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MAT06564 - ÁLGEBRA II

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Renan M. Mezabarba1
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1 Sugestões,
correções ou reclamações são bem vindas. Tem alguma(s)? Se sim, peço que as
envie para o endereço eletrônico: rmmezabarba@gmail.com.
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Prefácio

O presente texto foi elaborado a fim de servir como suporte adicional para a disciplina
Álgebra II (MAT06564), ministrada no primeiro semestre de 2020, para o curso de Ma-
temática da UFES (campus de Goiabeiras). Embora as referências oficiais [2] e [3] cubram
todos os tópicos abordados na disciplina, elas o fazem numa ordem diferente, o que pode
dificultar o estudo dos leitores 1 da Geração Z. Assim, em último caso, aquele 2 que preferir
os clássicos nacionais supracitados pode considerar o presente texto como um guia para
selecionar quais tópicos estudar.

Renan Mezabarba, a.k.a.3 o professor de Álgebra II.


Vitória, 26 de setembro de 2021.
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1
Nas frequentes ocasiões em que eu me refiro à pessoa que lê, eu escrevo “leitor”. Embora, a rigor,
tal termo pressuponha o gênero masculino (o leitor ), eu o escrevo pensando em the reader, que não
tem gênero em inglês. Tal grafia está de acordo com as regras do Português para o tratamento neutro
(são regras machistas? Possivelmente sim! O que não é?!) e, infelizmente, ainda sou escravo da estética
imposta pela gramática oficial. Por isso, peço sinceras desculpas para a pessoa que, ao ler tais termos, se
sentir ofendida.
2
Veja a nota-de-rodapé anterior.
3
Also known as, i.e., também conhecido como.

5
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Sumário

Prefácio 5

1 A categoria dos anéis 9


1.1 O advento dos anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.1.1 Vão-se os anéis... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
1.1.2 ... ficam os morfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2 Idealismo consciente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.2.1 Pausa dramática para relembrar equivalências . . . . . . . . . . . . 23
1.2.2 Ideais e quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

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1.2.3 A caracterı́stica dos anéis e o Teorema dos Restos
1.3 Anéis de polinômios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1.3.1 A dolorosa construção de A[x] (± opcional) . . .
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1.3.2 O anel de polinômios para leitores pragmáticos . . . . . . . . . . . 36
1.4 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
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2 Tecnicalidades polinomiais 49
2.1 Polinômios sobre domı́nios e corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
2.1.1 O algoritmo da divisão revisitado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
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2.1.2 Existência e unicidade de fatorações . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53


2.1.3 Frações do jeito certo (± opcional) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2.1.4 O Teorema de Gauss . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
2.2 Assuntos importantes (para alguém) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
2.2.1 Raı́zes, multiplicidades e outras coisas . . . . . . . . . . . . . . . . 72
2.2.2 O corpo dos complexos e as raı́zes da unidade . . . . . . . . . . . . 76
2.2.3 O que existe depois da fórmula de Bhaskara? . . . . . . . . . . . . . 80
2.3 Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81

3 Yoga algébrica 87
3.1 Algebricidade e transcendência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88
3.1.1 Finitude = algebricidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
3.1.2 Opcional: o fecho algébrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
3.2 Extensões finitas dos racionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
3.2.1 O Teorema do Elemento Primitivo (versão baby) . . . . . . . . . . . 98
3.2.2 O Teorema do Elemento Primitivo (incompleto, leitura não reco-
mendada) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
3.2.3 Construções com régua e compasso . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
3.3 Exercı́cios da seção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

7
8 SUMÁRIO

4 Off topic 103


4.1 Categorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.2 O Axioma da Escolha é seu amigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
4.3 Módulos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104

Lista de sı́mbolos e siglas 106

Referências Bibliográficas 107

Índice Remissivo 109

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Capı́tulo 1

A categoria dos anéis

Neste capı́tulo seremos apresentados aos protagonistas do curso: anéis e seus morfismos.
No texto de Adilson Gonçalves [3], tais tópicos são tratados nos Capı́tulos 3 e 4 (embora
alguns exemplos particulares sejam abordados secretamente em capı́tulos anteriores), en-
quanto o Capı́tulo 1 do material de Garcia e Lequain [2] cobre, a menos de ordem, quase
tudo o que veremos.

1.1 O advento dos anéis 20


20
A estrutura de anel, bem como a noção de morfismo entre tais objetos, surgiu da abs-
tração de propriedades operatórias de contextos clássicos da Álgebra Clássica – aquela
acostumada a lidar com números e outras banalidades.
Certamente, a esta altura da vida, já sabemos como lidar razoavelmente bem com os
ES

conjuntos numéricos Z, Q, R e C, conhecemos suas operações e temos familiaridade com


mantras do tipo a ordem dos fatores não altera o produto e outras coisas do tipo.
Em linguajar um pouco mais formal, se X indica um dos conjuntos numéricos acima,
UF

sabemos que existem duas operações, a adição (ou soma, indicada por +) e a multiplicação
(ou produto, indicado por ·) definidas em X, que se comportam de maneira relativamente
bem, no seguinte sentido:
• a adição é comutativa, i.e., x + y = y + x para quaisquer x, y ∈ X;
• a adição é associativa, i.e., x + (y + z) = (x + y) + z para quaisquer x, y, z ∈ X;
• a adição tem um elemento neutro, i.e., existe 0 ∈ X tal que 0 + x = x + 0 = x
para todo x ∈ X;
• todo elemento de x ∈ X admite um inverso aditivo1 , i.e., existe y ∈ X tal que
x + y = y + x = 0;
• a multiplicação é associativa, comutativa e tem elemento neutro denotado por 1;
• adição e multiplicação são compatı́veis entre si, i.e., ocorre
x · (y + z) = (x · y) + (x · z) e (x + y) · z = (x · z) + (y · z)
para quaisquer x, y, z ∈ X, o que costuma ser abreviado dizendo que adição e mul-
tiplicação satisfazem a distributividade.
1
Ou simétrico.

9
10 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Conforme a Álgebra Clássica, a Geometria e o Cálculo ampliavam seus respectivos


escopos de interesse, novos objetos algébricos foram inventados/descobertos2 , com com-
portamentos curiosamente parecidos com os listados acima.

Exemplo 1.1.1 (Matrizes). Para X como um dos conjuntos numéricos com os quais
iniciamos esta seção, consideremos as matrizes de ordem n e coeficientes em X, com
n ∈ N e n > 0, e chamemos por Mn (X) a coleção de todas elas. Intuitivamente, uma
matriz A ∈ Mn (X) consiste de uma tabela de n linhas e n colunas, tal que para cada
i, j ∈ {1, . . . , n} corresponde um elemento αij ∈ X na célula localizada na i-ésima linha
da j-ésima coluna, de modo que escrevemos A ..= (αij ) – ou, em contextos mais pedantes,
A ..= (αij )1≤i,j≤n .
Por exemplo, para n ..= 3 e X ..= Z, a matriz
 
0 2 −1
A ..=  −7 8 4 
0 1 9

é tal que α11 = 0, α12 = 2 e α21 = 8.


É provável que, no curso de Álgebra Linear3 , o leitor tenha visto as duas operações que
frequentemente são definidas em Mn (X): a soma e o produto de matrizes. Por ora, dadas

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matrizes (αij ), (βij ) ∈ Mn (X), denotaremos a soma de tais matrizes por (αij ) ⊕M (βij ),
que naturalmente é definida como
20
(αij ) ⊕M (βij ) ..= (αij + βij ),

o que abrevia a receita de que a célula da i-ésima linha da j-ésima coluna tem coordenada
αij + βij . Por sua vez, o produto entre as matrizes (αij ) e (βij ) será denotado (por
ES

enquanto) como (αij ) M (βij ), cuja definição, um pouco mais enfadonha, ainda é a mesma
de sempre: !
n
UF

X
(αij ) M (βij ) ..= αik βkj
k=1

Um exercı́cio tı́pico de Álgebra Linear consiste em verificar que a maioria das pro-
priedades listadas antes de começarmos este exemplo se verifica para as operações ⊕M e
M . Em particular, a matriz nula (0ij ) (em que todas as células assumem valor 0) e a
matriz identidade Idn ..= (δij ) (onde δij ..= 1 se i = j e δij = 0 caso contrário)4 são,
respectivamente, os elementos neutros da adição e da multiplicação de matrizes. O leitor
não deve ter dificuldades em notar que isso foi uma sugestão implı́cita de exercı́cio5 . •

2
Pode ser interessante pesquisar sobre as contendas entre o formalismo e o platonismo, duas correntes
de pensamento da Filosofia Matemática.
3
Ou, equivalentemente (para efeitos de memória), no Ensino Médio.
4
Talvez uma das contribuições mais conhecidas de Kronecker.
5
Por exemplo, a multiplicação é associativa pois, para (αij ), (βij ), (γij ) ∈ Mn (X), temos
n n
! n n
! !
X X X X
(αij ) M ((βij ) M (γij )) = αil βlk γkj = αil βlk γkj = ((αij ) M (βij )) M (γij ).
l=1 k=1 k=1 l=1

Tome quanto tempo for necessário para refletir sobre as igualdades acima.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 11

Exemplo 1.1.2 (Funções). Fixado um conjunto S qualquer – pode ser um conjunto


numérico ou não – vamos considerar o conjunto de todas as funções da forma S → X, que
denotaremos6 por F(S, X). Dadas duas funções f, g ∈ F(S, X), já aprendemos desde o
Cálculo I que podemos realizar tanto a adição quanto a multiplicação das duas, obtendo
novas funções:

• definimos f ⊕F g : S → X como a função que a cada s ∈ S associa o elemento


f (s) + g(s), i.e.,
∀s ∈ S (f ⊕F g)(s) ..= f (s) + g(s);

• definimos f F g : S → X como a função que a cada s ∈ S associa o elemento


f (s) · g(s), i.e.,
∀s ∈ S (f F g)(s) ..= f (s) · g(s).

O leitor atento pode ter a impressão de que a descrição acima generaliza o que fizemos
no exemplo anterior. Isso não está completamente errado: ao tomarmos o conjunto
S ..= {1, . . . , n} × {1, . . . , n}, podemos pensar numa função f : S → X como sendo a
matriz (f (i, j))ij . Com tal identificação, a operação de soma em F(S, X) é, em certo
sentido, idêntica à soma de Mn (X). Porém, o mesmo não ocorre com a multiplicação7 .
Ainda assim, as operações que definimos em F(S, X) apresentam todas as propriedades
20
listadas no começo desta seção. Como ilustração, note que para f, g, h ∈ F(S, X), para
s ∈ S qualquer temos
20
((f ⊕F g) F h)(s) = (f ⊕F g)(s) · h(s) = (f (s) + g(s))h(s) = (f (s)h(s)) + (g(s)h(s)) =
= ((f F h) ⊕F (g F h))(s),
ES

donde segue8 que (f ⊕F g) F h = (f F h) ⊕F (g F h). •

Exemplo 1.1.3 (Conjuntos). Vamos considerar um caso que não é oriundo do contexto
UF

numérico. Fixado um conjunto S de sua preferência, vamos denotar por ℘(S) a coleção de
todos os subconjuntos de S, i.e., ℘(S) ..= {A : A ⊆ S}, o qual frequentemente é xingado
de conjunto das partes. Embora, a princı́pio, ℘(S) não tenha qualquer relação com
números, podemos usar as operações de interseção (∩) e reunião (∪) para mimetizar um
comportamento algébrico sobre ℘(S).
A operação de interseção em ℘(S) nos dá uma imitação da multiplicação. De fato,
para A, B e C subconjuntos quaisquer de S, se verifica:

X A ∩ B = B ∩ A,

X A ∩ (B ∩ C) = (A ∩ B) ∩ C,

X A ∩ S = S ∩ A = A,
6
As notações para este animal costumam variar de acordo com o contexto. Por exemplo: XS , S X e
Set(S, X) são algumas alternativas que o leitor pode ter o desprazer de encontrar.
7
Isso ficará claro futuramente. Mas veja que enquanto a multiplicação em F(S, X) é feita coordenada-
à-coordenada, o mesmo não ocorre com Mn (X).
8
Quando duas funções são iguais? A menos de contextos muito especı́ficos, é seguro dizer que F e G
são iguais se, e somente se, ambas têm o mesmo domı́nio D e F (x) = G(x) ocorre para todo x ∈ D.
12 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

afirmações que devem ser verificadas pelo leitor que não as considerar evidentes 9 . En-
quanto as duas primeiras dizem que ∩ é comutativa e associativa, respectivamente, a
última diz que S é um elemento neutro da interseção.
Para deixar as coisas nos mesmos moldes que temos visto, precisamos de uma operação
em ℘(S) que cumpra o papel de adição. É bem provável que a ansiedade da vida moderna
leve o leitor afoito a conjecturar que a operação de reunião ∪ realize tal missão, já que,
para A, B, C ⊆ S quaisquer se tem

X A ∪ B = B ∪ A,

X A ∪ (B ∪ C) = (A ∪ B) ∪ C, e

X A ∪ ∅ = ∅ ∪ A = A;

e, como se não bastasse, vale inclusive a identidade distributiva10 entre ∩ e ∪,

A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C). (1.1)

Ainda assim, uma adição que se preze precisa garantir um inverso aditivo. Em outras
palavras, para cada subconjunto A ⊆ S, deveria existir algum B ⊆ S tal que A∪B = ∅. A
fim de remediar a situação, introduzimos a chamada diferença simétrica: para A, B ⊆ S,
a diferença simétrica entre A e B é o subconjunto 20
20
A ∆ B ..= (A \ B) ∪ (B \ A) (1.2)

onde X \ Y denota o conjunto de todos os elementos x ∈ X que não pertencem a Y .


Agora sim, ao fingirmos que ∩ é a multiplicação e ∆ é a adição, verificamos em ℘(S)
ES

todas as propriedades listadas no começo desta seção. Em particular, ∅ é o elemento


neutro de ∆. Você consegue adivinhar quem é o inverso aditivo de um A ∈ ℘(S)? •
UF

Todos os exemplos acima sugerem que existe muita coisa tipicamente algébrica es-
condida em ambientes aparentemente especı́ficos. Naturalmente, alguém muito focado
pode achar mais interessante estudar um objeto particular... no entanto, a depender do
objetivo do estudo, podemos optar por avaliar as consequências das propriedades que
listamos. O benefı́cio dessa abordagem? Simples: objetos com as mesmas propriedades
devem necessariamente partilhar das mesmas consequências11 , dado que elas decorrem
das propriedades e não dos objetos em si.

1.1.1 Vão-se os anéis...


Um anel consiste de um conjunto A 6= ∅ munido de duas operações 12 , ⊕ : A × A → A
(a.k.a. a adição do anel) e : A×A → A (a.k.a. a multiplicação do anel), com as seguintes
propriedades:
9
Pode-se dizer que se algo demanda alguma explicação, então não é trivial ou evidente. No entanto,
afirmações desse tipo devem ser encaradas mais como uma sugestão de exercı́cio implı́cito do que como
uma ofensa – é, no máximo, uma provocação. Por fim, deixo uma sugestão: na hora de selecionar
exercı́cios para estudar/praticar, escolha aqueles que você (ainda) não sabe como fazer, independente-
mente da opinião do autor sobre o grau de dificuldade do exercı́cio.
10
A princı́pio são duas identidades, mas como tudo é comutativo, elas se resumem a uma só.
11
Similar ao efeito dos signos astrológicos na vida das pessoas... A diferença é que Álgebra funciona.
12
Uma operação num conjunto X é apenas uma função ∗ : X × X → X.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 13

• ambas as operações ⊕ e são associativas;

• a operação ⊕ é comutativa, tem elemento neutro, denotado por 0A , e todo elemento


de A admite um inverso, i.e., para cada a ∈ A existe b ∈ A tal que

a ⊕ b = b ⊕ a = 0A .

• valem as identidades distributivas entre ⊕ e , i.e.,

a (b ⊕ c) = (a b) ⊕ (a c) e (a ⊕ b) c = (a c) ⊕ (b c),

para quaisquer a, b, c ∈ A.
Acima, não exigimos que a multiplicação do anel A seja comutativa pois, even-
tualmente, isso não acontece. Nas felizes ocasiões em que a multiplicação do anel A é
comutativa, dizemos que o anel A é (surprise, suprise! ) comutativo.
Também não exigimos que a existência de elemento neutro para a multiplicação pois,
eventualmente, ele não existe. Nas felizes ocasiões em que o anel A tem um elemento
neutro multiplicativo, dizemos que A é um anel com unidade.
Apesar de eventualmente podermos esbarrar com anéis não-comutativos ou sem uni-
dade, o nosso objetivo ao longo deste curso é desenvolver minimamente o estudo dos
20
anéis comutativos e com unidade. Embora os demais tipos de estrutura sejam indiscuti-
velmente interessantes, a falta de hipóteses torna o seu tratamento bem mais delicado, o
20
que costuma exigir um público mais devoto.e masoquista
Exemplo 1.1.4. O leitor não deve ter dificuldade em aceitar que Z, Q, R e C são todos
anéis comutativos e com unidade quando considerados com suas operações usuais. O
ES

mesmo vale para os conjuntos F(S, X) e ℘(S) dos Exemplos 1.1.2 e 1.1.3, munidos com
as operações lá definidas. Em particular, se trocarmos X por um anel comutativo e com
unidade A, então F(S, A) ainda é uma anel comutativo e com unidade. •
UF

Exemplo 1.1.5. O conjunto Mn (X) das matrizes de ordem n (Exemplo 1.1.1), dotado
das operações de soma e produto, é um anel com unidade, não-comutativo se n ≥ 2. O
mesmo continua valendo se trocarmos X por qualquer anel comutativo e com unidade A
razoável : Mn (A), o anel das matrizes de ordem n com coeficientes em A, é um anel e
com unidade – não-comutativo se n ≥ 2. Como deve ser um anel A capaz de assegurar a
comutatividade de M2 (A)? •
Exemplo 1.1.6 (Patológico). Considere 2Z ..= {2z : z ∈ Z} o conjunto dos múltiplos
inteiros de 2. Note que para 2x, 2y ∈ 2Z temos 2x + 2x, 2x · 2y ∈ 2Z. Podemos então
definir operações de soma e produto em 2Z fazendo

2x ⊕ 2y ..= 2(x + y) e 2x 2y = 2(2xy).

Por Z já ser um anel comutativo de fábrica, não é difı́cil se convencer de que as
operações ⊕ e acima tornam 2Z um anel comutativo. No entanto, 2Z não tem elemento
neutro multiplicativo: de fato, supondo que 2e ∈ 2Z seja elemento neutro, deveria ocorrer
2e 2x = 2x para todo x ∈ Z; porém, para x ..= 1, terı́amos

2e (2 · 1) = 2 · 1 ⇒ 2e · 2 = 2 ⇒ 4e = 2,
1
o que, neste caso, só é possı́vel para e = , que não pertence a Z. •
2
14 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Observação 1.1.7. Apesar do exemplo acima, em nosso contexto será MUITO MAIS
NATURAL tratar 2Z como um ideal de Z do que como um subanel. Por isso vale frisar
novamente: tratou-se apenas de um exemplo patológico. 4
Exemplo 1.1.8 (Menos patológico). Seja L0 o conjunto das funções da forma f : R → R
satisfazendo
lim f (x) = lim f (x) = 0.
x→+∞ x→−∞

Ao considerarmos sobre L0 as mesmas operações definidas sobre F(R, R), tornamos


tal animal num anel comutativo e sem unidade: a única função capaz de fazer o papel
de elemento neutro multiplicativo é a função constante com valor 1, que não satisfaz as
condições para pertencer a L0 . •
Exemplo 1.1.9. A definição de anel não proı́be que se tenha um anel com um único
elemento. De fato, para A ..= {a}, definimos13 a ⊕ a ..= a e a a ..= a. Não é difı́cil
se convencer de que tais regras determinam operações de soma e produto sobre A que o
tornam um anel comutativo e com unidade. Em particular, para a surpresa de um total
de zero 14 pessoas, a é tanto o elemento neutro aditivo quanto multiplicativo. Em geral,
escrevemos A = {0} ou, em momentos de maior rebeldia irreverência, A = 0. •

Como é a vida dentro de um anel?


20
No que segue, vamos explorar as propriedades operatórias elementares verificadas pelos
20
elementos de um anel. Para fixar as notações, até o final desta subseção, A denota um anel
comutativo e com unidade. Além disso, por simplicidade, indicamos suas operações
simplesmente por + e · (na verdade, no caso da multiplicação, será comum escrevermos
ES

apenas “ab” para indicar “a · b”, costume já difundido desde tempos imemoriais).
Proposição 1.1.10. Se X é um conjunto e ∗ é uma operação em X, então existe no
máximo um elemento e ∈ X tal que
UF

∀x ∈ X x ∗ e = e ∗ x = x.

Demonstração. Se e, e0 ∈ X satisfazem a condição do enunciado, então em particular


temos
e = e ∗ e0 = e0 .
Como consequência da proposição acima, temos o direito de atribuir uma notação
especı́fica para os elementos neutros das operações do anel A: como de costume 0A deno-
tará o elemento neutro aditivo de A (também chamado de zero do anel), enquanto 1A
denotará o elemento neutro multiplicativo de A (perigosamente chamado de a unidade
do anel)15 . Vejamos outra questão de unicidade.
Proposição 1.1.11. Sejam X um conjunto e ∗ uma operação em X. Se a operação
∗ é associativa e tem elemento neutro ε, então para cada x ∈ X existe no máximo um
elemento y ∈ X tal que
x ∗ y = y ∗ x = ε.
13
Não que existam muitas opções...
14
Afinal de contas, como já ficou implı́cito anteriormente, neste texto adotamos 0 ∈ N como um fato
da vida.
15
É comum chamar outros tipos de elementos com a mesma terminologia. A única diferença, em tais
casos, é a sutil adoção do artigo indefinido: uma unidade do anel. Chegaremos lá em breve.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 15

Demonstração. Se y, y 0 ∈ X satisfazem a condição acima, então


y = y ∗ ε = y ∗ (x ∗ y 0 ) = (y ∗ x) ∗ y 0 = ε ∗ y 0 = y 0 .
A proposição acima garante a unicidade dos simétricos aditivos em um anel A, o
que nos permite adotar uma notação especı́fica. Mais precisamente, para cada a ∈ A,
indicamos por −a o (único) elemento de A tal que
a + (−a) = (−a) + a = 0A ,
para efeitos burocráticos xingado de simétrico aditivo de a. Da unicidade do simétrico,
segue que deve valer −(−a) = a para todo a ∈ A. Menos evidente, porém, é que o
simétrico aditivo está relacionado com a identidade da multiplicação, no seguinte sentido:
Proposição 1.1.12. Para todo a ∈ A ocorre (−1A )a = −a.
Demonstração. Depois de se convencer de que 0A a = 0A para todo a (vide a proposição
seguinte), note que
a + (−1A a) = a(1A + (−1A )) = a0A = 0A ,
donde a unicidade do simétrico nos dá −a = −1A a.
Observação 1.1.13 (Inversos na multiplicação). Não fizemos quaisquer exigências quanto
20
à existência de inversos multiplicativos na definição de anel pois nem todos os animais
que esperamos xingar de anéis admitem inversos multiplicativos. Ainda assim, como a
multiplicação de A é associativa com elemento neutro 1A , segue que se para algum a ∈ A
20
existir b ∈ A satisfazendo
ab = ba = 1A ,
1
ES

então tal b é o único a fazer isso. Em tal caso, denotaremos b por a−1 ou , o qual será
a
chamado de inverso multiplicativo de a. Num claro exemplo de irresponsabilidade, é
muito comum chamar de unidades os elementos do anel que admitem inversos multiplica-
UF

tivos – porém, por segurança, xingaremos tais animais de invertı́veis16 , e denotaremos a


coleção dos elementos invertı́veis de A por A× .
Curiosamente, um anel A no qual 0A tem inverso multiplicativo não costuma ser
interessante: em tal caso, verifica-se que A tem apenas um elemento e, portanto, é essen-
cialmente o anel do Exemplo 1.1.9. Esta é a razão algébrica para evitar17 a divisão por
zero – e a explicação para toda a sorte de “demonstrações” do tipo “5 = 1”. 4
Este é um excelente momento para reavaliar nossas antigas práticas matemáticas sob
a luz dos anéis. Vamos supor, por exemplo, que para elementos α, β, γ ∈ A ocorra a
identidade
γα = γβ. (1.3)
O que podemos concluir sobre α e β a depender da natureza de γ?
Se tivermos γ ..= 0A , então a resposta é “nada”.
16
Esse é, provavelmente, um efeito colateral de uma tradução leviana feita no passado e que se perpe-
tuou: anéis com unidade, em inglês, costumam ser chamados tanto como rings with unity quanto rings
with identity. Assim, não há ambiguidade em se referir ao elemento neutro multiplicativo como unity ao
mesmo tempo em que se chama um elemento invertı́vel de unit, propriedade que não é preservada pela
tradução. Por isso, em Pt-Br, talvez fosse preferı́vel se referir ao elemento neutro multiplicativo do anel
como identidade. O leitor, naturalmente, pode adotar a terminologia que preferir.
17
Diferente da concepção primitiva de que “não se pode em hipótese alguma dividir por zero”, forte-
mente embasada na concepção de que os números naturais (e seus derivados) são tudo o que existe em
Matemática. Um anel com um elemento não se torna menos legı́timo por ser trivial.
16 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Proposição 1.1.14. Para todo a ∈ A ocorre 0A a = 0A .


Demonstração. Temos 0A a = (0A + 0A )a = 0A a + 0A a, de modo que ao somarmos o
simétrico −0A a em ambos os lados da igualdade18 , resulta
0A = 0A a + (−0A a) = (0A a + 0A a) + (−0A a) = 0A a + (0A a + (−0A a)) = 0A a,
como querı́amos.
Observação 1.1.15. Daqui em diante, sempre que não houver risco de ambiguidade,
vamos escrever a − b para indicar a + (−b). 4
Enfim, para γ ..= 0A , α e β poderiam ser virtualmente quaisquer elementos de A, posto
que 0A α = 0A β = 0A . Assim, a igualdade (1.3) só começa a ter algum interesse para
γ 6= 0A . Levando em consideração a Observação 1.1.13, pode ser edificante investigarmos
as consequências de assumir que γ seja invertı́vel.
Ora, neste caso, a existência de γ −1 ∈ A nos permite reproduzir o argumento da última
proposição: ao multiplicarmos ambos os lados da igualdade (1.3) por γ −1 , obtemos
γ −1 (γα) = γ −1 (γβ),
donde a associatividade da multiplicação e o modo como tomamos γ −1 nos dão α = β.
Se A 6= 0 é um anel tal que para cada a ∈ A \ {0A } existe b ∈ A com b = a−1 , então
20
dizemos que A é um corpo. Os anéis Q, R e C são os exemplos canônicos de corpos.
Nesse tipo de anel, a identidade (1.3) sempre nos permite concluir que α = β quando
γ 6= 0A , já que a condição de ser corpo garante a existência do inverso multiplicativo γ −1 .
20
Apesar de funcionar, exigir a invertibilidade de γ apenas para garantir que α e β sejam
iguais a partir da equação (1.3) é, em linguajar moderno, um tremendo overkill. Prova
disso é que o anel dos inteiros Z não é um corpo e, ainda assim, é tal que
ES

∀α, β, γ ∈ Z γ 6= 0 e γα = γβ ⇒ α = β. (1.4)
Como diria Jack, O Estripador...
UF

• Z não é corpo. Um modo desonesto de se convencer disso é observar que, por


exemplo, 2−1 6∈ Z. O problema desse argumento é que ele depende de enxergarmos
Z dentro de Q, no qual já sabemos da existência de 2−1 . No entanto, mesmo as
pessoas que moram em Z e nunca ouviram falar em frações são capazes de perceber
que não vivem num corpo: note que para m, n ∈ N com m, n ≥ 2 vale mn > n (por
quê?)19 , o que nos permite concluir (fazendo os jogos de sinais adequados) que para
x, y ∈ Z com xy = 1, devemos ter necessariamente x = y com x ∈ {−1, 1}.
• Vale a implicação (1.4). De fato, observe primeiramente que para m, n ∈ N, a
identidade mn = 0 ocorre se, e somente se, m = 0 ou n = 0, donde segue que o
mesmo deve ocorrer para m, n ∈ Z (por quê?). Logo, se γα = γβ com γ 6= 0, então
γα − γβ = γ(α − β) = 0,
acarretando α − β = 0, i.e., α = β.
18
Você já parou para pensar que essa história de “operar dos dois lados da igualdade” é uma das facetas
de dizer que a operação é uma função?
19
Sugestão 1: prove, por indução, que 2m > 2 para todo m ≥ 2; daı́, assumindo que nm > n para
n > 2, prove que (n + 1)m > n + 1. Sugestão 2: se fosse mn ≤ n, terı́amos n · (m − 1) ≤ 0, mas isso
não pode acontecer com o produto de números naturais diferentes de zero (pois o produto corresponde à
cardinalidade do produto cartesiano). Note, porém, que uma prova rigorosa exigiria, entre outras coisas,
a construção dos números inteiros.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 17

Dizemos que o anel A 6= 0 é um domı́nio (ou domı́nio de integridade) se para


quaisquer a, b ∈ A valer que

ab = 0A ⇒ a = 0A ou b = 0A .

Da discussão acima, é imediato que Z é um domı́nio. Também não é muito difı́cil


perceber que todo corpo é um domı́nio20 . Se desprezarmos a exigência de comutatividade
que temos feito, segue que Mn (A) não é um domı́nio para n ≥ 2, mesmo que A seja um
corpo (por quê?). Levando em conta os anéis comutativos, note que se o conjunto S tem
pelo menos dois elementos, então o anel F(S, A) não é um domı́nio (por quê?)
Certos tipos especiais de domı́nios serão os protagonistas da segunda parte do curso,
enquanto os corpos ocuparão nossos corações no terço final. Outras propriedades ope-
ratórias verificadas pelos elementos de um anel devem ser abordadas na Seção de Exercı́cios,
no final do capı́tulo. A equação (1.3), por fim, cumpriu seu papel de isca.

1.1.2 ... ficam os morfismos


Ao longo desta subseção, supomos todos os anéis com unidade – porém, não faremos
exigências quanto à comutatividade do produto21 . Como já vimos antes, um anel A vem

20
equipado de fábrica com os elementos 0A e 1A , também conhecidos como o zero e o um
do anel. É irresistı́vel então nos indagarmos se também podemos definir 2A , 3A , 4A . . .
Naturalmente, isso pode ser feito recursivamente:
20
• já temos 0A e 1A definidos;

• mais geralmente, se nA ∈ A está definido para algum n ∈ N, definimos


ES

(n + 1)A ..= nA + 1A .
UF

Em termos psicologicamente mais imediatos, para n ∈ N com n > 0, pensamos em nA


como o resultado de somar n vezes a unidade 1A , i.e.,

nA ..= 1A + . . . + 1A .
| {z }
n vezes

Uma vez feito isso, ficamos a apenas um passo de definir zA para z ∈ Z: para n ≥ 0,
definimos nA como acima e, de maneira similar, fazemos

(−n)A ..= −(nA ).

Secretamente, descrevemos uma função ϕ : Z → A dada por ϕ(z) ..= zA . Em certo


sentido, ela nos permite ver traços algébricos de Z no anel A. Mais precisamente, a
correspondência ϕ tem as seguintes propriedades.

• ϕ(0) = 0A e ϕ(1) = 1A : são os passos iniciais da definição recursiva.

• ϕ(−m) = −ϕ(m) para qualquer m ∈ Z: pois ϕ(−m) ..= (−m)A = −mA = −ϕ(m).
20
Lema da Academia (Tengan, E.).
21
Será por pouco tempo, não se preocupe!
18 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

• ϕ(m + n) = mA + nA para quaisquer m, n ∈ Z: este é um bom exercı́cio para uma


tarde chuvosa22 .

• ϕ(mn) = ϕ(m)ϕ(n) para quaisquer m, n ∈ Z: fica a cargo do leitor.

Vejamos uma tonelada de exemplos.

Exemplo 1.1.16. Ao tomarmos A como Q, R ou C, a função ϕ definida acima se resume


meramente à inclusão de Z dentro de tais anéis. •

Exemplo 1.1.17. Ao repetirmos a construção de ϕ para A ..= Mn (Z), obtemos


 
z 0 ... 0
 0 z ... 0 
ϕ(z) = (zδij ) =  .. .. . . .. 
 
 . . . . 
0 0 ... z

pois a matriz identidade (δij ) é a unidade do anel Mn (Z). •

Exemplo 1.1.18. Fixado um conjunto X, vamos repetir a construção de ϕ para o anel


A ..= ℘(X). Como este anel é menos intuitivo, procedemos com mais calma. Primeira-
20
mente, temos ϕ(0) = ∅ e ϕ(1) = X, pois ∅ é o elemento neutro da soma (a diferença
simétrica ∆, definida em (1.2), na página 12) e X é o elemento neutro do produto (a
20
interseção ∩). Vejamos então: quem é ϕ(2)?
A definição nos diz que ϕ(2) ..= ϕ(1) + 1A , onde esta soma é efetuada em A. Logo,

ϕ(2) = ϕ(1) ∆ X = X ∆ X = ∅.
ES

Para determinar ϕ(3), usamos ϕ(2), o que nos dá


UF

ϕ(3) = ϕ(2) ∆ X = ∅ ∆ X = X.

Explicitamos o padrão para n ≥ 0: se n for par teremos ϕ(n) = ∅, enquanto n ı́mpar


acarreta ϕ(n) = X. O mesmo se repete para o caso negativo, pois ϕ(−n) = −ϕ(n) e, no
anel ℘(X), o simétrico aditivo de A ∈ ℘(X) é, precisamente, o próprio A. •

Observação 1.1.19. Explicitamente, o último exemplo nos mostrou que existem anéis
nos quais 1A + 1A = 0A . Isso não seria novidade no anel trivial com um elemento só, mas
num primeiro contato pode ser uma revelação chocante. Agora descanse um pouco. 4

Se pensarmos em anéis como objetos que carregam informação algébrica, podemos


considerar a função ϕ como um meio de comunicação entre Z e A, por meio do qual
podemos entender como A interpreta as afirmações de Z. A interpretação pode ser fiel,
como nos dois primeiros exemplos, mas também pode ser corrompida, como aconteceu no
último. Agora chega de embromação.

22
Dica: faça primeiro para m, n ≥ 0, argumentando por indução, depois analise os outros casos levando
em consideração a definição de zA para z ≥ 0 e z < 0.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 19

Sejam A e B anéis com unidade23 . Dizemos que uma função f : A → B é um mor-


fismo de anéis24 se f (1A ) = 1B e, para quaisquer a, a0 ∈ A tivermos

f (a + a0 ) = f (a) + f (a0 ) e f (aa0 ) = f (a)f (a0 ).

Observação 1.1.20. Se fôssemos realmente pedantes com as notações, explicitarı́amos


que as operações de A e B são, respectivamente ⊕A , A , ⊕B e B , donde estipuları́amos

f (a ⊕A a0 ) = f (a) ⊕B f (a0 ) e f (a A a0 ) = f (a) B f (a0 ).

A vida, no entanto, é curta demais para fazermos isso25 . 4

Observação 1.1.21 (Sobre a definição de morfismo). O leitor que consultar a definição de


(homo)morfismo de anéis adotada por Gonçalves [3] vai se deparar com uma versão mais
geral do que a apresentada acima: lá, o autor não exige a preservação da unidade, i.e.,
pode ocorrer f (1A ) 6= 1B . Obviamente, tal definição é inevitável se quisermos trabalhar
em contextos nos quais anéis sem unidade sejam abundantes – não é o nosso caso. Além
disso, vale ressaltar que abordagens mais modernas (embasadas em Teoria dos Modelos ou
Álgebra Universal, por exemplo) consideram a unidade como parte da estrutura algébrica
do anel, de modo que o morfismo deve respeitá-la. Se isso não bastar, podemos apelar

20
para uma carteirada desleal: Bourbaki26 , ao tratar de anéis com unidade, também exige
que um morfismo de anéis f : A → B verifique f (1A ) = 1B . 4
20
Exemplo 1.1.22. Independentemente do anel A (com unidade!) que consideremos, não
existem muitas opções de morfismo da forma f : Z → A. Primeiro, é claro que a função
ϕ : Z → A definida logo no começo desta subseção é um morfismo de anéis. Por sua
vez, se f : Z → A for outro morfismo, então devemos ter f (1) = 1A , pois esta é uma
ES

das exigências para ser um morfismo de anéis. Daı́, aplicações sucessivas da condição
f (x + y) = f (x) + f (y) nos levam à conclusão de que f (z) = ϕ(z) para todo z ∈ Z, i.e.,
f = ϕ.
UF

Isso merece inclusive um breve destaque:

Teorema 1.1.23 (Propriedade universal de Z). Se A é um anel com unidade, então existe
um único morfismo de anéis ϕ : Z → A. 

Esse tipo de afirmação ocorrerá com certa frequência ao longo do curso27 , mas ainda
é cedo para explorarmos isso com mais profundidade. Ainda assim, vale destacar que,
por ser único, o morfismo ϕ : Z → A está apto a receber uma notação especial: vamos
denotar ϕ por µA . •

Exemplo 1.1.24 (Subanéis). A inclusão i : Q ,→ R, dada por i(q) = q para todo q ∈ Q,


é um morfismo de anéis. O mesmo vale para as inclusões Q ,→ C e R ,→ C.
23
Já combinamos que isso seria tacitamente assumido no inı́cio da subseção, mas lembrar nunca é
demais!
24
ATENÇÃO: É muito comum, muito comum mesmo, se deparar com o termo “homomorfismo”
em vez de “morfismo” em contextos algébricos clássicos. Embora a terminologia aqui empregada tenha
respaldo da Teoria de Categorias e receba o apoio irrestrito da comunidade de algebristas da minha bo-
lha virtual (veja em https://twitter.com/rmmezabarba/status/1204742097536012288?s=20), minha
principal motivação para suprimir o sufixo é a economia de caracteres.
25
Ou para aprender alemão.
26
Se esse nome não faz tocar um sino na sua cabeça, jogue-o no Google o quanto antes. É sério.
27
E, com sorte, ao longo da vida!
20 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

De modo geral, se A e B são anéis com unidade28 tais que A ⊆ B, dizemos que A
é subanel de B precisamente quando a inclusão i : A ,→ B for um morfismo de anéis.
Equivalentemente, isto significa dizer que

• A 6= ∅ e 1A = 1B ,

• a − a0 ∈ A sempre que a, a0 ∈ A, e

• aa0 ∈ A sempre que a, a0 ∈ A,

pois, de tal forma, segue que a restrição das operações de B sobre o conjunto A faz dele
um anel com unidade e tal que a inclusão é um morfismo de anéis29 .
Um caso tı́pico de subanel ocorre ao tomarmos um morfismo de anéis f : A → B: a
imagem de f , i.e., o subconjunto

f [A] ..= im (f ) ..= {f (a) : a ∈ A} ⊆ B,

é um subanel de B (por quê?). Embora soe abstrato, isso sintetiza diversos exercı́cios
clássicos de Álgebra – principalmente depois que introduzirmos polinômios. Por exemplo,

1. Z[i] ..= {a + bi : a, b ∈ Z} ⊆ C,
√   √
2. Z 2 ..= a + b 2 : a, b ∈ Z ⊆ R, e

20
20
√  
3. Q 3 ..= a + b 3 : a, b ∈ Q ⊆ R

são casos de subanéis (de C e R, respectivamente) que podem ser descritos como a imagem
de um morfismo de anéis – o que ainda não vimos, porém, é como descrever apropria-
ES

damente o domı́nio de tais morfismos30 . Apesar disso, nossas atuais limitações técnicas
não devem impedir o leitor de duvidar das afirmações acima e verificar, no braço, que
√ os
animais supracitados são subanéis dos anéis indicados – em particular, note que Q 3
UF

é um corpo, situação em que faz sentido xingá-lo de subcorpo.


