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MATERNIDADE EM SITUAÇÃO DE RUA: UMA REFLEXÃO SOB A ÓTICA

FENOMENOLÓGICA DIANTE DOS DESAFIOS DE UMA POLÍTICA


PÚBLICA FUNCIONAL

Maria Eduarda Dal Bon¹, Crisóstomo (colocar nome todo)²

¹ Formanda do Curso de Graduação em Psicologia, Departamento de Psicologia,


Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, Universidade Federal
Fluminense
² Professor do Departamento de Psicologia, Instituto de Ciências da Sociedade e
Desenvolvimento Regional, Universidade Federal Fluminense

RESUMO
Objetivo: Buscar uma reflexão acerca dos desafios de maternar na rua em uma situação
de vulnerabilidade social e política que se dá no mundo da vida dessas mulheres.
Método: Estudo descritivo a partir de uma revisão literária que se ancorou a
fenomenologia social de Alfred Schutz, além de artigos e conteúdos audiovisuais. Para
tal pesquisa, foram realizadas consultas com os descritores DeCS: maternidade,
vulnerabilidade, fenomenologia, situação de rua. Resultados: Após as leituras citadas,
foi necessário refletir diante da complexidade que a maternidade é na vida das mulheres,
e sobretudo, das mulheres em maior vulnerabilidade político-social. Por sua maioria, foi
referido diversos estigmas sociais que perpassam essa realidade, representados por meio
de discriminação, violência, e ainda, violação da dignidade humana com a carência de
políticas públicas que desvelem a singularidade no tratamento dessas mulheres.
Conclusão: Concluiu-se que para compreender tal fenômeno, é necessário uma atuação
de profissionais com um olhar afetivo sobre o mundo da vida dessas mulheres.
Buscando intervenções práticas que apresentem o combate a desesperança, apresentado
nesse contexto de vulnerabilidade, e ao inacesso a recursos que sejam capazes de
acolher tais demandas. Tornando, portanto, determinante a criação de programas de
apoio e projetos que busquem pela maior capacitação e autonomia dessas mulheres
sobre suas próprias vidas.
Palavras-chave: Maternidade; Situação de rua; Fenomenologia

INTRODUÇÃO

Apesar de entender-se fenomenologicamente que o homem se apresenta como


um ator livre no mundo da vida, é de suma importância compreender os determinantes
sociais, políticos e culturais ao propor a observação de algum contexto. No caso de
pessoas em situação de rua, os estigmas e preconceitos se apresentam de maneira
heterogênea, que se reverbera na falta de autonomia e incapacitação diante de escolhas
socialmente validadas. Tais prejuízos se agravam ainda mais quando se considera a cor,
gênero, idade, entre outras subjetividades intrínsecas de cada sujeito. A maternidade,
por outro lado, se apresenta normalmente de forma naturalista e essencialista na vida de
algumas mulheres e um fardo insustentável e irresponsável para outras. Essa diferença
de tratativa e interpretação é estabelecida pela grande desigualdade enfrentada
principalmente nos países da América Latina, atravessando não só o senso comum,
como também o exercício profissional de alguns responsáveis na promoção de saúde e
direitos dessas pessoas.

Em vista disso, tal projeto de pesquisa tem como objetivo evidenciar as


problemáticas que se dão a partir de uma maternidade em situação de rua, buscando
ressaltar a relevância no preparo de profissionais que procurem por uma maior
compreensão ao decorrer de sua conduta, averiguando os direitos oferecidos pelo Estado
e cumprindo, portanto, a efetivação de uma política pública funcional nesse cenário,
onde se faça possível analisar as múltiplas perspectivas subjetivas das vivências dessas
mulheres, proferindo dimensões micro e macro existenciais. Para aprofundar essa
discussão, o seguinte estudo trouxe como pauta a ideia de unidade fenomenológica da
vida social apontada por Husserl e Weber, e posteriormente, estudadas e amplificadas
por Schutz, como podemos ver em “Fenomenologia e Relações Sociais - Textos
escolhidos de Alfred Schutz” que expressa um caráter compreensivo e interpretativo,
onde se assume significados aos ser-aí do próprio mundo cotidiano onde se relacionam
com outros ser formulando assim, características dos “projetos de ação”.
Nesse sentido, para dar continuidade ao desenvolvimento desse estudo, será
necessário explorar o diálogo a respeito da realidade dessas mulheres, que experienciam
a maternidade nesse contexto, sobretudo diante de uma ótica fenomenológica
consciente, eliminando portanto todas as noções preconcebidas com relação aos objetos
apresentados e a realidade de que se ocupa aquela consciência, elucidando portanto, a
reflexão de onde a fenomenologia é extraída, inicialmente por Husserl que defendia o
exercício de “suspensão de juízo” ou “epoché” do mundo exterior que é normalmente
observado na vida cotidiana. O que é proposto, portanto, é que as múltiplas realidades
exploradas dentro de um contexto não sejam negadas mas sim “colocadas entre
parênteses” num movimento de “redução fenomenológica”.

