, a 3 de abril de 1946.
“interiorzão” do país. O Grande Jornal Fa- Foram 10.287 edições, a última a 31 de
lado Tupi possuía, segundo Mario janeiro de 1977.
Fanucchi, que trabalhou no programa, duas
características principais: “O Matutino chegou a ter mais de 4 mi-
lhões de ouvintes fixos no interior do País,
“Em primeiro lugar, havia aquela informa- e saiu do ar por ‘interesses comerciais fa-
ção de interesse popular, para localização voráveis à emissora’, segundo o diretor ar-
de pessoas, localização de parentes e reca- tístico Caion Gandia. O Matutino, com a
dos urgentes para locais de difícil acesso. morte de Coripheu, perdeu a qualidade e
A outra característica era a programação ‘passou a viver apenas da tradição’, permi-
voltada para a valorização do município, tindo ser derrotado pela concorrência de
da pequena célula, da importância dos outras emissoras” (48).
meios para que os municípios se desenvol-
vessem bastante e que o país todo ganhasse Foram 31 anos desbravando as manhãs
com esse tipo de coisa” (45). para a informação, com grande audiência
no interior do país, destacando a notícia de
Dirigido pelo jornalista Coripheu de interesse popular, os recados urgentes para
Azevedo Marques, contava locais de difícil acesso e a valorização do
município, da proximidade com o ouvinte.
“com as vozes dos locutores Ribeiro Filho, Algumas emissoras começam a especia-
Alfredo Nagib, Mota Neto, Auriphebo lizar-se. A Rádio Panamericana, de São
Simões e do próprio Corifeu (sic) que, a partir Paulo, a partir de 1947, transforma-se na
das 9 horas da noite, fazia a chamada das “Emissora dos Esportes”, conseguindo li-
principais manchetes a serem irradiadas, derança de audiência e introduzindo mui-
alertando os operadores das emissoras que tas inovações nas transmissões esportivas,
entravam em cadeia, para a transmissão que contribuem para que a linguagem
daquele noticioso. – Atenção, senhores ou- radiofônica evolua rapidamente, ao mes-
vintes, faltam (números) minutos para ‘O mo tempo em que dão origem a soluções
Grande Jornal Falado Tupi’ onde os desta- técnicas extremamente criativas. É também
ques serão (lia 3 ou 4 manchetes)” (46). a fase em que o radiojornalismo começa a
surgir como atividade mais estruturada,
O Repórter Esso e o Grande Jornal com o lançamento de alguns jornais que
Falado Tupi foram os primeiros, no Brasil, marcaram definitivamente o gênero.
a mostrar preocupação quanto a uma lin-
guagem específica para o rádio, procuran-

O RADIOJORNALISMO
do elaborar a notícia de forma a atender as
características do meio radiofônico e não

PÓS-TELEVISÃO
do jornalismo impresso. “O ‘Repórter Esso’
abrindo fronteiras, o ‘Grande Jornal Fala-
do Tupi’ buscando todas as nossas frontei-
ras, levando informações, reportagens e co- A forte concorrência da televisão co-
mentários até então inacessíveis aos brasi- meça a ser sentida pelo rádio a partir dos 45 José Coelho Sobrinho (org.),
Flagrante de uma Época, São
leiros de todos os rincões, começavam a anos 50, iniciando um longo processo de Paulo, ECA-USP, s/d.,
definir o embrião do radiojornalismo na- busca por caminhos que lhe permitam so- (mimeo.).

cional…” (47). breviver. O rádio enfrentou a nova realida- 46 Reynaldo C. Tavares, op. cit.,
p. 153.
Muitos foram os programas importan- de da segunda metade do século passado
47 Walter Sampaio, op. cit., p.
tes na história do nosso radiojornalismo. buscando alternativas. A televisão, inau- 22.
No período da manhã é preciso ressaltar o gurada no Brasil em 18 de setembro de 1950, 48 Moacyr Castro, “Sai do Ar o
Matutino Tupi, também criado por definitivamente, ocupou o primeiro plano Matutino Tupi; sem Anunciar o
Próprio Fim”, in O Estado de
Coripheu de Azevedo Marques, que foi ao entre os meios de comunicação, levando S. Paulo, 6/2/1977.