Embora subanéis permeiem implı́cita ou explicitamente todo o nosso curso, eles rece-
berão atenção especial no terço final de nossa jornada, quando estudarmos extensões de
corpos. •

Exemplo 1.1.25. Recordemo-nos de que o conjugado de um número complexo z ..=


a + bi ∈ C é
z ..= a − bi.
A função c : C → C que faz c(z) ..= z para todo z ∈ C é um morfismo de anéis. A
única parte que carece de alguma verificação não-automática é a compatibilidade com o
produto: dados a + bi, α + βi ∈ C, temos

(a + bi)(α + βi) = aα − bβ + (aβ + αb)i = aα−bβ−(aβ+αb)i = (a−bi)(α−βi) = a + bi·α + βi.

Na segunda parte do curso exploraremos mais morfismos de C → C. •


28
Okay. A partir daqui eu vou confiar na memória do leitor.
29
Fun fact: não encontrei menção a subanéis no ı́ndice remissivo de [2]. Também convém mencionar
que, coerente com a própria definição que adota para (homo)morfismo de anéis, Gonçalves [3] não exige
que subanéis contenham a unidade do anel maior.
30
E não, não me refiro à inclusão (óbvia), mas sim a morfismos não injetores. No caso do primeiro, por
exemplo, Z[i] é a imagem do anel de polinômios Z[x] pelo morfismo ϕ : Z[x] → C que faz ϕ(p(x)) = p(i).
Chegaremos lá em breve.
1.1. O ADVENTO DOS ANÉIS 21

Exemplo 1.1.26. Não existe morfismo de anéis da forma C → R. De fato, se ϕ fosse um


candidato a morfismo, terı́amos ϕ(i) = r para algum r ∈ R e, consequentemente

r2 = ϕ(i)2 = ϕ(i2 ) = ϕ(−1) = −ϕ(1) = −1,

resultado que não pode ser obtido em R. •


Observação 1.1.27. As identidades acima seguem em decorrência da suposição de ϕ ser
um morfismo. Elas são discutidas na Seção de Exercı́cios deste capı́tulo. 4
Há duas observações de caráter geral sobre morfismos de anéis que, embora banais,
são categoricamente importantes. A primeira delas, provavelmente já percebida pelo leitor
atento, é que a função identidade IdA : A → A é, invariavelmente, um morfismo de anéis
(por favor!?). A segunda, por sua vez, trata da composição de morfismos: se f : A → B
e g : B → C são morfismos de anéis, então a composição

g ◦ f : A → C,

que faz g ◦ f (a) ..= g(f (a)) para todo a ∈ A, é um morfismo de anéis (por quê?).
Retomemos então a analogia estrutural sobre morfismos. Por pensarmos nos morfismos
como meios de comunicação entre anéis, é natural que, eventualmente, tenha-se uma via
20
de mão dupla. Mais precisamente, dados anéis A e B, pode ser que existam morfismos
de anéis ϕ : A → B e ψ : B → A: o primeiro nos diz como B interpreta o que A diz,
enquanto o segundo nos diz como A interpreta o que B diz. Daı́, a ocasional ocorrência
20
das identidades
ϕ ◦ ψ = IdB e ψ ◦ ϕ = IdA ,
significa, em certo sentido, que A e B afirmam exatamente as mesmas coisas do ponto de
ES

vista algébrico. Toda essa carga epistemológica é encapsulada na tı́pica afirmação


A e B são idênticos a menos de isomorfismo.
UF

Sejamos precisos: um morfismo de anéis f : A → B é chamado de isomorfismo de


anéis se existir um morfismo de anéis g : B → A verificando g ◦ f = IdA e f ◦ g = IdB .
Em tal situação, dizemos que A e B são anéis isomorfos, e escrevemos A ' B. Como
funções admitem inversas se, e somente se, são bijetoras, é imediato que todo isomorfismo
é, em particular, uma bijeção. A verificação da recı́proca fica a cargo do leitor31 :
Proposição 1.1.28. Se f : A → B é um morfismo de anéis bijetor, então a inversa
f −1 : B → A é um morfismo de anéis. Em particular, f é um isomorfismo de anéis. 
Como anéis isomorfos dizem as mesmas coisas, resulta que para dois anéis isomorfos
A e B, um deles tem uma certa propriedade algébrica se, e somente se, o outro também
tem. Exploramos um pouco desse fenômeno na Seção de Exercı́cios.
Exemplo 1.1.29. Se A é um anel e B é um conjunto munido de uma bijeção ϕ : A → B,
podemos dotar B de uma estrutura de anel que faça de ϕ um isomorfismo: basta declarar
b ∗B b0 ..= ϕ(ϕ−1 (b) ∗A ϕ−1 (b0 )), para ∗ ∈ {+, ·} (e eu sei que é uma notação preguiçosa).
Note que isso faz sentido ϕ−1 (b), ϕ−1 (b0 ) ∈ A. Verificar de que tal gambiarra funciona é
um bom exercı́cio para o leitor.
31
O leitor irá se deparar com o mesmo fenômeno ao estudar morfismos de grupos, morfismos de módulos,
funções lineares, mas não irá ter a mesma sorte com funções contı́nuas. Em geral, este é um fenômeno
tı́pico das estruturas algébricas.
22 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Em particular, fixado um conjunto S ..= {1, . . . , n}, existe uma bijeção natural en-
tre F(S, A) e o conjunto An das n-uplas (a1 , . . . , an ), onde ai ∈ A para cada i ∈ S:
fazemos cada f ∈ F(S, A) corresponder à n-upla (f (1), . . . , f (n)). A estrutura de anel
em An oriunda desse processo de osmose é aquela que o leitor já deve suspeitar: para
(a1 , . . . , an ), (b1 , . . . , bn ) ∈ An , temos

(a1 , . . . , an ) + (b1 , . . . , bn ) ..= (a1 + b1 , . . . , an + bn ), e


(a1 , . . . , an ) · (b1 , . . . , bn ) ..= (a1 · b1 , . . . , an · bn ).

De tal isomorfismo, passa a fazer sentido confundir os anéis F(S, A) e An sempre que
|S| = n, onde |S| denota a cardinalidade do conjunto S. •
Exemplo 1.1.30. Os anéis M2 (Z) e Z4 não são isomorfos, embora a correspondência
 
α β
7 (α, β, γ, δ)

γ δ

seja uma bijeção. De fato, enquanto o segundo é comutativo, o primeiro não é. •
Exemplo 1.1.31 (Propriedades universais e isomorfismos). Provamos anteriormente que
se A é um anel com unidade, então existe um único morfismo de anéis µA : Z → A. Ao
20
afirmamos que tal propriedade de Z o caracteriza a menos de isomorfismo, queremos dizer
o seguinte: se R for um anel com unidade tal que para todo anel com unidade A existe um
20
único morfismo de anéis σA : R → A, então R e Z são isomorfos. Esse tipo de propriedade
costuma ser xingada de propriedade universal32 . Mas por que R deve ser isomorfo a
Z?
Pois bem, como para qualquer anel A existe um único morfismo de anéis Z → A,
ES

podemos tomar A ..= R e considerar o único morfismo de anéis ϕ : Z → R. Analogamente,


sabemos que existe um único morfismo de anéis ψ : R → Z – agora, usando a hipótese
sobre o anel R. Como a composição de morfismos é morfismo, resulta que ψ ◦ ϕ : Z → Z
UF

e ϕ ◦ ψ : R → R são morfismos de anéis – e isso permite concluir que R e Z são anéis


isomorfos!
Com efeito, IdZ : Z → Z e IdR : R → R são morfismos de anéis (pois a função iden-
tidade sempre é morfismo de anéis), mas não só isso: IdZ : Z → Z deve ser o único
morfismo de anéis de Z em Z (pois provamos isso!), bem como IdR : R → R deve ser o
único morfismo de anéis de R em R (pela hipótese sobre R). Logo,

IdZ = ψ ◦ ϕ e IdR = ϕ ◦ ψ,

mostrando que ψ = ϕ−1 .


Quase não há exagero em dizer que todas as vezes em que quisermos provar a unicidade
a menos de isomorfismo de um anel que possui uma propriedade universal, repetiremos
essencialmente o mesmo argumento acima - a menos de isomorfismo :p •

1.2 Idealismo consciente


Deste ponto em diante, até o final do curso, trataremos apenas de anéis comutativos e
com unidade – embora existam análogos não-comutativos para o que vamos discutir, eles
exigem paciência e delicadeza incompatı́veis com um primeiro contato.
32
E teremos várias, implı́citas ou não, ao longo do curso.
1.2. IDEALISMO CONSCIENTE 23

1.2.1 Pausa dramática para relembrar equivalências


Uma relação binária ∼ num conjunto X é dita uma relação de equivalência se ∼ for
reflexiva (x ∼ x para todo x ∈ X), simétrica (x ∼ y ⇒ y ∼ x para quaisquer x, y ∈ X)
e transitiva (x ∼ y e y ∼ z ⇒ x ∼ z para quaisquer x, y, z ∈ X). Em certo sentido,
uma relação de equivalência ∼ estabelece um critério por meio do qual certos objetos a
princı́pio distintos podem ser vistos como iguais, ao mesmo tempo em que separa outros
objetos fundamentalmente distintos pelo mesmo critério.
Exemplo 1.2.1 (Restos da divisão por n). Como uma das primeiras coisas que os estu-
dantes de matemática aprendem no curso de Matemática é esquecer como fazer contas,
vamos relembrar a seguinte
Proposição 1.2.2 (Algoritmo da diviZão, para Z). Fixados m ∈ Z e n ∈ N com n > 0,
existem únicos q, r ∈ Z tais que
m = qn + r (1.5)
com 0 ≤ r < n.
Demonstração. Se a existência de q e r for conhecida, supomos q 0 , r0 ∈ Z satisfazendo
m = nq 0 + r0 com 0 ≤ r0 < n. Se valer r ≤ r0 , então por um lado temos 0 ≤ r0 − r ≤ n − 1
e, por outro lado, r0 − r = n(q 0 − q), donde segue que r0 − r = 0 e, consequentemente,
r0 = r e q 0 = q (por quê?!). 20
Para a prova da existência supomos primeiramente m ≥ 0, e fazemos por indução.
20
• Para m = 0 basta tomar q = r = 0.
• Supondo q, r ∈ Z tais que m = nq + r com 0 ≤ r < n, note que m + 1 = qn + r + 1,
ES

donde temos dois casos:


1. pode ser que r + 1 = n, e daı́ m + 1 = qn + n = q(n + 1) + 0, ou
UF

2. r + 1 < n, e assim temos a expressão desejada.


Segue por indução que todo m ≥ 0 se escreve como qn + r para únicos q, r ∈ Z, com
0 ≤ r < n. Se tivermos m < 0, repetimos o argumento acima para −m > 0: dados
q, r ∈ Z com −m = qn + r e 0 ≤ r < n, pode ser que tenhamos r = 0, e daı́ −q ∈ Z é tal
que m = (−q)n; se r 6= 0, então

m = −qn − r = (−q)n − r = (−q)n + n − n − r = (−q − 1)n + (n − r),

com 0 < n − r < n, como querı́amos.


Relembramos tal algoritmo no presente contexto a fim de dar um tratamento honesto
para a relação de equivalência tı́pica da Álgebra Elementar. Na proposição acima, o
número r é frequentemente chamado de resto pela divisão de m por n, e quando r = 0,
dizemos que m é divisı́vel por n, o que indicamos escrevendo n | m.
Com isso em mente, e para n ∈ N com n > 0 fixado, vamos dizer que números inteiros
x, y ∈ Z são equivalentes módulo n se o resto da divisão de x por n for igual ao resto
da divisão de y por n. Note que se q, q 0 ∈ Z e r, r0 ∈ N são os únicos a satisfazer

x = qn + r e y = q 0 n + r0 ,

com 0 ≤ r, r0 < n, então r = r0 se, e somente se, x − qn = y − q 0 n, o que por sua vez
equivale a dizer que x − y é divisı́vel por n.
24 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Neste estágio da vida, convém verificar que a relação de equivalência módulo n é,
realmente, uma relação de equivalência. Escrevendo x ≡n y para indicar que x e y são
equivalentes módulo n, temos:

X x ≡n x, pois x − x = 0 · n;

X se x ≡n y, então x − y = kn para algum k ∈ Z, donde segue que y − x = −kn, i.e.,


y ≡n x;

X se x ≡n y e y ≡n z, então existem k, k 0 ∈ Z com x − y = kn e y − z = k 0 n, donde


segue que x − z = x − y + y − z = kn − k 0 n = (k − k 0 )n, mostrando que x ≡n z;

donde segue que ≡n é uma relação de equivalência. •

Um efeito colateral inevitável das relações de equivalência é a segregação dos elementos


do conjunto em classes de equivalência 33 . Mais precisamente, se ∼ é uma relação de
equivalência sobre X e x ∈ X, chamamos o conjunto {y ∈ X : x ∼ y} de classe de
equivalência de x com respeito à relação ∼. A notação para a classe de equivalência de
x varia de acordo com o contexto – por ora, vamos denotá-la por Cx . O curioso sobre as
classes de equivalência de X é que elas particionam X em pedaços dois-a-dois disjuntos.
Mais precisamente, duas coisas acontecem:
20
• X = x∈X Cx , i.e., para todo y ∈ X, existe x ∈ X com y ∈ Cx ;
S
20
• para quaisquer x, y ∈ X ocorre Cx = Cy ou Cx ∩ Cy = ∅, com Cx = Cy se, e somente
se, x ∼ y.

O primeiro item segue da reflexividade de ∼, enquanto o segundo item decorre da


ES

simetria e transitividade. Os detalhes ficam a cargo do leitor. Dizemos que um subcon-


junto R ⊆ X é uma classe de representantes da relação ∼ se para todo x ∈ X existe um
único r ∈ R tal que x ∼ r. Se denotarmos por X/ ∼ o conjunto de todas as classes de
UF

equivalência de X, segue que X/ ∼= {Cr : r ∈ R}.

Exemplo 1.2.3. Para n ∈ N com n > 0 fixado, a discussão realizada no último exemplo
mostrou que para m ∈ Z, existem únicos q ∈ Z e r ∈ N tais que m = qn + r e 0 ≤ r < n.
Logo, existem precisamente n classes possı́veis de restos para a relação ≡n de equivalência
módulo n. Em particular, neste contexto, costuma-se denotar a classe de equivalência de
m ∈ Z por m, de modo que temos Z/ ≡n = {0, 1, . . . , n − 1}. Discutimos alguns exemplos
particulares na Seção de Exercı́cios. •

1.2.2 Ideais e quocientes


Seja A um anel comutativo e com unidade. Consideremos I ⊆ A um subconjunto tal que
0 ∈ I e, para x, y ∈ A, vamos escrever x ∼ y para indicar x−y ∈ I, bem como as fórmulas

x  y := x + y e x  y := x · y (1.6)

para x, y ∈ A quaisquer, onde x := {w ∈ A : x ∼ w}. Daı́, definimos A/I := {x : x ∈ A}


e chamamos a função π : A → A/I que faz π(x) ..= x de projeção canônica.
33
Conotações polı́ticas ficam a cargo do leitor.
1.2. IDEALISMO CONSCIENTE 25

Por uma combinação A-linear de elementos de I, entendemos um elemento a ∈ A


tal que existem x0 , . . . , xn ∈ I e α0 , . . . , αn ∈ A, para algum n ∈ N, satisfazendo
X
αi xi = a.
i≤n

Dizer que I é fechado por combinações A-lineares significa, precisamente, afirmar que
a ∈ I sempre que a for uma combinação A-linear de elementos de I. Temos então o
seguinte

Teorema 1.2.4. Nas notações acima, se I é fechado por combinações A-lineares, então
∼ é uma relação de equivalência sobre A. Além disso, as operações  e  estão bem
definidas e dão a A/I uma estrutura de anel, comutativo e com unidade.

Demonstração. Não temos muitas escolhas de como proceder em demonstrações desse


tipo: precisamos mostrar que ∼ é reflexiva, simétrica e transitiva. Pois bem:

X a ∼ a pois a − a = 0A ∈ I;

X se a ∼ b, então a − b ∈ I, e daı́ −1A (a − b) = b − a ∈ I pois I é fechado por


combinações A-lineares, mostrando que b ∼ a;
20
X se a ∼ b e b ∼ c, então a − b, b − c ∈ A, donde segue que a − c = (a − b) + (b − c) ∈ I,
20
pois I é fechado por combinações A-lineares, acarretando a ∼ c.

As operações sobre A/I estão bem definidas pois I é fechado por combinações A-
lineares: por exemplo, se x ∼ x0 e y ∼ y 0 , então (x + y) − (x0 + y 0 ) = (x − x0 ) + (y − y 0 ) ∈ I,
ES

mostrando que x + y ∼ x0 + y 0 . Elas satisfazem os axiomas de anel (comutativo e com


unidade) pelo fato de A ser anel (comutativo e com unidade). Em particular, o elemento
neutro da adição é 0A , enquanto 1A é o elemento neutro da multiplicação.
UF

Observação 1.2.5. Dizer que uma função está bem definida é um abuso de lingua-
gem. Na verdade, o que se costuma fazer é mostrar que uma relação binária satisfaz as
exigências para ser chamada de função. Um modo mais preciso de escrever (1.6) e que
ajuda a evidenciar a necessidade de verificar a boa definição é o seguinte: para α, β ∈ A/I,
vamos fazer α  β ..= x + y, onde x e y são tais que x ∈ α e y ∈ β. Como a definição da
operação depende da escolha de representantes, poderia ser o caso de que um mesmo par
tivesse imagens distintas a depender do representante escolhido. Felizmente, vimos que
isso não ocorre. 4

Um subconjunto não-vazio I ⊆ A é um ideal se for fechado por combinações A-


lineares. Da proposição acima, segue que se I é um ideal de A, então A/I é um anel,
comutativo e com unidade, com as operações definidas em (1.6), o anel quociente de
A por I. A projeção canônica define um morfismo sobrejetor de anéis π : A  A/I que
faz π(a) = a. Naturalmente, a partir de agora escreveremos + e · em vez de  e ,
respectivamente.

Exemplo 1.2.6. Note que para n ∈ N, o subconjunto nZ ..= {nz : z ∈ Z} é fechado por
combinações Z-lineares. Observe que para n = 0, x ∼ y ocorre se, e somente se, x = y,
enquanto que para n > 0, x ∼ y ocorre se, e somente se, x ≡n y. Logo, a princı́pio temos
Z/0Z = {z : z ∈ Z} e Z/nZ = {0, . . . , n − 1} para n > 0. •
26 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Ideais generalizam os conjuntos de múltiplos de um dado elemento. De fato, se a ∈ A,


então hai ..= {ab : b ∈ A} (também denotado por aA) é um ideal de A, chamado ideal
principal gerado por a. Mais geralmente, para um subconjunto S ⊆ A, definimos o ideal
gerado por S como sendo o menor34 ideal de A (no sentido da inclusão) que contém
S, denotado por hSi, ou hs0 , . . . , sn i se tivermos S ..= {s0 , . . . , sn }. Em particular, para
S 6= ∅, vale

hSi = {a ∈ A : a é combinação A-linear de elementos de S} .

Como ocorre na vida, a reunião de ideais não resulta necessariamente num ideal,
embora eles possam ser somados e multiplicados: se I, J ⊆ A são ideais de A, então
I + J := hI ∪ Ji, e IJ := h{ab : a ∈ I, b ∈ J}i. Convido o leitor interessado a descrever
explicitamente os habitantes de I + J e IJ.
Aprendemos ao longo da História da Civilização que existem muitos tipos diferentes de
ideais. Naturalmente, o mesmo ocorre na álgebra: para I ⊆ A um ideal próprio (I 6= A),
dizemos que
1. I é um ideal primo se uma das duas condições (equivalentes!) a seguir é satisfeita:

(a) para a, b ∈ A tais que ab ∈ I, então a ∈ I ou b ∈ I;

20
(b) para J, J 0 ⊆ A ideais de A, JJ 0 ⊆ I implica J ⊆ I ou J 0 ⊆ I;

2. I é um ideal maximal se I é maximal na coleção dos ideais próprios de A, i.e., se


20
J ⊆ A é um ideal de A tal que I ⊆ J, então I = J ou J = A.
Ideais primos e maximais se relacionam diretamente com nossas considerações prévias
sobre quocientes – e de maneiras um tanto surpreendente. A começar com a aparente-
ES

mente inócua
Proposição 1.2.7. Seja I ⊆ A um ideal.
UF

1. O ideal I é primo se, e somente se, A/I é um domı́nio.

2. O ideal I é maximal se, e somente se, A/I é um corpo.


Demonstração. Começamos observando três coisas:
(i) o anel A/I é não-trivial se, e somente se, o ideal I é próprio;

(ii) dado a ∈ A, temos a = 0A se, e somente se, a ∈ I; e

(iii) dado a ∈ A, temos a = 1A se, e somente se, a − 1A ∈ I.


Agora, a primeira equivalência do enunciado segue dos dois primeiros itens acima: o
item (i) estabelece a equivalência entre I ser próprio (condição necessária para I ser primo)
e A/I ser não-trivial (condição necessária para A/I ser domı́nio), enquanto o item (ii)
mostra que para a, b ∈ A temos

a · b = ab = 0A ⇔ ab ∈ I,

donde o restante segue (os detalhes são problema do leitor).


34
Tal definição faz sentido pois A é um ideal de A que contém S, e a interseção de qualquer famı́lia
não-vazia de ideais é um ideal.
1.2. IDEALISMO CONSCIENTE 27

A segunda equivalência segue de todos os itens: (i) novamente estabelece a equivalência


entre I ser próprio e A/I ser não-trivial, enquanto (iii) garante que para a, b ∈ A temos

a · b = 1A ⇔ ab − 1A ∈ I.

Daı́, se I é maximal e a 6= 0A , então a 6∈ I e, pela maximalidade, devemos ter


I + hai = A, donde segue que 1A ∈ I + hai. Consequentemente, existem u ∈ I e b ∈ A tais
que 1A = u + ab, i.e., ab − 1A ∈ I, mostrando que b é inverso multiplicativo de a em A/I.
Reciprocamente, se A/I é corpo e J ⊆ A é um ideal com I ( J, então existe a ∈ J \ I.
Por termos a 6= 0A (pelo item (ii)), a hipótese sobre A/I nos dá b ∈ A com ab = 1A , i.e.,
ab − 1A ∈ I. Note que esta última pertinência significa que existe x ∈ I com ab − 1A = x,
donde segue que 1A = ab − x ∈ J (por quê?), acarretando J = A.
As demonstrações de (i), (ii) e (iii) ficam a cargo do leitor.

Exemplo 1.2.8. As considerações acima se tornam um pouco mais palpáveis ao analisar-


mos suas instâncias para A ..= Z. Primeiramente, como Z e Z/0Z são anéis isomorfos35 ,
o fato de Z ser domı́nio garante que Z/0Z é domı́nio e, por sua vez, 0Z = h0i é um ideal
primo. Alternativamente, isso segue diretamente da definição de domı́nio: se ab ∈ h0i,
então ab = 0 e daı́ a = 0 ou b = 0, i.e., a ∈ h0i ou b ∈ h0i.
Agora, para n > 0, afirmamos que são equivalentes:

(i) n é primo;
20
(iii) Z/nZ é domı́nio;
20
(ii) hni é primo; (iv) Z/nZ é corpo.

De fato, é bom lembrar que um número inteiro p ∈ Z \ {1} é primo se seus únicos
ES

divisores são triviais, i.e., se ±p e ±1 são seus únicos divisores36 . Equivalentemente,


p ∈ Z \ {0, 1} é primo se, e somente se, para quaisquer a, b ∈ Z a ocorrência de p | ab
acarretar em p | a ou p | b. Isso nos dá (i) ⇔ (ii). Como a proposição anterior já cuidou
UF

de (ii) ⇔ (iii), resta tratarmos do item (iv): claramente (iv) ⇒ (iii); agora, se Z/nZ é
domı́nio com n > 0, então Z/nZ é necessariamente finito, o que implica (iv) em virtude
do próximo

Teorema 1.2.9. Todo domı́nio finito é um corpo.

Demonstração. Se D é um domı́nio finito, então D tem apenas uma quantidade finita de


subconjuntos e, por conseguinte, uma quantidade (ainda mais) finita de ideais. Logo, se
d ∈ D \ {0D }, a sequência de ideais

hdi ⊇ hd2 i ⊇ hd3 i ⊇ . . .

não pode ser infinita, donde segue que existe n ∈ N com hdn+1 i = hdn i, acarretando
dn = αdn+1 para algum α e, consequentemente, dn (1A − αd) = 0A . Enfim, por D ser
domı́nio, temos dn 6= 0A e, por falta de opção, αd = 1A , como querı́amos.
Costuma ser pedagogicamente edificante observar Z/nZ para n composto (i.e., não-
primo): note que para n ..= 6 e 2, 3 ∈ Z/6Z, temos 2, 3 6= 0, mas 2 · 3 = 6 = 0, mostrando
que Z/6Z tem divisores não-triviais de zero. •
35
Você pode provar no braço, o que não é difı́cil, ou esperar o Teorema do Isomorfismo, que veremos
já já.
36
A notação ±α é apenas um modo preguiçoso de escrever α ou −α. Podem me julgar.
28 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Exemplo 1.2.10. Um exemplo nuclear de ideal é, como a expressão propositalmente


sugere, o núcleo. Se f : A → B é um morfismo de anéis, então

ker f ..= {a ∈ A : f (a) = 0},

o núcleo de f , é um ideal de A. Em verdade, graças à projeção canônica, I ⊆ A é


um ideal de A se, e somente se, existem um anel B e um morfismo sobrejetor de anéis
f : A  B tais que ker f = I. •

Curiosamente, o ideal acima permite revelar, em certo sentido, a natureza universal


do quociente de anéis. Mais precisamente, temos a seguinte

Proposição 1.2.11 (Propriedade universal do quociente, para anéis). Se f : A → B é


um morfismo de anéis satisfazendo I ⊆ ker f , então existe um único morfismo de anéis
f : A/I → B tal que f ◦ π = f .

Demonstração. Existência: basta definir f : A/I → B fazendo f (a) = f (a), que está bem
definido pois I ⊆ ker f , e claramente satisfaz as condições para ser morfismo de anéis.
Unicidade: se ρ : A/I → B também satisfaz ρ ◦ π = f , então ρ ◦ π(a) = f (a), ou seja,
ρ(a) = ρ(π(a)) = f (a) = f (a).

20
Corolário 1.2.12 (Teorema do Isomorfismo, para anéis). Se f : A → B é um morfismo
de anéis, então A/ ker f ' im (f ).
20
Demonstração. Fazendo I = ker f na proposição anterior, obtemos o único morfismo
 ker f → B satisfazendo f ◦ π = f . Basta então notar que f é injetor com
f : A/
im f = im (f ).
ES

Discutimos diversos exemplos de ideais e operações entre eles na Seção de Exercı́cios,


bem como algumas considerações gerais sobre quocientes e ideais. Antes de adentrarmos
UF

na última seção do capı́tulo, sobre polinômios, vamos apresentar duas aplicações simples
de quocientes.

1.2.3 A caracterı́stica dos anéis e o Teorema dos Restos


A caracterı́stica de um anel
Fixe o seu anel com unidade favorito, digamos A, e seja µA : Z → A o único morfismo de
anéis entre Z e A. Como o núcleo de todo morfismo é um ideal, segue que ker µA ⊆ Z é
um ideal. Embora viva em Z, o ideal ker µA é capaz de nos dizer sobre uma caracterı́stica
bastante interessante do anel A: por definição, um número inteiro m ∈ Z é tal que
m ∈ ker µA se, e somente se,
1A + . . . + 1A = 0A .
| {z }
m vezes

A coisa começa a ficar mais interessante depois de notarmos que ker µA é um ideal
principal. Longe de ser uma propriedade exclusiva de ker µA , isso se verifica para todos
os ideais de Z, como indica a próxima proposição (cuja prova fica a cargo do leitor).

Proposição 1.2.13. Se I ⊆ Z é um ideal, então existe m ∈ I tal que I = hmi. Em


particular, existe um único m ≥ 0 tal que I = hmi. 
1.2. IDEALISMO CONSCIENTE 29

Desse modo, existe um único n ≥ 0 tal que ker µA = nZ. Por isso, podemos xingar n
de modo especial: a caracterı́stica do anel A é o único n ∈ N tal que ker µA = nZ, que
denotamos por char (A).
O que a caracterı́stica de um anel diz sobre ele? Algumas coisas, mas não muitas.
Basicamente, temos dois casos:

• char (A) = 0, i.e., o morfismo µA : Z → A é injetor;

• char (A) = n > 0, donde em particular segue que

n = min{m ∈ N : mA = 0A }, (1.7)

ou, mais verbalmente, n é o menor habitante de N tal que

1A + . . . + 1A = 0A .
| {z }
n vezes

Observação 1.2.14. Equivalentemente, a caracterı́stica char (A) ∈ N de um anel A


costuma ser definida por (1.7) caso exista algum m ∈ N com mA = 0A , ou como 0 caso tal
m não exista. Assim, a vantagem de definir char (A) do modo como fizemos é puramente
estética.
20
Exemplo 1.2.15. Obviamente vale char (Z) = 0. Mais geralmente, char (A) = 0 para
4
20
qualquer anel A que contém Z como subanel. Isso é reflexo da

Proposição 1.2.16. Seja ϕ : A → B um morfismo de anéis. Se ϕ é injetor, então


ES

char (A) = char (B).

Demonstração. Note que ϕ ◦ µA : Z → B é um morfismo de anéis. Como só existe um


morfismo de anéis Z → B, devemos ter µB = ϕ ◦ µA , mas então
UF

ker µB = ker (ϕ ◦ µA ) = (ϕ ◦ µA )−1 [{0B }] = µ−1 −1


 −1 
A ϕ [{0B }] = µA [{0A }] = ker µA ,

donde o resultado segue.


Em particular, a proposição acima nos diz que se A é (isomorfo a) um subanel de
B, então char (A) = char (B). Em outras palavras, a caracterı́stica pode ser usada
como uma ferramenta para detectar anéis que possivelmente não sejam isomorfos: se
char (A) 6= char (B), então A e B não podem ser isomorfos! Esse tipo de argumentação,
como veremos, é muito recorrente. •

Observação 1.2.17. O que acontece com a proposição anterior se tirarmos a hipótese de


injetividade? Não é difı́cil ver que em vez da igualdade ker µB = ker µA , sem a injetividade
de ϕ conseguimos garantir apenas ker µB = µ−1 A [ker ϕ].
Daı́, como h0A i ⊆ ker ϕ, segue que ker µA ⊆ µ−1 A [ker ϕ] = ker µB . Tal inclusão permite
concluir que existe m ∈ N tal que

char (A) = char (B) · m.

Consequentemente, se A e B são anéis tais que char (B) não divide char (A), então
não existe morfismo de anéis da forma A → B. 4
30 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Exemplo 1.2.18. Se o anel A tem caracterı́stica n > 0, então A contém uma cópia de
Z/nZ. Isto é uma consequência direta do Teorema do Isomorfismo, já que o subanel
im (µA ) ⊆ A é isomorfo ao quociente Z/ ker µA = Z/nZ. •
Exemplo 1.2.19. Anéis de caracterı́stica positiva não precisam ser finitos. Qualquer que
seja o conjunto X 6= ∅, não é difı́cil se convencer de que char (℘(X)) = 2. Um modo de
verificar isso consiste em lembrar que para qualquer A ∈ ℘(X) temos
A + A ..= A ∆ A ..= (A \ A) ∪ (A \ A) = ∅ ..= 0,
o que em particular vale para X ..= 1℘(X) . Para o leitor que prefere não se lembrar disso,
a discussão feita no exemplo anterior dá conta do recado, pois ℘(X) é isomorfo ao anel
F(X, Z/2Z), e este contém uma cópia do anel Z/2Z, cuja caracterı́stica é 2. •
Exemplo 1.2.20. Se char (A) = 1, então A = {0A }, a menos de isomorfismo. •

O Teorema Chinês dos Restos


Observação 1.2.21. Nesta subseção seguimos de perto a exposição de Borges e Ten-
gan [10]. 4
Originalmente, o celebrado Teorema Chinês dos Restos afirma que para uma sequência
20
finita m1 , . . . , mr de números inteiros coprimos entre si, i.e., tais que o mdc entre mi e
mj é 1 se i 6= j, é possı́vel obter, para cada sequência a1 , . . . , ar de inteiros, um x ∈ Z
20
com x ≡mi ai para cada i. Isso tudo de tal forma que se x0 também satisfaz x0 ≡mi ai
para cada i, então x0 ≡m x, onde m = m1 · . . . · mr .
Isso pode ser expresso de modo mais sucinto por meio de anéis. Primeiro, será con-
veniente estabelecermos uma notação diferente para os elementos de um anel quociente
ES

A/I. Lembremo-nos de que para x, y ∈ A, x denota a classe de equivalência de x com


respeito à relação de equivalência ∼ que faz x ∼ y ⇔ x − y ∈ I, de modo que x = y se, e
somente se, y ∈ x. Desse modo, temos
UF

y ∈ x ⇔ y − x ∈ I ⇔ ∃z ∈ I y = x + z ⇔ y ∈ x + I ..= {x + z : z ∈ I}.
Assim, também faz sentido denotar os elementos de A/I como sendo expressões da
forma x + I, de modo que as operações em A/I passam a ser descritas pelas regras
(a + I) + (b + I) ..= (a + b) + I e (a + I)(b + I) ..= ab + I.
Embora tal mudança de terminologia seja irrelevante ao tratarmos de um único quo-
ciente, isso vai nos ajudar a não forçar a barra ao discutirmos o fato de que o resultado
mencionado no começo da subseção é equivalente a dizer que a função
Z Z Z
ϕ: −→ × ... ×
hmi hm1 i hmr i
x + hmi 7−→ (x + hm1 i, . . . , x + hmr i)
é um isomorfismo: note que dizer que x é o único, modulo m, a satisfazer x ≡mi ai para
todo i, equivale a dizer que ϕ(x + hmi) = (a1 + hm1 i, . . . , ar + hmr i).
Exemplo 1.2.22. Dado que 3 e 5 são números primos, uma consequência do Teorema
Chinês dos Restos é o isomorfismo entre os anéis Z/15Z e Z/3Z × Z/5Z dado pela regra
ϕ que associa x + h15i ao par de classes (x + h3i, x + h5i). Para não dizerem que não faço
contas, notem que ϕ(13 + h15i) = (1 + h3i, 3 + h5i). •
1.3. ANÉIS DE POLINÔMIOS 31

Curiosamente, a prova de tal fato não remete a nada propriamente aritmético: na


verdade, ela depende apenas da generalização correta do conceito de coprimalidade. Dois
ideais I e J de A são ditos coprimos se ocorrer I + J = A.

Teorema 1.2.23 (Chinês dos Restos). Sejam I1 , . . . , Ir ideais do anel A, dois-a-dois


coprimos entre si. Então I1 ∩ . . . ∩ Ir = I1 · . . . · Ir e, chamando I ..= I1 · . . . · Ir , a
correspondência
a + I 7→ (a + I1 , . . . , a + Ir )
estabelece um isomorfismo entre A/I e A/I1 × . . . × A/Ir .

Demonstração. Provamos primeiramente o caso r ..= 2. Como sempre ocorre a inclusão


I1 I2 ⊆ I1 ∩ I2 , demonstrar a igualdade proposta se resume a garantir a inclusão oposta:
ora, por termos I1 + I2 = A, existe αi ∈ Ii tais que 1A = α1 + α2 , donde segue que se
β ∈ I1 ∩ I2 , então

β = β1A = β(α1 + α2 ) = βα1 + βα2 ∈ I1 I2 + I1 I2 = I1 I2 .

Agora, o morfismo de anéis ψ : A → A/I1 × A/I2 dado por a 7→ (a + I1 , a + I2 ) tem


como núcleo precisamente o ideal I = I1 ∩ I2 = I1 I2 , já que ocorre

20
(a + I1 , a + I2 ) = (0A + I1 , 0A + I2 )

se, e somente se, a ∈ I1 ∩I2 . Logo, o Teorema do Isomorfismo nos diz que a correspondência
20
a + I 7→ (a + I1 , a + I2 ) estabelece um isomorfismo entre A/I e a imagem de ψ, de modo
que nos resta apenas verificar a sobrejetividade de ψ a fim de concluir a demonstração.
Contudo, sem querer nós já fizemos isso: dados (a + I1 , b + I2 ) ∈ A/I1 × A/I2 , note que
ES

para os mesmos α1 e α2 do parágrafo anterior devemos ter

ψ(bα1 + aα2 ) = ((bα1 + aα2 ) + I1 , (bα1 + aα2 ) + I2 ) = (aα2 + I1 , bα1 + I2 ) = (a + I1 , b + I2 ),


UF

onde a última igualdade segue pois aα2 − a = a(α2 − 1A ) = −aα1 ∈ I1 e, de maneira


análoga, bα1 − b ∈ I2 .
O caso geral para r ∈ N com r > 2 se faz por indução – mas no fundo a argumentação
é idêntica. O leitor deve cuidar dos detalhes.

1.3 Anéis de polinômios


Observação 1.3.1. Texto parcialmente adaptado de [6]. Daqui em diante, anel = anel,
comutativo e com unidade. 4

Começamos esta seção com um exercı́cio de regressão astral, cujo destino remete à fase
escolar37 . Mais precisamente, convido o leitor a se lembrar dos longı́nquos tempos nos
quais ele aprendeu o conceito de equação. O exercı́cio é verdadeiramente simples, e consiste
em responder à seguinte pergunta:

O que é uma equação?


37
A.k.a. fetal.
32 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Certamente, precisamos distinguir os dois tipos de equação que podem surgir nessa
discussão. Observe, por exemplo, as seguintes identidades, tipicamente encontradas no
caderno de Matemática de qualquer estudante do Ensino Básico:

14 + 1 = 15; (1.8)
2 · x + 1 = 15. (1.9)

A identidade (1.8) expressa uma relação de igualdade (e verdadeira!) entre dois


números conhecidos. Por outro lado, (1.9) expressa uma relação de igualdade entre duas
entidades de naturezas distintas: “15”, um número bem conhecido, e “2 · x + 1”, uma
expressão envolvendo números e uma letra. Porém, o termo “2 · x + 1” tem a curiosa
propriedade de que ao substituirmos a letra “x” por um número conhecido n, obtemos
um novo número conhecido “2 · n + 1”. Daı́, apesar de (1.9) ser realmente uma igualdade
entre dois termos, na prática ela expressa uma pergunta:

Quais valores numéricos podemos atribuir à letra x a fim de tornar a identidade


“2 · x + 1 = 15” verdadeira?

A força do hábito faz com que seja mais comum chamar de equação igualdades como
(1.9), que expressam uma identidade entre números conhecidos e termos que representam
20
números desconhecidos, i.e., as incógnitas ou variáveis. No entanto, tal distinção só faz
sentido num caráter informal, já que (1.8) se reduz a uma expressão semelhante à (1.9)
20
ao fazermos 14 + 1 = 15 + 0x.
A pergunta que se coloca agora pode soar peculiar, mas é importante: como po-
derı́amos dar algum rigor para as noções intuitivas discutidas acima?
Uma vez que a letra “x” em (1.9) é pensada como um número, damos a “x” o direito
ES

de interagir algebricamente com todos os números possı́veis no contexto. Como todos


os números em (1.9) habitam Z, podemos supor que “x” se comporta como um número
inteiro. Temos então o seguinte:
UF

• se 2 · x + 1 = 15, i.e., se 2 · x + 1 = 15 é uma identidade verdadeira, então também


é verdadeira a identidade

2 · x = 2 · x + 1 − 1 = 15 − 1 = 14,

donde segue que 2 · x = 2 · 7;

• como Z é um domı́nio, concluı́mos que x = 7.

O importante aqui não é encrencar com o raciocı́nio acima, mas observar a ideia
subjacente no processo: ao tratarmos x como um objeto dotado dos mesmos direitos
algébricos que os elementos de Z, implicitamente estendemos Z a um anel maior, xingado
Z[x], no qual x é um habitante legı́timo. Daı́, somas finitas de elementos da forma mxn
– chamados de monômios –, com m ∈ Z e n ∈ N, devem pertencer a Z[x].
Isso pode ser feito – e não apenas para Z. De fato, o anel de polinômios A[x] pode ser
construı́do para qualquer anel A comutativo e com unidade, como discutimos a seguir.
Melhor ainda, ele é descrito por uma propriedade universal que, uma vez entendida, nos
isentará de pensar em sua construção para o resto da vida. A coisa toda lembra um pouco
a construção de um espaço vetorial, só que com um anel de escalares em vez de um corpo.
1.3. ANÉIS DE POLINÔMIOS 33

1.3.1 A dolorosa construção de A[x] (± opcional)


Vamos considerar o conjunto S de todas as funções da forma f : N → A tais que f não se
anula apenas em finitos pontos de N, i.e., tal que o conjunto

supp (f ) ..= {n ∈ N : f (n) 6= 0A }

seja finito. A ideia é que o conjunto S será, formalmente, o anel de polinômios: ao


pensarmos numa função f ∈ S como uma sequência (f0 , f1 , . . . , fn , . . . ) onde fn ∈ A
para todo n ∈ N, a exigência de que supp (f ) seja finito significa dizer que apenas finitos
termos da sequência serão diferentes de 0A ou, em outras palavras, existe N ∈ N tal que
fn = 0A para todo n ≥ N . Minha esperança é que, até o final desta seção, o leitor veja
sentido em escrever f como a “soma formal”38
X
f ..= f j xj = f 0 + f 1 x + . . . + f N xN .
j≤N

Sobre S, definimos a soma usual oriunda de F(N, A), a saber: para funções f, g ∈ S,
f ⊕ g : N → A é a função que faz (f ⊕ g)(n) ..= f (n) + g(n) para todo n ∈ N. Como

20
supp (f ⊕ g) ⊆ supp (f ) ∪ supp (g) ,

segue que f ⊕ g ∈ S para quaisquer f, g ∈ S. Nesta altura do campeonato, não deve ser
20
difı́cil se convencer de que

X ⊕ é associativa;
ES

X ⊕ é comutativa;

X a função 0A : N → A, que faz 0A (n) ..= 0A para todo n ∈ N, é o elemento neutro da


operação ⊕;
UF

X se f ∈ S, então a função −f : N → A, dada pela regra (−f )(n) ..= −f (n), é o


simétrico de f com respeito à ⊕.

A definição da multiplicação é um pouco mais trabalhosa, mas não tanto. Primeira-


mente, vamos pinçar dois tipos de elementos de S muito especiais para as nossas confa-
bulações: para cada a ∈ A, vamos denotar por a a função N → A que faz a(0) ..= a e
a(n) ..= 0A para todo n > 0; para cada i ∈ N (e aqui vale frisar que 0 ∈ N), xi denota
a função N → A que faz xi (j) ..= δij para cada j, ou seja xi (i) ..= 1A e xi (j) ..= 0A para
j 6= i. Note que mesmo sem uma multiplicação definida, a notação escolhida já nos dá
um resultado válido em anéis: x0 = 1A .
Agora, para cada a ∈ A e i ∈ N, definimos a função axi : N → A dada pela regra
ax (n) ..= axi (n) para cada n ∈ N. O próximo lema será fundamental para o que faremos
i

em seguida.

Lema 1.3.2. Se f ∈ S com f 6= 0A , então existem únicos N ∈ N e a0 , . . . , aN ∈ A, com


aN 6= 0A , tais que
f = a0 x0 ⊕ a1 x1 ⊕ . . . ⊕ aN xN .
38
Embora tudo seja escrito como a mesma soma, apenas termos na mesma entrada se somam entre si.
34 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Demonstração. Seja N ..= min{n ∈ N : f (m) = 0A para todo m > n} e, para cada i ≤ N ,
defina ai ..= f (i). Note que isso faz sentido pois f ∈ S (logo, existe algum n tal que
f (m) = 0A para todo m > n) e, pela boa ordenação de N, temos o direito de escolher o
menor – a hipótese de que f 6= 0A nos garante que aN 6= 0A . Observe que para n > N
temos
(a0 x0 ⊕ a1 x1 ⊕ . . . ⊕ aN xN )(n) ..= a0 x0 (n) + a1 x1 (n) + . . . + aN xN (n) = 0A ,
enquanto que para j ≤ N , o mesmo raciocı́nio mostra que
(a0 x0 ⊕ a1 x1 ⊕ . . . ⊕ aN xN )(j) = aj xj (j) = aj = f (j),
donde a igualdade desejada segue.
Agora, suponha que M ∈ N e b0 , . . . , bM ∈ A, com bM 6= 0A , satisfaçam
f = b0 x0 ⊕ . . . ⊕ bM xM . (1.10)
Com os mesmos procedimentos acima, mostra-se que f (n) = 0A para todo n > M , o
que nos dá N ≤ M devido à minimalidade de N . Contudo, a expressão (1.10) implica
em f (M ) = bM xM (M ) = bM , de modo que se ocorresse N < M terı́amos bM = 0A . Logo,
N = M . De maneira análoga mostra-se que bj = f (j) para cada j ≤ N , garantindo a
unicidade desejada.
20
O lema acima nos permite escrever cada f ∈ S \ {0A } como uma combinação
20
f = f0 x0 ⊕ . . . ⊕ fNf xNf ,

onde fi = f (i) para cada i ≤ PNf , com fNf 6= 0A . Por simplicidade, vamos denotar tal
expressão simplesmente como i≤Nf fi xi .
ES

Estamos finalmente prontos para definir o produto em S que o tornará, juntamente


com a operação ⊕, num anel comutativo e com unidade. De maneira muito desleal, dados
f, g ∈ S, definimos
UF

 
X X
f g ..=  fi gj xi+j  . (1.11)
i≤Nf j≤Ng

Primeiramente: a expressão acima faz sentido! De fato, ela é apenas uma versão
compacta da quilométrica identidade
   
f g ..= f0 g0 x0 ⊕ . . . ⊕ f0 gNg xNg ⊕ . . . ⊕ fNf g0 xNf ⊕ . . . ⊕ fNf gNg xNf +Ng ,

que está bem definida pois cada termo entre parênteses pertence a S. Explicitamente,
f g é a função N → A que faz
n
X X
(f g)(n) ..= f (i)g(n − i) = f (i)g(j)
i=0 i+j=n

para todo n ∈ N (pode ser bom refletir sobre a igualdade acima).


Note que (f g)(0) = f0 g0 , (f g)(1) = f0 g1 + f1 g0 e assim sucessivamente. Em
linhas gerais, isso apenas consiste em reescrever a expressão (1.11) deixando os termos da
forma xi+j em evidência.
Afirmamos, por fim, que as operações ⊕ e fazem de S um anel comutativo, cujos
elementos neutros da soma e do produto são, respectivamente, 0A e 1A . Além disso, ocorre
xi xj = xi+j para quaisquer i, j ∈ N. Seguimos os passos de Jack, O Estripador :
1.3. ANÉIS DE POLINÔMIOS 35

X é associativa pois, para f, g, h ∈ S temos


!
X X X
((f g) h) (n) = (f g)(i)h(j) = (f (k)g(l)) h(j) =
i+j=n i+j=n k+l=i
X
= f (k)g(l)h(j),
k+l+j=n

e de maneira similar,
X
(f (g h))(n) = f (k)g(l)h(j);
k+l+j=n

X a verificação da comutatividade de é análoga;

X 1A é o elemento neutro de , posto que


X
(1A f )(n) ..= 1A (i)f (j) = 1A f (n) = f (n);
i+j=n

X as operações

((f ⊕ g) h)(n) ..=


X
(f ⊕ g)(i)h(j) =
20
e ⊕ são compatı́veis entre si, pois para f, g, h ∈ S temos
X
(f (i) + g(i))h(j) =
20
i+j=n i+j=n
X X
= f (i)h(j) + g(i)h(j) = ((f h) ⊕ (g h))(n);
i+j=n i+j=n
ES

X pela definição da operação , temos


UF

X
xi xj (n) = xi (k)xj (l),
k+l=n

que só assume valor 1A para n ..= i + j, sendo 0A em todos os demais casos.

Finalmente, temos em mãos, e de maneira (quase) honesta, o anel S, que será denotado
por A[x], o anel dos polinômios na indeterminada x com coeficientes em A (e
voltamos a usar o bom e velho “x” em vez do “x”). Como a correspondência i : A → A[x]
que faz i(a) ..= a é um morfismo injetor de anéis, não há riscos em assumir A como um
subanel de A[x], o que nos permite omitir o sublinhado e escrever a ∈ A[x]. Além disso, ao
escrevermos + em vez de ⊕ e suprimirmos (como de costume) as menções à multiplicação,
um elemento tı́pico de A[x] \ {0A } passa a ser denotado como
n
X
aj x j = a0 + a1 x + . . . + an x n .
j=0

Em particular, não escrevemos x0 pois, por se tratar de um elemento do anel, temos


x0 = 1A (e o último item de nossa verificação mostrou que o expoente concorda com a
noção de produto em A[x]). Uma ressalva análoga se faz para a substituição do termo x1
pelo termo x.
36 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

1.3.2 O anel de polinômios para leitores pragmáticos


A construção anterior nos deu o anel A[x], que contém o anel A como subanel e, além
disso, tem um elemento misterioso denotado por x ∈ A[x]. Naturalmente, para uma
sequência finita α0 , . . . , αn de elementos de A, podemos considerar o polinômio

α0 + α1 x + . . . + αn xn ,

e isso poderia ser repetido em qualquer anel B que contém A e x. O que distingue A[x]
diante de outros anéis é a unicidade com que isso pode ser feito, o que foi expresso de
maneira um tanto nebulosa no Lema 1.3.2. Refraseando tal lema para o nosso atual
contexto, temos a seguinte

Proposição 1.3.3. Sejam m, n ∈ N números naturais e α0 , . . . , αn , β0 , . . . , βm ∈ A


elementos do anel A. Então a igualdade

α0 + α1 x + . . . + αn xn = β0 + β1 x + . . . + βm xm

ocorre se, e somente se, um dos casos a seguir for satisfeito:

• se αi = βj = 0A para todo i, j;

• se m = n e αi = βi para todo i ≤ n. 20
20
Demonstração. Se α0 + . . . + αn xn 6= 0A , então o Lema 1.3.2 nos diz que os coeficientes
αi são únicos. Se α0 + . . . + αn xn = 0A , então o mesmo deve ocorrer com os coeficientes
βj , embora possa ocorrer m 6= n. A recı́proca é clara.
ES

A proposição acima enfatiza uma peculiaridade do polinômio nulo, i.e., do elemento


0A ∈ A[x]: temos
UF

0A = 0A + 0A x = 0A + 0A x + 0A x2 = . . . = 0A + . . . + 0A xn = . . .

ao passo que um polinômio não-nulo admite apenas uma única expressão enquanto soma
formal de termos αxn . Em particular, se p ∈ A[x] é um polinômio não-nulo – que também
pode ser denotado por p(x) a depender do gosto do freguês –, definimos o grau de p como
o maior n ∈ N tal que
p = α 0 + α 1 x + . . . + α n xn
com αn 6= 0A , e chamamos αn de coeficiente lı́der de p. Em momentos de muita pressa,
o grau de p será denotado por deg p. Seguindo a postura de Rotman [8], não definimos o
grau do polinômio nulo. Finalmente, os elementos de A quando vistos como polinômios
em A[x] serão chamados de polinômios constantes.
Embora passar pelo processo de construir A[x] seja traumático39 , a propriedade uni-
versal que caracteriza A[x] tem um apelo bastante intuitivo.

Teorema 1.3.4 (Propriedade universal do anel de polinômios). Seja f : A → B um


morfismo de anéis e fixe b ∈ B. Então existe um único morfismo de anéis F : A[x] → B
tal que F (x) = b e F (a) = f (a) para todo a ∈ A.
39
Mas não completamente desvantajoso: é um problema clássico demonstrar rigorosamente a existência
de certos objetos matemáticos tidos como naturais. Apesar de ser enfadonho, isso nos força a rever a
nossa criticidade matemática.
1.3. ANÉIS DE POLINÔMIOS 37

Demonstração. Fazemos F (0A ) ..= 0B e, para um elemento não-nulo tı́pico de A[x], diga-
mos p ..= α0 + . . . + αn xn , definimos

F (p) ..= f (α0 ) + f (α1 )b + . . . + f (αn )bn ,

e afirmamos que tal regra define o (único!) morfismo procurado.


De fato, para p = α0 + . . . + αn xn e q = β0 + . . . + βm xm , digamos que com n ≤ m,
temos
n m
! n m
X X X X
i j i
F (p + q) = F (αi + βi )x + βj x = f (αi + βi )b + f (βj )bj
i=0 j=n+1 i=0 j=n+1
n
X m
X
= f (αi )bi + f (βj )bj = F (p) + F (q),
i=0 j=0
m+n
!
X X
F (pq) = F αi βj xi+j =
k=0 i+j=k
m+n
X X
= f (αi )f (βj )bi bj = F (p)F (q),
k=0 i+j=k

20
e, finalmente, F (1A ) = f (1A ) = 1B . Por construção, temos F (a) = f (a) para todo a ∈ A.
20
Agora, se G : A[x] → B é outro morfismo de anéis com G(x) = b e G(a) = f (a) para
todo a ∈ A, então temos G(xn ) = (G(x)n ) = bn = F (xn ) para todo n ∈ N, donde é
fácil se convencer de que G(p) = F (p) ocorre para todo p ∈ A[x], garantindo a unicidade
desejada.
ES

Séculos atrás, quando iniciamos esta seção, nos propusemos (implicitamente) a motivar
a definição dos polinômios como uma maneira de dar rigor algébrico às equações do dia-
UF

a-dia. Acabamos de fazer a parte mais chata: agora, a expressão “2x + 1 = 15” faz
sentido, por exemplo, em Z[x], e indica uma relação de igualdade entre o polinômio 2x + 1
e o polinômio constante 15. Contudo, dentro do ambiente que construı́mos, ela é uma
sentença absolutamente falsa, pois os polinômios 2x + 1 e 15 não são iguais em Z[x]!
Vejamos então o que significa “encontrar o valor de x”.
Fixados um anel A e uma indeterminada x, sejam B uma extensão de A, i.e., um
anel que contém A como subanel, e β ∈ B um elemento qualquer. Pela propriedade
universal de A[x], existe um único morfismo de anéis

evβ : A[x] → B (1.12)

tal que evβ (a) = a para todo a ∈ A e evβ (x) = β, chamado morfismo de avaliação em
β. Explicitamente, se p = p0 + p1 x + . . . + pn xn ∈ A[x], então
X
evβ (p) = pn β n .
j≤n

Alternativamente, ao fixarmos o polinômio p e permitirmos que o parâmetro β varie


em B, obtemos a função evp : B → B que a cada β ∈ B associa o elemento evβ (p) ∈ B.
Enfim, em B, faz sentido nos perguntarmos quais são os β ∈ B que verificam evβ (p) = γ
para algum γ ∈ B.
38 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Exemplo 1.3.5. Para A ..= B ..= Z, p ..= 2x + 1 e γ ..= 15, um certo β ∈ Z satisfaz
evβ (2x + 1) = 15 sse 2β + 1 = 15, o que por sua vez ocorre somente para β = 7. •
Observação 1.3.6. O exemplo acima mostra que toda essa embromação algébrica ren-
deu frutos: formalizamos, em algum sentido, a ideia intuitiva de que a letra “x” numa
expressão do tipo “2x + 1 = 15” representa um número indeterminado (x pode ser qual-
quer coisa!), mas que é passı́vel de determinação (encontre o x tal que blablabla). Por
sorte, esta não é a única aplicação que faremos de todo esse ferramental algébrico! 4
Uma função f : B → B para a qual exista um polinômio p ∈ A[x] satisfazendo f = evp
é chamada de função polinomial em B com coeficientes em A – caso tenha-se A = B,
dizemos simplesmente que f é uma função polinomial. Classicamente, para denotar a
imagem pela função evp de algum b ∈ B especı́fico, escreve-se p(b) em vez de evb (p). Por
outro lado, também é comum escrever p(x) para denotar o polinômio p ∈ A[x]. Daı́, como
a letra “x” é a escolha universal para representar elementos arbitrários, tradicionalmente
confundimos o polinômio p com a função polinomial evp . Mas há perigo nisso.
Já sabemos que o conjunto F(B, B) de todas as funções da forma B → B é um anel,
de modo que a função
ev : A[x] → F(B, B)
p 7→ evp
20
é um morfismo de anéis, cuja imagem é precisamente o subanel das funções polinomiais
20
com coeficientes em A. O perigo alertado acima decorre do fato de que ev pode não ser
injetora!
Considere, por exemplo, A ..= B ..= Z/2Z o corpo de dois elementos, e o polinômio
p .= x2 + x ∈ A[x], que não é o polinômio nulo, posto que seus coeficientes são não-nulos.
.
ES

Dado que x2 + x = x(x + 1), é fácil ver que evb (p) = 0 em A para todo b ∈ A. Em outras
palavras, um polinômio não-nulo de A[x] induziu a função nula em F(B, B), mostrando
que o núcleo de ev não é trivial40 .
UF

Ainda assim, a moral dos autores que definem polinômios como sendo funções poli-
nomiais41 pode ser parcialmente salva pois, nos casos em que B é um domı́nio infinito, o
morfismo ev é realmente injetor. Vamos nos dedicar a provar isso, e começamos com um
lema inocente sobre o grau de polinômios, cuja prova fica a cargo do leitor.
Lema 1.3.7. Se A é um anel e f, g ∈ A[x] são polinômios não-nulos, então
deg (f · g) ≤ deg f + deg g.
Em particular, se o coeficiente lı́der de f ou de g não for divisor de zero42 , então vale a
igualdade.
Proposição 1.3.8 (Algoritmo da divisão, para polinômios). Sejam R um anel e po-
linômios não-nulos f, g ∈ R[x]. Se o coeficiente lı́der de g for invertı́vel em R, então
existem únicos polinômios q, r ∈ R[x] satisfazendo
f = q · g + r, (1.13)
com r = 0A ou deg r < deg g.
40
Um morfismo de anéis f : R → T é injetor se, e somente se, ker f = {0R }. Provar tal afirmação é o
Exercı́cio 1.55.
41
Sim, querido leitor, há quem faça isso.
42
Por termos visto a definição disso en passant, relembramos: um elemento não-nulo b ∈ A é um divisor
de zero se existir c ∈ A não-nulo com bc = 0A .
1.3. ANÉIS DE POLINÔMIOS 39

Demonstração. Seja m ..= deg g e chame por bm o coeficiente lı́der de g. Provaremos a


proposição por indução em deg f . Se deg f = 0, temos dois casos:

• deg f < deg g, situação em que tomamos q = 0R e r = f , ou

• deg g = 0, e daı́ fazemos q = b0−1 f e r = 0R .

Supondo oPresultado válido para polinômios com grau n ≥ 1, consideramos os po-


j m
.
P
linômios f =
.
j≤n+1 aj x e g = bm x + j<m bj xj , com bm invertı́vel em R. Se tivermos
deg f < deg g, basta tomarmos q = 0R e r = f . Se deg g ≤ deg f , note que o polinômio

f1 = f − an+1 b−1
m x
n+1−m
·g

tem grau ≤ n. Logo, pela hipótese de indução, existem q1 , r1 ∈ R[x], satisfazendo r1 = 0A


ou deg r1 < deg g e f1 = q1 g + r1 . Consequentemente,

f = (q1 + an+1 b−1


m x
n+1−m
)g + r1 ,

o que prova a existência da decomposição. Resta provar a unicidade.


Se f = q1 g + r1 = q2 g + r2 são duas decomposições de f com a propriedade desejada,
então (q1 − q2 )g = r2 − r1 . Agora, se o polinômio q1 − q2 fosse não-nulo, o seu grau
20
deveria existir, e terı́amos simultaneamente deg ((q1 − q2 )g) = deg (q1 − q2 ) + deg g e
deg (r2 − r1 ) < deg g, absurdo. Logo, q1 = q2 e, consequentemente, r1 = r2 .
20
Em posse dos resultados acima, vamos olhar o núcleo do morfismo ev mais de perto.
Por definição, um polinômio p ∈ A[x] é também um membro de ker ev se, e somente se,
a função polinomial evp : B → B for identicamente nula, i.e., se evβ (p) = 0B para todo
ES

β ∈ B. Tradicionalmente, um elemento β ∈ B para o qual ocorre evβ (p) = 0B é chamado


de raiz (ou zero) do polinômio p. Assim, um polinômio p em A[x] pertence ao núcleo
de ev se, e somente se, todo elemento β de B é raiz de p.
UF

Agora, como B é uma extensão de A, podemos assumir que B[x] é uma extensão de
A[x], pois o morfismo A[x] → B[x] que faz x 7→ x, dado pela propriedade universal, é
injetor. Isso ajuda a dar sentido ao próximo lema.

Lema 1.3.9. Se β ∈ B é raiz do polinômio p ∈ A[x], então o polinômio x − β ∈ B[x]


divide p em B[x], i.e., existe q ∈ B[x] tal que p = (x − β) · q.

Demonstração. Nada há a fazer se p = 0A . Se p 6= 0A , usamos o algoritmo da divisão de


polinômios com R ..= B, f ..= p e g ..= x − β, o que podemos fazer pois o coeficiente lı́der
de x − β é invertı́vel. Logo, existem únicos q, r ∈ B[x] tais que p = (x − β) · q + r, com
r = 0A ou deg r < deg (x − β) = 1. Disso segue que r é necessariamente um polinômio
constante de B[x], i.e., r ∈ B. Mas por β ser uma raiz de p, temos

0B = evβ (p) = evβ ((x − β) · q + r) ..= (β − β) evβ (q) + r = r,

mostrando que r = 0B .
É chegada a hora da tão sonhada redenção.

Teorema 1.3.10. Seja R um anel infinito. Então R é um domı́nio se, e somente se, todo
polinômio não-nulo de R[x] tem apenas finitas raı́zes.
40 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Demonstração. Se R é um domı́nio, tomamos um polinômio não-nulo p ∈ R[x] e mostra-


remos que p tem somente finitas raı́zes em R. Nossa argumentação procede por indução
em deg p.

• Se deg p = 0, então p ∈ R e a função polinomial correspondente associa cada r ∈ R


ao mesmo p, i.e., é uma função constante e não-nula – logo, sem raı́zes43 .
• Supondo o resultado verdadeiro para todo polinômio com grau ≤ n, consideramos
deg p ..= n + 1. Se p não tem raı́zes, ótimo! Caso contrário, tomando uma raiz β ∈ R
de p, o lema anterior nos dá q ∈ R[x] com p = (x − β)q, donde segue que qualquer
raiz α ∈ R de p com α 6= β é necessariamente raiz de q, pois

0R = evα (p) = (α − β) evα (q) ⇒ evα (q) = 0R

dado que R é um domı́nio. Como deg q = n, a hipótese de indução nos garante que
q tem finitas raı́zes e, por conseguinte, p tem finitas raı́zes.

Usamos a infinitude do anel R para a recı́proca44 . Supondo que a ∈ R seja um divisor


de zero, consideramos o subconjunto ann (a) ..= {r ∈ R : ar = 0R }, que é um ideal de R,
finito por ser precisamente a coleção das raı́zes do polinômio ax ∈ R[x]. Por a ser um
divisor de zero, existe b ∈ ann (a) com b 6= 0R , e daı́ hbi é finito, pois hbi ⊆ ann (a). Agora,
20
a infinitude de R obriga que o núcleo do mapa R-linear ψ : R → hbi que faz r 7→ rb seja
infinito (veja o Exercı́cio 1.87). Porém, ker ψ é a coleção das raı́zes do polinômio bx ∈ R[x],
20
contrariando a hipótese assumida sobre R.
Observação 1.3.11. Implicitamente, também mostramos que se R é um domı́nio e
p ∈ R[x] é um polinômio não-nulo, então p tem no máximo deg p raı́zes. 4
ES

Corolário 1.3.12. Seja B um anel que contém A como subanel. Se B é um domı́nio


infinito, então o morfismo de anéis ev : A[x] → F(B, B) é injetor. Em particular, A[x] é
UF

isomorfo ao subanel das funções polinomiais em B com coeficientes em A.


Demonstração. De fato, se p ∈ A[x] ⊆ B[x] for um polinômio pertencente ao núcleo de
ev, então os infinitos elementos de B são raı́zes de p. Logo, o teorema anterior nos diz
que p = 0A e, por conseguinte, ev é um morfismo injetor de anéis.
Feitas as devidas justificativas, se A for um domı́nio infinito, o leitor passa a ter o
direito legı́timo de identificar um polinômio p ∈ A[x] com a função polinomial evp : A → A
que associa cada a ∈ A ao elemento eva (p), obtido a partir de p ao substituirmos todas
as ocorrências da indeterminada x pelo elemento a.
Observação 1.3.13. Agora que já sabemos distinguir um polinômio de sua função po-
linomial induzida, podemos nos considerar suficientemente maduros para denotar um
polinômio de A[x] por p(x) em vez de p, sem que isso nos leve a pensar que p(x) é uma
função. Neste caso, quando quisermos avaliar tal polinômio num elemento a ∈ A, escreve-
remos p(a) em vez de evp (a). Ao longo de todo o texto, denotaremos polinômios tanto por
letras minúsculas sem destaque da indeterminada (p, q, f, g, etc.) quanto por expressões
que identifiquem a indeterminada adotada (p(x), q(t), f (T ), g(y), etc.), de acordo com a
conveniência de cada contexto. 4
43
É sempre bom lembrar que o conjunto vazio é finito.
44
Até porque se R for um domı́nio finito, então todos os polinômios tem no máximo finitas raı́zes, just
because.
1.4. EXERCÍCIOS 41

Anéis de polinômios são uma poderosa ferramenta algébrica para a criação de anéis.
Costuma-se pensar na indeterminada x como um elemento novo, por meio do qual po-
demos estabelecer, via quociente, relações que a princı́pio não eram verdadeiras no anel
original.
Exemplo 1.3.14. R[x]/hx2 + 1i e C são isomorfos. De fato, ao considerarmos o elemento
i ∈ C, o morfismo de avaliação em i, evi : R[x] → C, que faz p 7→ p(i), tem o ideal hx2 + 1i
como núcleo. Com efeito, se p ∈ hx2 + 1i, então existe q ∈ R[x] tal que p = q · (x2 + 1),
donde segue que p(i) = 0. Por outro lado, se p(i) = 0, então ao efetuarmos a divisão de
p por x2 + 1 obtemos únicos polinômios q, r ∈ R[x], com r = 0 ou deg r < 2, tais que
p = (x2 + 1) · q + r. Por termos r(i) = 0, não pode ser o caso de que r tenha grau 1 (por
quê?), donde segue que r é uma constante e, por conseguinte, r = 0. Agora basta aplicar
o Teorema do Isomorfismo, valendo-se do fato de que evi é sobrejetor. •

1.4 Exercı́cios
Generalidades iniciais (alongamento)
Nos próximos exercı́cios, A denota um anel comutativo e com unidade 1A .

20
Exercı́cio 1.1. Convença-se de que Mn (A) é um anel com unidade. Mostre que se A 6= 0,
então Mn (A) é necessariamente não-comutativo para n > 1.
20
Exercı́cio 1.2. Mostre que Mn (A) é um anel comutativo e com unidade se, e somente
se, n ≤ 1.
ES

Exercı́cio 1.3. No último exercı́cio, você considerou os casos Mn (A) = 0 ou A = 0?


Exercı́cio 1.4. Para um conjunto S fixado, convença-se de que F(S, A) é um anel comu-
tativo e com unidade. Poderı́amos fazer isso sem supor A comutativo?
UF

Exercı́cio 1.5. Para um conjunto S fixado, convença-se de que ℘(S) é um anel comutativo
e com unidade. Mostre que se |S| = 1, então ℘(S) é um corpo com dois elementos.
Exercı́cio 1.6. Dados a, b ∈ A, mostre que a(−b) = (−a)b = −ab e (−a)(−b) = ab.
Tente fazer isso sem usar a unidade do anel ou a comutatividade do produto.
Exercı́cio 1.7. Por que N não é um anel com as operações usuais?
Exercı́cio 1.8. Dê exemplos de conjuntos com operações binárias que NÃO satisfaçam
os critérios para serem considerados anéis.
Exercı́cio 1.9. Mostre que Q×Q admite uma estrutura de anel comutativo e com unidade
ao definirmos (a, b) ∗ (c, d) ..= (a ∗ c, b ∗ d), para ∗ ∈ {+, ·}.
Exercı́cio 1.10. Quais são os elementos invertı́veis de Q × Q? Q × Q é um corpo? Q × Q
é um domı́nio?
Exercı́cio 1.11. Generalize a construção do 1.9 para dotar

An ..= A
| × .{z
. . × A}
n vezes

de uma estrutura de anel comutativo e com unidade, para n ∈ N qualquer.


42 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Exercı́cio 1.12. Mostre que se D é um domı́nio, então Dn também é domı́nio se, e


somente se, n = 1.
Exercı́cio 1.13. Fixado a ∈ A e n ∈ N, defina

n .. 1A se n = 0
a =
an−1 a se n > 0

Prove que ax+y = ax ay e (ax )y = axy para quaisquer x, y ∈ N. Se A for um corpo, defina
a−n ..= (an )−1 e prove que as identidades anteriores valem para x, y ∈ Z.
Exercı́cio 1.14. (Sobre nilpotentes) Prove que se D é um domı́nio e d ∈ D satisfaz
dn = 0D para algum n ∈ N, então d = 0D .
Exercı́cio 1.15. (Sobre idempotentes) Prove que se D é um domı́nio e d ∈ D satisfaz
d2 = d, então d = 1D ou d = 0D .
Exercı́cio 1.16. Sejam + e · as operações originais de A, e denote por 0A e 1A seus
elementos neutros. Vamos definir novas operações ⊕ e em A, por meio das seguintes
regras:
a ⊕ b ..= a + b + 1A e a b ..= ab + a + b.

20
Mostre que tais operações também fazem do conjunto A um anel. Qual o elemento neutro
da operação ⊕? A operação admite um elemento neutro?
20
Morfismos e subanéis (aquecimento)
Os próximos dez exercı́cios não dependem da comutatividade do anel A que fixamos.
ES

Exercı́cio 1.17. Para i ∈ {0, 1}, mostre que a projeção πi : A × A → A dada por
πi
(a0 , a1 ) 7−→ ai é um morfismo de anéis.
UF

Exercı́cio 1.18. Seja B um anel com unidade e considere morfismos f0 , f1 : B → A.


Mostre que existe um único morfismo de anéis h : B → A × A tal que πi ◦ h = fi para
i ∈ {0, 1}.
Exercı́cio 1.19. Seja S ..= {0, 1}. Mostre que F(S, A) e A×A são anéis isomorfos usando
os exercı́cios anteriores.
Exercı́cio 1.20. Generalize os três exercı́cios anteriores para n ∈ N qualquer.
Exercı́cio 1.21. Sejam A e B anéis isomorfos. Mostre que A é comutativo se, e somente
se, B é comutativo.
Exercı́cio 1.22. Sejam A e B anéis isomorfos. Mostre que A é domı́nio se, e somente se,
B é domı́nio.
Exercı́cio 1.23. Sejam A um anel, B um conjunto e f : A → B uma função bijetora. Dê
a B uma estrutura de anel que torne f um isomorfismo de anéis.
Exercı́cio 1.24. Por que, na definição de subanel, não basta exigirmos que a + a0 ∈ A
sempre que a, a0 ∈ A?
Observação 1.4.1. O enunciado poderia ser bem melhor. A ideia é a seguinte: dados
um anel B e um subconjunto A, vimos (em aula) que A é subanel de B se, e somente se,
1.4. EXERCÍCIOS 43

• 1B ∈ A,

• a − a0 ∈ A sempre que a, a0 ∈ A, e

• a, a0 ∈ A sempre que a, a0 ∈ A.

Nesse sentido, o que o enunciado propõe é perguntar: por que não basta exigir a + a0 ∈
A sempre que a, a0 ∈ A no segundo item? 4

Exercı́cio 1.25. Dado um conjunto X e um subconjunto Y ⊆ X, temos ℘(Y ) ⊆ ℘(X).


Podemos afirmar que ℘(Y ) é um subanel de ℘(X)? Por quê?

Exercı́cio 1.26. Mostre que se x2 = x para todo x ∈ A, então A é comutativo.

Dica. Não se desespere caso você obter o sinal trocado, i.e., ab = −ba, pois (x + x)2 =
4x e (x + x)2 = 2x, donde segue que 2x = 0 e, consequentemente, x = −x para todo
x ∈ A.
Daqui em diante, A passa a indicar um anel comutativo e com unidade.
2
Exercı́cio 1.27. Mostre que An e Mn (A) não são anéis isomorfos sempre que A 6= 0 e
n > 1.
20
Exercı́cio 1.28. Suponha que A seja um corpo. A correspondência pA : Z → A, dada
20
por pA (z) ..= az , é um morfismo de anéis?

Exercı́cio 1.29. Mostre que o anel A pode ser visto como subanel de F(X, A), qualquer
que seja o conjunto X 6= ∅.
ES

Exercı́cio 1.30. Suponha que A seja um corpo de dois elementos e f : A → R seja a


função dada por f (0A ) ..= 0 e f (1A ) ..= 1. Podemos dizer que f é um morfismo de anéis?
UF

Exercı́cio 1.31. Fixados m ∈ Z e a ∈ A, indicamos por ma ∈ A o elemento µA (m)a ∈ A,


i.e., a imagem de m pelo único morfismo de anéis µA : Z → A, multiplicado por a.
Convença-se de que
ma = a | + .{z
. . + a}
m vezes

para m > 0. Qual a descrição de ma para m < 0? E para m = 0?

Exercı́cio 1.32. Seja f : A → B um morfismo de anéis.

a) Mostre que f (0A ) = 0B .

b) Mostre que f (ma) = mf (a) para quaisquer m ∈ Z e a ∈ A.

c) Mostre que f (−a) = −f (a) para qualquer a ∈ A.

d) Mostre que f (am ) = f (a)m para quaisquer m ∈ Z e a ∈ A.

Exercı́cio 1.33 (Binômio de Newton). Para n ∈ N e a, b ∈ A, mostre que


n  
n
X n n−r r
(a + b) = a b.
r=0
r
44 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS
√ √
Exercı́cio 1.34. Pense rápido: Q [ n] ..= {a + b n : a, b ∈ Q} é sempre um subanel de
R? E se n for primo?

Exercı́cio 1.35. Pense (não tão) rápido: o conjunto B ..= {a + b 3 3 : a, b ∈ Q} é um
subanel de R?
√ 
Exercı́cio 1.36. O conjunto R ..= { 12 a + b 2 : a, b ∈ Z} é um subanel de R?
Exercı́cio 1.37. Mostre que a conjugação c : C → C, dada por c(z) ..= z para todo z ∈ Z,
é um isomorfismo de anéis.
Exercı́cio 1.38. Mostre que se f : Q → R é um morfismo de anéis, então f é a inclusão.

Ideais e quocientes (corridinha até a Curva da Jurema)


Exercı́cio 1.39. Seja n ∈ N com n > 0. Mostre que n ≡n 0, n + 1 ≡n 1 e, mais
geralmente, m ≡n r se, e somente se, m = nq + r para algum q ∈ Z.
Exercı́cio 1.40. Mostre que I ⊆ A é um ideal de A se, e somente se, x + y, αx ∈ I para
quaisquer x, y ∈ A e α ∈ A.
Exercı́cio 1.41. Dado um ideal I ⊆ A, mostre que I = A se, e somente se, 1A ∈ I.
20
Exercı́cio 1.42 (“Conter é dividir”). Dados a, b ∈ A, mostre que hai ⊆ hbi se, e somente
se, existe c ∈ A tal que a = bc.
20
Exercı́cio 1.43. Pense rápido: se I 6= h0i é um ideal de Z[i], então existe m ∈ Z ∩ I com
m > 0? Por quê?
ES

T
Exercı́cio 1.44. Seja S ..= {STi : i ∈ I} uma famı́lia de ideais de A. Mostre que i∈I Si é
um ideal de A. Observação: i∈I Si é a coleção de todos os x tais que x ∈ Si para todo
i ∈ I.
UF

Provocação. Também é verdade que a interseção de subanéis é subanel. Pode ser in-
teressante provar isso também se quiser praticar um pouco mais argumentações do tipo
anterior.
Exercı́cio 1.45. Dado um subconjunto X ⊆ A, prove que existe um ideal J ⊆ A tal que
para todo ideal I ⊆ A,
X ⊆ I ⇒ J ⊆ I.
Dizemos que J é o ideal gerado por X, o qual denotaremos por hXi.
Exercı́cio 1.46. Quem é h∅i? Por quê?
Exercı́cio 1.47. Para X ⊆ A com X 6= ∅, descreva os elementos de hXi.
Exercı́cio 1.48. Mostre que se I, J ⊆ A são ideais do anel A, então vale a identidade
I + J = {a + b : a ∈ I, b ∈ J}. Além disso, IJ ⊆ I ∩ J. Observação: lembre-se de que no
texto, I + J foi definido como o menor ideal de A que contém I ∪ J.
S
Exercı́cio 1.49. Dada uma famı́lia J de ideais de A, denote por J∈J J a coleção P de
todos os x ∈ A para os quais S existe algum J ∈ J com P x ∈ J. Chame por J∈J J o
menor ideal de A a conter J∈J J. Mostre que x ∈ J∈J J se, e somente se, existem
J0 , . . . , Jn ∈ J para algum n ∈ N e ji ∈ Ji para cada i ≤ n tais que x = j0 + . . . + jn .
1.4. EXERCÍCIOS 45

Exercı́cio 1.50. Mostre que hai + hbi = ha, bi.

Exercı́cio 1.51. Dados m, n ∈ Z, mostre que d é o máximo divisor comum de m e n se,


e somente se, hm, ni = hdi.

Exercı́cio 1.52. Mostre que m, n ∈ Z são coprimos (mdc entre m e n é 1) se, e somente
se, hm, ni = Z.

Exercı́cio 1.53. Mostre que se I e J são ideais maximais de A com I 6= J, então I e J


são coprimos.

Exercı́cio 1.54. Dado um ideal I de A, quem é o núcleo da projeção π : A  A/I? Por


quê?

Exercı́cio 1.55. Mostre que um morfismo entre anéis é injetor se, e somente se, o seu
núcleo é o ideal nulo.