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consigo as verbas publicitárias, os profis- vel fragmentar as entrevistas, depoimen-
sionais e a audiência. À noite ela passa a ser tos, etc. e remontar os trechos seleciona-
a grande estrela. O rádio procura outros dos, procedimento que se tornou rotineiro.
espaços e descobre no período matutino o Se antes era conveniente que se empregas-
seu horário nobre. Das produções caras, se a síntese na emissão, na elaboração da
com muitos contratados, o rádio chega a se mensagem por parte de seu autor, com o
tornar quase um vitrolão que apenas repro- surgimento do gravador magnético tornou-
duz a música gravada em discos, deixando se possível obter essa síntese pretendida
de produzir programas adequados às suas cortando os trechos indesejados.
características como meio de comunicação. O transistor foi a inovação tecnológica
Terminada a fase de ouro, o rádio en- que mais revolucionou o rádio. Apresenta-
contra na eletrônica seu maior aliado. Uma do ao mundo em 1947, começa a se popula-
série de inovações tecnológicas são espe- rizar alguns anos depois, simplificando o
cialmente favoráveis ao renascimento do processo e melhorando a qualidade das trans-
rádio e à transmissão jornalística. Entre elas, missões radiofônicas. O aparelho receptor
o gravador magnético, o transistor, a fre- não precisa mais estar ligado às tomadas de
qüência modulada e as unidades móveis de eletricidade, seu tamanho fica cada vez mais
transmissão. reduzido e seu preço mais baixo. E o ato de
O gravador magnético começa a modi- ouvir torna-se individualizado. Ao mesmo
ficar o rádio logo após o término da guerra, tempo, o rádio ganha em mobilidade, tanto
tornando-se equipamento comum a partir de emissão como de recepção. Os automó-
dos anos 50. Passou a ser possível fazer veis passam a dispor de receptores; os gra-
montagens sonoras editando cuidadosa- vadores magnéticos ficam mais compactos
mente os trechos escolhidos, além de re- e livres dos fios e tomadas, facilitando seu
produzir imediatamente a gravação. “As manuseio e integrando-se a todas as cober-
reportagens tiveram com este sistema seu turas jornalísticas em que o rádio esteja pre-
melhor aliado, contribuindo para que, pou- sente. Hoje extremamente portáteis, com
co a pouco, fosse menor a quantidade de seus microfones embutidos, permitem cap-
programas ao vivo, dando à programação tar o palco da ação sem necessidade de ne-
um caráter distinto, com maior qualidade e nhuma infra-estrutura de apoio.
pureza” (49). A exploração da freqüência modulada
O uso do gravador magnético de som (FM) a partir do início da década de 50 – no
no rádio brasileiro surgiu no final dos anos Brasil, quase vinte anos depois – permite
40 e foi se tornando habitual a partir da ao rádio desenvolver um dos elementos
década de 50. “Os primeiros gravadores essenciais em sua busca pela sobrevivên-
geralmente usados no Brasil eram da linha cia diante da televisão: o aspecto local. Com
amadorística, ainda muito pesados, pouco qualidade sonora superior ao da amplitude
portáteis e de manejo não muito prático. Só modulada (AM) explorada até então (basi-
quando os gravadores de fita foram transis- camente, através das ondas médias – OM –
torizados é que se produziram aparelhos e das ondas curtas – OC; posteriormente,
realmente portáteis e em condições de aten- no Brasil, também em ondas tropicais –
derem aos serviços de reportagens exter- OT), a FM tem custo de transmissão infe-
nas” (50). rior, permitindo aumento considerável do
Mas é bom salientar que, se, por um número de emissoras em operação. Parale-
lado, o gravador magnético deu ao rádio lamente, torna-se possível o emprego de
maior agilidade, mais versatilidade, bara- unidades móveis de transmissão, valorizan-
teou custos pois programas – ou trechos – do sobremaneira a agilidade do rádio e suas
poderiam ser repetidos e melhorou a quali- características, como imediatismo, simul-
49 Jimmy Garcia Camargo, op. taneidade e mobilidade.
dade das gravações externas, por outro,
cit., p. 23.
permitiu também maior controle sobre o No início, ainda nos anos 60, as FMs
50 Mario Ferraz Sampaio, op. cit.,
p. 157. conteúdo das mensagens: passou a ser viá- fornecem “música ambiente” para assinan-

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tes interessados em ter um background ção (meia hora, uma hora) foram pratica-
apropriado. Posteriormente, a partir dos mente abolidos, havendo quase que um só
anos 70, as transmissões utilizariam canais programa durante as 24 horas do dia, diri-
abertos, surgindo um número elevado de gido rigorosamente a um só segmento do
rádios, todas voltadas para a programação público. No Brasil, a especialização che-
exclusivamente musical. A primeira foi a gou a partir de meados dos anos 70, ga-
Rádio Difusora de São Paulo (FM), fato às nhando força alguns anos depois. Música,
vezes contestado uma vez que a Eldorado jornalismo, prestação de serviços, espor-
de São Paulo, quando foi fundada, em 1958, tes foram as linhas básicas adotadas, sem-
transmitia em ondas médias e, “por ques- pre de olho no público-alvo pretendido,
tão de prestígio usava também a FM para visando a melhor exploração das poten-
transmitir só música, fora da faixa comer- cialidades comerciais do meio.
cial” (51). Em várias partes do Brasil exis- Gêneros e formatos diferenciados foram
tiram transmissões em FM ainda não devi- sendo experimentados. Entre as várias es-
damente divulgadas uma vez que a história pecializações, no jornalismo surgiram as
do rádio brasileiro continua mal contada, rádios all news, que apresentam apenas no-
resumindo-se ao Rio de Janeiro e a uma ou tícias, e as talk & news, em que o espectro de
outra capital, sem levar em conta detalhes formatos jornalísticos é mais amplo englo-
do restante do país. bando notícias, entrevistas, comentários etc.
Amparado pela eletrônica, o rádio via Na prática, os modelos teóricos não se apre-
nascer um novo caminho: a especialização sentam em suas formas puras, mesclando-
das emissoras e a segmentação de públicos. se em diferentes composições: news, talk,
Essas tendências já se manifestavam nos all news, all talk e outras mais que possam
EUA desde o início da década de 60. No resultar da criatividade do jeitinho brasilei-
Brasil, é nos anos 80 que ela se impõe, prin- ro. Essas propostas ganham espaço a partir
cipalmente nos grandes centros urbanos. dos anos 90 apesar de terem surgido no rá-
dio norte-americano, geralmente em emis-
“Uma vez que as empresas radiofônicas soras FM, no início dos anos 60.
começaram a encarar o fato de que a tele- A primeira emissora all news de que se
visão lhes havia usurpado o lugar como tem conhecimento é a XTRA, de Tijuana,
distribuidoras de entretenimento geral para no México (mas que transmitia da Califórnia
as massas, começaram a experimentar no- do Sul), pertencente a Gordon McLendon.
vos formatos e descobriram que, em con- Em 1961, McLendon, que também foi um
junto, poderiam atrair fragmentos de seu dos pioneiros no uso do rock 24 horas por
público anterior, formulando fortes chama- dia como especialização, transformou a
mentos a frações determinadas da popula- XTRA em all news. Três anos mais tarde,
ção” (52). outra emissora de sua propriedade, a WNUS,
de Chicago, adotava a mesma programação
Surge a programação baseada no tripé especializada em notícias. Em abril de 1965,
música-esportes-notícias. Paralelamente, a WINS, de Nova York, muda, repentina-
diferentes experiências de uso do rádio mente, de rádio especializada em rock para
como meio democrático também ganharam all news. Após despedir todos os seus disc-
espaços: livres, piratas, comunitárias. jóqueis “contratou 27 jornalistas especia-
Com a segmentação do mercado e as lizados em rádio e passou a transmitir notí-
emissoras especializando-se em diferentes cias 24 horas por dia” (53). 51 “A Rádio dos Ricos”, in Veja,
tipos de programação, surge a figura do Presença constante no rádio desde sem- 9/12/1970, pp.84-5.