Exercı́cio 1.56. Seja I ⊆ A um ideal de A. Mostre que A/I é não-trivial, i.e., 1A 6= 0A ,


se, e somente se, I 6= A.

Exercı́cio 1.57. Prove que A/A ' 0 e A/h0A i ' A.

20
Exercı́cio 1.58. Mostre que todo ideal maximal é primo.

Exercı́cio 1.59. Mostre que A é corpo se, e somente se, h0A i é ideal maximal de A.
20
Exercı́cio 1.60. Mostre que A é domı́nio se, e somente se, h0A i é ideal primo de A.

Exercı́cio 1.61. Mostre que todo ideal de Z é principal. Mais precisamente: prove que
ES

para todo ideal I de Z existe um único n ≥ 0 tal que I = hni.

Exercı́cio 1.62. Quem é Z[i]/h2 + ii? Dica: note que 2 + i = 0 em Z[i]/h2 + ii.
UF

Exercı́cio 1.63. O anel A tem caracterı́stica n ∈ N se, e somente se, contém uma cópia
do anel Z/nZ. Verdadeiro ou falso? Observação: não responda sim, por gentileza.

Exercı́cio 1.64. Mostre que se D é um domı́nio, então char (D) = 0 ou char (D) > 0 é
um número primo. Vale a recı́proca?

Exercı́cio 1.65. Sejam m, n ∈ N tais que m não divide n. Mostre que não existe morfismo
de anéis da forma Z/nZ → Z/mZ.

Anéis de polinômios (pedalada na orla de Camburi)


Exercı́cio 1.66. Mostre que se A é um anel e f, g ∈ A[x] são polinômios não-nulos, então
f g = 0 ou
deg (f · g) ≤ deg f + deg g.
Em particular, se o coeficiente lı́der de f ou de g não for divisor de zero, então vale a
igualdade.

Exercı́cio 1.67. Quando A[x] é um corpo?

Exercı́cio 1.68. Mostre que se K é um corpo, então hx − αi é um ideal maximal de K[x],


qualquer que seja α ∈ K.
46 CAPÍTULO 1. A CATEGORIA DOS ANÉIS

Exercı́cio 1.69. Mostre que o anel Z[i] é imagem de um morfismo da forma Z[x] → C.

Exercı́cio 1.70. Mostre que o anel Q[ 3] é imagem de um morfismo da forma Q[x] → R.

Exercı́cio 1.71. O elemento x em Z[x]/h2x − 1i é invertı́vel? Quem é seu inverso?

Exercı́cio 1.72. Mostre que D é um domı́nio se, e somente se, D[x] é um domı́nio.

Exercı́cio 1.73. Sejam a ∈ A e I ⊆ A[x] um ideal. Mostre que I ⊆ hx − ai se, e somente


se, f (a) = 0A para todo f (x) ∈ I.

Exercı́cio 1.74. Pense rápido: C[x]/hx2 + 1i é isomorfo a C × C?

For fun (aquela água de côco)


T
Exercı́cio 1.75. Seja S ..= {Si : i ∈
T I} uma famı́lia de subanéis de A. Mostre que i∈I Si
é um subanel de A. Observação: i∈I Si é a coleção de todos os x tais que x ∈ Si para
todo i ∈ I.

Exercı́cio 1.76. Qual a interseção de todos os subanéis de R?

Exercı́cio 1.77. Seja F2 um corpo com dois elementos e X um conjunto. Mostre que
F(X, F2 ) e ℘(X) são anéis isomorfos. 20
Exercı́cio 1.78. Dizemos que um elemento a ∈ A é idempotente se satisfaz a2 = a.
20
Mostre que se X é um conjunto infinito, então o anel F(X, R) tem infinitos elementos
idempotentes. Vale a volta?
ES

Exercı́cio 1.79. Mostre que f ∈ F(X, R) é invertı́vel (no sentido de admitir inverso
multiplicativo) se, e somente se, f (x) 6= 0 para todo x ∈ X. Vale o mesmo resultado para
f ∈ F(X, Z)?
UF

Exercı́cio 1.80. Mostre que se f : R → R é um morfismo de anéis, então f = IdR . Dica:


mostre que f é crescente e tal que f (q) = q para todo q ∈ Q.

Exercı́cio 1.81. Prove o Teorema do Carteiro, a.k.a. Teorema da Correspondência de


ideais: dado um ideal I de A, a projeção π : A  A/I estabelece uma bijeção entre os
ideais de A que contêm I e os ideais de A/I; além disso, tal bijeção preserva as relações
de inclusão, i.e., para ideais J e K de A, temos

J ⊆ K ⇔ π[J] ⊆ π[K].

Exercı́cio 1.82. Seja p ∈ Z um número primo. Mostre que hx, pi ⊆ Z[x] é um ideal
maximal. Dica: Z/pZ é um corpo.

Exercı́cio 1.83 (O radical de I). Fixado um ideal I de A, mostre que o conjunto



I ..= {a ∈ A : ∃n ∈ N tal que an ∈ I}

é um ideal de A. Dica: deixe uma maçã cair na sua cabeça.



Exercı́cio 1.84. Dizemos que I é um ideal radical se ocorrer I = I. Mostre que todo
ideal primo de A é um ideal radical.
1.4. EXERCÍCIOS 47

Exercı́cio 1.85. Uma relação binária sobre um conjunto X é chamada de ordem total
se for reflexiva (x ≤ x), antissimétrica (x ≤ y e y ≤ x ⇒ x = y), transitiva (x ≤ y e
y ≤ z ⇒ x ≤ z) e, para quaisquer x, y ∈ A ocorrer x ≤ y, x = y ou y ≤ x. Dados um
anel A e uma ordem total ≤ sobre A, dizemos que A é um anel (totalmente) ordenado
por ≤ se tivermos

∀a, b, c ∈ A a < b ⇒ a + c < b + c, (1.14)


∀a, b ∈ A a > 0 e b > 0 ⇒ ab > 0, (1.15)

onde x < y abrevia “x ≤ y e x 6= y”.


a) Mostre que o único anel finito totalmente ordenado é o trivial.
b) Mostre que C não pode ser totalmente ordenado.
Exercı́cio 1.86 (Álgebra Linear ( Álgebra II). 45 Um conjunto G munido de uma
operação binária + : G × G → G é chamado de grupo abeliano se a operação + for
associativa, comutativa, admitir um elemento neutro e todo elemento de G tiver um in-
verso com respeito à operação +. Uma função f : G → G é chamada de endomorfismo
de G se ocorrer f (x + y) = f (x) + f (y) para quaisquer x, y ∈ G. Chamemos por End (G)
a coleção de todos os endomorfismos de G
20
a) Para f, g ∈ End (G), defina f ⊕ g : G → G fazendo (f ⊕ g)(x) ..= f (x) + g(x) para
todo x ∈ G, e tome ◦ como a composição usual. Mostre que a soma ⊕ e o produto ◦
20
tornam End (G) um anel, cuja unidade da multiplicação é a função identidade IdG .
b) Sejam A um anel comutativo e com unidade, V um grupo abeliano e σ : A →
ES

End (V ) um morfismo de anéis. Para a ∈ A e v ∈ V , defina

a · v ..= σ(a)(v).
UF

Mostre que para quaisquer a, b ∈ A e u, v ∈ V valem as seguintes identidades:

• 1A · v = v; • (a ⊕A b) · v = (a · v) ⊕V (b · v);
• a · (b · v) = (a A b) · v; • a · (u ⊕V v) = (a · u) ⊕V (a · v).

As condições acima lhe parecem familiares?


Exercı́cio 1.87. Um grupo abeliano (M, +) é chamado de A-módulo se existe uma mul-
tiplicação A × M → M satisfazendo os quatro últimos itens (em outras palavras, se M
for um espaço vetorial sobre o anel A). Uma função f : M → N entre A-módulos M e N
é A-linear se ocorrer f (αu + βv) = αf (u) + βf (v) para quaisquer α, β ∈ A e u, v ∈ M . O
núcleo de f , ker f , é o conjunto de todos os elementos v de M tais que f (v) = 0N .
a) Mostre que f : M → N é injetora se, e somente se, ker f = {0M }.
b) Mostre que se M é infinito e N é finito, então ker f é necessariamente infinito. Dica:
use o Princı́pio da Casa dos Pombos para concluir que existe A ⊆ M infinito tal que
f (a) = f (a0 ) para quaisquer a, a0 ∈ A e, com isso, deduza que ker f também deve
ser infinito.

45
É mais fácil do que parece, embora não seja trivial. De qualquer forma, só faça esse se estiver com
tempo :p
UF
ES
20
20
Capı́tulo 2

Tecnicalidades polinomiais

Nesta segunda parte do curso, abordaremos com mais calma as particularidades algébricas
dos anéis de polinômios. No meio do caminho, vamos esbarrar com classes especiais de
domı́nios nas quais frequentemente se encontram os anéis de polinômio. Daqui em diante,
todos os nossos anéis são comutativos e com unidade. Além disso, vamos nos esquecer
do subı́ndice “A ” ao indicarmos o elemento neutro aditivo (a.k.a. 0) e o elemento neutro
multiplicativo (a.k.a. 1) de um anel A.

2.1 Polinômios sobre domı́nios e corpos


20
20
Seja A um anel. As possı́veis condições adicionais satisfeitas pelo anel A – ser um domı́nio
ou ser um corpo, por exemplo – costumam trazer vantagens ao considerarmos o anel de
polinômios A[x] correspondente. Um exemplo imediato disso se dá com o algoritmo da
ES

divisão sobre K[x] quando K é um corpo: dados polinômios f, g ∈ K[x], basta que g não
seja o polinômio nulo para que existam únicos q, r ∈ K[x] tais que f = qg + r com r = 0
ou deg r < deg g (compare com o enunciado da Proposição 1.3.8).
UF

Exemplo 2.1.1. Não é possı́vel realizar a divisão do polinômio x2 +6x+8 pelo polinômio
2x + 4 em Z[x]. Porém, quando vistos como polinômios de Q[x], a divisão é possı́vel. Em
particular, note que 2 não é invertı́vel em Z, mas é invertı́vel em Q. •
Outra manifestação de como o anel base influencia o anel de polinômios foi enunciado
como exercı́cio no capı́tulo anterior, a saber:
Proposição 2.1.2. Um anel D é domı́nio se, e somente se, D[x] é domı́nio.
Demonstração. Como D é subanel de D[x], é claro que se D[x] for um domı́nio, então
D também será. Agora, se D é domı́nio e p, q ∈ D[x] são polinômios não nulos de D[x],
então pq 6= 0:
• se p e q têm ambos grau 0, então pq ∈ D \ {0};
• se algum deles tem grau positivo, então a igualdade deg pq = deg p + deg q garante
que pq não é o polinômio nulo.
Tal resultado nos leva a uma pergunta bastante natural: será que K[x] é um corpo
se K for um corpo? A resposta é não e, na verdade, independe do fato de K ser corpo.
De fato, pelo item 2 da Proposição 1.2.7 e por A[x]/h0i ser isomorfo a A[x], segue que
A[x] é corpo se, e somente se, h0i é ideal maximal de A[x], o que nunca ocorre, posto que
h0i ( hxi =6 A[x]. Isto não significa que K[x] não seja especial.

49
50 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Dizemos que D é um domı́nio de ideais principais (ou d.i.p.) se cada ideal de D


for gerado por um elemento. Com esta roupagem, é fácil ver que um dos exercı́cios do
capı́tulo anterior pedia precisamente para mostrarmos que Z é um d.i.p., o que (re)fazemos
a seguir.

Exemplo 2.1.3 (Z é um d.i.p.). Dado um ideal I ⊆ Z, temos duas opções: ou I é o ideal


nulo, ou I 6= h0i. Se for o segundo caso, então o conjunto

T ..= {n ∈ N : n ∈ I}

é não-vazio: como existe x ∈ I com x 6= 0, temos x ∈ T ou −x ∈ T . Tomamos então


t ..= min T e afirmamos que I = hti.
Como a inclusão hti ⊆ I é óbvia, basta mostrarmos I ⊆ hti. Para tanto, observe que
em virtude da Proposição 1.2.2, para m ∈ I qualquer existem únicos q, r ∈ Z tais que

m = qt + r,

com 0 ≤ r < t. Se valesse r 6= 0 terı́amos r = m − qt ∈ I, contrariando a minimalidade de


t. Logo, r = 0 e assim m = qt ∈ hti. Pela arbitrariedade do m tomado, resulta I ⊆ hti,
como querı́amos. •
20
A relação entre domı́nios de ideais principais e anéis da forma K[x] se dá no próximo
20
Teorema 2.1.4. Um domı́nio K é corpo se, e somente se, K[x] é um d.i.p.

Demonstração. Ora, se K é um corpo e I ⊆ K[x] é um ideal, podemos facilmente obter


p ∈ K[x] satisfazendo I = hpi: se I = h0i ou I = K[x] = h1i, nada há a fazer; nos
ES

demais casos, o conjunto T ..= {n ∈ N : ∃q ∈ I com deg q = n} deve ser não-vazio e


satisfazer min T ≥ 1 pois, se a ∈ K ∩ I, então I = h1i, por K ser corpo. Daı́, um simples
argumento com o algoritmo da divisão mostra que qualquer polinômio p ∈ I realizando
UF

deg p = min T deve satisfazer I = hpi.


Para a recı́proca, basta notar que para a ∈ K \ {0}, existe p ∈ K[x] satisfazendo
hai + hxi = hpi se, e somente se, a é invertı́vel em A, donde o resultado desejado segue de
imediato. O leitor pode cuidar dos detalhes (veja o Exercı́cio 2.3).
Como as melhores coisas da vida são frágeis, a propriedade de ser um d.i.p. se perde
facilmente. De fato, todo corpo é um d.i.p. e, como vimos, se K é corpo, então K[x]
não é corpo mas é d.i.p.. Ao repetirmos o processo de tomar o anel de polinômios, a
propriedade de ser d.i.p. se perde: K[x, y] ..= (K[x]) [y] não é um d.i.p., posto que o ideal
hx, yi não pode ser gerado por um único polinômio p ∈ K[x, y].

Exemplo 2.1.5. A fim de praticarmos um pouco, vejamos que, de fato, hx, yi não é um
ideal principal em K[x, y]. Há pelo menos três maneiras de fazer isso:

1. supondo que p ∈ K[x, y] satisfaz hpi = hx, yi, chegar a uma contradição por meio
da análise dos graus dos monômios que compõem p;

2. usando o Exercı́cio 2.3, com D ..= K[y] e r ..= y;

3. analisando o comportamento dos ideais primos principais com relação aos demais
ideais principais.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 51

O jeito (1) ficará a cargo do leitor masoquista. O jeito (2) é praticamente imediato:
como hyi + hxi = hx, yi é principal se, e somente se, y é invertı́vel em K[y], resulta que
hx, yi não é principal, já que y não é invertı́vel em K[y]. Finalmente, o jeito (3) consiste
em mostrar a seguinte

Proposição 2.1.6. Sejam D um domı́nio e elementos a, b ∈ D não-nulos. Se hai ( D é


um ideal primo e hai ⊆ hbi, então hai = hbi ou hbi = D.

Demonstração. Basta mostrarmos que se a inclusão for própria, então b é invertı́vel. Ora,
como a ∈ hbi, existe c ∈ D satisfazendo a = bc e, consequentemente, bc ∈ hai. Daı́, por
hai ser primo, resulta que c ∈ hai e, portanto, existe d ∈ D com c = ad. Logo, a = adb,
acarretando a(1 − db) = 0 e, portanto, db = 1, como querı́amos.
Agora, por termos hxi ( hx, yi ( K[x, y], segue que hx, yi não poderia ser um ideal
principal, pois isso contradiria a conclusão da proposição anterior. •

Observação 2.1.7. Um modo alternativo e bem mais eficiente de verificar que K[x, y]
não é um d.i.p. é notar que K[x] não é um corpo. Percebe o porquê? 4

Ainda assim, uma condição mais fraca do que ser d.i.p., mas muito útil, é preservada
ao considerarmos anéis de polinômios. A saber, um anel R é chamado de noetheriano1 se
20
todo ideal de R for finitamente gerado. É possı́vel provar que se R é um anel noetheriano,
então R[x] também é noetheriano. Logo, embora K[x, y] não seja um d.i.p., ele é um anel
20
domı́nio noetheriano.

2.1.1 O algoritmo da divisão revisitado


ES

Em nossos dois exemplos de d.i.p. vistos acima (Z e K[x] para um corpo K), a pos-
sibilidade de realizar divisões de maneira sistemática foi essencial. Isto sugere que a
propriedade de ter um algoritmo de divisão euclidiana possa ser algo que mereça algum
UF

tipo de atenção especial.


Dizemos que D é um domı́nio euclidiano se existir uma função ∂ : D \ {0} → N,
chamada de grau, satisfazendo as seguintes condições:

(EDi ) para quaisquer a, b ∈ D com b 6= 0, existem q, r ∈ D tais que

a = bq + r e ∂(r) < ∂(b) ou r = 0,

(EDii )2 ∂(a) ≤ ∂(ab) para quaisquer a, b ∈ D \ {0}.

Exemplo 2.1.8. Se K é um corpo, então K é um domı́nio euclidiano por meio da função


grau ∂ que faz ∂(a) ..= 0 para todo a ∈ K \ {0} (por quê?!). Reciprocamente, se D é
um domı́nio euclidiano no qual a função grau ∂ é nula, então D é um corpo: se d ∈ D é
não-nulo, então existem q, r ∈ D tais que 1 = qd + r com ∂(r) < ∂(d) ou r = 0; como não
é possı́vel ocorrer ∂(r) < ∂(d) neste caso, segue que r = 0 e, portanto, qd = 1. •

Exemplo 2.1.9. A função | · | : Z \ {0} → N que a cada inteiro não-nulo z ∈ Z associa


seu valor absoluto |z| é uma função grau que faz de Z um domı́nio euclidiano. •
1
Em menção à matemática Amalie Emmy Noether.
2
É uma exigência desnecessária: se δ : D \ {0} → N satisfaz apenas a condição (EDi ), então a função
∆ : D \ {0} → N dada pela regra ∆(a) ..= min{δ(ax) : x ∈ D e x 6= 0} satisfaz (EDi ) e (EDii ).
52 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Exemplo 2.1.10. Dado um corpo K, a função deg : K[x]\{0} → N que a cada polinômio
associa o seu grau é, como a gramática sugere, uma função grau que faz de K[x] um
domı́nio euclidiano. •

Exemplo 2.1.11 (Inteiros de Gauss). O anel Z[i], formado por todas as expressões da
forma a + bi, com a, b ∈ Z e i ∈ C, é um domı́nio euclidiano ao considerarmos a função
grau ∂ : Z[i] \ {0} → N dada pela regra ∂(a + bi) ..= a2 + b2 .
Primeiro, Z[i] é, de fato, um domı́nio, por ser a imagem do morfismo de anéis Z[x] → C
dado pela correspondência p 7→ p(i). Agora, a função ∂ satisfaz (EDii ). De fato, para
qualquer β ∈ Z[i] \ {0} deve ocorrer 1 ≤ ∂(β) pois, se β = a + bi 6= 0, então a2 + b2 ≥ 1,
donde segue que
∂(α) ≤ ∂(α)∂(β) = ∂(αβ),
onde a última igualdade segue, secretamente, do Exemplo 1.1.25 (por quê?!). A verificação
de que ∂ satisfaz (EDi ) é só um pouco mais chata.
Dados α, β ∈ Z[i] com β 6= 0, buscamos λ, µ ∈ Z[i] tais que α = βλ + µ com
∂(µ) < ∂(β) ou µ = 0. Primeiro, note que podemos considerar α/β ∈ C e expressar tal
número como uma soma x + yi, com x, y ∈ Q: de fato, temos

α α β αβ
= · = ,
β β β
20
∂(β)

com αβ ∈ Z[i] e ∂(β) ∈ N, donde é fácil concluir que existe x, y ∈ Q satisfazendo


20
α/β = x + yi. O pulo do gato vem agora: tomamos a, b ∈ Z os inteiros mais próximos de
x e y, respectivamente, o que nos permite escrever x = a + u e y = b + v, com u, v ∈ Q
satisfazendo |u|, |v| ≤ 21 . Fica a cargo do leitor argumentar sobre a existência de tais
ES

números u e v (a ilustração a seguir pode ajudar com alguma intuição, ou não).


UF

Figura 2.1: Seria esse o começo da “geometria” algébrica?

Logo, α = β(a + bi) + β(u + vi), e afirmamos que λ ..= a + bi e µ ..= β(u + vi) satisfazem
nossas exigências. Primeiro, é claro que λ ∈ Z[i], enquanto µ ∈ Z[i] segue pois µ = α−βλ.
Se, por ventura, µ = 0, acabou. Se não, devemos mostrar que vale ∂(µ) < ∂(β). Isso de
fato ocorre, pois
∂(µ) = ∂(β(u + vi)) = ∂(β)∂(u + vi),
enquanto
1 1 1
∂(u + vi) ..= u2 + v 2 ≤ + = < 1,
4 4 2
o que acarreta a desigualdade desejada.
Independentemente da importância que o domı́nio Z[i] possa ter para a Teoria dos
Números e outras áreas relacionadas, nossa discussão neste momento tem objetivos bem
mais modestos: observar que os elementos λ e µ que satisfazem o algoritmo de divisão
(EDi ) não são necessariamente únicos!
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 53

Considere, por exemplo, α ..= 3 + 5i e β ..= 2. Deixo para o leitor o trabalho de se


convencer da validade das seguintes identidades:
3 + 5i = 2(1 + 2i) + (1 + i),
= 2(1 + 3i) + (1 − i),
= 2(2 + 2i) + (−1 + i),
= 2(2 + 3i) + (−1 − i).
Portanto, a unicidade de quocientes e restos nos algoritmos de divisão que já conhece-
mos em Z e K[x] não decorrem das propriedades tı́picas de domı́nios euclidianos. Ainda
assim, domı́nios euclidianos têm suas vantagens. •
Proposição 2.1.12. Um domı́nio euclidiano é um d.i.p..
Demonstração. Essencialmente a mesma prova utilizada para mostrar que Z é um d.i.p. (ou
que K[x] é um d.i.p. quando K é corpo) se aplica: consideramos um ideal I 6= h0i e to-
mamos g ∈ I tal que ∂(g) = min{∂(x) : x ∈ I}, donde se prova que I ⊆ hgi e, portanto,
I = hgi. Os detalhes serão problema do leitor.
Observação 2.1.13. A recı́proca da proposição acima é falsa, i.e., existem d.i.p. que
não admitem uma estrutura de domı́nio euclidiano. O exemplo tipicamente encontrado
é o do anel Z[α], onde α ..=
1
2
√ 
20
1 + −19 . No entanto, ainda não conheço nenhuma
demonstração elementar de tal fato – e há coisas mais urgentes a serem feitas neste
20
momento. 4
Em particular, todo resultado válido para d.i.p. é automaticamente verdadeiro para
ES

domı́nios euclidianos. Nesse sentido, em vez de nos aprofundarmos em domı́nios mais


especı́ficos, vamos ampliar os horizontes e buscar por classes mais amplas de anéis.
UF

2.1.2 Existência e unicidade de fatorações


Em nossa busca por abstrair as propriedades algébricas que garantem o comportamento
algébrico que presenciamos em nossa infância, já generalizamos a noção de primalidade,
irredutibilidade e até mesmo o algoritmo da divisão. Nesse sentido, talvez o resultado
mais marcante dos tempos clássicos sobre o qual ainda não nos debruçamos seja o
Teorema 2.1.14 (Fundamental da Aritmética). Todo número inteiro não-nulo, diferente
de 1 ou −1, se escreve de forma única como produto de números primos, a menos de sinal
e permutação.
Assim, é chegada a hora de estudarmos as fatorações. O termo fatoração vem da
postura usual de xingar os elementos a, b, c,. . . numa expressão da forma a · b · c · . . .
como fatores, de modo que ao expressarmos um certo elemento d de um anel por meio de
uma identidade desse tipo, dizemos que d está fatorado por tais elementos, ou que eles
são seus fatores, etc.
Nesse sentido, sempre é possı́vel fatorar um elemento do anel por meio de fatores
invertı́veis: se a, b ∈ A com b invertı́vel, então a = ab · b−1 , por exemplo. Em parti-
cular, elementos invertı́veis sempre admitem fatorações em termos de outros elementos
invertı́veis. Também não costuma ser interessante se preocupar com as fatorações por 0,
já que 0 = 0 · a para qualquer a ∈ A e, no caso de domı́nios menos ainda, pois se ab = 0,
então a = 0 ou b = 0.
54 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Note que se a, b ∈ A são tais que existe um elemento invertı́vel c ∈ A tal que a = bc,
então b = ac−1 , com c−1 também invertı́vel (certo?!). Em tal situação, dizemos que a e
b são associados. No caso mais especı́fico de domı́nios, tipo de anel protagonista deste
capı́tulo, dois elementos a e b são associados se, e somente se, hai = hbi (Exercı́cio 2.1).
Desse modo, o fato relevante escondido no Teorema Fundamental da Aritmética está
na afirmação de que elementos não-invertı́veis (os elementos não-nulos diferentes de 1 ou
−1) admitem uma única fatoração com todos os fatores primos, a menos de permutação e
multiplicação por um invertı́vel, afinal de contas, 1 e −1 são os únicos elementos invertı́veis
de Z. A relevância de tal informação está justamente no fato de que tais fatorações não
são triviais, nos sentidos expressos acima.
Em geral, um elemento p ∈ A não-invertı́vel é chamado de elemento primo se o
ideal hpi ⊆ A é primo em A. Equivalentemente, p ∈ A é primo se não for invertı́vel e p
dividir a ou b sempre que p dividir o produto ab ∈ A. Secretamente, elementos primos
satisfazem ainda outra condição referente à não-trivialidade de fatorações, pelo menos no
reino dos domı́nios:

Proposição 2.1.15. Se D é um domı́nio e p ∈ D é primo, então para quaisquer a, b ∈ D,


vale que se p = ab, então a é invertı́vel ou b é invertı́vel.

Demonstração. Se ab = p, então ab ∈ hpi e daı́ a ∈ hpi ou b ∈ hpi. Note que se valer o


20
primeiro, por exemplo, então existe d ∈ D com a = pd e, por conseguinte, p = pdb, donde
o fato de D ser domı́nio nos permite concluir que db = 1.
20
Observação 2.1.16. O leitor atento deve ter notado que a proposição acima é apenas
uma repaginação da Proposição 2.1.6. Além disso, convém observar que se p = ab como
acima e, digamos, a é o elemento invertı́vel, então b não pode ser invertı́vel, pois do
ES

contrário p seria um produto de invertı́veis, logo invertı́vel. Neste caso, resulta que b
também é elemento primo, associado ao primo p. 4

Para D ..= Z, a propriedade destacada na última proposição extrai uma velha carac-
UF

terização para os números primos: p é primo se seus únicos divisores são ±1 e ±p. No
entanto, como ficará claro ao longo desta subseção, tal condição não equivale à prima-
lidade, razão pela qual ela recebe um nome próprio. Dizemos que um elemento π ∈ A
não-invertı́vel é irredutı́vel se ele só admite divisores triviais, i.e., se para quaisquer
a, b ∈ A, valer que
π = ab ⇒ a é invertı́vel ou b é invertı́vel.
Num primeiro momento, os domı́nios de fatoração única, que introduzimos a seguir,
são os domı́nios nos quais o Teorema Fundamental da Aritmética é satisfeito ao trocarmos
a expressão “primo” por “irredutı́vel”. Mais precisamente, dizemos que D é domı́nio de
fatoração única (ou d.f.u.) se qualquer elemento não-nulo e não-invertı́vel d ∈ D
se escreve de forma única como produto de elementos irredutı́veis de D, a menos de
permutação ou multiplicação por um elemento invertı́vel, i.e.,

i. existem n ∈ N e elementos irredutı́veis π0 , . . . , πn tais que d = π0 · π1 · . . . · πn , e

ii. se p0 · . . . · pn = q0 · . . . · qm , onde pi e qj são ambos irredutı́veis para todo i ≤ n e


j ≤ m, então m = n e existe uma permutação 3 σ dos ı́ndices tal que pi e qσ(i) são
associados.
3
A.k.a. bijeção.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 55

Num segundo momento, porém, o enunciado do Teorema Fundamental da Aritmética


se generaliza para d.f.u., ipsis litteris.

Teorema 2.1.17. Seja D um domı́nio no qual todo elemento não-nulo e não-invertı́vel


admite uma fatoração por elementos irredutı́veis. Então D é d.f.u. se, e somente se, todo
elemento irredutı́vel é primo.

Demonstração. Se D for um d.f.u., π ∈ D é irredutı́vel e ab ∈ hπi, então existe r ∈ D


com πr = ab. Logo, π corresponde a um dos fatores irredutı́veis de a ou b, a menos de
produto por uma unidade, donde segue que π divide a ou π divide b, i.e., hπi é primo.
Por outro lado, se todo elemento irredutı́vel de D for primo, podemos provar que
as fatorações em elementos de irredutı́veis, existentes por hipótese, são essencialmente
únicas. De fato, se π = π0 . . . πn = χ0 . . . χm são produtos de elementos irredutı́veis,
provaremos por indução em n que m = n e πi = χi para todo i, a menos de permutação
ou multiplicação por um invertı́vel.
Se n ..= 0, então m deve ser 0 pois se ocorresse m ≥ 1 concluirı́amos que π0 não é
irredutı́vel. Supondo o resultado válido para n ≥ 1 e considerando π0 . . . πn+1 = χ0 . . . χm ,
o fato de π0 ser irredutı́vel nos dá π0 primo e, desse modo, π0 divide algum dos χj .
Rearranjando-os se necessário, podemos supor j = 0 e assim π0 divide χ0 . Como χ0
também é primo, resulta que χ0 = u0 π0 , onde u0 é um elemento invertı́vel de D (por
20
quê?!)4 . Obtemos então π0 . . . πn+1 = χ0 . . . χm = (u0 π0 )χ1 . . . χm e, consequentemente,
π1 . . . πn+1 = u0 χ1 . . . χm . Por indução, temos m−1 = n com πi = ui χi e ui ∈ D invertı́vel
20
para 1 ≤ j ≤ n, como querı́amos.

Exemplo 2.1.18. Em vista do última teorema, segue que o Teorema Fundamental da


Aritmética, em certo sentido, diz apenas que Z é um d.f.u.. Em particular, a ressalva com
ES

respeito à unicidade é necessária mesmo em Z: o número 6 ∈ Z pode ser escrito tanto


como 6 = 2 · 3 quanto (−2) · (−3), mas 2 = (−1) · (−2) e 3 = (−1) · (−3), com (−1)
invertı́vel em Z. •
UF

Observação 2.1.19. Em particular, se D for um domı́nio no qual todo elemento irre-


dutı́vel é primo, então a fim de provar que D é um d.f.u. basta garantir que todo elemento
não-nulo e não-invertı́vel se decompõe como um produto de elementos irredutı́veis/primos.
Essa será a estratégia na demonstração dos dois principais teoremas desta seção:

• todo d.i.p. é d.f.u. (Teorema 2.1.22);

• se D é um d.f.u., então D[x] é um d.f.u. (Teorema 2.1.31).

A segunda afirmação, embora tenha um enunciado tão simples quanto a primeira,


utiliza uma argumentação um pouco delicada e que depende de alguns resultados básicos
sobre corpos de frações. Por isso, lidaremos com tais feras nas duas próximas subseções.
Por ora, vamos nos dedicar à primeira afirmação, sobre d.i.p.. 4

Proposição 2.1.20. Sejam D um d.i.p. e π ∈ D um elemento. Se π é irredutı́vel, então


hπi é maximal. Em particular, π é primo.

Demonstração. Se hπi ⊆ I = hai, então π = ra para algum r ∈ D, donde segue que r ou


a deve ser invertı́vel, mostrando que I = hπi ou I = D, como querı́amos.
4
Dica: releia a Observação 2.1.16.
56 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

A proposição acima mostra que domı́nios de ideais principais têm parte do que é
preciso para serem xingados de d.f.u. – explicitamente, a parte referente à unicidade de
fatorações. A existência de fatorações será provada usando o fato de que todo ideal num
d.i.p. é finitamente gerado. Tal informação inócua será extremamente importante em
nossa demonstração do Teorema 2.1.22, em vista do próximo
Lema 2.1.21 (Domı́nios de ideais principais são noetherianos). Em qualquer anel A as
seguintes afirmações são equivalentes:
(NCi ) todo ideal de A é finitamente gerado;
(NCii ) toda cadeia ascendente de ideais estaciona, i.e., se {In }n∈N é uma famı́lia de
ideais de A tal que In ⊆ In+1 para todo n ∈ N (isto é ser uma cadeia ascendente de
ideais), então existe N ∈ N tal que In = IN para todo n ≥ N (isto é dizer que a
cadeia estaciona).

S Se vale a condição (NCi ) e {In }n∈N é uma cadeia ascendente de ideais,


Demonstração.
então I ..= n∈N In é um ideal5 de A, que por hipótese é finitamente gerado, digamos que
I = hg0 , . . . , gn i para certos g0 , . . . , gn ∈ I. Como cada gi ∈ Imi para algum mi ∈ N,
basta tomarmos N ..= max{m0 , . . . , mn }. A recı́proca é praticamente imediata quando
feita pela contrapositiva: se não vale (NCi ), então existe um ideal I de A tal que hF i ( I
20
para qualquer subconjunto finito F ( I; em particular, isso nos permite escolher uma
sequência de elementos (xn )n∈N em I tais que {hx0 , . . . , xn i}n∈N é uma cadeia ascendentes
20
de ideais que não estaciona.
Teorema 2.1.22. Todo d.i.p. é d.f.u..
Demonstração. Dado um elemento π ∈ D \ {0} não-invertı́vel, onde D é um d.i.p., mos-
ES

traremos que existem elementos irredutı́veis π0 , . . . , πn ∈ D, para algum n ∈ N, tais que


π = π0 · . . . · πn .
Começamos afirmando que existem elementos π0 , ϑ0 ∈ D, com π0 irredutı́vel, tais que
UF

π = π0 ϑ0 , o que provaremos por absurdo, supondo o contrário. Neste caso, o próprio π não
pode ser irredutı́vel, o que nos dá elementos não-invertı́veis ρ0 , σ0 ∈ D tais que π0 = ρ0 σ0
– note que hπ0 i ( hρ0 i (veja o Exercı́cio 2.2). Novamente, a suposição garante que ρ0
não é irredutı́vel, o que nos dá elementos não-invertı́veis ρ1 , σ1 ∈ D tais que ρ0 = ρ1 σ1 ,
donde resulta, em particular, que hρ0 i ( hρ1 i. Procedendo indutivamente, obterı́amos
uma cadeia ascendente e não-estacionária de ideais

hπi ( hρ0 i ( hρ1 i ( . . . ( hρn i ( . . .

contrariando o lema anterior. Portanto, existem certos π0 , ϑ0 ∈ D, com π0 irredutı́vel,


tais que π = π0 ϑ0 .
Agora, se a tese que buscamos provar não for verdadeira, então o elemento ϑ0 ∈ D,
cuja existência garantimos no parágrafo anterior, não pode ser invertı́vel e tampouco
irredutı́vel. Logo, o mesmo argumento do parágrafo anterior se aplica, e nos dá certos
π1 , ϑ1 ∈ D, com π1 irredutı́vel e ϑ0 = π1 ϑ1 , donde novamente a suposição feita nos obriga
a concluir que ϑ1 não é invertı́vel e tampouco irredutı́vel. Procedendo indutivamente,
obtemos então uma cadeia ascendente e não-estacionária de ideais

hπi ( hϑ0 i ( hϑ1 i ( . . . ( hϑn i ( . . .


5
Embora a reunião de ideais não seja um ideal em situações gerais, a garantia de que In ⊆ In+1 para
todo n ∈ N nos assegura um sono tranquilo.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 57

contrariando mais uma vez o lema anterior. Portanto, uma decomposição nas condições
desejadas deve existir, como querı́amos.
Observação 2.1.23. Note que por Z ser um d.i.p., reobtemos como corolário o Teorema
Fundamental da Aritmética. 4
Em sı́ntese, até agora vimos que
• corpos são exemplos triviais de domı́nios euclidianos, enquanto
• domı́nios euclidianos são casos particulares dos domı́nios de ideais principais e,
• por sua vez, domı́nios de ideais principais satisfazem as condições para serem xin-
gados de domı́nios de fatoração única.

 1Todas√as implicações
 acima são estritas: Z é um domı́nio euclidiano que não é corpo;
Z 2 (1 + −19) é um d.i.p. que não é domı́nio euclidiano e, pelo que veremos nas
próximas subseções, K[x, y] é um d.f.u. que é não d.i.p. sempre que K é um corpo. Por
fim, convém destacarmos que existem domı́nios que não são d.f.u..

Exemplo 2.1.24. O anel A ..= Z[ −5], subanel de C, é um domı́nio √ que não é d.f.u..
Explicitamente, os elementos de A são expressões da forma a + b −5, donde não é difı́cil
se convencer de que
√ os únicos √ elementos invertı́veis√ de A são√ 1 e −1. Daı́, por termos
20
6 = 3 · 2 = (1 + −5)(1 − −5), com 2, 3, 1 + −5 e 1 − −5 elementos irredutı́veis
não-associados, resulta que a decomposição em A não satisfaz o critério de unicidade. •
20
Observação 2.1.25. A lista de generalizações não acaba aqui: existem ainda os chamados
domı́nios de Bézout, domı́nios de MDC6 , domı́nios de Schreier, domı́nios integralmente
fechados, etc. Contudo, tais assuntos são mais profundos e exigem um pouco mais de
ES

familiaridade com o ferramental algébrico tı́pico. 4

2.1.3 Frações do jeito certo (± opcional)


UF

O próximo objetivo que se coloca adiante é a demonstração de que D[x] é um d.f.u. sempre
que D for um d.f.u.. Para tanto, precisamos nos convencer de que todo domı́nio pode ser
visto como subanel de um corpo especial, digamos K, o corpo de frações de D. Feito isso,
o fato de K ser um corpo nos dirá que K[x] é um d.i.p. e, consequentemente, um d.f.u.,
o que nos permitirá obter as decomposições dos elementos de D[x].
Em certo sentido, o corpo de frações visa corrigir os problemas que possivelmente
impeçam que um certo domı́nio D de ser xingado de corpo. Nesse sentido, a ideia é
“mergulhar” D num corpo no qual todos os seus elementos sejam invertı́veis. Nesse
ponto, vamos nos afastar das referências principais da disciplina, que constroem o corpo
de frações “no braço”, e faremos uma análise mais qualitativa do problema, seguindo [8].
Para motivar as ideias, vamos supor que estejamos em busca de um anel Q que contém
Z, no qual o elemento 2 admita um inverso multiplicativo. Em certo sentido, um modo
de obter Q consiste em acrescentar um elemento x ao domı́nio Z e, posteriormente, forçar
que a relação 2x = 1 seja satisfeita. Ora, sabemos como acrescentar um elemento a Z
de modo preciso: o anel de polinômios Z[x] é exatamente isso! Quanto a forçar a relação
2x = 1, isto é o mesmo que pedir 2x − 1 = 0. Por isso, nosso candidato natural é anel
Z[x]
Q ..= .
h2x − 1i
6
Ou GCD-domains nas referências estrangeiras.
58 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Note que Z pode ser visto “dentro” de Q por meio da composição λ ..= π ◦ i : Z → Q,
onde i : Z ,→ Z[x] é a inclusão (injetora!) e π : Z[x]  Q é a projeção natural do quociente.
Além de λ ser (claramente) um morfismo de anéis, temos λ injetor: se λ(z) = 0 em Q,
então em virtude da natureza de Q segue que existe um polinômio f ∈ Z[x] satisfazendo
z = f · (2x − 1), o que só é possı́vel para f = 0 e, consequentemente, z = 0. Por fim, a
imagem de 2 em Q, que denotamos por 2, é tal que 2 · x = 1, mostrando que x é o inverso
multiplicativo de 2 em Q.
Desse modo, se abandonarmos a barra “ — ” sobre a imagem dos elementos de Z em
Q, podemos pensar em x como o inverso multiplicativo de 2. Mais geralmente, qualquer
potência de 2 é invertı́vel em Q, já que 2n xn = (2x)n = 1. De tal observação, resulta que
os elementos de Q se comportam precisamente como aquilo que costumamos chamar de
frações – com a restrição de que seus denominadores são potências de 2.
De fato, um habitante tı́pico de Q, digamos ψ, é da forma ψ ..= α0 + α1 x + . . . + αn xn ,
1
para certos α0 , . . . , αn ∈ Z. Se escrevermos n em vez de xn , resulta
2
1 1
ψ = α0 + α1 + . . . + αn n ,
2 2
donde obtemos 2n ψ = α0 2n + α1 2n−1 + . . . + αn e, consequentemente,

20  1
ψ = α0 2n + α1 2n−1 + . . . + αn · n ,
2
20
1
mostrando que ψ = α · n para certos α ∈ Z e n ∈ N, que abreviamos, como de costume,
2
α
escrevendo n .
2
ES

Com tal construção, as regras usuais de adição e multiplicação de frações conhecidas


do Ensino Básico se traduzem no fato de que λ ..= π ◦ i é um morfismo de anéis! Por
exemplo, se quisermos nos convencer de que, com as notações acima, vale
UF

α β α2n + β2m
+ = ,
2m 2n 2m+n
α β
basta notarmos que e são maneiras psicologicamente (mais) agradáveis de denotar
2m 2n
os elementos λ(α)λ(2m )−1 e λ(β)λ(2n )−1 , respectivamente, donde segue que
α β
m
+ n ..= λ(α)λ(2m )−1 + λ(β)λ(2n )−1 =
2 2
= λ(α)λ(2n )λ(2n )−1 λ(2m )−1 + λ(β)λ(2m )λ(2m )−1 λ(2n )−1 =
α2n + β2m
= λ(α2n )λ(2m+n )−1 + λ(β2m )λ(2m+n )−1 = λ(α2n + β2m )λ(2m+n ) ..= ,
2m+n
α β αβ
como afirmamos. A verificação de que m · n = m+n fica a cargo do leitor.
2 2 2
Para finalizar este primeiro passo, observamos que uma igualdade do tipo
α β
m
= n
2 2
em Q ocorre se, e somente se, λ(α)λ(2m )−1 = λ(β)λ(2n )−1 , o que por sua vez é equivalente
à igualdade α2n = β2m , posto que λ é injetora. Em particular, disso segue que Q não é
apenas um anel que contém Z, mas sim um domı́nio! Pense um pouco sobre isso.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 59

A construção acima pode ser generalizada a fim de obter anéis nos quais elementos
arbitrários de um anel dado sejam invertı́veis. Em tal situação, costuma-se dizer que
o anel obtido é a localização do primeiro por algum subconjunto do anel original cujos
elementos buscamos inverter. Em nosso caso, vamos tratar apenas do caso em que D é um
domı́nio e buscamos um corpo K tal que moralmente se tenha D ⊆ K, com D subanel,
de modo que todo elemento de K seja da forma ab−1 , com a, b ∈ D e b 6= 0, elemento que
a
será representado pela notação de fração tı́pica, i.e., escreveremos em vez de ab−1 .
b
O modus operandi será essencialmente o mesmo:

• para cada d ∈ S ..= D \ {0}, vamos considerar uma indeterminada xd 6∈ D e forma-


remos o anel de polinômios R ..= D[xd : d ∈ S], cujas indeterminadas pertencem ao
conjunto X ..= {xd : d ∈ S};

• cozinhamos em R o ideal I ..= h{d · xd − 1 : d ∈ S}i, i.e., o menor ideal de R que


contém todos os polinômios da forma d · xd − 1;

• finalmente, o corpo K procurado será o quociente R/I.

A ideia é que o monômio xd ∈ R se tornará o inverso multiplicativo de d após quocien-


tarmos R por I, algo não muito diferente do que fizemos com o domı́nio Q anteriormente.
20
No entanto, certamente o primeiro ponto carece de uma discussão um pouco mais calma.

Observação 2.1.26 (Anéis de polinômios sobre um conjunto de indeterminadas). No


20
capı́tulo anterior, vimos como construir o anel de polinômios A[x], cujos elementos são
polinômios na indeterminada x e coeficientes num anel A. Já no começo deste capı́tulo,
passamos a abordar anéis de polinômios da forma A[x, y], cujos elementos são polinômios
ES

da indeterminada y e coeficientes em A[x], o que na prática significa dizer que os elementos


de A[x, y] são somas formais de monômios da forma αxm y n , para α ∈ A e m, n ∈ N.
Tudo ia bem, num ritmo razoável e, de repente, nos deparamos com um anel de
UF

polinômios cujas indeterminadas pertencem a um conjunto, sobre o qual não fazemos


exigências quanto à cardinalidade! Contudo, tal desonestidade escancarada é menos pre-
judicial do que parece.
De fato, em certo sentido, se X é o conjunto de indeterminadas e F é a famı́lia de todos
os subconjuntos finitos de X, temos o direito de pensar em A[X], o anel de polinômios
com indeterminadas em X e coeficientes em A, como sendo
[
A[X] = A[F ],
F ∈F

onde entendemos A[F ] ..= A[x0 , . . . , xn ] se tivermos F ..= {x0 , . . . , xn }, A[∅] ..= A. Por
exemplo, para A ..= Z e X ..= {xn : n ∈ N}, espera-se que tanto expressões da forma
2x30 x87 + 4x32 quanto 42x19
34 + 7 sejam polinômios de Z[X].
Porém, como já sabemos que um anel não é apenas um conjunto, devemos nos preo-
cupar em determinar as operações de A[X], o que não é um problema muito grave. De
fato, por construção dados f, g ∈ A[X], existem subconjuntos finitos F, G ⊆ X tais que
f ∈ A[F ] e g ∈ A[G], donde segue que f, g ∈ A[F ∪ G], o que nos permite definir tanto
f + g quanto f · g em A[F ∪ G] ⊆ A[X]. Por exemplo, para A ..= Z, X ..= {w, x, y, z},
f ..= 2w + x2 e g ..= 3y + x3 , temos a princı́pio f ∈ Z[x, w] e g ∈ Z[x, y], mas para ambos
temos f, g ∈ Z[w, x, y], o que nos permite efetivamente calcular f · g e f + g em Z[w, x, y],
que está contido em Z[w, x, y, z].
60 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Naturalmente, para que tal construção faça sentido, nos valemos da suposição de que
se F ⊆ G, então A[F ] ⊆ A[G], o que segue por indução da suposição que nos acompanha
desde o final do primeiro capı́tulo, de que o anel de coeficientes A é subanel do anel de
polinômios A[x]. Em particular, isto garante a boa definição das operações de soma e
produto acima, donde segue que A[X] é, de fato, um anel comutativo e com unidade, que
contém A como subanel e X ∪ A como subconjunto gerador.
Embora existam outros modos de construir tal animal, eles são desnecessariamente
complicados para o presente momento de nossas vidas. Além disso, o método de cons-
trução é irrelevante em vista do

Teorema 2.1.27 (Propriedade universal do anel de polinômios – versão para adultos).


Seja f : A → B um morfismo de anéis e c : X → B uma função. Então existe um único
morfismo de anéis F : A[X] → B tal que F (x) = c(x) e F (a) = f (a) para quaisquer
x ∈ X e a ∈ A.

Demonstração. Antes de provar o caso geral, devemos nos convencer de sua validade
quando X é um conjunto finito de indeterminadas. Para X ..= ∅ é trivial, posto que
A[∅] ..= A e, para X ..= {x}, o enunciado se reduz à propriedade universal de A[x]
(Teorema 1.3.4). Agora, supondo o resultado verdadeiro para conjuntos de indeterminadas
com n > 1 elementos, provaremos sua validade para X com |X| ..= n + 1.
20
Ora, fixado x0 ∈ X, o conjunto Y ..= X \ {x0 } tem n elementos, donde segue pela
hipótese de indução que existe um único morfismo de anéis FY : A[Y ] → B satisfazendo
20
FY (y) = c(y) e FY (a) = f (a) para quaisquer y ∈ Y e a ∈ A. Daı́, pela propriedade
universal do anel (A[Y ]) [x0 ], existe um único morfismo F : (A[Y ]) [x0 ] → B tal que
F (x0 ) = h(x0 ) e F (α) = FY (α) para todo α ∈ A[Y ]. Por termos A[X] = (A[Y ]) [x0 ],
resulta que F (x) = c(x) e F (a) = FY (a) = f (a) para quaisquer x ∈ X e a ∈ A, mostrando
ES

assim a existência. Note que se existisse outro morfismo de anéis ϕ : A[X] → B com
ϕ(x) = c(x) e ϕ(a) = f (a) para quaisquer x ∈ X e a ∈ A, a restrição de ϕ ao subanel
A[Y ], digamos ψ, nos daria ψ = FY (pela unicidade de FY neste caso), acarretando ϕ = F .
UF

Voltamo-nos para o caso qualquer. Para cada subconjunto finito G ⊆ X, a argu-


mentação anterior nos dá um único morfismo de anéis FG : A[G] → B tal que FG (x) = c(x)
para todo x ∈ G e FG (a) = f (a) para todo a ∈ A. Assim, definimos F : A[X] → B fa-
zendo F (p) ..= FG (p), onde G ⊆ X é algum subconjunto finito tal que p ∈ A[G]. Daı́, o
mesmo raciocı́nio que nos permitiu perceber que A[X] é um anel com as operações que
definimos, leva-nos à conclusão de que F , como descrito acima, é o único morfismo de
anéis com as propriedades desejadas. Os detalhes ficam a cargo do leitor.
Na prática, mostramos que se f : A → B é um morfismo de anéis e, para cada x ∈ X
escolhemos um elemento c(x) ∈ B, então existe um único morfismo de anéis F : A[X] → B
que leva cada x ∈ X no elemento escolhido c(x) ∈ B e faz F (a) = f (a): explicitamente,
F substitui cada ocorrência de x por c(x), enquanto os coeficientes em A são levados pelo
morfismo f . É, essencialmente, o que já vı́nhamos fazendo com uma indetermianda. 4

Uma vez convencidos da existência de anéis de polinômios mais gerais, é relativamente


fácil nos convencermos de que K ..= D[xd : d 6= 0]/I, onde I ..= h{d · xd − 1 : d 6= 0}i, é um
corpo que contém D como subanel. A sensação de déjà vu ao ler os próximos parágrafos
não só é esperada, como proposital.
Note que D pode ser visto “dentro” de K por meio da composição λ ..= π ◦ i : D → K,
onde i : D ,→ D[xd : d 6= 0] é a inclusão (injetora!) e π : D[xd : d 6= 0]  K é a
projeção natural do quociente. Além de λ ser (claramente) um morfismo de anéis, temos
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 61

λ injetor: se λ(u) = 0 em K, então em virtude da natureza de K existem elementos


d0 , . . . , dn ∈ D \ {0} e polinômios f0 , . . . , fn ∈ D[xd : d 6= 0] satisfazendo
X
u= fj · (dj · xdj − 1),
j≤n

o que só é possı́vel se cada fj for nulo (por quê?)7 e, consequentemente, u = 0. Por fim,
a imagem de d 6= 0 em K, que denotamos por d, é tal que d · xd = 1, mostrando que xd é
o inverso multiplicativo de d em K.
Desse modo, se abandonarmos a barra “ — ” sobre a imagem dos elementos de D em
K, podemos pensar em xd como o inverso multiplicativo de d. Mais geralmente, qualquer
produto de elementos não-nulos de D é invertı́vel em K, já que d0 ·. . .·dn xd0 ·. . .·xdn = 1. De
tal observação, resulta que os elementos de K se comportam precisamente como aquilo
que costumamos chamar de frações – com a restrição de que seus denominadores são
elementos não-nulos de D.
De fato, um habitante tı́pico de K, digamos ψ, é da forma
X
ψ ..= αj xd0 m0,j xd1 m1,j . . . xdn mn,j ,
j≤N

1
escrevermos l em vez de xi l , resulta
20
para certos n, mi,j , N ∈ N, αj ∈ D e d0 , . . . , dn ∈ D \ {0}, com i ≤ n e j ≤ N . Se
20
di
X 1
ψ= αj m m m .
j≤n
d0 0,j d1 1,j . . . dn n,j
ES

Escrevemos da forma acima apenas para tornar o próximo passo irresistı́vel: tomar
d ..= d0 · . . . dn 6= 0 e M > 0 suficientemente grande8 , para multiplicarmos a identidade
UF

anterior por β ..= dM e obter


M −m0,j M −m1,j
X
−mn,j ..
dM ψ = α j d0 d1 . . . dM
n = α ∈ D,
j≤n

1
mostrando que ψ = α · para certos α, β ∈ D com β 6= 0, que abreviamos, como de
β
α α
costume, escrevendo . Em particular, frações oriundas de D são da forma , razão pela
β 1
qual omitimos o denominador.
α γ
Agora, é fácil se convencer de que para , ∈ K devemos ter
β δ
α γ αδ + βγ α γ αγ
+ = e · = , (2.1)
β δ βδ β δ βδ
as regras usuais de soma e multiplicação de frações. Em particular,
α γ
= ⇔ αδ = βγ, (2.2)
β δ
7
Está longe de ser trivial. Convença-se disso analisando casos particulares simples ou se aventure no
Exercı́cio 2.54.
8
Maior do que todos os mi,j , por exemplo.
62 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

o que decorre explicitamente da injetividade de λ e do fato de termos


α γ
= ⇔ λ(α)λ(β)−1 = λ(γ)λ(δ)−1 .
β δ
α
Curiosamente, de tais regras segue que K é um corpo! De fato, se ∈ K não é a
β
β
fração nula, então α · 1 6= β · 0 em D, mostrando que α 6= 0 e, portanto, é um elemento
α
legı́timo de K que satisfaz
α β 1
· = ,
β α 1
que é o elemento neutro da multiplicação.
O corpo K definido acima costuma ser chamado de corpo de frações de D, frequen-
temente denotado por Frac (D). A construção acima, embora relativamente abstrata,
tem a vantagem de fazer tanto as regras operatórias com frações quanto o critério de
equivalência entre elas surgir de forma natural9 . A alternativa padrão ao modo que apre-
sentamos consiste em considerar o produto cartesiano X ..= D × (D \ {0}) munido da
relação de equivalência ∼ que declara dois pares (α, β), (γ, δ) ∈ X equivalentes se, e so-
mente se, ocorrer αδ = βγ (compare com (2.2)), para daı́ munir o conjunto quociente
X/∼ com operações + e · dadas pelas regras
20
(α, β) + (γ, δ) ..= (αδ, βγ) e (α, β) · (γ, δ) ..= (αγ, βδ),
20
(compare com (2.1)) cujas boas definições devem ser verificadas, bem como os axiomas de
anel e por aı́ vai. Naturalmente, a ideia então passa a ser denotar a classe de equivalência
α
(α, β) como sendo a fração . Embora seja computacionalmente tenebroso, tal método
β
ES

tem a vantagem de ser uma receita de bolo. No final das contas, ocorre que o método
escolhido para construir Frac (D) é irrelevante pois, como provaremos a seguir, tal corpo
é caracterizado por uma propriedade universal.
UF

Teorema 2.1.28 (Propriedade universal do corpo de frações). Seja D um domı́nio. Se A


é um anel munido de um morfismo de anéis f : D → A tal que f (d) é invertı́vel para todo
d 6= 0, então existe um único morfismo de anéis F : Frac (D) → A tal que F (d) = f (d)
para todo d ∈ D.
Demonstração. Note que se tal F existe, então por termos
     
d 1 1
1 = F (1) = F = F (d)F = f (d)F ,
d d d
 
resulta f (d)−1 = F d1 , donde segue que F αβ = f (α)f (β)−1 , para qualquer fração


tı́pica de Frac (D). Em outras palavras, se F existir, ela deve ser dada pela expressão
acima. Portanto, nosso trabalho se resume a mostrar que tal correspondência determina,
de fato, um morfismo de anéis com as propriedades desejadas.
α γ
Precisamos nos convencer, primeiramente, de que se , ∈ Frac (D) são frações
β δ
iguais, então f (α)f (β)−1 = f (γ)f (δ)−1 . Este é o caso de fato, pois a igualdade entre
tais frações ocorre se, e somente se, αδ = βγ, acarretando f (α)f (δ) = f (β)f (γ), donde
a igualdade desejada segue automática. Fica para o leitor o trabalho de se convencer de
que tal correspondência é um morfismo de anéis.
9
O que também ocorre nos contextos mais gerais da localização de anéis, que não se comporta tão
bem como no caso de domı́nios.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 63

Observação 2.1.29. No caso em que K é um corpo que contém D como subanel, i.e., tal
que a inclusão i : D ,→ K é um morfismo de anéis, a propriedade universal de Frac (D)
garante um único morfismo de corpos j : Frac (D) → K tal que j(d) = d para todo d ∈ D.
Como morfismos entre corpos sempre são injetores, isso nos dá o direito de enxergar
Frac (D) “dentro” de K: de fato, im (j) ⊆ K é uma cópia isomorfa de Frac (D) que
contém D. Por tal razão, também é comum encontrar textos que caracterizam o corpo
de frações de D como o “menor corpo que contém D”, posto que qualquer corpo que
contenha D deve, necessariamente, conter uma cópia de Frac (D). 4
Observação 2.1.30. É possı́vel demonstrar a propriedade universal do corpo de frações
e, mais geralmente, da localização, sem apelar para a estrutura fracionária dos elementos
de Frac (D). Embora tal argumentação alternativa seja um pouco mais abstrata, ela tem a
vantagem de funcionar, inclusive, em casos não-comutativos mais gerais. O leitor curioso
pode consultar o Exercı́cio 2.53. 4

2.1.4 O Teorema de Gauss


Vamos nos dedicar a partir de agora a demonstrar o seguinte
Teorema 2.1.31 (Gauss). Se D é d.f.u., então D[x] é d.f.u..
20
Uma estratégia comum de demonstração consiste em provar que
20
(Gi ) todo elemento não-nulo e não-invertı́vel de D[x] se decompõe como produto de
elementos irredutı́veis, e

(Gii ) todo elemento irredutı́vel de D[x] é primo,


ES

donde o resultado segue em virtude do Teorema 2.1.17.


A parte mais delicada dos dois pontos acima é a segunda – foi devido a ela que
introduzimos corpos de frações na subseção anterior. De fato, a ideia para demostrar o
UF

segundo item consiste em tomar f ∈ D[x] irredutı́vel, mostrar que este deve ser irredutı́vel
em K[x], onde K ..= Frac (D) e, finalmente, usar o fato de K[x] ser um d.f.u. para concluir
que f é primo em K[x] e, a fortiori, primo em D[x]. Por isso mesmo, começamos por
ela – ou quase: precisamos revisitar a velha noção de máximo divisor comum dos nossos
tempos escolares.

Pausa dramática para máximos divisores comuns


Para um anel A e elementos a, b ∈ A, dizemos que d ∈ A é um máximo divisor comum
de {a, b} (abreviado como m.d.c. de {a, b}) se d dividir ambos a e b, e qualquer divisor
de a e b também for divisor de d. Em outras palavras, d é um m. d. c. de {a, b} se d for
um máximo do conjunto C ..= {r ∈ A : hai ⊆ hri} ∩ {r ∈ A : hbi ⊆ hri} com respeito à
pré-ordem10  sobre A dada por r  r0 ⇔ hr0 i ⊆ hri, i.e., r é menor do que r0 nesta
pré-ordem se, e somente se, r dividir r0 .
De fato, dizer que d ∈ A é um máximo do subconjunto C significa afirmar que d ∈ C
(logo, d divide tanto a quanto b) e c  d para todo c ∈ C (ou seja, divisores comuns de
a e b devem dividir d), exatamente a definição dada anteriormente11 . Desse modo, fica
justificada a nomenclatura neste contexto geral.
10
Uma relação binária R é chamada de pré-ordem se R for reflexiva e transitiva.
11
Estamos nos valendo, implicitamente, do mantra “conter é dividir”, expresso no Exercı́cio 1.42.
64 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Observação 2.1.32. Apesar da motivação acima, o nome “máximo” presente no m. d. c.


que aprendemos na escola tinha um sentido mais usual. Explicitamente, dizı́amos que d
era o m. d. c. de dois números naturais a e b se d fosse o maior elemento do conjunto de
todos os divisores comuns de a e b, no sentido da ordem usual de números naturais. Eis
aı́ uma feliz coincidência.
Ora, se m, n ∈ N são tais que m | n, então deve-se ter m ≤ n (por quê?!). Porém, se m
e n são tomados em Z, então tal relação simplesmente perde a garantia: note que 2 | − 2,
mas não é verdade que 2 ≤ −2. Ainda assim, ao utilizarmos a definição formal acima
para o cálculo do m. d. c. de dois números naturais, obtemos o maior elemento (no sentido
da ordem usual) do conjunto dos divisores comuns, devido à frase com que começamos
este parágrafo. 4

Exemplo 2.1.33 (Sobre a não-unicidade do m. d. c.). Vejamos duas situações onde efeti-
vamente podemos calcular um m. d. c. entre dois elementos de anéis particulares. Vamos
começar com A ..= Z, a ..= 30 e b ..= 42: afirmamos que 6 e −6 são m. d. c. de {30, 42}. Um
modo simples de se convencer disso, embora computacionalmente impraticável em outros
casos, é observar as decomposições de 30 e 42 em fatores irredutı́veis/primos: temos, por
exemplo 30 = 2 · 3 · 5 e 42 = 2 · 3 · 7 e, como os únicos elementos invertı́veis de Z são 1 e
−1, podemos trocar cada fator p nas últimas identidades por seus associados (−1)(−p),
além de alterarmos a ordem.
20
Logo, a menos de multiplicar por −1, os números 2, 3 e 5 são todos os divisores de 30,
enquanto 2, 3 e 7 são todos os divisores de 42. Consequentemente, 2 · 3 = 6 divide tanto
20
30 quanto 42, mostrando que 6 é um divisor comum. Por outro lado, se c ∈ Z divide
30 e 42, então os elementos irredutı́veis que aparecem em uma decomposição de c devem
estar presentes tanto numa decomposição de 30 quanto numa decomposição de 42, donde
ES

é fácil ver que c ∈ {−6, 6} e, portanto, c divide 6, mostrando que 6 é, de fato, um m. d. c.
de {30, 42}. Analogamente, mostra-se que −6 também é m. d. c. de {30, 42}.
Agora, se A ..= Q[x], a ..= 2x2 − 2 e b ..= x2 − 3x + 3, então d ..= x − 1 é um
m. d. c. de {a, b}: como acima, isto segue de observarmos decomposições de a e b em
UF

fatores irredutı́veis, digamos a = 2(x − 1)(x + 1) e b = (x − 1)(x − 2), por exemplo.


Analogamente, qualquer polinômio da forma (x − 1)q é um m. d. c. de {a, b}. Na seção de
exercı́cios discutimos outras propriedades relacionadas aos m. d. c.. •

Os dois exemplos acima evidenciam, num primeiro momento, um comportamento mais


geral dos m. d. c.: se d e d0 são ambos m. d. c. de {a, b}, então existem u, v ∈ A com d = d0 u
e d0 = dv, donde segue que u e v são invertı́veis em A. Logo, um m. d. c. de {a, b}, caso
exista, é único a menos de multiplicação por invertı́veis, e assim, com essa ressalva em
mente, não há risco em escrever m. d. c. {a, b} ..= d para qualquer d que for m. d. c. de
{a, b}. Num segundo momento, o mesmo argumento utilizado acima nos permite provar
o seguinte

Lema 2.1.34. Se D é um d.f.u. e a, b ∈ D são elementos quaisquer, então existe


m. d. c. {a, b}.

Demonstração. Se a (ou b) é invertı́vel ou nulo, então a existência do m. d. c. {a, b} segue


do Exercı́cio 2.15. Agora, se a e b são ambos não-nulos e não-invertı́veis, então existem
elementos irredutı́veis π0 , . . . , πl ∈ D e números naturais mi , ni ∈ N para i ≤ l, tais que
a = π0m0 · π1m1 · . . . · πlml e b = π0n0 · π1n1 · . . . · πlnl (por quê?!).
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 65

Note que se c ∈ D é um divisor de a, i.e., existe d ∈ D com a = cd, por exemplo,


então de duas uma: ou c é invertı́vel, e daı́ d = ac−1 ; ou c não é invertı́vel, de modo que
ao tomarmos uma decomposição de c em fatores irredutı́veis, digamos c = p0 · . . . · pN ,
donde segue que cada pi divide a, sendo, portanto, associado a algum dos πj .
Logo, se c divide a, então existem um elemento invertı́vel u ∈ D e números naturais
si ≤ mi para cada i ≤ l, tais que c = u · π0s0 · π1s1 · . . . πlsl . Como o mesmo raciocı́nio
também vale para os divisores de b, resulta que

m. d. c. {a, b} = π0t0 · π1t1 · . . . · πltl ,

onde ti ..= min{mi , ni } para cada i ≤ l. Os detalhes restantes serão deixados para o
leitor.

Observação 2.1.35. Se π, χ ∈ D são elementos irredutı́veis e não-associados, então


π = π 1 χ0 e χ = π 0 χ1 , donde segue que m. d. c. {π, χ} = π 0 χ0 = 1. Equivalentemente,
temos hπi + hχi = hπ, χi = h1i, razão pela qual elementos em tal situação também são
chamados de coprimos12 . 4

A definição de m. d. c. se estende naturalmente para qualquer subconjunto finito F 6= ∅


de um anel A: dizemos que d é m. d. c. de F se d divide cada elemento de F e, além disso,
20
todo elemento de A que divide todos os elementos de F também divide d. Como no caso
anterior, se D for um domı́nio, então um m. d. c. de F , caso exista, é único a menos de
multiplicação por invertı́veis, o que nos permite denotar tal m. d. c. simplesmente como
20
m. d. c. F . Daı́, um argumento indutivo baseado no último lema permite provar a seguinte

Proposição 2.1.36. Se D é um d.f.u. e F ⊆ D é um subconjunto finito e não-vazio,


ES

então existe m. d. c. F .

Obviamente a proposição acima seria inútil se sua tese fosse verdadeira em qualquer
anel. De fato, há domı́nios em que dois elementos irredutı́veis não admitem um m. d. c. – e,
UF

consequentemente, tais animais não podem ser d.f.u.. Na seção de exercı́cios deste capı́tulo
apresentamos um desses exemplos e também discutimos duas generalizações importantes
dos domı́nios aqui tratados: os domı́nios de m. d. c. e os domı́nios de Bézout. Por ora,
temos uma agenda a cumprir: demonstrar o Teorema de Gauss!

Os lemas de Gauss
Em vista da última
P proposição, se D é um domı́nio de fatoração única, então para cada
i
polinômio f = i≤n αi x ∈ D[x], podemos considerar a coleção Cf ..= {α0 , . . . , αn } dos
.
.
coeficientes de f , de modo que faz sentido definir

c(f ) ..= m. d. c. Cf

que chamamos de conteúdo de f . Dizemos que f é primitivo se c(f ) ∈ D× , i.e., se


c(f ) é invertı́vel em D. Naturalmente, o conteúdo de um polinômio é único a menos de
multiplicação por invertı́veis.
12
Compare com a definição dada para ideais coprimos, na página 31, pouco antes do enunciado do
Teorema Chinês dos Restos.
66 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Exemplo 2.1.37. Explicitamente, o conteúdo de um polinômio é o m. d. c. de seus coefi-


cientes. Assim, se D ..= Z e f ..= 30 + 42x3 , por exemplo, então podemos ter c(f ) = 6 ou
c(f ) = −6 (reveja o Exemplo 2.1.33). Note que g ..= 3x7 + 5x200 é um polinômio primitivo
em Z[x], posto que m. d. c. {3, 5} = 1.
Em geral, se D é um d.f.u. e p ∈ D[x] é irredutı́vel com deg p > 0, então p é primitivo.
De fato, como c(p) divide todos os coeficientes de p, devemos ter p = c(p)g para algum
g ∈ D[x], donde segue primeiramente que c(p) 6= 0. Agora, por p ser irredutı́vel, segue
que c(p) deve ser invertı́vel ou associado a p, e o último caso não pode ocorrer, posto que
os invertı́veis de D[x] têm grau zero (por quê?!) e, portanto, polinômios associados devem
ter o mesmo grau. A recı́proca, porém, é falsa, como o polinômio primitivo do parágrafo
anterior evidencia. •

Lema 2.1.38 (Gauss). Sejam D um d.f.u., p ∈ D um elemento irredutı́vel e f, g ∈ D[x].


Se p divide c(f g), então p divide c(f ) ou p divide c(g).
e ..= D/hpi
Demonstração. Como p é irredutı́vel num d.f.u., segue que hpi é primo. Logo, D
é um domı́nio e, consequentemente, D[x]e é um domı́nio. Agora, por termos D e ( D[x]
e
como subanel, segue que existe um único morfismo P de anéis ϕ : D[x] → D[x] satisfazendo
e
j
ϕ(x) = x: explicitamente, ϕ toma um polinômio j≤n αj x em D[x] e o leva no polinômio
P
αj xj em D[x].
j≤n
e
20
Afirmamos então que ker ϕP= pD[x], i.e., o ideal gerado por p em D[x]. É claro
que se q ∈ pD[x], então q = j
j≤n pαj x para certos αj ∈ D, acarretando ϕ(q) = 0.
20
Por outro lado, se s = j≤n βj xj ∈ D[x] é tal que ϕ(s) é o polinômio nulo em D[x],
P e
βj = 0 em D
então P e para todo j, i.e., existe γj ∈ D tal que βj = pγj , mostrando que
s = p j≤n γj xj ∈ pD[x].
ES

Finalmente, como p divide c(f g) por hipótese, segue que f g ∈ pD[x] e, pela discussão
acima, devemos ter ϕ(f g) = ϕ(f )ϕ(g) = 0, donde segue que ϕ(f ) = 0 ou ϕ(g) = 0 e, por
conseguinte, p divide c(f ) ou p divide c(g).
UF

Corolário 2.1.39. Se D é um d.f.u. e f, g ∈ D[x] são primitivos, então f g é primitivo.

Demonstração. Basta se convencer de que esta é a contrapositiva do lema anterior.

Observação 2.1.40. Secretamente, a argumentação do última lema nos permite concluir


que D[x]/pD[x] e D/hpi[x] são domı́nios isomorfos. Veja o Exercı́cio 2.40 para uma
generalização deste resultado. 4

Num linguajar mais próximo da nossa realidade escolar de outrora, o último corolário
garante que se os coeficientes dos polinômios f e g são coprimos, então os coeficientes
de f g também são. Veja que para f ..= 2 + 3x e g ..= 7x2 − 11 em Z[x], por exemplo,
temos f g = 21x3 + 14x2 − 33x − 22, com m. d. c. {21, 14, −33, −22} = 1. Esse tipo de
tradução pode ajudar o leitor a digerir com mais facilidade os dois próximos resultados,
que encerram a demonstração da delicada (e aguardada!) afirmação (Gii ).

Lema 2.1.41 (Distributividade do m. d. c.). Sejam D um domı́nio e considere elementos


α, β, γ ∈ D. Se existe m. d. c. {αγ, βγ}, então m. d. c. {α, β} existe e satisfaz a relação

γ · m. d. c. {α, β} = m. d. c. {αγ, βγ}.


2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 67

Demonstração. De modo geral, um elemento d ∈ D merece ser xingado de m. d. c. {x, y}


se para qualquer c ∈ D for válida a equivalência

c divide α e β ⇔ c divide d. (2.3)

De fato, se a equivalência é verdadeira, então tomando c ..= d resulta que d divide


α e β, enquanto o outro lado da implicação mostra que todo divisor comum de α e β
também divide d. Como a recı́proca é automaticamente verdadeira, a afirmação inicial
está provada. Agora, como γ divide αγ e βγ, segue que existe δ ∈ D satisfazendo a
identidade m. d. c. {αγ, βγ} = γδ. Nossa tese estará demonstrada se mostrarmos que
δ = m. d. c. {α, β}, tarefa deixada para o leitor13 .

Teorema 2.1.42. Sejam D um d.f.u. e K o corpo de frações de D.

1. Se f ∈ K[x] e f 6= 0, então existem c ∈ K e f ∗ ∈ D[x], com f ∗ primitivo, tais que


f = cf ∗ . Além disso, se f = dg, com d ∈ K e g ∈ D[x], com g primitivo, então
existe um elemento invertı́vel v ∈ D tal que d = cv e g = v −1 f ∗ .

2. Se f ∈ D[x] é irredutı́vel, então f ∈ K[x] é irredutı́vel em K[x].

3. Se f ∈ D[x] é irredutı́vel, então f é primo em D[x].


20
Demonstração. Para o item (1), note que se f = i≤n αβii xi , então para β ..= β0 . . . βn
P

temos f0 ..= βf ∈ D[x]. Daı́, fazendo α ..= c(f0 ), i.e., o m. d. c. dos coeficientes de f0 ,
20
α 1 β
resulta que c ..= e f ∗ ..= f0 = f nos dão a decomposição desejada. De fato, é
β α α
claro que c ∈ K e f ∗ ∈ D[x]. Para nos convencermos da primitividade de f ∗ , apelamos
ES

recursivamente para o lema anterior: se γ0 , . . . , γn ∈ D são os coeficientes de f ∗ , então


αγ0 , . . . , αγn são os coeficientes de f0 e, consequentemente,

α · c(f ∗ ) = α · m. d. c. {γ0 , . . . , γn } = m. d. c. {αγ0 , . . . , αγn } = c(f0 ) = α,


UF

mostrando que c(f ∗ ) é invertı́vel.


Para provar a segunda parte do item (1), sejam d ∈ K e g ∈ D[x] um polinômio
primitivo com cf ∗ = dg. Eliminando fatores comuns como no lema anterior, podemos
d a
escrever = , com a e b coprimos, i.e., com m. d. c. {a, b} invertı́vel. Logo, bf ∗ = ag,
c b
mostrando que b divide o conteúdo de g (por quê?!), que é invertı́vel, logo b é invertı́vel.
a
Analogamente, mostra-se que a é invertı́vel, donde segue que v ..= é um elemento
b
invertı́vel satisfazendo as igualdades desejadas.
Vamos provar item (2). Se f é redutı́vel em K[x], então existem dois polinômios não
constantes g, h ∈ K[x] tais que f = gh (pode ser útil ver o Exercı́cio 2.7). Sejam c, d ∈ K
tais que g = cg ∗ e h = dh∗ como no item anterior. Pelo Lema de Gauss14 , g ∗ h∗ é primitivo
em D[x]. Como f = cdg ∗ h∗ e f é primitivo (por ser irredutı́vel)15 , o item anterior nos dá
um elemento invertı́vel u ∈ D satisfazendo g ∗ h∗ = u−1 f , o que resulta numa decomposição
de f como produto de polinômios não constantes, contrariando sua irredutibilidade.
13
Dica: use (2.3).
14
Na verdade, devido ao seu corolário, que é equivalente ao lema por ser meramente sua versão con-
trapositiva.
15
Dica: veja a discussão do Exemplo 2.1.37.
68 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Provemos, enfim, o último item. Se f é constante, então f é um elemento irredutı́vel


de D, logo é primo. Se deg f > 0, então f é primitivo em D[x] (pelo Exemplo 2.1.37) e
primo em K[x] (pois é irredutı́vel em K[x] e este é um d.f.u.), fatos que usaremos para
concluir que f é primo em D[x]. Se f divide gh ∈ D[x], com ambos g, h ∈ D[x], então
f divide gh em K[x], o que nos permite supor, sem perda de generalidade, que existe
q ∈ K[x] com g = f q. Tudo estará terminado se mostrarmos que q ∈ D[x].
Como no item (1), sejam c, d ∈ K tais que g = cg ∗ e q = dq ∗ , com g ∗ , q ∗ ∈ D[x]
polinômios primitivos. Note que por g ∗ ser primitivo e g ∈ D[x], necessariamente temos
c ∈ D, pois do contrário g teria coeficientes fracionários fora de D. Por outro lado, o
Lema de Gauss nos diz que f q ∗ ∈ D[x] é primitivo. Pela unicidade discutida no item
(1), existe um elemento invertı́vel v ∈ D tal que d = cv, mas então d ∈ D, o que nos dá
q ∈ D[x], como querı́amos.

Observação 2.1.43. Fixado um polinômio não-constante f ∈ D[x], o item (2) do último


teorema mostrou que se f é irredutı́vel em D[x], então f é irredutı́vel em K[x] e, pela dis-
cussão do Exemplo 2.1.37, f é primitivo em D[x]. Por outro lado, em nossa demonstração
do item (3), secretamente mostramos que se f é irredutı́vel em K[x] e primitivo em D[x],
então f é irredutı́vel em D[x]. Logo, destilamos aı́ uma caracterização de irredutibilidade,
que frequentemente também é chamada de Lema de Gauss. 4

20
Teorema 2.1.44 (Gauss). Seja D um d.f.u.. Então um polinômio não-constante f ∈ D[x]
é irredutı́vel em D[x] se, e somente se, f é irredutı́vel em K[x] e primitivo em D[x].
20
Nossa última discussão encerrou o embate sobre a afirmação (Gii ). Vejamos, final-
mente, como aniquilar (Gi ).
ES

Teorema 2.1.45. Sejam D um d.f.u. e f ∈ D[x] um polinômio não-nulo. Se f não é


invertı́vel, então f admite uma decomposição em fatores irredutı́veis.

Demonstração. Procedemos por indução em deg f . Se deg f = 0, então f é uma constante,


UF

donde o resultado segue por D ser d.f.u.. Agora, se o resultado é válido para polinômios
com grau menor do que ou igual a n > 0 e deg f = n + 1, podemos escrever f = c(f )f ∗ ,
com f ∗ primitivo: basta proceder como no teorema anterior16 . Pelo caso base da indução,
c(f ) é invertı́vel ou um produto de irredutı́veis de D, de modo que se f ∗ for irredutı́vel
nossa demonstração acabou: a fatoração desejada está aı́. Por outro lado, se f ∗ não é
irredutı́vel, então f ∗ = gh, onde ambos g e h são polinômios não-nulos e não-invertı́veis
com grau menor do que ou igual n, posto que deg f = deg f ∗ (use o Exercı́cio 2.7).
Logo, pela hipótese de indução, ambos admitem fatorações por elementos irredutı́veis e,
consequentemente, f também admite.

Corolário 2.1.46. Sejam D um d.f.u. e n ∈ N. Então D[x0 , . . . , xn ] é d.f.u..