disc-jóquei e o desenvolvimento de pro- pre, é nessa fase que o jornalismo é regula- 52 William H. Honan, “El Nuevo
Sonido de la Radio”, in Lluís
gramações de interesse limitado a deter- mentado, tornando-se obrigatório na pro- Bassets (ed.), De las Ondas
gramação. O Código Brasileiro de Tele- Rojas a las Radios Libres, Bar-
minadas faixas de público. Em algumas celona, Gustavo Gili, 1981,
emissoras a especialização foi tão radical comunicações, instituído pela Lei n. 4.117, pp. 97-113.
que os programas de curta ou média dura- de 27 de agosto de 1962, determina, em seu 53 Idem, ibidem, pp. 102-4.

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Capítulo V, art. 38, letra h: “As emissoras de leiro. Esse sistema, o RB-55, é um mistério
radiodifusão, inclusive televisão, deverão na sua origem, porque foi implantado por
cumprir sua finalidade, destinando um mí- um cidadão que se intitulava, na época,
nimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo psicólogo de massas. O nome dele era
para a transmissão de serviço noticioso”. Carlos Pedregal, não se sabe bem se ele era
O rádio foi mudando seu perfil para argentino, se era espanhol ou se era de um
enfrentar os novos tempos e o jornalismo outro país sul-americano, ou ibero-ameri-
não poderia ficar de fora. Uma inovação de cano. Ele se apresentava como Professor
programação noticiosa foi lançada pela Bascaran. Não sei que fim levou essa figu-
Rádio Bandeirantes, em 1955, mostrando- ra, mas era um homem extremamente cria-
se revolucionária e influenciando a progra- tivo, e conseguiu convencer a direção da
mação das outras emissoras. “A Bandei- Bandeirantes a fazer uma revolução na sua
rantes de São Paulo fez-se pioneira no sis- programação” (56).
tema intensivo de noticiário […] em que as
notícias com um minuto de duração entra- A tradição jornalística mantém-se na
vam a cada quinze minutos e, nas horas Bandeirantes e ao longo de sua história
cheias, em boletins de três minutos” (54). destacou-se por alguns pioneirismos. Em
O crítico Walter Silva, o “Pica-pau”, 1950 foi a primeira emissora brasileira a
esmiúça, em depoimento, a proposta da transmitir ininterruptamente, 24 horas, fa-
Bandeirantes. çanha cujo slogan enfatizava: “Abrimos a
Bandeirantes e jogamos a chave fora”; em
“Em 1955, […] Oswaldo Moles e um as- 1955, no já citado Sistema RB-55, os inter-
trólogo chamado Professor Bascaram [sic] valos comerciais concentravam-se em três
resolveram mudar todo o sistema de irradia- minutos, numa época em que as emissoras
ção de textos daquela emissora, imediata- levavam ao ar intermináveis reclames. A
mente apoiados por Edson Leite. […] Cons- formação da Cadeia Verde-Amarela Nor-
tava do sistema […] eliminar os textos li- te-Sul do Brasil, para a transmissão da Copa
dos por locutores comerciais de intervalo do Mundo da Suécia em 1958, integrada
em intervalo. Segundo o plano, eles seriam por 400 emissoras em todo o Brasil, foi
interpretados por radioatores e irradiados outro marco do rádio e, segundo a empresa,
apenas de meia em meia hora […]. Foi um na ocasião “registraram-se os maiores ín-
sucesso tão grande que, meses depois, dices de audiência em São Paulo que uma
muitos faziam fila para anunciar dentro do emissora jamais alcançou”: mais de 90%.
sistema adotado pela emissora. Novos pro- Em 1962, é a vez da primeira experiência
gramas surgiram. […] Henrique Lobo cui- de geração simultânea de programa – o
dava da direção artística e foi implantando jornalístico Primeira Hora –, entre São
novos programas que, mais tarde, junto com Paulo e Rio de Janeiro. O Sistema BandSat
a programação esportiva, dominavam a AM, pioneira rede de rádio via satélite do
preferência nacional, derrubando o prestí- Brasil, iniciou suas operações em 1989 e,
gio de mais de vinte anos da ‘Rádio Na- dez anos depois, foi a primeira emissora
cional’” (55). brasileira a internacionalizar sua progra-
mação pela Internet, através da Rádio Alfa
Trabalhando desde 1953 na emissora, FM de Paris (57).
54 Walter Sampaio, op. cit., p. Walter Sampaio participou do processo e O jornalismo da Bandeirantes AM de-
22. conta um pouco dos bastidores dessa his- tém alguns recordes históricos. O Pulo do
55 Cláudio Mello e Souza, op. cit., tória: Gato, com seus sete fôlegos, está miando e
pp. 230-1.
se renovando desde 2 de abril de 1973,
56 Walter Sampaio, entrevista em
12/5/1998. “A Rádio Bandeirantes de São Paulo […] sempre sob a apresentação de José Paulo
57 Dados disponíveis no site http: vai ser realmente a mais popular emissora de Andrade: é campeão mundial em per-
//www.radiobandeirantes. paulista quando implanta um sistema ab- manência no ar, no mesmo horário, mesmo
com.br/historia/index.asp
(acessado em 16/11/2002). solutamente revolucionário no rádio brasi- prefixo e mesmo apresentador. É também