Demonstração. Indução.
Consequentemente, se K é um corpo, então K[x0 , . . . , xn ] é um d.f.u. para qualquer
n ∈ N, mas só é d.i.p. para n ..= 0, i.e., quando se tem K[x0 ]. Consequentemente, se f e g
são polinômios em finitas indeterminadas e coeficientes em K, então existe um polinômio
que faz o papel de m. d. c. {f, g}, posto que máximos divisores comuns sempre existem
em d.f.u..
16
Na prática, estamos deixando o fator c(f ), comum a todos os coefientes de f , em evidência.
2.1. POLINÔMIOS SOBRE DOMÍNIOS E CORPOS 69

Critérios de irredutibilidade
Embora tenhamos discutido aspectos gerais do comportamento dos elementos irredutı́veis
em anéis de polinômios, não abordamos o problema real que consiste em determinar se
um dado elemento é irredutı́vel ou não.
Se, por um lado, isto se resuma na simples checagem das condições de irredutibilidade,
por outro, não há razões para pensar que tal tarefa seja trivial na prática: por exemplo,
o número 123534571 é um primo de Z? Por isso, não surpreende que seja complicado
determinar, em geral, quando um polinômio é irredutı́vel. Naturalmente há casos triviais:

Proposição 2.1.47. Se K é um corpo e f ∈ K[x] tem grau 1, então f é irredutı́vel.

Demonstração. Dado f ..= αx + β ∈ K[x] com α 6= 0, temos f não invertı́vel pelo


Exercı́cio 2.4. Daı́, se g, h ∈ K[x] são tais que f = gh, então deg g+deg h = 1, acarretando
g ∈ K \ {0} ou h ∈ K \ {0}. Portanto, f é irredutı́vel.

Exemplo 2.1.48. Na peculiar situação de termos o corpo K algebricamente fechado, a


proposição acima caracteriza todos os polinômios irredutı́veis de K[x]. Dizemos que K é
algebricamente fechado se para todo f ∈ K[x]\K existe α ∈ K tal que f (α) = 0 ou, em
palavras, se todo polinômio não-constante tem uma raiz em K. O conjunto dos números
complexos é o principal exemplo de corpo algebricamente fechado17 , mas não é o único:

fechado.
20
no próximo capı́tulo veremos que todo corpo é subanel de algum corpo algebricamente

20
Quando K é o corpo de frações de um domı́nio de fatoração única D, podemos reciclar
as ideias utilizadas no Teorema de Gauss a fim de obter critérios que nos permitam garantir
que um dado polinômio é irredutı́vel18 . De fato, se f ∈ K[x] é um polinômio não-nulo,
ES

podemos escrevê-lo da forma f = αf ∗ , com α ∈ K \ {0} e f ∗ ∈ D[x] primitivo (item (1)


do Teorema 2.1.42), donde segue pelo Teorema 2.1.44 que f ∗ é irredutı́vel em D[x] se, e
somente se, f ∗ (e, portanto, f ) é irredutı́vel em K[x]. Isso já nos coloca diante de uma
UF

vantagem teórica já que, em certo sentido, D[x] tem menos elementos para testarmos a
irredutibilidade de f ∗ .

Exemplo 2.1.49. Como verificar a irredutibilidade do polinômio p ..= x4 − x2 + 1 em


Q[x]? Ora, como p é primitivo, sabemos que p é irredutı́vel em Q[x] se, e somente se, p é
irredutı́vel em Z[x]. Agora, em Z[x], observe que:

• se p tivesse um fator de grau 1, então terı́amos p = (x − a)g para algum a ∈ Z e


g ∈ Z[x], com g mônico, de modo que ao avaliarmos p em 0 resultaria 1 = −a · g(0),
donde concluirı́amos que 1 ou −1 é raiz de p, coisa que não ocorre;

• se p tivesse um fator de grau 3, então também teria um fator de grau 1, o que já
vimos não ser possı́vel;

• se p = f · g, onde ambos f, g ∈ Z[x] têm grau 2, chegarı́amos à conclusão de que


existe a ∈ Z com a2 = 3 ou a2 = −1, duas conclusões absurdas.
17
É o que afirma o famoso Teorema Fundamental da Álgebra, que não é fundamental e tampouco da
Álgebra. Discutiremos um pouco sobre ele na próxima subseção.
18
O que não exclui a possibilidade de que polinômios que não satisfaçam tais critérios ainda sejam
irredutı́veis.
70 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Logo, p deve ser irredutı́vel é Z[x] e, portanto, em Q[x]. Note que em todas as
argumentações acima, foi imprescindı́vel o fato de que os únicos elementos invertı́veis de
Z são −1 e 1. Isso mostra que as mesmas conclusões não seriam válidas se feitas com
relação à Q, e ajuda a ilustrar a vantagem de trabalharmos em D[x] em vez de K[x] a
fim de determinar a irredutibilidade de um polinômio. •
O exemplo acima também sugere algo que o leitor realista certamente suspeitava: o
processo de determinar irredutibilidade de um polinômio é, essencialmente, artesanal.
Apesar disso, há certos padrões que nos permitem garantir, sem grandes artifı́cios, a
irredutibilidade de polinômios. Um dos mais famosos se dá no próximo
Teorema 2.1.50 (Critério de Eisenstein). Sejam D um domı́nio e f ..= a0 + a1 x + . . . +
an xn ∈ D[x] um polinômio com grau n ≥ 1. Se existir um elemento primo p ∈ D tal que
• p não divide an ,

• p divide ai para cada i < n e

• p2 não divide a0 ,
então f não é produto de dois polinômios não-constantes em D[x]. Em particular, f é
irredutı́vel em K[x].
20
Demonstração. Procedemos por absurdo. Se existirem g, h ∈ D[x] não constantes, com
20
f = gh, podemos escrever

g ..= α0 + α1 x + . . . + αs xs , (2.4)
h ..= β0 + β1 x + . . . + βt xt , (2.5)
ES

onde s, t ≥ 1. Daı́, como a0 = α0 β0 e o elemento primo p divide a0 , segue que p divide a0


ou p divide b0 . Por outro lado, tais casos não podem ocorrer simultaneamente pois, se p
UF

dividisse ambos, então p2 dividiriam a0 . Logo, temos apenas um dos casos abaixo.

p | α0 e p - β0 ou p - α0 e p | β0 .

Vamos supor que ocorra o primeiro caso. Agora, note que por termos an = αs βt e
p - an , segue que p não divide tanto αs quanto βt . Em particular, isso mostra que o
conjunto {j ∈ N : p não divide αj } é não-vazio e, portanto, tem um menor elemento,
digamos u, o qual é necessariamente menor do que ou igual a s. Observe que por termos

au = αu β0 + αu−1 β1 + αu−1 β2 + . . . + α0 βu ,
| {z }
(∗)

a minimalidade de u garante que p divide cada um dos αi ’s em (∗). Ora, como p divide au
por hipótese, resultaria que p divide αu , contrariando a nossa escolha anterior de ı́ndice.
Portanto, o primeiro caso deve ser falso. Como o segundo caso também leva a uma
contradição do mesmo tipo, resulta que a decomposição assumida não pode existir, como
querı́amos.
Em particular, como os elementos não-invertı́veis de K[x] são polinômios não cons-
tantes, a conclusão acima mostra que f deve ser irredutı́vel em K[x].
Exemplo 2.1.51. O polinômio f ..= 10x11 + 6x3 + 6 é irredutı́vel em Q[x]. De fato, como
p ..= 3 é primo em D ..= Z e
2.2. ASSUNTOS IMPORTANTES (PARA ALGUÉM) 71

• 3 não divide a11 = 10,

• 3 divide 6 = a3 = a0 e bem como os demais coeficientes, todos nulos;

• 32 = 9 não divide 6,

o teorema anterior garante que f é irredutı́vel em Q[x]. Contudo, f não é irredutı́vel em


Z[x], posto que f = 2 · (5x11 + 3x3 + 3), com 2 não invertı́vel em Z. •

Outro truque eventualmente útil consiste em tomar um anel quociente adequado. Mais
precisamente, se A é um anel de I ⊆ A é um ideal, então podemos considerar o anel de
polinômios (A/I) [x], cujos elementos são polinômios na indeterminada x e coeficientes no
anel quociente A/I. Em particular, dado um polinômio f ..= a0 + . . . + an xn ∈ A[x], faz
sentido considerar o polinômio f ..= a0 + . . . + αn xn ∈ (A/I) [x], em diversas referências
chamado de polinômio reduzido de f . E daı́?

Proposição 2.1.52. Sejam D um domı́nio, I um ideal de D e f ∈ D[x] um polinômio


mônico. Se o polinômio reduzido f ∈ (D/I) [x] é irredutı́vel em (D/I)[x], então f é
irredutı́vel em D[x].

Demonstração. Se f = gh, com g, h ∈ D[x] mônicos e não-constantes, então deve-se ter


20
f = g · h, com g, h ∈ (D/I)[x] mônicos e não-constantes. Logo, f é redutı́vel.

Exemplo 2.1.53. O polinômio f ..= x3 − 15x2 + 10x − 83 ∈ Z[x] é irredutı́vel pois, em


20
Z/2Z obtemos f = x3 − x2 − 1, que é irredutı́vel: se não fosse, então f teria uma raiz em
Z/2Z, o que simplesmente não acontece. •

Observação 2.1.54. Note que a exigência por f ser mônico nos argumentos acima se
ES

faz por dois motivos: primeiro, o polinômio reduzido de um polinômio mônico é mônico
e, segundo, se um polinômio de grau 3 é redutı́vel, então a princı́pio sabemos apenas que
ele se fatora por um polinômio de grau 1, o qual poderia não ter raiz sem a monicidade 19 .
UF

Em último caso, podemos ainda apelar para a força bruta. Note que se f ..= x3 −
a2 x2 + a1 x + a0 é um polinômio em Z[x], então f é redutı́vel em Z[x] se, e somente se, f
tem uma raiz em Z. Ocorre que se γ ∈ Z é tal raiz, então deve ocorrer

γ 3 + a2 γ 2 + a1 γ = −a0 ,

ou seja, γ deve ser um divisor de a0 . Portanto, a fim de verificar se f é ou não redutı́vel,


basta avaliar os divisores de a0 a fim de saber se algum deles é um raiz do polinômio.

2.2 Assuntos importantes (para alguém)


Embora ainda tratemos de polinômios ao longo desta seção, os problemas que iremos
analisar a partir daqui tem um paladar menos geral e mais braçal (ou mundano), em
certo sentido. Veremos alguns critérios de irredutibilidade, algumas banalidades sobre os
números complexos, entre outros pormenores clássicos da parte da Álgebra Abstrata que
se preocupa com equações.
19
O polinômio 2x − 1 tem raiz em Z?
72 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

2.2.1 Raı́zes, multiplicidades e outras coisas


Fixado um anel A, já sabemos o que significa dizer que um elemento a ∈ A é raiz de um
polinômio f ∈ A[x]: explicitamente, se f ..= α0 + α1 x . . . + αn xn ∈ A[x], então

α0 + α1 a + . . . + αn an = 0A .

Alternativamente, como nos mostrou o Lema 1.3.9, a ∈ A é raiz de f ∈ A[x] se, e


somente se, o polinômio x − a divide f , ou seja, se existir q ∈ A[x] tal que f = (x − a)q.
Se estivéssemos no cenário em que a também é raiz de q, obterı́amos p ∈ A[x] tal que
q = (x − a)p e, consequentemente, terı́amos f = (x − a)2 p. Se a também dividisse p,
terı́amos...
Dado n ∈ N com n > 0, dizemos que um elemento a ∈ A é uma raiz de f ∈ A[x]
com multiplicidade n > 0 se o polinômio (x − a)n dividir o polinômio f mas (x − a)n+1
não dividir f . Em outras palavras, a multiplicidade de uma raiz de f é o maior número
natural n > 0 tal que (x − a)n divide f . Há ainda mais um modo de expressar a mesma
coisa.

Proposição 2.2.1. Sejam A um anel, f ∈ A[x] um polinômio e a ∈ A um elemento


qualquer. Então, para n ∈ N \ {0} são equivalentes:

1. a é uma raiz de f com multiplicidade n; 20


20
2. existe h ∈ A[x] tal que f = (x − a)n h tal que h(a) 6= 0.

Demonstração. É claro que (1) ⇒ (2). Para a recı́proca, supondo (2), devemos mostrar
que (x − a)n+1 não divide f . Ora, se dividisse, existiria p ∈ A[x] com f = (x − a)n+1 p.
ES

Disso, terı́amos (x − a)n (h − (x − a)p) = 0, o que acarretaria h = (x − a)p (por quê?)20 e,


consequentemente, terı́amos h(a) = 0, uma contradição.

Observação 2.2.2. Como o coeficiente lı́der de um polinômio da forma (x − a)n é in-


UF

variavelmente 1, resulta que não existem raı́zes com multiplicidade infinita21 , mesmo em
anéis que não são domı́nios (Exercı́cio 2.27). 4

Exemplo 2.2.3. Se D é um domı́nio e f ∈ D[x] é não-constante, então f admite no


máximo deg f raı́zes, como já destacado na Observação 1.3.11. Logo, se f tiver raı́zes em
D, digamos α0 , . . . , αn , então aplicações sucessivas da proposição anterior aliadas ao fato
de D[x] ser um domı́nio nos permitem escrever

f = (x − α0 )m0 · . . . · (x − αn )mn h,

onde mj é a multiplicidade da raiz αj e h ∈ D[x] é um polinômio sem raı́zes em D,


possivelmente constante. •

Assim, num primeiro momento estamos amaldiçoados a realizar divisões polinomiais


se quisermos determinar a multiplicidade de uma raiz, o que pode ser desgastante tanto
computacional quanto psicologicamente. Por sorte há um método alternativo para isso.
20
Veja os Exercı́cios 2.28 e 2.29.
21
Isto é, tal que (x − a)n divide f para todo n ∈ N com n > 0.
2.2. ASSUNTOS IMPORTANTES (PARA ALGUÉM) 73

Derivadas em Álgebra??!
Pois é... Dado um polinômio f ..= j≤n αj xj ∈ A[x], definimos sua derivada como sendo
P

o polinômio22 X
f 0 ..= jαj xj−1 = α1 + 2α2 x + . . . + nαn xn−1 ,
j≤n

onde um termo da forma jαj ∈ A deve ser interpretado como no Exercı́cio 1.31.

Observação 2.2.4. A fórmula acima é claramente baseada no comportamento das deri-


vadas de funções polinomiais reais no contexto do Cálculo Diferencial23 . Não surpreende,
portanto, que a correspondência ∂ : A[x] → A[x] que faz ∂f ..= f 0 tenha as seguintes
propriedades:

(i) ∂a = 0 para todo a ∈ A;

(ii) ∂(αf + βg) = α∂f + β∂g = αf 0 + βg 0 para quaisquer α, β ∈ A e f, g ∈ A[x];

(iii) ∂(f · g) = f ∂g + g∂f = f · g 0 + g · f 0 para quaisquer f, g ∈ A[x].

Devido à simplicidade das duas primeiras, provemos aqui apenas a última24 . Ora, se
f ..= i≤n ai xi e g ..= j≤m bj xj , então por um lado temos
P P

m+n
!0 m+n
20 ! m+n
!
20
X X X X X X
(f g)0 = ( ai bj )xl = l ai b j xl−1 = l ai b j xl−1 (2.6)
l=0 i+j=l l=0 i+j=l l=1 i+j=l

e, por outro lado25 ,


ES

 0  0    
X X X X X X X X
0 0 i j i i−1  j i j−1 
f g + fg =  ai x bj x + ai x  b j xj  =  iai x bj x + ai x  jbj x =
UF

i≤n j≤m i≤n j≤m i≤n j≤m i≤n j≤m


     
m+n
X X m+n
X X m+n
X X
l l
=  iai bj  x +  ai jbj  x =  (i + j)(ai bj ) xl =
l=0 i−1+j=l l=0 i+j−1=l l=0 i−1+j=l
   
m+n
X X m+n
X X
= (l + 1)  ai bj  xl = l ai bj  xl−1 ,
l=0 i+j=l+1 l=1 i+j=l

mas a última expressão na igualdade acima é justamente a soma exibida em (2.6). 4

Curiosamente, as raı́zes de um polinômio se relacionam com sua derivada, no seguinte


sentido.

Lema 2.2.5. Sejam A um anel, f ∈ A[x] um polinômio e a ∈ A. Então a é uma raiz de


f com multiplicidade 1 se, e somente se, f (a) = 0 e f 0 (a) 6= 0.
22
O leitor atento pode se incomodar com a definição, uma vez que ela pressupõe a existência de x−1 ,
que não existe em A[x] quando A 6= 0. Essa é apenas uma notação preguiçosa e inofensiva, dado que logo
após supor que x−1 existe, multiplicamos o mesmo por 0. O leitor que ainda se sentir incomodado por
X Xn
trocar “ ” por “ ”.
j≤n j=1
23
O leitor interessado em mais interdisciplinaridade vai se alegrar com o Exercı́cio 2.25.
24
O leitor honesto deve se convencer de que os itens (i) e (ii) são, de fato, simples.
25
Peço desculpas não sinceras pela alteração no tamanho da fonte.
74 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Demonstração. Se a é raiz de f com multiplicidade 1, então existe um polinômio g ∈ A[x]


com f = (x − a)g e g(a) 6= 0. Logo, f 0 = g + (x − a)g 0 e, consequentemente,

f 0 (a) = g(a) + (a − a)g 0 (a) = g(a) 6= 0.

Reciprocamente, se a é raiz de f com multiplicidade maior do que ou igual a 2, então


(x − a)2 divide f , o que nos dá um polinômio h ∈ A[x] com f = (x − a)2 h(x) e daı́

f 0 = ((x − a)2 )0 h + (x − a)2 h0 = 2(x − a)h + (x − a)2 h0 ,

donde segue que f 0 (a) = 0.


Em outras palavras, num anel A qualquer26 , podemos usar derivadas para detectar se
a raiz de um polinômio é múltipla27 ou não. Se o anel satisfizer outras imposições, então
um pouco mais pode ser dito.

Proposição 2.2.6. Sejam D um domı́nio, f ∈ D[x] um polinômio e d ∈ D um elemento


qualquer. Se D tem caracterı́stica 0 e n ∈ N com n > 0, então são equivalentes:

1. d é raiz de f com multiplicidade n;

20
2. f (j) (d) = 0 para todo j < n e f (n) (d) 6= 0, onde f (j) é a j-ésima derivada28 de f .

Demonstração. Vamos proceder por indução em n ∈ N \ {0}, de modo que o caso base
20
é precisamente o lema anterior. Agora, assumindo a equivalência verdadeira para n > 1,
mostraremos sua validade para n + 1.
Se d é raiz de f com multiplicidade n + 1, então existe um polinômio h ∈ D[x] com
f = (x − d)n+1 h e h(d) 6= 0. Logo,
ES

f 0 = (n + 1)(x − d)n h + (x − d)n+1 h0 = (x − d)n · ((n + 1)h + (x − d)h0 ) ,


UF

com (n + 1)h(d) + (d − d)h0 (d) = (n + 1)h(d) 6= 0 por termos h(d) 6= 0 e D ser um


domı́nio de caracterı́stica 0. Desse modo, d é uma raiz de f 0 com multiplicidade n, donde
a hipótese de indução nos diz que f 0 (d) = f 00 (d) = . . . = (f 0 )(n−1) (d) = 0 e (f 0 )(n) (d) 6= 0,
o que nos dá o desejado, posto que f (j+1) = (f 0 )(j) .
Reciprocamente, se d ∈ D é tal que f (d) = . . . = f (n) (d) = 0 e f (n+1) (d) 6= 0, devemos
concluir que d é raiz de f com multiplicidade n + 1. Ora, já temos f = (x − d)h para
algum h ∈ D[x] posto que d é raiz de f . Logo, f 0 = h + (x − d)h0 , f 00 = 2h0 + (x − d)h00
e, se f (j) = jh(j−1) + (x − d)h(j) , então

f (j+1) = jh(j) + h(j) + (x − d)h(j+1) = (j + 1)h(j) + (x − d)h(j+1) ,

mostrando que para todo m ∈ N deve valer

f (m+1) = (m + 1)h(m) + (x − d)h(m+1) . (2.7)

Agora, por termos f 0 (d) = . . . = (f 0 )n−1 (d) = 0 e (f 0 )(n) (d) 6= 0, a hipótese de indução
nos permite afirmar que d é raiz de f 0 com multiplicidade n. Note que se mostrarmos que
d também é raiz de h com multiplicidade n, a prova estará terminada.
26
Comutativo e com unidade, por favor, né...
27
Isto é, tem multiplicidade maior do que 1.
0
28
Mais precisamente: f (0) ..= f e, se f (j) estiver definido, então f (j+1) ..= f j .
2.2. ASSUNTOS IMPORTANTES (PARA ALGUÉM) 75

Por um lado a identidade (2.7) nos diz que (f 0 )(m) = (m + 1)h(m) + (x − d)h(m+1) para
qualquer m ∈ N. Por outro lado, a observação acerca de f 0 e d feita acima nos dá

0 = (j + 1)h(j) (d) + (d − d)h(j+1) (d) = (j + 1)h(j) (d)

para j < n e 0 6= (n+1)h(n) (d)+(d−d)h(n+1) (d) = (n+1)h(n) (d). Logo, as hipóteses sobre
D nos permitem concluir que d é raiz de h com multiplicidade n, como querı́amos.

Observação 2.2.7. O Exercı́cio 2.32 foi usado implı́cita e exaustivamente na última


demonstração, juntamente com o item (iii) da Observação 2.2.4. 4

Exemplo 2.2.8. As hipóteses da última proposição são imprescindı́veis a fim de garantir


a equivalência entre as afirmações (1) e (2). Para F ..= Z/2Z, por exemplo, o polinômio
f ..= (x − 1)2 tem 1 como raiz de multiplicidade 2, mas f 00 (1) = 0. Ainda assim, o leitor
curioso pode se divertir com o Exercı́cio 2.33. •

Exemplo 2.2.9 (Derivadas e mudanças de variável ). De modo geral, dados um anel


A e um elemento α ∈ A, ocasionalmente precisamos expressar um polinômio da forma
β0 + β1 x + . . . + βn xn como algo da forma γ0 + γ1 (x − α) + . . . + γn (x − α)n .
Isto é sempre possı́vel, pois

20
(i) a propriedade universal do anel de polinômios A[x] nos dá um único morfismo de
anéis ϕ : A[x] → A[x] tal que ϕ(x) = x − α, bem como um único morfismo de anéis
20
ψ : A[x] → A[x] tal que ψ(x) = x + α;

(ii) note que ψ ◦ ϕ(x) = x e ϕ ◦ ψ(x) = x;


ES

(iii) como IdA[x] : A[x] → A[x] deve ser o único morfismo de anéis que leva x em x,
resulta que ψ = ϕ−1 ,

(iv) em particular, por ϕ ser sobrejetora, existe g ..= j≤n γj xj tal que ϕ(g) = f ,
P
UF

i.e.,
f = γ0 + γ1 (x − α) + . . . + γn (x − α)n . (2.8)

Apesar disso, geralmente é uma tarefa não-trivial determinar, na prática, quem são os
coeficientes γj . No caso em que o anel é, na verdade, um corpo K com char (K) = 0, as
derivadas nos dão um algoritmo alternativo.
Avaliando f em α, segue de (2.8) que γ0 = f (α). Daı́, ao derivarmos as duas expressões
em (2.8), resulta que

f 0 = γ1 + 2γ2 (x − α) + . . . + nγn (x − α)n−1 , (2.9)

o que nos dá f 0 (α) = γ1 . Derivando (2.9), obtemos

f 00 = 2γ2 + 2 · 3γ3 (x − α) + . . . + (n − 1)n(x − α)n−2 , (2.10)

f 00 (α)
acarretando f 00 (α) = 2γ2 e, por K ser corpo, γ2 = . Ao procedermos dessa maneira
2
f (j) (α) X f (j) (α)
indutivamente, obteremos γj = e daı́ f = (x − α)j , chamada de ex-
j! j≤n
j!
pansão de Taylor do polinômio f em α. Note que sem impor char (K) = 0, poderı́amos
ter j! = 0 em K para algum j, o que não nos permitiria determinar γj . •
76 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Observação 2.2.10 (Derivadas nulas). Já que esta subseção se tornou um puxadinho
de Cálculo, pode ser interessante rever um fenômeno curioso das derivadas com épsilons
e deltas sob a luz da Álgebra. Lembremo-nos de que no Cálculo, a derivada de funções
constantes é nula, com a conveniente “recı́proca” de que uma função com derivada nula
num intervalo é constante no intervalo.
O mesmo fenômeno se verifica com a derivada de polinômios se a caracterı́stica do
domı́nio de coeficientes for 0, i.e., se char (D)
P = 0 e fj−1 ∈ D[x] satisfaz f 0 = 0, então f ∈ D.
De fato, se f = j≤n ai x , então f = j≤n jaj x , de modo que se ocorrer f 0 = 0,
i 0
P
então jaj = 0 para cada j ≤ n, donde a suposição sobre a caracterı́stica de D nos dá
j ∈ D \ {0} para cada j ∈ {1, . . . , n}, e a hipótese sobre D ser domı́nio acarreta aj = 0.
Logo, o único coeficiente possivelmente não-nulo de f é a0 e, portanto, f ∈ D.
Por outro lado, se char (D) 6= 0 é um número primo29 maior do que 0, digamos p ∈ N,
e f ∈ D[x] satisfaz f 0 = 0, então existe g ∈ D[x] tal que f = g(xp ). Mais precisamente,
n ∈ D tais que f = a0 +
existem a0 , . . . , aP a1 xp + a2 x2p + . . . + an xnp . A demonstração é
análoga: se f ..= j≤m bj xj , então f 0 = j≤m jbj xj−1 , donde a identidade f 0 = 0 aliada
P
às hipóteses sobre D nos permitem concluir apenas que os coeficientes bj com p 6 | j são
nulos. 4
Uma análise mais cuidadosa sobre a multiplicidade de raı́zes em polinômios com coefi-
cientes num corpo será feita em nosso breve estudo das extensões separáveis, no próximo
20
capı́tulo. Por ora, vamos nos demorar um pouco mais com os números complexos.
20
2.2.2 O corpo dos complexos e as raı́zes da unidade
Recordemo-nos de que o corpo dos números complexos C é composto pelos números
da forma a + bi, com a, b ∈ R e onde i é tal que i2 = −1. Formalmente, podemos pensar
ES

em C como sendo um modo de representar o anel quociente R[x]/hx2 + 1i.


De fato, note que:
• R[x]/hx2 + 1i é um corpo pois o polinômio x2 + 1 ∈ R[x] é irredutı́vel30 e, por R[x]
UF

ser um d.i.p., resulta que hx2 + 1i é maximal;


• em R[x]/hx2 + 1i devemos ter x2 + 1 = 0, i.e., x2 = −1;
• mais geralmente, ao fazermos a função R[x] → C que leva um polinômio f ∈ R[x]
em sua avaliação f (i) em i, obtemos um morfismo sobrejetor de anéis cujo núcleo é
precisamente hx2 +1i, donde o teorema do isomorfismo garante que C e R[x]/hx2 +1i
são isomorfos.
Na prática, o que o isomorfismo acima diz é que se optarmos por xingar o elemento x
de R[x]/hx2 + 1i com a letra “i”, obtemos algo idêntico a C.
Observação 2.2.11. Dado que classicamente a noção de número era atrelada à ideia
de magnitude de segmentos de reta, o advento dos números complexos não foi imediato
para os matemáticos que os perceberam31 . Essa é, possivelmente, uma das razões para
chamar números complexos também como números imaginários. É curioso como as duas
terminologias são infelizes: os elementos de C não são complexos e, na prática, são tão
reais quanto todos os outros. 4
29
Lembre-se de que a caracterı́stica de um domı́nio só pode ser nula ou um número primo positivo, em
virtude do Exercı́cio 1.64.
30
Por não ter raı́zes em R.
31
Ou inventaram?
2.2. ASSUNTOS IMPORTANTES (PARA ALGUÉM) 77

No sentido do que aponta a observação anterior, números complexos podem ser reali-
zados como pontos do plano R2 , por meio da correspondência óbvia
(a, b) 7→ a + bi.
Embora isso defina uma bijeção entre R2 e C, não devemos nos apressar e achar que
isso chega perto de ser um isomorfismo de anéis: embora a soma de um par (a, b) + (c, d)
em R2 seja levada no número complexo (a + c) + (b + d)i, a multiplicação não é respeitada,
posto que (0, 1) · (0, 1) = (0, 1) em R2 , enquanto i · i = −1. Isso já era esperado, uma vez
que C é um corpo e R2 não chega nem mesmo a ser um domı́nio.
Porém, dada a natureza amigável e intuitiva do plano cartesiano R2 , isso abre espaço
para a pergunta de como poderı́amos interpretar a multiplicação de números complexos
como algum tipo de operação entre vetores do R2 . Isso é feito brilhantemente pela repre-
sentação polar de um número complexo, que por sua vez é tremendamente simplificada
pela notação de Euler.

20
20
Figura 2.2: Diferentes formas de interpretar 1 + i.
ES

Ao considerarmos um número complexo z ..= a + bi√∈ C, seu correspondente no plano


2
R é o par ordenado (a, b). Se chamarmos por |z| ..= a2 + b2 a norma do vetor (a, b) e
por ϑ o ângulo determinado com o eixo horizontal, como exemplificado na figura acima,
UF

b a
então devem valer as identidades sen ϑ = , cos ϑ = e, consequentemente
|z| |z|
z = |z| · (cos ϑ + i · sen ϑ) , (2.11)
chamada de representação polar do número complexo z. Na expressão acima, o número
não-negativo |z| será chamado de norma de z, enquanto o ângulo ϑ é um argumento32
de z. O leitor não deve ter dificuldades para se convencer de que o número real |z| ≥ 0
que torna a identidade (2.11) é o único a fazer isso.
Agora, note que se z = |z| · (cos ϑ + i sen ϑ) e z 0 = |z|0 · (cos ρ + i sen ρ), então
z · z 0 = (|z| · (cos ϑ + i sen ϑ)) · (|z|0 · (cos ρ + i sen ρ)) =
= |z| · |z 0 | · (cos ϑ cos ρ − sen ϑ sen ρ + i(cos ϑ sen ρ + cos ρ sen ϑ)) = (2.12)
= |zz 0 | · (cos (ϑ + ρ) + i sen (ϑ + ρ)) ,
onde a última igualdade se deve ao fato de termos33 |z| · |z 0 | = |zz 0 | aliada às fórmulas
para o cosseno e seno da soma de ângulos quaisquer.
32
Como as funções cosseno e seno têm perı́odo 2π, é claro que se ϑ é um argumento de z, então ϑ + 2π
ainda é um argumento de z.
33
Não é difı́cil se convencer de que a identidade |z|2 = zz vale para qualquer z ∈ C, onde z denota
2
o conjugado de z. Logo, (|z||z 0 |) = zzz 0 z 0 = zz 0 zz 0 = |zz 0 |2 , donde segue |z||z 0 | = |zz 0 |. Lembre-se: a
conjugação de números complexos determina um isomorfismo de anéis C → C.
78 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Portanto, geometricamente, a multiplicação de dois números complexos corresponde


à multiplicação de suas normas e à soma de seus argumentos.
Exemplo 2.2.12. Os números complexos z ..= 1+i e z 0 ..= 1−i admitem as representações
polares
√  π π √   π  π 
z = 2 · cos + i sen e z 0 = 2 · cos − + i sen − .
4 4 4 4
Por sua vez, z · z 0 = (1 + i)(1 − i) = 1 − i2 = 2 e, de fato, temos
 π π   π π 
2 = 2 · cos − + i sen − .
4 4 4 4
π
Analogamente, o número complexo z 2 = (1 + i) = 2i tem norma 2 e argumento . O
2
leitor interessado em mais casos particulares não deve ter dificuldades em elaborar seus
próprios exemplos. •
Observação 2.2.13 (Fórmulas de de Moivre para potências). Em particular, para um
número complexo z ..= r·(cos ϑ+i sen ϑ), onde r, ϑ ∈ R com r ≥ 0, deve valer a identidade
z 2 = r2 · (cos 2ϑ + i sen 2ϑ) e, ao argumentarmos por indução, resulta que

20
z n = rn · (cos nϑ + i sen nϑ), (2.13)
20
para qualquer34 n ∈ N. A fórmula (2.13) costuma ser chamada de fórmula de de
Moivre, em referência ao matemático francês Abraham de Moivre35 . No Exercı́cio 2.36,
o leitor é convidado a demonstrar sua validade para qualquer n ∈ Z. 4
ES

Embora agora tenhamos intuição geométrica quanto à multiplicação de números com-


plexos, falta torná-la algebricamente prática. Para isso, note que, moralmente, a multi-
plicação de números complexos transforma a multiplicação de certas entidades em C na
UF

soma de outros em R, coisa que a exponenciação já faz na multiplicação de números reais:
ax ay = ax+y para quaisquer a > 0 e x, y ∈ R. Mais precisamente, para cada x ∈ R vamos
escrever
eix ..= cos x + i sen x, (2.14)
chamada de fórmula de Euler, onde e é o número de Euler que aprendemos a amar
nos cursos de Cálculo.
Observação 2.2.14 (Como se livrar da circularidade). Apesar de ser inofensivo ado-
tar (2.14) como uma definição36 neste curso, convém destacar algumas peculiaridades da
notação.
1. Formalmente, até agora sabemos apenas calcular ex para x ∈ R, de modo que a
expressão em (2.14) escapa de tal cenário, uma vez que ix ∈ C \ R para todo x 6= 0.

2. Ao tomarmos a definição explı́cita de ex como uma série ou como um limite, podemos


substituir as ocorrências de x ∈ R por ocorrências de z ∈ C e, em tal situação,
mostra-se que ez é, de fato, um número complexo. As justificativas para isso usam
ferramental leve de Análise Complexa e, portanto, escapam do escopo deste curso.
34
Note que para n ..= 0 temos r0 = 1 e 0θ = 0.
35
Portanto, o “de de Moivre” não foi um erro de digitação.
36
Ou mesmo uma abreviação.
2.2. ASSUNTOS IMPORTANTES (PARA ALGUÉM) 79

3. Uma vez convencidos de que faz sentido escrever ez para z ∈ C, podemos nos
perguntar sobre o que é eix para x ∈ R. Ora, por ser um número complexo legı́timo,
existem r ≥ 0 e ϑ ∈ R tais que eix = r · (cos ϑ + i sen ϑ). Note que como x ∈ R e
tanto r quanto ϑ dependem de x, faz sentido pensar em r e ϑ como funções reais
de x. Daı́, ao apelarmos mais uma vez para Análise Complexa, mostra-se que
dr dϑ
i · eix = (cos ϑ + i sen ϑ) + r · (− sen ϑ + i cos ϑ)
dx dx
e, ao substituirmos a expressão para eix acima e compararmos as partes reais e
dr dϑ
imaginárias, resulta que = 0 e = 1. Logo, r deve ser uma constante,
dx dx
enquanto ϑ é da forma x + C. Finalmente, como ei0 = 1, obtemos r = 0 e C = 0,
acarretando a identidade
eix = cos x + i sen x.

Em outras palavras, pode-se provar que a identidade (2.14) é consequência da extensão


natural da definição de exponenciação real para o cenário complexo – justamente o que
Euler fez37 . Contudo, como não vamos nos estender em considerações sobre Cálculo ou
Análise, o leitor não sofrerá prejuı́zos se pensar em (2.14) meramente como uma abre-
viação.
20
Assim, dado um número complexo z ∈ C, podemos expressá-lo como z = |z|eix para
4
20
algum x ∈ R. Em particular, para reix , seiy ∈ C com r, s, x, y ∈ R e rs ≥ 0, vale que

(reix )(seiy ) = rsei(x+y) ,


ES

com rs ≥ 0, o que por sua vez é apenas a identidade obtida em (2.12) reescrita com a
notação de Euler. Todo esse malabarismo tem consequências surpreendentes no estudo
dos polinômios da forma xn − 1 ∈ C[x], para n ∈ N com n > 0.
UF

Dizemos que um número complexo α ∈ C é uma raiz n-ésima da unidade se α é


raiz do polinômio xn − 1. Naturalmente, 1 é raiz n-ésima da unidade para todo n ∈ N
com n > 0, posto que 1n = 1 para qualquer n. Ocorre que com as fórmulas de de Moivre
e Euler, podemos explicitar todas as raı́zes complexas do polinômios xn − 1 de maneira
muito prática.
De fato, um número complexo z ..= reix , com r, x ∈ R e r ≥ 0, é raiz n-ésima da
unidade se, e somente se, ocorrer (reix )n = 1. Por um lado, temos |z| = r e daı́, se z n = 1,
então 0 6= |z|n = 1 e, consequentemente, |z| = r = 1. Por outro lado, por valer

(eix )n = (cos x + i sen x)n = cos nx + i sen nx = einx ,

resulta que reix é raiz da unidade se, e somente se, r = 1, cos nx = 1 e sen nx = 0.
Finalmente, como as condições cos ϑ = 1 e sen ϑ = 0 só são satisfeitas para ϑ = k · 2π
com k ∈ Z, provamos a maior parte da seguinte

Proposição 2.2.15. Fixado n ∈ N com n > 0, as raı́zes n-ésimas da unidade são da


2kπ
forma e n i para k ∈ Z. Em particular, xn − 1 tem precisamente n raı́zes em C, todas
distintas entre si.
37
Usando séries de potências de forma mais explı́cita.
80 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Demonstração. A argumentação acima já deve ter nos convencido quanto à forma das
2kπ
raı́zes n-ésimas da unidade: todas elas são da forma e n i para algum k ∈ Z e, reciproca-
mente, todo número complexo dessa forma é uma raiz n-ésima da unidade. Vamos tratar
então da quantidade de raı́zes.

Note que ω ..= e n i é uma raiz n-ésima da unidade tal que ω não é raiz de xm − 1 para
qualquer m < n: se ω fosse raiz de xm − 1, resultaria que m é múltiplo de n e, portanto,
m ≥ n. Agora, é claro que qualquer potência de ω também é raiz n-ésima da unidade. Em
particular, ω 0 = 1, ω, ω 2 , . . . , ω n−1 são raı́zes n-ésimas da unidade, que devem ser todas
distintas entre si: se ω j = ω k para 1 ≤ j < k < n, terı́amos ω k−j = 1, com 0 < k − j < n,
contrariando a minimalidade de n aferida acima. Daı́, como xn − 1 tem no máximo n
raı́zes, o resultado está provado.
2π 2(n−1)π
Geometricamente, as n raı́zes n-ésimas da unidade, a saber 1, e n i , . . . , e n i , cor-
respondem aos n vértices de um polı́gono regular inscrito na circunferência de raio 1,
centro na origem e um vértice no eixo horizontal, interpretação que inclusive ajuda a
2kπ
entender o comportamento cı́clico das raı́zes da forma e n i para k ≥ n. Em geral, dado
k ∈ Z, existem únicos q, r ∈ Z com 0 ≤ r < n tais que k = qn + r, donde segue que
2kπ 2qnπ 2rπ 2rπ 2rπ
i i i
e n =e n e n = (e2πi )q e n
i
=e n
i
,

posto que e2πi = 1. 20


Raı́zes da unidade desempenham um importante papel no estudo das extensões de
20
corpos e, por conseguinte, na Teoria de Galois, da qual nos aproximamos cada vez mais.
Na subseção de exercı́cios o leitor encontrará mais algumas propriedades das raı́zes da uni-
dade, antes de nosso próximo encontro com elas, ao estudarmos brevemente as extensões
ciclotômicas se chegarmos a isso.
ES

2.2.3 O que existe depois da fórmula de Bhaskara?


UF

Suponha que sejam dados um polinômio p ..= a0 +a1 x+. . .+an xn ∈ Q[x] e um matemático
do século XVIII ou anterior. Se ambos forem deixados simultaneamente na mesma sala,
então um deles tentará resolver o outro. Resolver, no caso do matemático, significa
encontrar um método ou fórmula que permita determinar as raı́zes do polinômio por
meio de seus coeficientes. Já para o polinômio, resolver o matemático significa assisti-lo
falhar quando n ≥ 5. Como assim?
Para n ≤ 2, a famigerada fórmula de Bhaskara 38 , terror dos alunos do Ensino Médio e
paixão dos concurseiros, determina que as raı́zes (possivelmente complexas) de ax2 +bx+c
são da forma √ √
−b + b2 − 4ac −b − b2 − 4ac
e ,
2a 2a
que admitem diversas deduções ao longo da história, algumas bastante recentes39 .
38
This represents Brazil more than soccer and samba: a expressão “fórmula de Bhaskara”, ou
“Bháskara”, parece ser algo difundido apenas no Brasil, o que é curioso, já que Bhaskara nada teve
a ver com a descoberta/invenção dessa fórmula. Por que esse hábito se difundiu no Brasil? Não sei, e
pretendo continuar assim.
39
Um modo bastante intuitivo foi desenvolvido em 2019, pelo matemático Po-Shen Loh. O artigo,
A Simple Proof of the Quadratic Formula, está disponı́vel no arXiv: https://arxiv.org/pdf/1910.
06709.pdf.
2.3. EXERCÍCIOS 81

Procedimentos análogos podem ser feitos para determinar raı́zes de polinômios de


graus 3 e 4 em termos dos coeficientes. Infelizmente, isso faz parte da ementa. O leitor
encontrará tudo o que precisa em Gonçalves [3], ou acessando o endereço na nota-de-
rodapé40 .