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pioneiro em inaugurar o horário das 6h para de serviços, de informações sobre todos os
o jornalismo no rádio brasileiro. setores” (59). Inicialmente, o serviço de
Outro orgulho: fazer jornalismo de opi- utilidade pública surgiu nas rádios divul-
nião, não apenas de informação. O Jornal gando notas de achados & perdidos. Aos
Bandeirantes Gente, no ar desde 1978, é poucos, foi se ampliando, chegando a criar
exemplo dessa tendência, assim como seu setores exclusivos dentro das emissoras.
antecessor, O Trabuco, criação e apresen- A Rádio Jornal do Brasil também foi a
tação de Vicente Leporace. O Jornal Pri- primeira emissora a adotar o sistema all
meira Hora é o mais antigo da emissora, news entre nós. A novidade foi introduzida
estando no ar desde 1962. Apesar dos mui- em maio de 1980, procurando criar um novo
tos pioneirismos, recordes e experimenta- hábito na audiência: ouvir notícias sucessi-
ções, a Bandeirantes é umas das emissoras vas a maior parte do dia. “Seis anos depois,
menos estudadas do rádio brasileiro. a cúpula administrativa e redacional da
No final da década de 50, outra experi- Rádio chegou à conclusão de que esse não
ência dentro da estrutura que estava sendo era o sistema ideal para a manutenção de
sedimentada no radiojornalismo marca o uma emissora como a Jornal do Brasil AM,
início de modificações profundas nos jor- com um público cativo, que durante mais
nais falados quando a Rádio Continental de vinte anos se acostumara à programação
do Rio de Janeiro torna-se a primeira emis- solidamente implantada: música de quali-
sora brasileira especializada em reportagens dade e informação correta” (60).
externas, uma criação de Carlos Palut. Nos seis anos que durou a experiência,
a chefia do departamento de jornalismo foi
“Operadores e rádio-repórteres (sic) saíam mudada seis vezes. Acima de tudo, parece
juntos para as tarefas, e a primeira provi- ter faltado à JB o investimento indispensá-
dência era a instalação de microfones nos vel, tanto em equipamentos quanto em mão-
locais onde se realizariam as solenidades. de-obra especializada, orientado por uma
Os telefones tinham de ser matados (ex- estratégia empresarial e filosofia de traba-
pressão que significa bloquear os apare- lho definidas.
lhos de telefone, cujas linhas são utilizadas Em São Paulo, a Rádio Panamericana,
nas transmissões diretas). Como naquele a Jovem Pan AM, tem no jornalismo a es-
tempo os aparelhos de gravação eram mui- pinha dorsal de sua programação desde o
to pesados, precisavam ser levados por final da década de 60, mas nunca se posi-
vários funcionários. Muito trabalho tinha cionou como uma emissora all news. O
de ser gravado. Carlos Palut levantava os objetivo era dar ênfase à programação mais
assuntos, realizava as gravações e posteri- falada, que buscava reencontrar o diálogo
ormente eles eram levados ao ar, no Jornal com o público, surgindo programas como
de Reportagem” (58). o Show da Manhã, em que o locutor Kalil
Filho montou uma verdadeira rede de troca
No Brasil, o serviço de utilidade públi- de informações, que iam desde receitas
ca – ou prestação de serviços – foi introdu- culinárias a fontes de pesquisa para traba-
zido pelo jornalista Reinaldo Jardim na lhos escolares. Nessa época, a Jovem Pan
Rádio Jornal do Brasil AM, do Rio de Ja- instalou um serviço particular de meteo-
neiro, em 1959, com o objetivo de restabe- rologia, além de dar destaque às condições
58 Mauro De Felice, citado por
lecer o diálogo com os ouvintes. Atualmen- do trânsito, das estradas, ofertas de empre- Sonia Virgínia Moreira, op.
cit., p. 30.
te, este é um tipo de programa adotado por go, reclamações do público, etc. A partir de
59 José Coelho Sobrinho (org.),
emissoras em todo o país constituindo im- 1967 cria uma equipe de jornalismo bem op. cit.
portante fonte de informação e participa- estruturada que muda a imagem da emisso-
60 Sonia Virgínia Moreira, “Jorna-
ção para os ouvintes. Para Mario Fanucchi, ra, de esportiva para jornalística e de pres- lismo na Rádio Jornal do Brasil
AM”, in Gisela Swetlana
“no seu esforço de sobrevivência, o rádio tação de serviços, sem que o esporte deixe Ortriwano (org.), Radiojornalis-
encontrou no jornalismo um apoio maior de ter espaço na programação. A reporta- mo no Brasil – Dez Estudos
Regionais, São Paulo, Com-
para desenvolver um trabalho de prestação gem de rua foi intensificada e a informação Arte, 1987, pp. 19-43.