2.3 Exercı́cios
Irredutibilidade, invertibilidade e afins
A menos de menções explı́citas em contrário, A, D e K denotam, respectivamente, um
anel, um domı́nio e um corpo.
Exercı́cio 2.1. Sejam D um domı́nio e a, b ∈ D elementos quaisquer. Mostre que a e b
são associados se, e somente se, hai = hbi.
Exercı́cio 2.2. Sejam D um domı́nio e π, ρ ∈ D elementos quaisquer, com π 6= 0. Mostre
que se existe σ ∈ D tal que π = ρσ e hρi ⊆ hπi, então σ é invertı́vel.
Exercı́cio 2.3. Sejam D um domı́nio e r ∈ D com r 6= 0. Mostre que hri + hxi é um
ideal principal em D[x] se, e somente se, r é invertı́vel em D.
20
Dica. Se r for invertı́vel então é claro que hri + hxi é principal em D[x], pois hri = h1i.
Para a recı́proca, supondo p ∈ D[x] com hri + hxi = hpi, conclua que p ∈ D é invertı́vel
20
e, com isso, obtenha α ∈ D com αr = 1.
Exercı́cio 2.4. Mostre que se D é um domı́nio, então f ∈ D[x] é invertı́vel se, e somente
se, f ∈ D com f invertı́vel em D. É importante que D seja um domı́nio? Por quê?
ES

Exercı́cio 2.5. Todo ideal de Z[x] é principal. Verdadeiro ou falso?


Exercı́cio 2.6. Quem são os elementos irredutı́veis de Z?
UF

Exercı́cio 2.7. Dado um corpo K, mostre que f ∈ K[x] é irredutı́vel se, e somente se,
deg f ≥ 1 e não existem polinômios g, h ∈ K[x] com 0 < deg g, deg h < deg f tais que
f = gh. Dica: procure primeiro pelos invertı́veis de K[x].
Exercı́cio 2.8. Sejam K um corpo e f ∈ K[x] um polinômio irredutı́vel. Por que o anel
quociente K[x]/hf i é um corpo?
Exercı́cio 2.9. Vale a recı́proca no exercı́cio anterior?
Exercı́cio 2.10. Mostre que se K é um corpo e f ∈ k[x] é um polinômio com grau 2 ou
3, então f é irredutı́vel se, e somente se, f não admite raı́zes em k. O que ocorre para
deg f 6∈ {2, 3}?
Exercı́cio 2.11. Mostre que x1023914123 − 27x2 + 1 ∈ R[x] é redutı́vel. Dica: use Cálculo.
Exercı́cio 2.12. Pense rápido: se f ∈ K[x] \ K é um polinômio redutı́vel, então f tem
raiz em K?
Exercı́cio 2.13. Use os resultados provados no capı́tulo para demonstrar que as seguintes
afirmações, sobre um número p ∈ Z \ {0, 1} qualquer, são equivalentes:
40
https://drive.google.com/file/d/1ZEqV2eUdFa8kqcHerZkYO8AeQA8Sk2kn/view?usp=sharing
82 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

• os únicos divisores de p são ±p e ±1;

• para quaisquer a, b ∈ Z, se p|ab, então p|a ou p|b.

Exercı́cio 2.14. Sejam A um anel e a, b ∈ A elementos quaisquer. Mostre que d ∈ A é


um m. d. c. {a, b} se, e somente se, hdi é o menor ideal principal que contém ha, bi.

Exercı́cio 2.15. Com as mesmas notações do exercı́cio anterior, conclua que

• se a é invertı́vel, então m. d. c. {a, b} = 1, e

• se a = 0, então m. d. c. {a, b} = b.

Exercı́cio 2.16. O objetivo deste exercı́cio fútil é mostrar que f ..= x2 + y 2 − 1 ∈ K[x, y]
é irredutı́vel, qualquer que seja o corpo K com char (K) 6= 2.

a) Chamando Z ..= K[y], observe que Q ..= Frac (Z) é o anel cujos elementos são
p
frações da forma , com p, q ∈ Z ..= K[y] e q 6= 0. Isso nos permite trabalhar com
q
o polinômio f no anel Q[x]. Reflita sobre isso pelo tempo que precisar.

b) Note que como Q é um corpo e deg f = 2 em Q[x], f é irredutı́vel em Q[x] se, e


somente se, f não admite raı́zes em Q.
20
c) Mostre que f não admite raı́zes em Q. Dica: uma raiz r ∈ Q para f deve ser uma
20
p
fração da forma , com p, q ∈ Z ..= K[y] e q 6= 0, satisfazendo a identidade
q
 2
p
ES

+ y 2 − 1 = 0,
q

ou seja,√tal que p2 = (1 − y 2 ) · q 2 ; contudo, uma adaptação da demonstração clássica


UF

de que 2 6∈ Q nos permite concluir que tal identidade não pode ser satisfeita.

d) Observe que f é primitivo em Z[x] e então conclua que f é irredutı́vel em Z[x],


logo é irredutı́vel em K[x, y]. Dica: para a conclusão, use o Teorema 2.1.44.

Divisão em domı́nios
Exercı́cio 2.17. Sejam D um domı́nio euclidiano com grau ∂ e a, b ∈ D \ {0}.

a) Mostre que se a é invertı́vel, então ∂(b) = ∂(ba).

a) Mostre que se a não é invertı́vel, entaõ ∂(b) < ∂(ba).

Conclua que {a ∈ D : a é invertı́vel} = {a ∈ D : ∂(a) = 1}.

Exercı́cio 2.18. Sejam K um corpo e R ⊆ K[x] a coleção dos polinômios da forma


p = j≤n aj xj tais que a1 = 0. Mostre que R é um subanel de K[x] no qual os elementos
P

x5 e x6 são irredutı́veis e não admitem m. d. c..

Exercı́cio 2.19. Pense rápido: se D é um d.f.u. e A ⊆ D é um subanel, então A é d.f.u.?

Exercı́cio 2.20. Mostre que para a, b ∈ Z quaisquer existe um único d ≥ 0 tal que
d = m. d. c. {a, b}. Observe que existem inteiros x, y ∈ Z tais que d = xa + yb.
2.3. EXERCÍCIOS 83

Exercı́cio 2.21. Mostre que se K é um corpo e f, g ∈ K[x], então existe um único


polinômio mônico 41 d ∈ K[x] tal que d = m. d. c. {f, g}. Observe que existem polinômios
p, q ∈ K[x] tais que d = pf + qg.

Exercı́cio 2.22. Dizemos que D é um domı́nio de Bézout se todo ideal finitamente


gerado é principal, i.e., se para quaisquer n ∈ N e d0 , . . . , dn ∈ D, existe d ∈ D tal que
hd0 , . . . , dn i = hdi. Por sua vez, dizemos que D é um domı́nio de m.d.c. se m. d. c. {a, b}
existe para quaisquer elementos a, b ∈ D.

a) Mostre que D é um domı́nio de Bézout se, e somente se, para quaisquer a, b ∈ D


existem elementos x, y ∈ D tais que m. d. c. {a, b} = xa + yb.

b) Mostre que se D é um d.i.p., então D é um domı́nio de Bézout. Conclua que


domı́nios euclidianos são de Bézout.

c) Mostre que se K é um corpo, então K[x, y] não é um domı́nio de Bézout. Conclua


que existem d.f.u. que não são de Bézout.

d) Mostre que todo domı́nio de Bézout é um domı́nio de m. d. c. e observe que a


recı́proca é falsa.

20
Observação 2.3.1. A identidade m. d. c. {a, b} = xa + yb é frequentemente chamada de
identidade de Bézout, daı́ o nome dado aos domı́nios nos quais ela é satisfeita. 4
20
Exercı́cio 2.23. Mostre que se D é um domı́nio noetheriano42 em que todo elemento
irredutı́vel é primo, então D é d.f.u.. Dica: já fizemos isso.

Exercı́cio 2.24. Sejam K um corpo e f0 , f1 ∈ K[x] polinômios coprimos, i.e., tais que
ES

m. d. c.{f0 , f1 } = 1. Mostre que para todo f ∈ K[x] existem polinômios g0 , g1 ∈ K[x] tais
que f = g0 f0 + g1 f1 .
UF

Exercı́cio 2.25 (Frações parciais43 ). Sejam K um corpo, p, q ∈ K[x] polinômios e con-


sidere q0 , . . . , qt ∈ K[x] polinômios irredutı́veis tais que q = q0r0 · . . . · qtrt para certos
r0 , . . . , r0 ∈ N. Mostre que existem polinômios c0 , . . . , ct ∈ K[x] tais que
p X cj
= ,
q q rj
j≤t j

onde a última identidade é tomada em K(x), o corpo de frações de K[x]. Dica: use o
exercı́cio anterior e indução em t.

Exercı́cio 2.26. Decomponha o polinômio x4 − 5x2 + 6 como um produto de fatores


irredutı́veis em K[x], para as seguintes instâncias de K:

i) K = Q;

ii) K = Q[ 2];

iii) K = R.
41
Lembre-se que um polinômio é mônico se seu coeficiente lı́der é 1.
42
Relembre a definição na página 51.
43
Eu sou escravo da Constituição Federal e da Ementa da disciplina.
84 CAPÍTULO 2. TECNICALIDADES POLINOMIAIS

Raı́zes e multiplicidade
Exercı́cio 2.27. Sejam um anel A 6= 0 e um polinômio f ∈ A[x] \ A. Mostre que se a é
uma raiz de f , então existe n ∈ N com n > 0 tal que (x − a)n divide f mas (x − a)n+1
não divide f .

Exercı́cio 2.28 (Déjà vu do Exercı́cio 1.66). Sejam A um anel e p, q ∈ A[x] polinômios


não-nulos. Mostre que se p é mônico, então deg (p · q) = deg p + deg q. Conclua que
pq 6= 0. Por que as hipóteses são importantes?

Exercı́cio 2.29. Sejam A um anel, a ∈ A um elemento e n ∈ N\{0}. Mostre que (x−a)n


é um polinômio mônico.

Exercı́cio 2.30. Prove que a é raiz de (x − a)n com multiplicidade n.

Exercı́cio 2.31. Pense rápido: a função ∂ : A[x] → A[x] que faz ∂(f ) ..= f 0 para todo
f ∈ A[x], é um morfismo de anéis?

Exercı́cio 2.32. Dado um anel A e um elemento a ∈ A, mostre que para todo n ∈ N\{0}
deve valer ((x − a)n )0 = n · (x − a)n−1 .

20
Exercı́cio 2.33. Sejam D um domı́nio, f ∈ D[x] um polinômio não-constante, d ∈ D
um elemento e n ∈ N \ {0} um número natural. Mostre que se char (D) > n, então são
equivalentes:
20
• d é raiz de f com multiplicidade n;

• f (d) = . . . = f (n−1) (d) = 0 e f (n) (d) 6= 0.


ES

Exercı́cio 2.34. Sejam D um domı́nio e f, g ∈ D[x] polinômios com graus menores do


que ou iguais a n. Mostre que se o conjunto C(f, g) ..= {d ∈ D : f (d) = g(d)} tem
UF

cardinalidade maior do que n, então f = g.

Exercı́cio 2.35. Determine a0 , a1 , a2 , a3 ∈ Q de modo que se tenha

7 − 2x + 5x2 + 3x3 = a0 + a1 (x − 1) + a2 (x − 1)2 + a3 (x − 1)3 .

Complexidades nada complexas


Exercı́cio 2.36. Mostre que para ϑ ∈ R e n ∈ Z vale a identidade

(cos ϑ + i sen ϑ)n = cos nϑ + i sen nϑ,

conhecida como fórmula de de Moivre.



Exercı́cio 2.37. Seja ω ..= e n i . Mostre que 1 + ω + ω 2 + . . . + ω n−1 = 0.

Exercı́cio 2.38. Seja ω como no exercı́cio anterior. Determine o conjugado de ω k , para


k ∈ {0, 1, . . . , n − 1}.

Exercı́cio 2.39. Obtenha uma fatoração de x5 − 1 ∈ R[x] em polinômios reais e irre-


dutı́veis.
2.3. EXERCÍCIOS 85

Sortidos
Exercı́cio 2.40. Dados um anel A e um ideal I ⊆ A, mostre que (A/I) [x] é isomorfo ao
anel A[x]/I[x], onde I[x] é o ideal em A[x] gerado por I.
Exercı́cio 2.41. Reflita: por que a notação I[x], empregada acima, faz sentido?
Exercı́cio 2.42. Use o fato de Z ser um d.f.u. para obter um algoritmo capaz de deter-
minar se duas palavras quaisquer são anagramas44 .
Exercı́cio 2.43. Determine as raı́zes do polinômio x5 + 3x3 + x2 + 2x ∈ (Z/h5i) [x].
Exercı́cio 2.44. Dizemos que um corpo K é algebricamente fechado se todo polinômio
não-constante f ∈ K[x] admite pelo menos uma raiz em K.
i) Mostre que R não é algebricamente fechado.
ii) Mostre que se K é um corpo finito, então K não é algebricamente fechado.
Exercı́cio 2.45. Qual deveria ser a definição de anel algebricamente fechado? Mostre
que se A 6= 0 for um anel algebricamente fechado, então A é um corpo.
Exercı́cio 2.46. Se K é um corpo e a ∈ K \ {0}, mostre que o morfismo ψ : K[x] → K[x]
dado por ψ(p) ..= p(ax) é um isomorfismo de anéis. O que acontece se K for apenas um
domı́nio? 20
Exercı́cio 2.47. Sejam K um corpo e p ∈ K[x] \ K um polinômio irredutı́vel.
20
i) Mostre que se f ∈ K[x] é um polinômio não-nulo que divide p, então f ∈ K ou
p = α · f para algum α ∈ K.
ES

ii) Mostre que se f, g ∈ K[x] são tais que p divide f · g, então p divide f ou p divide g.
Você percebeu alguma relação dos itens anteriores com o fato de K[x] ser um d.f.u.?
Quais?
UF

Exercı́cio 2.48. Para um domı́nio D, descreva o corpo de frações de D[x].


Exercı́cio 2.49. Dados um d.f.u. D e K seu corpo de frações, mostre que se f, g ∈ D[x]
são coprimos (em D[x]), então f e g são coprimos em K[x].
Exercı́cio 2.50. Sejam K um corpo e f, g ∈ K[x, y] polinômios irredutı́veis que não são
múltiplos um do outro. Mostre que f e g não tem fatores em comuns em L[y], onde
L ..= K(x) é o corpo de frações de K[x].
Exercı́cio 2.51. Seja D um d.i.p.. Mostre que se P ( D é um ideal primo com P 6= h0i,
então P é maximal.

Localização e injetividade
Exercı́cio 2.52. Prove a propriedade universal do corpo de frações sem usar a caracte-
rização dos elementos do corpo de frações. Dica: use a propriedade universal do anel de
polinômios e do quociente.
Exercı́cio 2.53. [soon]
Exercı́cio 2.54. [soon]
44
Como bolo e lobo, por exemplo.
UF
ES
20
20
Capı́tulo 3

Yoga algébrica

Como o nome do capı́tulo sugere, nesta parte final do curso trataremos das extensões
de corpos. Embora, em certo sentido, a definição seja a mesma do contexto de anéis, a
aparentemente inócua existência de inversos multiplicativos facilita sobremaneira o estudo
das extensões de corpos em comparação com o que se faz no cenário de anéis.
Explicitamente, dados corpos K e L, dizemos que L é um extensão de K, o que
denotaremos daqui em diante por K/L, se K for um subcorpo de L. Em outras palavras,

20
K deve ser um subconjunto de L de tal forma que a inclusão i : K ,→ L seja um morfismo
de anéis. Já esbarramos com situações desse tipo ao longo do texto:
20
• as inclusões Q ( R ( C nos dão as extensões C/R, R/Q e C/Q;

• se K é um corpo, então K(x)/K, onde K(x) é o corpo de frações do domı́nio K[x].


ES

Porém, antes de começarmos a destrinchar as seções seguintes, convém observar uma


pergunta bastante pertinente: por que raios alguém estudaria extensões de corpos? Até o
capı́tulo anterior, por mais abstratas que fossem nossas considerações, ainda parecia haver
UF

algum contato com os esteriótipos do interesse matemático, como operações algébricas,


polinômios, raı́zes e coisas do tipo. Ocorre que extensões de corpos codificam, em certo
sentido, informações
√ sobre polinômios e raı́zes! Duvida? √
Considere Q[ 2] o subconjunto de R formado pelos elementos da forma a + b 2, com
a, b ∈ Q. O leitor que fez o Exercı́cio 1.34 deve se lembrar de que tal subconjunto√ é um
subanel de R. O que talvez nem todos tenham notado é que, na verdade, Q[ 2] é um
subcorpo de R. Isso pode ser aferido de pelo menos duas formas:

• no braço, i.e., tomando um inverso multiplicativo
√ de a + b 2 que existe em R e
mostrando que tal objeto pertence a Q[ 2];

• indiretamente, observando que


√ Q[x]
i) Q[ 2] é isomorfo ao quociente ,
hx2 − 2i
ii) o polinômio x2 − 2 ∈ Q[x] tem grau 2 e não tem raiz em Q sendo, portanto1 ,
irredutı́vel em Q[x],
iii) como Q é corpo, segue que Q[x] é d.i.p.e, pela Proposição 2.1.20, resulta que
hx2 − 2i é maximal,
1
Exercı́cio 2.10.

87
88 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Q[x]
iv) finalmente, a maximalidade obtida acima garante que 2 é corpo e, por
√ hx − 2i
conseguinte, Q[ 2] também deve ser.

A parte mais curiosa, porém, vem agora: ao tratarmos Q[ 2] como um Q-espaço veto-
rial, a descrição de seus elementos deixa evidente que ele deve ter dimensão 2, exatamente
o grau do polinômio √ x2 − 2. Será mesmo uma coincidência? √
Se tomarmos 3 2 ∈ R, então a função ψ : Q[x] → R que faz ψ(f ) ..= f ( 3 2) para cada
f ∈ Q[x] é um morfismo de anéis cujo núcleo é hx3 − 2i, novamente um ideal maximal
de Q[x], o que garante que im (ψ) é um subcorpo de R. Em particular, note que se
β ∈ im (ψ), então existem números racionais a, b, c ∈ Q tais que
√3

3 2
β =a+b 2+c 2 ,
n √ √ 2o
sugerindo que, talvez, 1, 3 2, 3 2 pode ser uma base para im (ψ) como Q-espaço veto-
rial2 . Veja como o número 3 foi recorrente neste parágrafo...
Por outro lado, se tomarmos um elemento γ ∈ R que não é raiz de qualquer polinômio
em Q[x], então o morfismo de anéis ϕ : Q[x] → R que faz ϕ(f ) ..= f (γ) para
√ cada f ∈ Q[x]
deve ter núcleo trivial, mostrando que o subanel im (ϕ), o análogo do Q[ 2] no primeiro

20
caso, não é subcorpo de R: se fosse, então h0i seria um ideal maximal de Q[x], coisa que
não ocorre. Coincidentemente, a dimensão de im (ϕ) como Q-espaço vetorial é infinita.
Os fenômenos acima não são frutos do acaso: o estudo das extensões de corpos que
20
faremos neste capı́tulo permitirá perceber como as questões tipicamente algébricas se
relacionam com as noções de caráter mais geométrico difundidas na Álgebra Linear.
Como bônus, ganham-se ferramentas adicionais para resolver problemas de várias na-
ES

turezas: desde problemas clássicos da Geometria grega até a impossibilidade da obtenção


de fórmulas algébricas para o cálculo de raı́zes de polinômios – e isso para citar apenas
as aplicações mais palpáveis.
UF

3.1 Algebricidade e transcendência


As duas principais definições desta seção já foram dadas, implicitamente, na introdução
do capı́tulo. Dada uma extensão de corpos L/K e um elemento α ∈ L, dizemos que α é
algébrico sobre K se existir um polinômio p ∈ K[x]\K tal que p(α) = 0. Caso contrário,
diremos que α é transcendente sobre K. Por sua vez, a própria extensão L/K é dita
algébrica se todo α ∈ L for algébrico sobre K – quando tal condição não é satisfeita,
dizemos que a extensão L/K é transcendente.

Exemplo 3.1.1. Numa extensão de corpos L/K, todo elemento de K é algébrico sobre
K. De fato, se k ∈ K, então k é raiz do polinômio x − k ∈ K[x]. •
√ √
Exemplo 3.1.2. Os números 2 e 3 2, ambos pertencentes a R, são algébricos sobre Q,
pois são raı́zes dos polinômios x2 − 2 e x3 − 2, respectivamente. Note que embora sejam
algébricos sobre Q, tais números são irracionais. •
2
Também pode ser interessante rever o Exercı́cio 1.35.
3.1. ALGEBRICIDADE E TRANSCENDÊNCIA 89

Observação 3.1.3. Em geral, é terrivelmente difı́cil mostrar que um número especı́fico


é transcendente: enquanto para garantir “algebricidade” basta exibir um polinômio que
tenha o número como raiz, demonstrar sua transcendência consiste em provar que não
existe polinômio que se anule no número em questão. Apesar disso, a argumentação
moderna que garante a existência de pelo menos um número transcendente faz uso de
noções simples sobre a cardinalidade de conjuntos infinitos.
Essencialmente, basta nos convencermos de que embora R e Q sejam infinitos, a in-
finitude de R é de uma grandeza superior à infinitude de Q. Por sua vez, isso decorre
de duas observações: i) N e Q estão em bijeção e ii) não existe função sobrejetora da
forma N → R. Sabendo disso, assumir a inexistência de números transcendentes levaria
à conclusão de que R e N estão em bijeção, o que não pode ocorrer. Infelizmente, uma
discussão mais aprofundada foge do escopo deste material. 4

Na próxima subseção, vamos generalizar a construção do subcorpo Q[ 2] feita ante-
riormente e ver qual o papel do grau do polinômio x2 − 2 nessa história toda.

3.1.1 Finitude = algebricidade


Dadas uma extensão de corpos L/K e um elemento α ∈ L, já sabemos que o morfismo de
anéis e : K[x] → L avalia cada polinômio p ∈ K[x] em L ao substituir as ocorrências da
20
indeterminada x no polinômio p por α, o que indicamos escrevendo p(α). Vamos chamar
por K[α] a imagem desse morfismo em L, i.e., e[K] ..= K[α].
20
Lema 3.1.4. Nas notações acima, K[α] é o menor subanel de L que contém K ∪ {α}.
Demonstração. O fato de K[α] ser um subanel segue da definição dada, já que a imagem
de um morfismo de anéis sempre é um subanel do codomı́nio/contradomı́nio da função.
ES

A inclusão K ⊆ K[α] segue pois se k ∈ K, então k ∈ K[x] como polinômio constante, e


daı́ e(k)
P = k(α) = k. Finalmente, se B ⊆ L é um subanel com K ∪ {α} ⊆ B, então para
. j
f .= j≤n γj x ∈ K[x] temos
UF

X
e(f ) ..= γj αj ∈ B,
j≤n

já que γj ∈ K ⊆ B e αj ∈ B para cada j ≤ n. Logo, K[α] ⊆ B, mostrando que tal


subanel é, de fato, o menor subanel de L que contém K ∪ {α}, como querı́amos.
Dizemos que o subanel K[α] acima é obtido por meio da adjunção de α ao corpo K.
Moralmente, a ideia é que ao “acrescentarmos” α ao corpo K, consideramos todas as
operações algébricas que podem ser realizadas entre α e os elementos de K.
Observação 3.1.5. De modo geral, como a interseção de subanéis é um subanel3 , dado
um subconjunto Γ ⊆ L, existe o menor subanel de L que contém K ∪ Γ, que também pode
ser interpretado como a imagem de um morfismo de anéis adequado4 . Dada a unicidade
em tal contexto, denota-se tal subanel por K[Γ].
De modo análogo, como a interseção de subcorpos é um subcorpo5 , também podemos
obter o menor subcorpo de L que contém K ∪ Γ, o qual costuma ser denotado por K(Γ),
em alusão à notação usual para o corpo de frações de K[x], denotado por K(x).
3
Exercı́cio 1.75.
4
Porém, se Γ for um subconjunto infinito de L, então devemos considerar o anel de polinômios com
infinitas indeterminadas indexadas por Γ e coeficientes em K.
5
Exercı́cio 3.6.
90 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Em particular, quando Γ é um subconjunto finito de L, digamos Γ ..= {α1 , . . . , αn },


escreve-se K[α1 , . . . , αn ] e K(α1 , . . . , αn ) em vez de K[Γ] e K(Γ). 4

Nessa altura do campeonato, o leitor não deve ter grandes dificuldades para se con-
f (α)
vencer de que, explicitamente, os elementos de K(α) são frações em L da forma ,
g(α)
onde f, g ∈ K[x] e g(α) 6= 0. Nesse contexto, uma pergunta pertinente que talvez torture
a consciência do leitor atento é a seguinte: é possı́vel que ocorra K[α] = K(α)? A res-
posta para essa pergunta também revela a relação entre a discussão acima e as noções de
algebricidade e transcendência que definimos anteriormente.

Teorema 3.1.6. Sejam L/K uma extensão de corpos e α ∈ L um elemento qualquer.


São equivalentes:

1. α é algébrico sobre K;

2. K[α] = K(α), i.e., K[α] é um corpo;

3. dimK K[α] é finita.

Faremos a prova do teorema acima com bastante cuidado e em várias etapas.

do que convencidos de que o anel quociente


20
Demonstração de que (1) ⇒ (2). Nessa altura do campeonato, já devemos estar mais
K[x]
e o anel K[α] são isomorfos, onde
20
ker e
e : K[x] → L é o morfismo de avaliação f 7→ f (α). Como K[α] é um domı́nio (por ser
subanel do corpo L)6 , a Proposição 1.2.7 garante que o ideal ker e é primo de K[x]. Daı́,
se α for algébrico sobre K, então ker e é um ideal primo não-trivial de K[x] e, por K[x]
ES

ser um d.i.p., resulta que ker e é maximal. Consequentemente, K[α] é um corpo.

Observação 3.1.7 (O polinômio minimal). Ainda na demonstração acima, observe que


UF

por K[x] ser d.i.p., existe um polinômio p ∈ ker e satisfazendo ker e = hpi. No caso
em que α é algébrico sobre K, resulta que p é um polinômio não-constante (por quê?!),
digamos p ..= a0 + . . . + an xn com an 6= 0. Logo, q ..= a−1
n p é um polinômio não-constante,
mônico, irredutı́vel e tal que q(α) = 0. Por ser único (Exercı́cio 3.2), o polinômio q
costuma receber um xingamento especial: q é o polinômio minimal de α sobre K,
explicitamente o polinômio mônico de menor grau que tem α como raiz. Vamos denotá-lo
simplesmente por mα quando não houver risco de confusão. 4

Demonstração de que (2) ⇒ (1). Se K[α] é um corpo, então o núcleo do morfismo de


avaliação e : K[x] → L não pode ser trivial, pois do contrário concluirı́amos que K[x] é
um corpo. Logo, existe p ∈ K[x] \ K com p ∈ ker e. Portanto, α é algébrico sobre K,
como querı́amos.
Na demonstração de que (2) ⇒ (3), veremos que a dimensão do K-espaço vetorial
K[α] é precisamente o grau do polinômio minimal de α. Para isso, convém recordarmos
alguns fatos elementares de Álgebra Linear Abstrata.

Observação 3.1.8 (Reminiscências lineares). Dado um corpo K, um conjunto V é cha-


mado de K-espaço vetorial (ou espaço vetorial sobre K) se V for munido de uma
operação + : V × V → V e uma multiplicação · : K × V → V tais que
6
Exercı́cio 3.7.
3.1. ALGEBRICIDADE E TRANSCENDÊNCIA 91

• a operação + é comutativa, associativa, tem elemento neutro (denotado por 0V ) e


todo v ∈ V admite um inverso aditivo, denotado por −v,
• a multiplicação é tal que 1K v = v para todo v e
• para quaisquer α, β ∈ K e u, v ∈ V valem as identidades
α · (β · v) = (αβ) · v (3.1)
α · (u + v) = (α · u) + (β · v) (3.2)
(α + β) · v = (α · v) + (β · v) (3.3)

Tais objetos costumam ser os protagonistas dos cursos de Álgebra Linear7 , geralmente
para K = R ou K = C. Para este curso, precisamos nos lembrar da noção de base.
Primeiro, dizemos que S ⊆ V é um subespaço vetorial se a restrição das operações
de V fazem de S um K-espaço vetorial tal que 0V ∈ S. Como no caso de ideais, a
interseção de subespaços vetoriais é um subespaço vetorial e, de modo análogo, podemos
definir o subespaço gerado por um subconjunto G ⊆ V , que denotamos por hGi, como
a interseção de todos os subespaços de V que contêm G. Quando G 6= ∅, resulta que hGi
é a coleção de todas as combinações K-lineares de elementos de G.
Agora, um subconjunto B ⊆ V é uma base para V se
• B for um gerador para V , i.e., hBi = V e, 20
• B for linearmente independente, abreviado como l.i., o que por sua vez significa
20
que para qualquer número finito de elementos de B, digamos b0 , . . . , bn ∈ B, uma
combinação linear do tipo α0 b0 + . . . + αn bn = 0V só por possı́vel para α0 = α1 =
. . . = αn = 0.
ES

Até aqui, tudo isso poderia ser definido se K, em vez de corpo, fosse simplesmente um
anel, situação em que a expressão “espaço vetorial” costuma ser substituı́da por módulo:
moralmente, um A-módulo8 é um espaço vetorial sobre o anel A. Mesmo neste cenário
UF

mais geral, pode-se provar o seguinte


Teorema 3.1.9. Se B e C são duas bases de um A-módulo M , então B e C têm a mesma
cardinalidade.
O belı́ssimo teorema acima, cuja prova foge do escopo deste material, esconde um
detalhe muito importante sobre módulos sobre anéis: nem todo módulo tem base. É
justamente aı́ que os corpos e seus espaços vetoriais mostram sua “superioridade”.
Teorema 3.1.10. Se V é um K-espaço vetorial, então V tem base.
Demonstração. A prova deste teorema também foge do escopo deste material, mas eu não
ligo9 . Se V = {0V }, então ∅ é uma base para V . Se V 6= {0V }, então podemos considerar
o conjunto P ..= {C ⊆ V : C é l.i.}, não-vazio pois {v} é l.i. em V qualquer que seja
v ∈ V \ {0V }, parcialmente ordenado pela inclusão. Como toda cadeia C em P é limitada
superiormente por C , segue que existe B ∈ P maximal, o qual é necessariamente uma
S
base de V : se v ∈ V \ hBi, então o fato de K ser corpo permite mostrar que B ∪ {v} é
l.i., o que contraria a maximalidade de B. Como B já é l.i. por pertencer a P, resulta que
B é uma base de V . Os detalhes ficam a cargo do leitor engajado.
7
Juntamente com os morfismos de espaços vetoriais, lá chamados de transformações lineares.
8
Não confunda com a função | · | : R → [0, +∞): esta associa cada número real x ao seu valor absoluto
|x| ..= max{−x, x}.
9
O leitor interessado em detalhes sobre o Lema de Zorn deve consultar a Seção 4.2 do Capı́tulo 4.
92 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Os dois últimos teoremas permitem a definição da dimensão de um K-espaço vetorial.


Explicitamente, a dimensão de V como K-espaço vetorial, denotada por dimK V , é a
cardinalidade10 de qualquer base do K-espaço vetorial V . Note que enquanto o Teorema
3.1.10 garante que pelo menos uma base existe, o Teorema 3.1.9 assegura que quaisquer
duas bases devem ter a mesma cardinalidade, tornando assim o número dimK V bem
definido. O que isso tudo tem a ver com Álgebra? Tudo. 4

Dada uma extensão de corpos L/K, o corpo “maior” L pode ser visto como um K-
espaço vetorial de modo muito natural: para k ∈ K e v ∈ L, a multiplicação do “escalar”
k pelo “vetor” v é simplesmente o resultado da multiplicação k · v quando ambos são
vistos como elementos de L. Não é tão complicado quanto parece: por exemplo, o corpo
dos números reais R é um subcorpo dos números complexos C, e podemos tratar C como
R-espaço vetorial ao declararmos

r · (a + bi) ..= ra + rbi ∈ C,

exatamente o mesmo resultado da multiplicação de r e a+bi enquanto números complexos.


Parece fácil pois é fácil.
De volta ao cenário de uma extensão de corpos L/K qualquer, para α ∈ L fixado,
o subanel K[α] ⊆ L é um subespaço vetorial de L pois, se u, v ∈ K[α], então existem
20
f, g ∈ K[x] tais que f (α) = u, g(α) = v, donde segue que para quaisquer a, b ∈ K deve
ocorrer au + bv ∈ K[α], pois
20
(af + bg)(α) = af (α) + bg(α) = au + bv.

Logo, em virtude do que discutimos na última observação, existe o cardinal dimK K[α],
ES

que pode ser finito ou infinito.


Demonstração de que (2) ⇒ (3). Como já sabemos que (1) e (2) são equivalentes, basta
mostrar que (1) ⇒ (3). Ora, se α é algébrico sobre K, então o polinômio minimal
UF

K[x]
de α, digamos f ..= xn + j<n αj xj , é irredutı́vel e K[α] '
P
. Daı́, basta notar que
hf i
K[x]
{1, x, . . . , xn−1 } é uma base para . Os Exercı́cios 3.4 e 3.5 tratam dos detalhes11 .
hf i
Finalmente, resta apenas nos convencermos de que (3) ⇒ (1). Um modo inusitado de
fazer isso depende do seguinte lema, cuja prova é o conteúdo do Exercı́cio 3.3.

Lema 3.1.11. Sejam F um corpo e D um domı́nio que contém F como subanel. Se


dimF D é finita, então D é um corpo.

Demonstração de que (3) ⇒ (1). Como (1) e (2) são equivalentes, basta mostrarmos que
(3) ⇒ (2). Como isso é imediato em vista do lema anterior, a demonstração está encer-
rada.
10
Há quem escreva “dimK V = ∞” para indicar que a dimensão do espaço não é finita. Contudo, isso
não é muito adequado, posto que o sı́mbolo “∞” costuma estar atrelado à noção de “ilimitação”, mais
comum aos contextos em que existe uma noção de medida contı́nua. Existem notações próprias para as
infindáveis cardinalidades infinitas. De qualquer forma, o leitor é livre para abusar das notações como
todo bom algebrista.
11
Alternativamente, ou nem tanto: use o algoritmo da divisão de polinômios para mostrar que
{1, α, . . . , αn−1 } é uma base para K[α] sem apelar para quocientes.
3.1. ALGEBRICIDADE E TRANSCENDÊNCIA 93

Corolário 3.1.12. Seja L/K uma extensão de corpos. Se a dimensão de L com oK-
espaço vetorial for finita, então L/K é uma extensão algébrica.
Demonstração. De fato, como K[α] é subespaço vetorial de L e o último tem dimensão
finita, segue que K[α] tem dimensão finita e, portanto, α é algébrico sobre K.
Exemplo 3.1.13. A extensão C/R é finita, pois {1, i} é uma base para C como R-espaço
vetorial. Consequentemente, todo número complexo é raiz de algum polinômio real. •
Em geral, escrevemos [L : K] para indicar a dimensão do corpo L como K-espaço
vetorial e, nesse contexto, chamamos o cardinal [L : K] de grau da extensão. Quando
[L : K] é um cardinal finito, dizemos que a extensão L/K é finita. Logo, como subespaços
vetoriais de espaços com dimensão finita têm dimensão finita, o último teorema nos dá o
Corolário 3.1.14. Toda extensão de corpos finita é algébrica.
Observação 3.1.15. Há um modo mais direto de se convencer da validade do último
corolário. Sejam L/K um extensão finita, α ∈ L qualquer e B ⊆ L uma base de L como
K-espaço vetorial, cuja cardinalidade é um número natural n > 0. Se α ∈ K não há o que
provar. Se α 6∈ K, então podemos assumir que {1, α, . . . , αn } tem cardinalidade n + 1:
se αj = αj+i para i > 0, então αj (αi − 1) = 0 e, por conseguinte, α é raiz do polinômio
xi − 1 ∈ K[x], como querı́amos. Agora, se 1, α, . . . , αn são dois a dois distintos, então
20
necessariamente eles formam um conjunto linearmente dependente Pn em L,j donde segue que
existem constantes γ0 , . . . , γn ∈ K não todas nulas tais que j=0 γj α = 0, mostrando
20
que α é raiz do polinômio nj=0 γj xj . Reflita: esse argumento funcionaria no contexto de
P
anéis? 4
A recı́proca do último corolário é falsa, i.e., existem extensões algébricas L/K tais que
ES

dimK L > n para qualquer n ∈ N. Porém, para trabalhar com elas ou mesmo exibi-las,
os ferramentais necessários costumam ser bem mais delicados. Uma das razões para essa
dificuldade está escondida no próximo teorema, cuja prova depende da
UF

Proposição 3.1.16. Se M/L e L/K são extensões de corpos, então


dimK M = dimL M · dimK L.
Demonstração. Basta mostrar que se B é uma base de M como L-espaço vetorial e C é
uma base de L como K-espaço vetorial, então D ..= {b · c : (b, c) ∈ B × C} é uma base
de M como K-espaço vetorial que satisfaz |D| = |B × C|. Os detalhes ficam a cargo do
leitor cético.
Teorema 3.1.17. Seja L/K uma extensão de corpos. São equivalentes:
1. L/K é uma extensão finita;
2. existem α1 , . . . , αn ∈ L algébricos sobre K, para algum número natural n ∈ N, tais
que L = K[α1 , . . . , αn ].
Demonstração.12 Primeiro, note que em geral, se α1 , . . . , αn ∈ L e considerarmos o
morfismo de avaliação evα~ : K[x1 , . . . , xn ] → L que faz evα~ (f ) = f (α1 , . . . , αn ) para
cada f ∈ K[x1 , . . . , xn ], então K[α1 , . . . , αn ] é a imagem de evα~ . Além disso, como
K[x1 , . . . , xn ] = (K[x1 , . . . , xn−1 ])[xn ], resulta que K[α1 , . . . , αn ] = (K[α1 , . . . , αn−1 ])[αn ]
(por quê?!).
12
Adaptada do Corolário 12.29, do livro Steps in Commutative Algebra [9], de Rodney Sharp.
94 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Agora, se B = {b1 , . . . , bn } é base de L, então é claro que ev~b : K[x1 , . . . , xn ] → L é


sobrejetora, i.e., L = K[b1 , . . . , bn ], com b1 , . . . , bn ∈ E algébricos sobre K em virtude da
finitude da extensão L/K.
Fazemos a recı́proca por indução. Se existe α ∈ L/K algébrico tal que L = K[α],
então [L : K] = deg f , onde f é o polinômio minimal de f , como vimos na caracterização
anterior. Supondo o resultado válido para n > 1, suponha que L/K seja uma extensão
de K tal que existam α1 , . . . , αn+1 ∈ E algébricos sobre K com L = K[α1 , . . . , αn+1 ]. Da
hipótese de indução, vemos que K̃ = K[α1 , . . . , αn ] é subcorpo de L, com αn+1 algébrico
sobre K̃, donde segue que K̃[αn+1 ] = L tem dimensão finita como K̃-espaço vetorial.
Mas, pela Proposição 3.1.16, temos

[L : K] = [L : K[α1 , . . . , αn ]] · [K[α1 , . . . , αn ] : K],

e, novamente pela hipótese de indução, [K[α1 , . . . , αn ] : K] é finito.