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passa a estar presente não mais em horários as expectativas e ritmos da vida, com a inter-
fixos mas no momento em que o fato acon- relação entre os meios de comunicação e
tece, a qualquer hora do dia ou da noite. O seus diferentes suportes. E isso afeta o jor-
Jornal da Manhã foi líder na integração do nalismo e os jornalistas que estão no rádio.
território via rede de emissoras de vários Transmitindo por satélite, a formação
estados. E o repita!, toda vez em que era de redes nacionais de rádio ágeis e com boa
dada a hora certa, criação do locutor Anto- qualidade sonora é favorecida. Ao contrá-
nio Alexandre (e muito usado pelo apre- rio das cadeias radiofônicas em que a emis-
sentador Wilson Fittipaldi, o “Velho Ba- sora líder comandava e todas as demais,
rão”), incorporou-se ao rádio, sendo um dos muitas vezes centenas, apenas retransmi-
jargões mais conhecidos. Também não tiam sem nenhuma participação no conteú-
podemos esquecer a especialização do, a rede pressupõe a produção em distin-
territorial uma vez que a Pan deixava bem tas camadas: nacional, regional, local. O
clara sua preferência pela área nobre dos jornalismo é valorizado se receber a aten-
Jardins, região que concentra uma popula- ção necessária. O acesso à tecnologia igua-
ção com alto poder aquisitivo na cidade de la as emissoras e seus produtos: o grande
São Paulo, como público-alvo. diferencial será a qualidade dos profissio-
Fora do eixo São Paulo-Rio, temos a nais e sua criatividade artesanal.
Rádio Gaúcha, AM, de Porto Alegre que, Experiências de rádio por satélite estão
desde o final dos anos 50, tem no jornalis- em andamento, principalmente nos EUA.
mo sua característica principal, com noti- Grandes empresas automobilísticas, como
ciários e comentários durante a programa- GM, Ford, Volkswagen, Mercedes Benz,
ção. Fundada em 8 de fevereiro de 1927, a Jaguar, etc., têm fechado acordos com as
Rádio Gaúcha foi vendida em 19 de no- principais empresas de rádio por satélite –
vembro de 1957 ao grupo que deu origem a XM e a Sirius – para oferecer o Digital
ao que se constitui hoje uma das maiores Satellite Radio (DSR) nos modelos das mar-
redes de comunicação no Brasil: a Rede cas. Por meio de assinatura, o receptor terá
Brasil Sul – RBS, que conta com emissoras à disposição grande número de emissoras
em vários estados. altamente segmentadas cobrindo todo o
Se na batalha pela sobrevivência que o território. A indústria automobilística tam-
rádio enfrentou a partir dos anos 50 o bém demonstrou interesse na produção de
radiojornalismo foi importante, no Brasil programação, o que representa um dos
poucas emissoras utilizaram como arma a indicativos de que os investimentos na
estratégia da programação jornalística. Na exploração da radiodifusão poderão ter ori-
grande maioria, o jornalismo continua sen- gens em diferentes setores da economia.
do tabu. Exige investimentos, responsa- O rádio digital permite uma hiperseg-
bilidade, persistência; em contrapartida, mentação com produções altamente dire-
o retorno vem na forma de audiência, pres- cionadas para cada público-alvo. “As van-
tígio e lucro. tagens serão a melhora na qualidade sono-
ra, através de uma recepção livre de inter-
ferência, além de serviços de dados adicio-

NEWS, ALL NEWS, TALK & NEWS…


nais ao áudio, sem fio e maior utilização da
banda” (61), explica Ronald Siqueira Bar-

É NOTÍCIA NA REDE!
bosa, coordenador do Grupo SET/Abert
(Associação Brasileira de Rádio e Televi-
são) de Rádio Digital. Por enquanto, per-
Algumas tendências se delinearam. Às sistem dúvidas e problemas. Quando o pro-
vezes meras reinterpretações do rádio de cesso de digitalização estiver implantado,
sempre; outras, possibilidades que surgi- o rádio vai deixar de ser somente som para
61 “Este Jovem Senhor, o Rádio”, ram não apenas com a evolução tecnológica ser áudio, imagem e dados.
in Portal Imprensa (http://
www.uol.com.br/imprensa) mas também com o momento social, com “A grande contribuição que o rádio di-

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gital vai oferecer para o jornalismo vai ser fenômeno presente em outros países há
a oportunidade de transmitir notícias com quase meio século. Contingências históri-
a qualidade de um CD”, segundo o presi- cas motivadas por interesses econômicos
dente da Aesp (Associação Paulista das forçaram a transmissão somente de música
Emissoras de Rádio e Televisão) José Inácio ambiente em seu início. O rádio FM tem
Genari Pizani. “O padrão AM vai ser supe- qualidade sonora mais sofisticada e, por-
rior ao FM de hoje”, explica Paulo Macha- tanto, condições de reproduzir melhor qual-
do de Carvalho Neto, presidente da Abert, quer som, seja música ou fala. Em muitos
“o que vai transformar as emissoras de jor- países, o processo já se inverteu: a AM
nalismo tradicionais em potenciais compe- apenas reproduz a programação produzida
tidoras no mercado” (62). Na Europa, o para a FM. E, com a tecnologia das teleco-
projeto Eureka-147, via Digital Audio municações, um celular de tamanho míni-
Broadcasting (DAB), está em operação ex- mo permite cumprir outra característica tão
perimental desde os anos 80. cara ao rádio: o imediatismo, ou seja, a si-
Para o jornalista, a convergência multi- multaneidade na emissão.
mídia impõe-se como um sistema de traba-
lho à medida que o digital se estabelece, “O rádio FM tem hoje uma ‘cara’ diferente
alterando a própria formatação da notícia do AM por circunstâncias. O FM nasceu
em rádio. num lugar que já tinha uma AM pois nin-
guém vai fazer rádio com as mesmas carac-
“Nos modelos já disponíveis de receptores terísticas. A alegação era a seguinte: me-
de rádio digital, há um visor em que apare- lhor som, melhor estereofonia então ‘va-
cem transcritas informações adicionais que mos tocar música, rádio FM é música, é
não estão no áudio das matérias ou dos rádio para música’. E o AM fica para o
programas que vão ao ar, assim como foto- resto. E, assim, não há concorrência entre
grafias e mesmo imagens em movimento. duas emissoras da mesma empresa. Esse é
O jornalista não vai ser um produtor apenas um dos motivos, talvez o principal. Na
de informação sonora. Vai formatar textos minha concepção, rádio é rádio de qual-
e imagens. E o ouvinte poderá ter informa- quer jeito, pode fazer qualquer coisa. Por
ção mais completa” (63). exemplo, a CBN hoje está fazendo radio-
jornalismo na FM no mesmo tom que faz
Na Internet o rádio tem suas particulari- na AM. É possível fazer rádio sem estar
dades. Na transmissão comum, se o ouvinte caracterizado pelo meio, pela forma de
perde a atenção, não pode voltar a notícia ou transmissão” (64).
a música para ouvir novamente, caracterís-
tica da instantaneidade, ou seja, a simulta- All news é outra das facetas muito alme-
neidade na recepção. Na Web, mesmo nas jadas pelo radiojornalismo. Diversas emis-
transmissões ao vivo, os sites podem soras têm programação jornalística com
disponibilizar os arquivos de áudio para que pretensão de serem news, de preferência
os ouvintes possam escutá-los posteriormen- all news. Com perfil jornalístico, algumas
te, on demand. As rádios virtuais são espe- operam em rede, outras são locais. A infor-
cialmente produzidas para a Internet; mas mação está presente durante todo o dia e a
emissoras convencionais a utilizam como música, via de regra, surge como informa-
suporte para suas transmissões normais. A ção complementar, não mais como peça de
presença do rádio na WWW, por enquanto, resistência. Mas essas emissoras, em sua
é tão diversificada quanto a própria Internet. maioria, mesmo se pretendendo news, são
Tudo pode ser encontrado, de emissoras talk, com programação predominantemen-
altamente especializadas a meras caixas de te comandada por âncoras – antes conheci- 62 Idem, ibidem.
música, para muitos gostos. dos como apresentadores – encarregados
63 Idem, ibidem.
Tendência já acentuada é a mudança do de entremear as notícias com muita torren-
64 Mario Fanucchi, entrevista em
jornalismo das emissoras AM para as FM, te verbal. 25/5/1998.

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“CBN – a Rádio que toca notícia. Em blico) passou a retransmitir a programação
formato all news, a CBN traz a cobertura da CBN (ex-Excelsior), para “ocupar o
dos principais fatos do país e do exterior. canal”, a baixo custo.
Caracterizada por ser uma emissora plural, Heródoto Barbeiro, gerente de Jornalis-
dá espaço para as diversas vozes da socie- mo/SP, âncora do principal jornal da rede e
dade, na busca constante da isenção e figura decisiva na elaboração e implantação
credibilidade.” Este é o conceito que a CBN do projeto, defende a segmentação e a defi-
– Central Brasileira de Notícias divulga, nição clara do público-alvo pretendido para
informando que o “investimento em pro- que seja produzido um jornalismo de quali-
dução de notícias se transformou em prio- dade e credibilidade. A conseqüência, ga-
ridade para o Sistema Globo de Rádio […] rante, será audiência e retorno publicitário.
nos moldes das melhores agências de notí- Integrante do Sistema Globo de Rádio, a
cias”; a grade de programação foi elabora- rede CBN ocupa um espaço bem definido
da para “reforçar o conceito de rede nacio- dentro do grupo: explora o filão jornalístico.
nal da emissora, ampliar o número de afi- Enquanto isso, as outras emissoras, deno-
liadas e posicionar o meio rádio no merca- minadas Globo, são nitidamente populares.
do publicitário”. Ainda segundo a empre- Trabalhando com informações locais na
sa, “a CBN é hoje a maior rede de emisso- prestação de serviços (trânsito, enchentes,
ras all news, que transmite via satélite 24 acidentes), não importa que a emissora te-
horas de jornalismo”. Criada em 1o de ou- nha um grande alcance territorial se, como
tubro de 1991, procura estabelecer-se nas no caso de muitas AMs, elas apresentam
principais cidades. “Com mais de 200 jor- problemas de recepção na cidade em que
nalistas pelo país, a rádio que toca notícia estão instaladas. Programação local trans-
focaliza os principais assuntos nacionais e mitida para outras cidades deixa de ter sen-
internacionais, com um estilo de progra- tido. Com emissoras FM, de alcance local e
mação próprio e exclusivo” (65). Em 2002, boa qualidade sonora, é possível atingir o
a rede estava composta por 23 emissoras, público-alvo com muito mais eficiência e
sendo cinco próprias (São Paulo, Rio de até desdobrar a transmissão, dependendo do
Janeiro, Recife, Belo Horizonte e Brasília) momento. Se uma cidade tem problemas
e as demais afiliadas. locais, a programação da rede pode perma-
A idéia de colocar em prática uma pro- necer inalterada e a emissora FM investir na
gramação jornalística 24 horas por dia par- prestação de serviços enquanto se fizer ne-
tiu do vice-presidente do Sistema Globo de cessário. O mesmo acontece quando há mais
Rádio, José Roberto Marinho, que, em via- de um evento esportivo a ser transmitido no
gem aos EUA, ficou impressionado com o mesmo horário: cada faixa transmite um
grande número de emissoras fundamenta- deles e as informações são trocadas entre
das na informação, interessando-se também elas. A Bandeirantes AM de São Paulo ado-
pelo movimento das rádios locais que ocor- tou a mesma estratégia no final dos anos 90,
reu na Espanha, principalmente na Cata- através de um acordo operacional com a
lunha. No processo de implantação do pro- Rádio Vip FM (emissora do litoral paulista),
jeto, buscando garantir presença nos cen- que passou a retransmitir a programação de
tros nevrálgicos da vida nacional, a CBN perfil jornalístico podendo, eventualmente,
viu-se forçada a transmitir por FM nas pra- duplicar as transmissões dependendo do as-
ças em que não possuía uma AM. O resul- sunto ou dando destaque para a cobertura da
tado mostrou-se promissor. E o jeitinho não temporada de férias no litoral. No caso, im-
deixou de colaborar: em São Paulo, o Sis- portante frisar que a emissora FM da Rede
tema Globo de Rádio amargava uma FM Bandeirantes, a Band FM, continua inde-
cujos destinos eram incertos pois não en- pendente, com programação exclusiva já
65 CBN – a Rádio que Toca No- contrava um nicho de atuação. A Rádio X bastante sedimentada.
tícia, http://radioclick.globo. (sim, este o nome fantasia decidido após O forte da CBN é cobrir o principal eixo
com/cbn/insti/historia.asp
(acessada em 3/12/2002). um “concurso” com a participação do pú- político-econômico fazendo a triangulação