Assim, não é possı́vel obter uma extensão algébrica infinita por meio da adjunção de
finitos elementos algébricos, já que toda extensão finita L/K é da forma K[α1 , . . . , αn ]
para certos α1 , . . . , αn ∈ L algébricos sobre K. Ocorre que eventualmente isso pode ser
melhorado.

já que √
Q[ 3] também
√ é√uma extensão

20
Exemplo√3.1.18. Já sabemos que Q[ 2] é uma extensão de Q com grau 2. Analoga-
mente, √ de Q com grau 2. As duas extensões são distintas,
2 6∈ Q[ 3]√e 3 6∈ Q[ 2]: se a primeira pertinência √ ocorresse, por exemplo,
20
2 2
terı́amos 2 = a + b√3 para certos a, b ∈ Q, e daı́ √ 2= √ a + 2ab 3 + 3b , o que acarretaria
na racionalidade
√ √ de 3. Por outro lado, como 2 e 3 são algébricos sobre Q, segue que
.
L = Q[ 2, 3] é um subcorpo de R que contém Q.
.
ES

Apesar disso, podemos √ √ L como uma extensão da forma Q[γ] para um γ ∈ L


expressar
adequado! De fato, .
√ γ√.= 2 + 3 faz o trabalho sujo (Exercı́cio 3.8). Em particular,
isso mostra que 2 + 3 não é raiz de qualquer polinômio com coeficientes racionais com
UF

grau menor do que 4, já que [L : Q] = 4 (por quê?)13 . •

Embora o fenômeno acima não seja válido para toda extensão finita, ela vale para
uma classe de extensões que engloba as extensões finitas dos racionais, tópico abordado
na próxima seção deste capı́tulo. Porém, antes disso convém abordar rapidamente (e em
caráter opcional) a existência dos chamados fechos algébricos, o que fazemos na próxima
subseção.

Observação 3.1.19. Embora extensões transcendentes não sejam o foco de um primeiro


curso de Álgebra, a discussões anteriores mostram que se α ∈ L é transcendente sobre
K, então L/K é uma extensão infinita. Em particular, neste caso, o anel K[α] não será
um corpo pois será isomorfo ao anel K[x], o qual tem dimensão infinita sobre K, já que
o conjunto infinito {xn : n ∈ N} linearmente independente em K[x]. 4

3.1.2 Opcional: o fecho algébrico


Nesta subseção opcional14 , provaremos que todo corpo está contido num corpo algebrica-
mente fechado o que, entre outras coisas, permite definir a noção de fecho algébrico.
13
Dica: use a Proposição 3.1.16.
14
Fortemente adaptada de [6].
3.1. ALGEBRICIDADE E TRANSCENDÊNCIA 95

Ao nos depararmos com um certo corpo K, pode ser o caso de que exista um polinômio
p ∈ K[x] \ K sem raı́zes em K. Por exemplo, o polinômio x(x + 1) + 1 ∈ F2 [x] não admite
raı́zes em F2 : basta verificar com os únicos elementos de F2 , que são 0 e 1. Esse tipo de
situação sugere que busquemos uma extensão L/K na qual o polinômio p ∈ K[x] ⊆ L[x]
admita uma raiz. Mas poderia ser o caso de que nessa nova extensão, existisse um
polinômio q ∈ L[x] \ L sem raı́zes, de modo que o problema se repetiria.
Dizemos que L é um corpo algebricamente fechado se todo polinômio não-constante
p ∈ L[x] admite pelo menos uma raiz em L. Naturalmente, por meio do algoritmo da
divisão de polinômios, é fácil ver que L é algebricamente fechado se, e somente se, todo
polinômio não-constante tem todas as raı́zes possı́veis 15 em L. Agora, podemos nos
perguntar com mais precisão: dado um corpo K, existe uma extensão L/K com L alge-
bricamente fechado?
A resposta é um sonoro SIM e, como se não bastasse, a argumentação segue um roteiro
natural:
i. prova-se que existe uma extensão K 0 de K tal que todo polinômio f ∈ K[x] \ K tem
(pelo menos) uma raiz em K 0 ;

(L0 )0 e, mais geralmente,


ii. por meio da etapa anterior, consideramos L0 ..= K, L1 = S
. 0 .
Ln+1 .= (Ln ) para cada n ∈ N, para daı́ definirmos L .= n∈N Ln ;
20
iii. como Ln+1 estende Ln para cada n ∈ ω, resulta que L é, de fato, um corpo que
contém K;
20
iv. finalmente, se p ∈ L[x], então existe n ∈ N tal que p ∈ Ln [x] e, pelo modo como
tomamos os corpos intermediários, segue que p tem pelo menos uma raiz em Ln+1
ES

e, por conseguinte, em L.
O leitor atento deve ter notado que, a menos do primeiro passo, o roteiro acima é
quase trivial. O único problema para executá-lo se encontra, precisamente, no passo
UF

inicial. Assumindo a existência de um corpo algebricamente fechado L que contém K,


podemos construir o subcorpo

K ..= {α ∈ L : α é algébrico sobre K},

que recebe o nome de fecho algébrico de K. Em certo sentido, o fecho algébrico K


é o menor corpo algebricamente fechado que estende K algebricamente – mas não num
sentido canônico 16 . Porém, nem sequer parece óbvio que K seja um corpo!
Proposição 3.1.20. Se M/L e L/K são extensões de corpos, então M/K é algébrica se,
e somente se, M/L e L/K são algébricas.
Demonstração. É claro que se M/K é algébrica, então M/L e L/K são algébricas (pense
a respeito!). Reciprocamente, se α ∈ M , então existem λ0 , . . . , λn ∈ L tais que
X
αn+1 + λi αi = 0.
i≤n

15
No sentido de que tem tantas raı́zes quanto o seu grau permite. Isso não exclui a possibilidade de
que existam raı́zes repetidas.
16
Pode-se provar que dois corpos isomorfos têm fechos algébricos isomorfos. No entanto, o isomorfismo
entre os fechos algébricos não é necessariamente único ou natural: de fato, em sua construção emprega-se
o Lema de Zorn.
96 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Como λ0 ∈ L e L/K é algébrica, resulta que dimK K[λ0 ] é um cardinal finito. Agora,
sabemos que λ1 ∈ L é algébrico sobre K, mas por termos K ⊆ K[λ0 ], inferimos que λ1
é algébrico sobre K[λ0 ] e, consequentemente, K[λ0 ][λ1 ] ..= K[λ0 , λ1 ] tem dimensão finita
como K[λ0 ]-espaço vetorial. Por valer a identidade
dimK K[λ0 , λ1 ] = dimK[λ0 ] K[λ0 , λ1 ] · dimK K[λ0 ],
temos necessariamente dimK K[λ0 , λ1 ] finita, de modo que procedendo indutivamente,
concluı́mos que M ..= K[λ0 , . . . , λn ] é um K-espaço vetorial cuja dimensão é finita. Fi-
nalmente, como α ∈ L é algébrico sobre M , devemos ter dimM M [α] finita, donde nova-
mente usamos a proposição anterior para concluir que M [α]/K é um extensão finita e,
consequentemente, α é algébrico sobre K.
Corolário 3.1.21. Sejam K um corpo e L/K uma extensão com L algebricamente fe-
chado. Então existe uma extensão algébrica K/K com K algebricamente fechado.
Demonstração. Já descrevemos K na página anterior, resta apenas ver que ele cumpre o
que promete. Primeiro, a fim de mostrarmos que K é um corpo, é suficiente tomarmos
α, β ∈ K e verificar que K[α, β] é um corpo contido em K. Ora, por α ser algébrico
sobre K temos dimK K[α] finita e, por β ser algébrico sobre K, logo sobre K[α], temos
dimK[α] K[α, β] finita. Como na proposição anterior, a última desigualdade nos permite
20
concluir que dimK K[α, β] é finita, donde segue que todo elemento do corpo K[α, β] é
algébrico sobre K, i.e., K[α, β] ⊆ K, como querı́amos17 .
20
Agora, como todo elemento de K é algébrico sobre K, resulta que K é, verdadeira-
mente, uma extensão de K, algébrica por construção. Finalmente, vamos nos convencer
de que K é algebricamente fechado. Um polinômio f ∈ K[x] \ K certamente admite uma
raiz α ∈ L. Como na proposição anterior, se λ0 , . . . , λn ∈ K são os coeficientes de f ,
ES

então M ..= K[λ0 , . . . , λn ] é uma extensão finita de K. Daı́, por α ser algébrico sobre M ,
temos M [α]/M e M/K algébricas, resultando M [α]/K algébrica e, consequentemente,
α ∈ M [α] ⊆ K.
UF

Agora, vamos nos dedicar a mostrar que existe um corpo K 0 que contém K tal que
todo polinômio f ∈ K[x] \ K tem pelo menos uma raiz em K 0 .
Lema 3.1.22. Sejam K um corpo e F ( K[x] \ K um subconjunto finito de polinômios
não constantes. Então existe uma extensão finita L/K na qual todo polinômio p ∈ F
admite uma raiz em L.
Demonstração. A prova se faz por indução. Se F ..= {p}, então podemos tomar um
polinômio g ∈ K[x] \ K irredutı́vel que divide p: se p não for irredutı́vel, tomamos
duas testemunhas disso e nos perguntamos se alguma delas é irredutı́vel, e procedemos
recursivamente até nos depararmos com algum fator irredutı́vel18 . Agora, com tal g
irredutı́vel em K[x], resulta que L ..= K[x]/hgi é um corpo que estende K: L é corpo pois
hgi é maximal, enquanto o morfismo de corpos óbvio
i π
K ,→ K[x]  L
é injetor, o que nos permite supor K ⊆ L. Por fim, x ∈ L é raiz de g, donde o resultado
segue.
17
A inclusão K[α, β] ⊆ K nos diz, numa tacada só, que α + β ∈ K, αβ ∈ K e, se α 6= 0, então o seu
inverso multiplicativo, que a princı́pio mora em K[α] ⊆ K[α, β], também mora em K.
18
Alternativamente, podemos usar o fato de que todo d.i.p. é um d.f.u..
3.1. ALGEBRICIDADE E TRANSCENDÊNCIA 97

Supondo o resultado válido para subconjuntos cuja cardinalidade é n > 1, tomamos


F com |F | = n + 1 e obtemos a extensão L como segue: para p ∈ F fixado, existe uma
extensão finita L0 /K na qual p tem uma raiz e, pela hipótese de indução, existe uma
extensão finita L1 /L0 na qual todo polinômio q ∈ F \ {p} tem raiz, donde é fácil ver que
L1 /K é uma extensão finita que satisfaz as condições desejadas.
Na demonstração acima, tomamos o quociente pelo ideal Phgi a fim de forçar a relação
g(x) = 0 no quociente. Mais precisamente, escrevendo g = i≤n αi xi com αi ∈ K, resulta
que
X X X X
α i xi = αi xi = α i xi = αi xi ,
i≤n i≤n i≤n i≤n

onde a última igualdade se deve à suposição de que K é subcorpo de L, que nos permitiu
fazer αi = αi . No entanto, o mesmo argumento valeria se, em vez de g, tivéssemos
quocientado por hpi. Implicitamente, a irredutibilidade de g foi usada para garantir a
maximalidade do ideal hgi e, consequentemente, que o anel L resultante fosse um corpo.
Na prática, o que fizemos foi mostrar que dado um ideal I de K[x], existe um ideal
maximal M ( K[x] com I ⊆ M . Tal resultado, para o bem (ou para o mal) vale bem
mais geralmente.

20
Teorema 3.1.23 (Krull). Sejam A 6= 0 um anel e J ( A um ideal. Então J está contido
num ideal maximal de A.
20
Demonstração. Consideramos a famı́lia P ..= {I ⊆ A : I é ideal de A com J ⊆ I} =
6 ∅,
parcialmente ordenada pelaSinclusão. Como qualquer ideal C pertencente a uma cadeia
C ⊆ P está contido no ideal C ∈ P, segue pelo Lema de Zorn que existe M ∈ P maximal
com respeito à inclusão, donde o resultado segue.
ES

O teorema acima garante que corpos, antes tratados como estruturas rarı́ssimas, são
tão abundantes quanto anéis – em algum sentido. Conforme havia sido prometido, uma
UF

consequência do último teorema é a existência de corpos algebricamente fechados.

Corolário 3.1.24 (Artin). Se K é um corpo, então existe um corpo algebricamente fe-


chado L que estende K.

Demonstração. Em vista do roteiro apresentado na página 95, basta demonstrarmos o


item i. , a saber: existe uma extensão K 0 de K tal que todo polinômio f ∈ K[x] \ K tem
pelo menos uma raiz em K 0 . O procedimento que seguimos lembra, em certo sentido, o
da construção realizada para o corpo de frações.
Por motivos psicológicos, para cada f ∈ K[x] \ K consideramos uma indeterminada
Xf e então tomamos o conjunto X ..= {Xf : f ∈ K[x] \ K}, com Xf 6= Xg se f 6= g. O
próximo passo é tomar o anel auxiliar A ..= K[X ] e então considerar o ideal I = hGi ⊆ A,
onde19 G ..= {f (Xf ) : f ∈ K[x] \ K}.
Se ocorrer I 6= A, então o teorema anterior nos garante que existe M ( A um ideal
maximal com I ⊆ M , donde segue que K 0 ..= A/M é um corpo que estende K no qual
Xf ∈ K 0 é raiz de f , para cada f ∈ K[x] \ K. Por isso, vamos supor o contrário, i.e.,
assumiremos por absurdo que I = A.
19
Por exemplo, se f ..= 2x2 + 3x − 2 e g ..= 5x3 , então f (Xf ) = 2(Xf )2 + 3(Xf ) − 2 e g(Xg ) = 5(Xg )3 ,
os quais agora são dois polinômios em indeterminadas distintas!
98 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Em tal cenário, deve ocorrer 1 ∈ I, donde segue que existem g0 , . . . , gn ∈ A e


f0 , . . . , fn ∈ K[x] \ K tais que X
1= gi fi (Xfi ).
i≤n

Agora, devido ao último lema, existe uma extensão de corpos L/K na qual cada um
dos polinômios fi admite uma raiz αi ∈ L. Finalmente, aplicamos na expressão acima o
morfismo de avaliação20 ev : K[X ] → L que faz corresponder Xfi 7→ αi para cada i ≤ n
e Xq 7→ 0 para os demais Xq ∈ X . Como a única indeterminada de fi (Xfi ) é Xfi , segue
que ev(fi (Xfi )) = f (αi ) = 0 e, portanto,
!
X X
1 = ev(1) = ev gi fi (Xfi ) = ev(gi )fi (αi ) = 0,
i≤n i≤n

uma contradição.

3.2 Extensões finitas dos racionais


Nosso principal objetivo nesta seção é mostrar que se α1 , . . . , αn ∈ C são algébricos sobre
Q, então existe γ ∈ C tal que Q[α1 , . . . , αn ] = Q[γ]. Tal elemento γ costuma ser chamado
20
de elemento primitivo, o que justifica o tı́tulo da próxima subseção.
20
3.2.1 O Teorema do Elemento Primitivo (versão baby )
Sejam f ∈ K[x] \ K um polinômio, a ∈ K e f0 , . . . , fr ∈ K[x] \ K polinômios irredutı́veis
(e não necessariamente distintos) tais que f = af0 · . . . fr . Dizemos que f é separável se
ES

cada um dos fj não tem raı́zes repetidas21 no fecho algébrico22 de K.


Exemplo 3.2.1. Para qualquer corpo K e a ∈ K, (x − a)2 é separável, pois seus fatores
irredutı́veis, a saber x − a e x − a, não têm raı́zes repetidas (embora os polinômios
UF

irredutı́veis sejam repetidos!). •


Lema 3.2.2. Se f ∈ K[x] \ K é irredutı́vel e f 0 6= 0, então f é separável. Em particular,
se char (K) = 0, então todo polinômio irredutı́vel de K[x] é separável.
Demonstração. De fato, se f é irredutı́vel e f 0 6= 0, então necessariamente f e f 0 são
polinômios coprimos23 . Logo, a condição
P de separabilidade de f segue do Lema 2.2.5. Em
particular, se char (K) = 0 e f = j≤n αj xj é irredutı́vel, com n ≥ 1 e αn 6= 0, então
f 0 = nαn xn−1 + g 6= 0, pois nαn 6= 0.
Suponha que L/K seja uma extensão algébrica. Dizemos que α ∈ L é separável
sobre K se seu polinômio minimal sobre K é separável. A extensão L/K é dita (uma
extensão) separável se todo α ∈ L/K for separável sobre K. Em particular, como
extensões de corpos de caracterı́stica zero têm caracterı́stica zero (Exercı́cio 3.9), segue
que qualquer extensão algébrica de Q é separável e, em particular, qualquer extensão
finita de Q é separável.
20
Assim como fizemos para garantir a existência de morfismos de avaliação da forma A[x] → B em
(1.12), o caso atual também segue pela propriedade universal do anel de polinômios.
21
Isto é, com multiplicidade maior do que 1.
22
Ou em qualquer corpo algebricamente fechado que contém K.
23
Por vários motivos: hf i é maximal e hf, f 0 i = K[x]; alternativamente, se existisse g ∈ K[x] não
constante dividindo ambos f e f 0 , então g seria múltiplo escalar de f , com deg g = deg f = deg f 0 + 1, e
a única forma de f 0 ser múltiplo de g seria com f 0 = 0.
3.2. EXTENSÕES FINITAS DOS RACIONAIS 99

Finalmente, dizemos que uma extensão de corpos L/K é simples se existe α ∈ L


tal que L = K[α]. O elemento α nesta definição é frequentemente chamado de elemento
primitivo.
Teorema 3.2.3 (do elemento primitivo). Sejam K um corpo infinito e L/K uma extensão
finita. Se L/K é separável, então L é uma extensão simples.
Demonstração. Como L/K é finita, existem α1 , . . . , αn ∈ L algébricos sobre K tais que
L = K[α1 , . . . , αn ]. Assim, argumentando por indução, basta mostrarmos que se L =
K[α, β], então existe γ ∈ L tal que L = K[γ]. Note que não há perda de generalidade em
supor α, β 6∈ K.
Se f, g ∈ K[x] são os polinômios minimais de α e β sobre K, respectivamente, então
a hipótese sobre L/K ser separável nos diz que as raı́zes de f são todas distintas, bem
como as raı́zes de g, dado que ambos já são irredutı́veis. Sejam α1 = α, α2 , . . . , αr e
β1 = β, β2 , . . . , βs as raı́zes de f e g, respectivamente.
Agora, para cada j ≤ r e k ≤ s com k 6= 1, note que existe no máximo um δjk ∈ K
tal que
αj + δjk βk = α1 + δjk β1 ,
e aqui a hipótese sobre K ser infinito nos permite tomar c ∈ K tal que

20
αj + cβk 6= α1 + cβ1
20
para quaisquer j ≤ r e k ≤ s com k 6= 1. Nosso trabalho a partir daqui consiste em
mostrar que γ ..= α + cβ tem a propriedade desejada.
Como γ ∈ K[α, β], temos de graça a inclusão K[γ] ⊆ K[α, β]. A fim de nos con-
vencermos da outra inclusão, vamos mostrar que α, β ∈ K[γ]. Por simplicidade, vamos
ES

escrever F ..= K[γ]. Substituindo a indeterminada x em f por γ −cx, obtemos o polinômio


h̃ ..= f (γ − cx) ∈ F [x], que tem β como raiz, posto que
UF

h(β) = f (γ − cβ) = f (α) = 0,

já que α é raiz de f . Agora, como F [x] é um d.f.u. e g ∈ K[x] ⊆ F [x], existe em F [x] o
m. d. c. de g e h, o qual mostraremos ser x − β:
• note que se um polinômio d ∈ F [x] divide g, então as raı́zes de d estão contidas na
coleção das raı́zes de g;

• seja então d = m. d. c.{g, h} em K[x] e note que se d(βk ) = 0 para k 6= 1, então


h(βk ) = f (γ − cβk ) = 0, mostrando que γ − cβk = αj para algum j ≤ r (por quê?!),
o que contraria o modo como escolhemos c;

• observe que o item anterior nos dá d = x − β;

• agora, se d1 ∈ F [x] é o m. d. c. entre g e h em F [x], então d1 também divide g e h


em K[x], acarretando em d1 | x − β e, consequentemente, deg d1 ≤ 1;

• logo, se ocorresse d1 6= x−β, terı́amos deg d1 = 0, mostrando que poderı́amos tomar


d1 = 1, o que nos daria polinômios p, q ∈ F [x] ⊆ K[x] com 1 = pg +qh, contrariando
o fato de que x − β é o m. d. c. de g e h em K[x].
A dolorosa argumentação acima nos garante que x − β ∈ F [x] e, portanto, β ∈ F .
Daı́, por termos γ − cβ = α com γ ∈ F , resulta que α ∈ F , como querı́amos.
100 CAPÍTULO 3. YOGA ALGÉBRICA

Observação 3.2.4 (O caso racional). Como todo corpo de caracterı́stica zero deve ser
infinito e conter uma cópia isomorfa dos racionais (por quê?!), o teorema anterior nos diz
precisamente que toda extensão finita dos racionais é simples.
Em particular, ao fazermos K ..= Q, as raı́zes tomadas no fecho algébrico de K podem
ser pensadas essencialmente como números complexos, já que o fecho algébrico de Q
está contido em C, a menos de isomorfismo. Um modo de se convencer sobre a última
afirmação faz uso do famoso

Teorema 3.2.5 (Fundamental da Álgebra24 ). Se f ∈ C[x] é um polinômio não-constante,


então existe z ∈ C tal que f (z) = 0.

Logo, ao repetirmos a construção do fecho algébrico dada na subseção anterior, pode-


mos realizá-la “dentro” de C. Alternativamente, é possı́vel construir um morfismo injetor
do fecho algébrico de Q em C, mas isto requer ferramentais um pouco mais técnicos. 4

3.2.2 O Teorema do Elemento Primitivo (incompleto, leitura


não recomendada)
A hipótese sobre a infinitude do corpo K no enunciado originalmente apresenta na subseção
anterior é desnecessária, porém a argumentação requer alguma familiaridade com grupos
20
finitos. Por sua vez, a separabilidade da extensão também não é o que realmente permite
que o teorema funciona, em vista do enunciado mais geral, demonstrado por Artin.
20
Teorema 3.2.6 (do Elemento Primitivo). Seja K/F uma extensão finita. Então K/F é
simples se, e somente se, a extensão K/F tem um número finito de corpos intermediários.
ES

Demonstração. Suponha que K = F [α]. Sejam f (x) ∈ F [x] o polinômio minimal de α


sobre F e L um corpo intermediário de K/F . Como F ⊂ L temos K = F [α] ⊂ L[α] ⊂ K
e assim K = L[α]. Se q(x) ∈ L[x] ⊂ K[x] é o polinômio P minimal de α sobre L, então
UF

r i
q(x)|f (x) em L[x] ⊂ K[x]. Escrevendo q(x) = x + i<r ai x , com ai ∈ L ⊂ K, mos-
traremos que L = F [a0 , . . . , ar−1 ], donde seguirá que L é determinado pelos coeficientes
de q(x). Como f (x) tem somente finitos divisores mônicos em K[x], isso nos permitirá
concluir que K/F tem somente finitos corpos intermediários.
Escrevemos L0 = F [a0 , . . . , ar−1 ]. Novamente, note que L0 ⊂ L e K = L0 [α]. Como
q(x) ∈ L0 [x], segue que se q0 (x) ∈ L0 [x] é o polinômio minimal de α sobre L0 , então
q0 (x)|q(x). Então

[K : L] = deg q ≥ deg q0 = [K : L0 ] = [K : L][L : L0 ] ≥ [K : L] ⇒

⇒ [K : L0 ] = [K : L][L : L0 ].
Logo [L : L0 ] = 1, ou seja, L = L0 , como querı́amos.
Provemos a recı́proca. Se F é finito, então K é finito e K = F [α], onde α ∈ K é
tal que hαi = K × . Assim, podemos assumir |F | ≥ ℵ0 . Agora, se K/F é finito, então
existem α1 , . . . , αn ∈ K tais que K = F [α1 , . . . , αn ], o que nos permite prosseguir com a
demonstração por indução sobre n.
Se F [α1 , . . . , αn−1 ] = F [β], então K = F [β, αn ]. Note que o conjunto

A = {F [β + cαn ] : c ∈ F }
24
As demonstrações conhecidas desse resultado, apesar do nome, usam ferramentas não-algébricas.
3.3. EXERCÍCIOS DA SEÇÃO 101

é finito por hipótese. Como F é infinito, necessariamente25 existem c1 , c2 ∈ F distintos


com F [β + c1 αn ] = F [β + c2 αn ]. Note que podemos escrever
(β + c1 αn ) − (β + c2 αn )
αn = e β = (β + c1 αn ) − c1 αn ,
c1 − c2
donde segue que αn , β ∈ F [β + c1 αn ]. Então K = F [β, αn ] ⊂ F [β + c1 αn ] ⊂ K e,
consequentemente, K = F [β + c1 αn ], como querı́amos.
Proposição 3.2.7. Seja K/F uma extensão finita. Se K/F é separável, então K/F é
simples.
Demonstração. Existe uma extensão L/K finita tal que L/F é de Galois (Corolário ??)
e, pelo Teorema ??, os corpos intermediários de L/F estão em bijeção com os subgrupos
de Gal(L/F ). Como todo corpo intermediário de K/F também é corpo intermediário de
L/F e Gal(L/F ) só tem finitos subgrupos, resulta que K/F tem somente finitos corpos
intermediários, donde a conclusão segue do teorema anterior.

3.2.3 Construções com régua e compasso


O material utilizado é da referência [3]26 .

3.3 Exercı́cios da seção 20


20
Exercı́cio 3.1. Mostre que se f : K → L é um morfismo de corpos, então L é extensão
de um corpo isomorfo a K.
Exercı́cio 3.2. Seja f um polinômio minimal de α ∈ L/K. Mostre que se g ∈ K[x]
ES

e g(α) = 0, então f | g. Em particular, conclua que o polinômio minimal é único e


irredutı́vel
Exercı́cio 3.3. Sejam K um corpo e D um domı́nio que contém K como subanel. Mostre
UF

que se dimK D é finita, então D é um corpo. Dica: dado d ∈ D \ {0}, mostre que a
multiplicação por D é uma transformação linear sobrejetiva.
Exercı́cio 3.4. Sejam L/K e L0 /K extensões de corpos. Mostre que se L e L0 são
isomorfos enquanto anéis, então L e L0 são isomorfos como K-espaços vetoriais.
K[x]
Exercı́cio 3.5. Mostre que {1, x, . . . , xn−1 } é uma base para , onde f ∈ K[x] é um
hf i
polinômio não-nulo de grau n ∈ N \ {0}.

T 3.6. Mostre que se S é uma famı́lia não-vazia de subcorpos de um corpo L,


Exercı́cio
então S é um subcorpo de L.
Exercı́cio 3.7. Mostre que se A é subanel de um corpo L, então A é domı́nio.
√ √ √ √
Exercı́cio√3.8. √Mostre que Q[ 2, 3] = Q[ 2 + 3]. Dica: procure o inverso multipli-
cativo de 2 + 3.
Exercı́cio 3.9. Mostre que se L/K é uma extensão de corpos, então char (L) = char (K).
Exercı́cio 3.10. Pense rápido: existe algum corpo finito algebricamente fechado?
Exercı́cio 3.11. Qual o grau da extensão...
25
Princı́pio da casa dos pombos.
26
E pode ser acessado no link https://drive.google.com/file/d/1agdI5M70Obmt-urnOX_
oq97Ok9DWKx6A/view?usp=sharing.
UF
ES
20
20
Capı́tulo 4

Off topic

4.1 Categorias
4.2 O Axioma da Escolha é seu amigo
Observação 4.2.1. Texto adaptado de [7]. 4

20
Nesta seção farei comentários muito breves sobre o Lema de Zorn, ignorando o máximo
possı́vel questões sobre Fundamentos de Matemática e Teoria de Conjuntos, que permeiam
por definição qualquer discussão honesta sobre o assunto.
20
Começamos nos lembrando de que uma ordem parcial  num conjunto P é uma
relação binária em P que é: reflexiva (x  x), antissimétrica (x  y e y  x ⇒ x = y)
e transitiva (x  y e y  z ⇒ x  z). Em tal situação, também dizemos que (P, )
ES

é uma ordem parcial ou que P é parcialmente ordenado (pela relação ). Caso,
adicionalmente, quaisquer dois elementos em P forem comparáveis (x  y ou y  x ou
x = y), dizemos que P é totalmente ordenado.
UF

Sejam P um conjunto parcialmente ordenado, p ∈ P e A ⊆ P .


• o elemento p ∈ P é um limitante superior de A se a ≤ p para todo a ∈ A;

• o elemento p é maximal se não existe a ∈ P tal que p  a;

• o subconjunto A é uma cadeia se quaisquer dois elementos de A forem comparáveis


com relação a ordem .
Suponha que uma ordem parcial P 6= ∅ seja tal que toda cadeia A ⊆ P tenha um
limitante superior. Gostarı́amos de concluir que a ordem P tem um elemento maximal.
Pergunta 4.2.1.1. Por que isso é razoável?
Justificativa informal e tecnicamente incorreta. Se pensarmos numa ordem parcial P como
sendo uma árvore, suas cadeias podem ser interpretadas como ramos ou galhos. Assim,
dizer que todo ramo tem limitante superior consiste, em algum sentido, a dizer que todo
ramo pode ser estendido a um ramo maior e assim sucessivamente. Com tal imagem
metafórica, é natural imaginar que em algum momento alcançaremos alguma folha. Ora,
como uma folha não é “estendı́vel”, ela é justamente um elemento maximal.
Teorema 4.2.2 (Lema de Zorn). Se P 6= ∅ é uma ordem parcial em que toda cadeia tem
um limitante superior, então P tem ao menos um elemento maximal.

103
104 CAPÍTULO 4. OFF TOPIC

Uma prova de tal teorema é ao mesmo tempo complicada e desnecessária. Compli-


cada pois usa muitos conceitos que ainda não definimos. Desnecessária pois, a rigor, ela
é equivalente ao que usarı́amos para prová-la. De fato, a prova de tal lema faz uso do

AxiomaSda escolha. Se {Ai : i ∈ I} é uma famı́lia de conjuntos não-vazios, então existe


f : I → i∈I Ai tal que f (i) ∈ Ai para todo i ∈ I.

Como o nome sugere, essa é uma afirmação que assumimos como verdadeira. O
contexto em que fazemos tal suposição é o da teoria (axiomática) dos conjuntos. Daı́,
como teoria dos conjuntos é o modelo usual utilizado para o desenvolvimento formal
de várias teorias matemáticas, segue que por transitividade as outras áreas acabam por
assumir (tacitamente) os mesmos axiomas da teoria dos conjuntos. Curiosamente, prova-
se que o Lema de Zorn e o Axioma da Escolha são equivalentes, no sentido de que um
implica o outro, vice-versa.
Entretanto, tais questões existenciais não nos interessam aqui. Precisamos apenas
saber como o Lema de Zorn funciona. O leitor interessado em discussões mais honestas
sobre o Axioma da Escolha deve consultar por livros de Teoria Axiomática dos Conjuntos,
como [4] (mais elementar) ou [5] (bı́blico) – ou se aventurar na Subseção A.3.2 do inaca-
bado [6], disponı́vel no endereço https://drive.google.com/file/d/1SgLc-kdOTi6n_
qz7w-5QHOwns8HHZyWI/view.
20
20
4.3 Módulos
ES
UF
Lista de sı́mbolos e siglas

Z conjunto dos números inteiros, 9

Q conjunto dos números racionais, 9

R conjunto dos números reais, 9

C conjunto dos números complexos, 9

Mn (X) conjunto das matrizes de ordem n e coeficientes em X, 10

N conjunto dos números naturais (0 ∈ N), 10

(αij )

Idn
20
matriz com entradas αij para cada i, j, 10

matriz identidade de ordem n, 10


20
F(S, X) conjunto das funções de S em X, 11

℘(S) conjunto das partes de S, 11


ES

X \Y diferença entre X e Y , 12

A∆B diferença simétrica entre A e B, 12


UF

0A zero do anel A, 14

1A a unidade do anel A, 14

a−1 inverso multiplicativo de a, 15

A× conjunto (grupo) dos elementos invertı́veis de A, 15

µA único morfismo de anéis da forma Z → A, 19

im (f ) imagem de f , 20

A'B A e B são anéis isomorfos, 21

An produto cartesiano de n cópias de A, 22

x ≡n y x e y são equivalentes módulo n, 23

A/I anel quociente de A pelo ideal I, 25

x ou x + I classe de equivalência de x em A/I, 25

hai ou aA ideal principal gerado por a, 26

105
106 Lista de sı́mbolos

hSi ideal gerado por S, 26

hs0 , . . . , sn i ideal gerado por s0 , . . . , sn , 26

I +J soma dos ideais I e J, 26

IJ produto dos ideais I e J, 26

ker f núcleo do morfismo f , 28

char (A) caracterı́stica do anel A, 29

A[x] anel de polinômios na indeterminada x e coeficientes em


A, 35

deg p grau do polinômio não-nulo p ∈ A[x], 36

evβ (p) avaliação em β do polinômio p, 37

d.i.p. domı́nio de ideais principais, 50

d.f.u. domı́nio de fatoração única, 54

A[X] 20
anel de polinômios com coeficientes em A e indeterminadas
em X, 59
20
Frac (D) corpo de frações do domı́nio D, 62

m. d. c. máximo divisor comum, 63


ES

m|n m divide n, 64

m-n m não divide n, 64


UF

L/K K é subcorpo de L, 87

K[Γ] menor subanel que contém K ∪ Γ, 89

K(Γ) menor subcorpo que contém K ∪ Γ., 89

α polinômio minimal de α sobre K, 90

dimK V dimensão do K-espaço vetorial V , 92

[L : K] grau da extensão L/K, 93


Referências Bibliográficas

[1] P. M. Cohn. Algebra, volume Volume 1. J. Wiley, 2d ed edition, 1982.

[2] A. Garcia and Y. Lequain. Elementos de Álgebra. IMPA, 6 edition, 2018.

[3] A. Gonçalves. Introdução à Álgebra. IMPA, 6 edition, 2017.

[4] K. Hrbacek and T. Jech. Introduction to set theory. Monographs and Textbooks in
Pure and Applied Mathematics 220. M. Dekker, New York, 3 edition, 1999.

[5] K. Kunen. Set Theory. College Publications, London, 2011.

20
[6] R. Mezabarba. Fundamentos de Topologia Geral. Redação em andamento, 2020.

[7] B. Mirzaii. Notas de aula – Álgebra 2017, 2017. Notas de aula do curso de Álgebra,
20
ministrado em 2017 no ICMC-USP.

[8] J. J. Rotman. Advanced Modern Algebra, Part 1. Graduate Studies in Mathematics


180. American Mathematical Society, 3rd edition, 2015.
ES

[9] R. Y. Sharp. Steps in commutative algebra. London Mathematical Society student


texts 51. Cambridge University Press, 2nd ed edition, 2000.
UF

[10] E. Tengan and H. Borges. Álgebra Comutativa em Quatro Movimentos. IMPA, 1


edition, 2015.

107
UF
ES
20
20
Índice Remissivo

algoritmo da divisão de Bézout, 83


nos inteiros, 23 de fatoração única, 54
para polinômios, 38 de ideais principais, 50
anel, 12 de m.d.c., 83
caracterı́stica, 29 euclidiano, 51
comutativo, 13
de polinômios em x, 35 elemento
noetheriano, 51 algébrico, 88
quociente, 25 associado, 54
unidade do, 14 invertı́vel, 15
zero do, 14
argumento
20 irredutı́vel, 54
maximal, 103
20
do número complexo, 77 neutro, 9
associatividade, 9 primo, 54
Axioma separável, 98
da Escolha, 104 simétrico aditivo, 15
ES

transncendente, 88
base, 91 espaço
vetorial, 90
UF

cadeia, 103 expansão


coeficiente de Taylor, 75
lı́der, 36 extensão
combinação linear, 25 algébrica, 88
comutatividade, 9 de anel, 37
conjugado de corpos, 87
de número complexo, 20 finita, 93
conjunto separável, 98
das partes, 11 simples, 99
conteúdo transcendente, 88
do polinômio, 65
corpo fecho algébrico, 95
algebricamente fechado, 95 frações parciais, 83
de frações de um domı́nio, 62 função
polinomial, 38
delta
de Kronecker, 10 grau
derivada, 73 da extensão, 93
diferença simétrica, 12 do polinômio, 36
distributividade, 9
domı́nio, 17 ideal, 25

109
110 ÍNDICE REMISSIVO

coprimo, 31 minimal, 90
maximal, 26 nulo, 36
primo, 26 primitivo, 65
principal, 26 reduzido, 71
identidade separável, 98
de Bézout, 83 pré-ordem, 63
inverso projeção
aditivo, 9 canônica, 24
multiplicativo, 15 propriedade
isomorfismo universal, 22
de anéis, 21 propriedade universal
do anel de polinômios, 36
Lema do anel de polinômios sobre X, 60
de Gauss, 68 do quociente, 28
limitante superior, 103 dos inteiros, 19
propriedae universal
máximo divisor comum, 63
do corpo de frações, 62
módulo, 91
matriz raiz
de ordem n, 10
identidade, 10
nula, 10
20n-ésima da unidade, 79
de polinômio, 39
relação
20
morfismo de equivalência, 23
de anéis, 19
de avaliação, 37 simétrico
ver inverso aditivo, 9
ES

multiplicidade
da raiz, 72 subanel, 20
subconjunto
núcleo, 28 linearmente independente, 91
UF

número subespaço
complexo, 76 gerado, 91
norma vetorial, 91
do número complexo, 77
Teorema
operação, 12 Chinês dos Restos, 31
ordem de Gauss, 63
parcial, 103 do Isomorfismo para anéis, 28

polinômio, 36 zero
constante, 36 de polinômio, 39

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