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Rio de Janeiro-Brasília-São Paulo, operan- da área política, econômica e social do país.
do em rede boa parte do tempo. A cabeça Em cinco edições diárias, Hora da Verda-
de rede, do ponto de vista empresarial, é o de é um compacto de 10 minutos dividido
Rio de Janeiro mas o projeto está estruturado em dois blocos de cinco minutos, abordan-
em São Paulo, praça que tem os melhores do os principais acontecimentos do momen-
resultados comerciais. to e da hora anterior, é outro produto que
Além da produção própria, a CBN abriu entra em rede (68).
a possibilidade de terceirização em toda a A Rádio 89 FM – “A Rádio Rock” – de
programação, seja de programas inteiros, São Paulo mescla rock com informações
inserção de programetes ou da participa- musicais e de trânsito no programa Giro
ção de comentaristas, analistas, etc., que 89, alcançando a liderança entre as FMs,
entram várias vezes ao dia, sempre patroci- no horário das 18h às 20h. Respaldada por
nados, podendo inclusive interagir com o decisões judiciais, a 89 não transmite A Voz
âncora que estiver no ar. do Brasil sob a justificativa de informar e
prestar serviço. O Giro 89 manteve a lin-
“Levar aos ouvintes cerca de 1.000 infor- guagem básica do público-alvo da emisso-
mações por dia, em forma de nota, boletim, ra e, devido ao sucesso, lançou também uma
reportagem, comentários, programas espe- edição matutina.
ciais, institucionais, entre outros, significa Segmentação é outro conceito mal
dar ao cidadão o que ele quer e precisa. aproveitado. De maneira geral, as emisso-
Respeitar o ouvinte, consultando-o quan- ras procuram atingir os mesmos públicos-
do de assuntos polêmicos, cobrar postura e alvos: estão todas segmentando para a
ação das autoridades competentes, são pos- mesma audiência, sem buscar nichos dife-
turas percebidas diariamente na CBN e renciados. São emissoras produzindo
fazem com que a comunidade dê o retorno clones ad infinitum de programas que acre-
esperado, garantindo audiência” (66). ditam bem sucedidos, sem preocupação
com as características específicas da região
A CBN é reconhecida no meio como o e da emissora.
embrião de uma estratégia comercial que A tecnologia tem permitido que o rádio
movimenta o setor, uma vez que “renasceu e, especialmente, o jornalismo possam de-
comercialmente” ao jogar notícias 24 ho- sempenhar suas funções de forma cada vez
ras no ar, incluindo a FM. “Os grandes mais aprimorada. Um exemplo é a telefo-
anunciantes do dial estão com o jornalis- nia celular, que fez com que o rádio ga-
mo, tradicional filão das AMs. E querem a nhasse ainda mais agilidade, potenciali-
qualidade da transmissão e o público jo- zando seu caráter imediatista: é possível
vem/consumidor das FMs já que, na AM, a transmitir as mensagens sem grandes apa-
audiência registra queda e os ouvintes es- ratos. A Rádio Eldorado de São Paulo tem 66 Nivaldo Marangoni, “Progra-
tão envelhecendo.” O resultado foi a “ins- dado destaque ao seu ouvinte-repórter (ins- mação Jornalística – Vinte e
Quatro Horas por Dia: o
piração para a Bandeirantes, Jovem Pan e tituído em 1993), incentivando-o a ligar Pioneirismo da CBN – Central
Brasileira de Notícias”, in XXII
Eldorado, que passaram a transmitir seus para a emissora passando informações, es- Congresso Brasileiro de Ciên-
noticiários da AM nas manhãs da FM. Além pecialmente pelo celular. A Bandeirantes cias da Comunicação , GT
Rádio, Rio de Janeiro, RJ,
de economizar em equipe – já que o mesmo tem sistema semelhante, utilizando o re- 1999. Em: http://www.
material é usado pelas duas freqüências –, pórter da cidade e o repórter das estradas. intercom.org.br/papers/
index6.html (acessado em 3/
aumentaram a audiência e o faturamento Com isso, conseguem cobertura bastante 12/2002).
das FMs” (67). ampla do trânsito e excelente prestação de 67 Laura Mattos, “Em Tempo de
Crise na AM, Marcelo Tas Leva
Jovem Pan SAT é a rede da Jovem Pan serviços em momentos dramáticos como mais Notícia à FM”, in Folha
AM, de São Paulo, que retransmite uma acidentes ou enchentes. Imobilizado no Online, 30/10/2002 (http:/
/www1.uol.com.br/ilustra-
parte do Jornal da Manhã para 95 emisso- trânsito congestionado, o ouvinte fica mo- da/ult90u28407.shtml).
ras afiliadas, com noticiário sobre os acon- tivado a participar, sentindo-se importante 68 Em: site da Jovem Pan AM
tecimentos do Brasil e do mundo, além da como fonte, uma vez que sua emissora pre- (http://jovempan.uol.com.br/
jpamnew/sobre/
participação de repórteres e entrevistados dileta está lhe dando a oportunidade de in- programacao.php).

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terferir diretamente na produção e não ape- cação com a linha editorial. Jornalistas não
nas receber a programação já pronta. Esta são contatos comerciais, nem gerenciadores
possibilidade tende a crescer cada vez mais. de publicidade, e não devem se envolver na
Mas os limites são marcantes: as emissoras intermediação de verbas, nem como pes-
não costumam permitir que o ouvinte se soas físicas, nem como jurídicas. Quem
expresse sobre assuntos gerais, ao vivo. viabiliza a sustentação econômica de um
Não temos ainda um ouvinte-falante programa jornalístico é o departamento co-
exercendo sua cidadania no sentido amplo. mercial e não o de jornalismo. Os veículos
Um recurso é incentivar o ouvinte a deixar de comunicação não sobrevivem sem
sua manifestação gravada em uma secretá- faturamento econômico, pois são empre-
ria eletrônica, para que seja selecionada e, sas que têm como finalidade última o lu-
eventualmente, editada antes de ir ao ar. cro. Portanto, o jornalismo se faz no bojo
Ou ainda, participações por fax ou e-mail de um determinado business. E um deles é
que não apenas excluem os que não têm o rádio comercial. É neste quadro de com-
acesso a essas tecnologias, como permitem petição que sobrevive o radio-business no
a leitura “resumida” por parte do locutor, Brasil. Porque sem business não há progra-
nem sempre permitindo a plena emissão do mação, nem talk show, nem all news. Em
pensamento. Mas toda a tecnologia de ce- suma, sem negócio não há jornalismo de
lulares de última geração, de alcance mun- rádio” (69).
dial, não servirá nem para produtores, nem
para a participação dos ouvintes, se faltar A mistura entre jornalismo e publicida-
energia elétrica e as baterias não puderem de tem uma longa história e existia já nos
ser recarregadas. Procurando sanar esse primeiros anos do rádio. Depoimentos de
problema básico, recursos muito antigos pioneiros deixam claro que a preocupação
estão surgindo como salvadores da pátria: era não apenas cobrir a matéria para a qual
a velha e boa manivela, a energia solar e estava pautado (ou “encontrasse pelo cami-
por aí afora… nho”) mas também angariar anúncios, ou
Aos poucos, a reportagem parece estar seja, o faturamento do veículo de comunica-
voltando ao jornalismo radiofônico depois ção e, principalmente, a “comissão” que
de quase desaparecer: os pretensos repór- garantia a própria sobrevivência uma vez
teres mal conseguiam emitir boletins, ge- que “pagar salário” não era norma no mer-
ralmente patrocinados, de assuntos que cado. José Carlos de Morais, o celebre re-
envolviam a prestação de serviços. Nos pórter Tico-Tico, conta como, ainda nos anos
últimos tempos, algumas emissoras, como a 30, se fazia o recrutamento de jornalistas.
Eldorado e a Bandeirantes, produzem re-
portagens “em capítulos” em que o assunto “Freitas Nobre e eu queríamos arrumar tra-
é dividido em partes, levadas ao ar uma por balho na Rádio Educadora, hoje Gazeta. A
dia, podendo ser repetida, em edição inte- gente queria fazer a Hora da Ave Maria. O
gral, no final de semana. A reportagem de gerente aceitou, mas disse que a gente ia
longa duração não mais está presente no trabalhar de graça… Como, trabalhar sem
rádio. Esses aspectos todos estão muito re- ganhar? ‘Isso é comum’, diz o homem.
lacionados com a retomada da vida demo- ‘Vocês começam na Hora da Ave Maria,
crática: sob censura, o jornalismo ao vivo saem arranjando anúncio. Quando tiverem
69 Heródoto Barbeiro, “Business e não apenas perdeu espaço mas deixou de ter uma boa carteira, a rádio dá uma comissão
Radiojornalismo”, in Portal Im-
prensa (http://www.obser- profissionais que soubessem exercê-lo. pra vocês…’’’ (70).
vatoriodaimprensa.com.br/ar-
tigos/mat0507b.htm).
A sustentação econômica do jornalis-
70 José Hamilton Ribeiro, Jornalis-
mo no rádio merece atenção especial. Vários outros aspectos poderiam ser
tas 1937-1997 – História da lembrados, mas por ora basta. A intenção
Imprensa de São Paulo Vista
pelos que Batalham Laudas (Ter- “Há um consenso entre a maioria dos jor- foi tão-somente instigar a curiosidade para
minais), Câmeras e Microfones, nalistas de que não se pode misturar negó- fatos importantes da história do radiojor-
São Paulo, Imprensa Oficial do
Estado, 1998, p. 32. cios comerciais das empresas de comuni- nalismo brasileiro e incentivar pesquisa-

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dores para que essa história seja conhecida RADIOJORNALISMO NO BRASIL:
de forma mais completa, em suas diferen-
tes facetas regionais. As possibilidades tec- FRAGMENTOS DE HISTÓRIA
nológicas do momento permitem vislum-
brar um rádio moderno, ágil, simultâneo
aos acontecimentos, próximo do ouvinte.
E um jornalismo que acompanhe essas pos-
sibilidades, contanto que reaprenda a do-
minar a linguagem radiofônica que vai
muito além do blablablá improvisado. É
uma mistura bem dosada, equilibrada para
cada situação, entre fala, música, efeitos
sonoros e… silêncio.
Interatividade é o que o rádio, finalmen-
te, promete; ao destinatário caberá também
o papel de emissor, estabelecendo um flu-
xo de informação com duas mãos de dire-
ção: a tecnologia forçando o diálogo real
entre emissor e receptor.

“O rádio seria o mais fabuloso meio de


comunicação imaginável na vida pública,
constituiria um fantástico sistema de cana-
lização, se fosse capaz, não apenas de emi-
tir, mas também de receber. O ouvinte não
deveria apenas ouvir, mas também falar:
não isolar-se, mas ficar em comunicação
com o rádio. A radiodifusão deveria afas-
Em 1937, Getúlio Vargas anuncia ao
tar-se das fontes oficiais de abastecimento
e transformar os ouvintes nos grandes microfone do DIP (Departamento de
abastecedores” (Bertolt Brecht). Imprensa e Propaganda) a criação do
Estado Novo

Já na campanha para retornar ao governo em 1950, o ex-ditador


discursa diante dos microfones, sob as vistas de Luiz Carlos
Prestes,
REVISTA USP, São Paulo, n.56,líder comunista
p. 66-85, que o apoiava
dezembro/fevereiro na ocasião
2002-2003 85

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