Tal redução se faz necessária aos profissionais de saúde que atuam nesse
contexto uma vez que, dando profundidade aos estudos bibliográficos desta pesquisa, se
torna evidente a deterioração dos cuidados e da garantia de direitos das mulheres que se
encontram sob maior vulnerabilidade. Com isso, se denota a importância de expandir os
estudos e discussões sobre esse tema na produção de conhecimento dessas múltiplas
vivências como mulher num todo e, assim, sequencialmente, como mãe pertencente a
um grupo social de maior vulnerabilidade, que são os casos das moradoras de rua. Para
que isso se resulte em ambientes e profissionais de saúde funcionais na elucidação de
políticas públicas, é preciso ultrapassar a ideia reducionista da maternidade, que ainda é
destacado nos perfis epidemiológicos e em relatórios dos sistemas de promoção de
saúde. Em análise geral, o mundo cotidiano é comum a todos e portanto, nós vivemos
como atores e nossos semelhantes do mundo da vida. Entretanto, de acordo com o
referencial filosófico, o mundo é contemplado por um campo de ação e de
possibilidades, que se apresentam a partir da conjuntura de cada pessoa, ou seja, de
forma possível para cada um, com esquemas específicos e com significados que
decorrem desses. Nesse sentido, busca-se por uma compreensão holística do fenômeno
que se relaciona a um grupo de circunstâncias.

Por fim, é preciso entender a ação social como uma projeção realizada pelo
sujeito de maneira intencional e dotada de um propósito. Esclarecendo, entretanto, as
problemáticas que serão expostas dentro do contexto pesquisado, buscando explorar as
antecipações em forma de planejamento e projeções possíveis dentro de uma política
pública funcional que visa prioritariamente auxiliar na demanda dos profissionais de
saúde a garantia e proteção de direito dessas mulheres em seu mundo da vida pelos
estudos na área da psicologia à luz da fenomenologia social de Alfred Schutz.

MÉTODO

A pesquisa foi realizada por meio de estudos descritivos sob perspectivas


qualitativas que foram conceituados a partir da leitura de artigos com os DeCS
Maternidade, Fenomenologia, Vulnerabilidade, Situação de Rua, juntamente com
documentos e materiais audiovisuais disponíveis online. Com a leitura e análise de todo
material, se fez possível refletir sobre a compreensão de diversos relatos pessoais de
mulheres que se disponibilizaram a compartilhar suas afetações diante das diferentes
realidades que a maternidade em situação de rua pode enfrentar, tais falas foram
contempladas com meio de entrevistas semi-estruturadas que majoritariamente traziam
um olhar direto à forma em que esse fato é experienciado e interpretado pelos grupos
pertencentes dessa realidade, dando voz diante de um silenciamento constante para
essas mulheres.

A análise e desenvolvimento mais amplo dessa reflexão foi feito uma leitura
cautelosa da Fenomenologia Social de Alfred Schutz que, durante o estudo, se conduziu
a ser utilizado como um referencial teórico. O sociólogo afirma que “o mundo da vida
cotidiana é comum a todas as pessoas e existe porque vivemos nele como homens, com
outros homens, com os quais nos vinculam influências e tarefas comuns,
compreendendo a verdade e sendo compreendidos por eles” ou seja, cada ser-aí se
baseia pelo modo como define o cenário de ação, interpretando as possibilidades
possíveis a partir da situação biograficamente determinada a partir dos seus interesses,
compromissos, crenças e vontades que se revelam e se mostram através da interpretação
do homem enquanto ser-no-mundo.

Foi necessário aprofundar-se também, nos trabalhos de Martin Heidegger e


Hans-Georg Gadamer que despertam a busca de uma compreensão totalitária, em que a
linguagem aparece como mediadora ao acesso do mundo para com as coisas. Juntando
portanto, a conceitualização Heideggeriana sobre o sujeito vivido, no mundo e com o
mundo, por outro, com a hermenêutica gadameriana que busca manifestar os
significados mais profundos do que está oculto, buscando a compreensão do próprio
homem no mundo em que vive e experiência a própria história, validando ainda, sua
condição de possibilidade finita que ocorre no âmbito da linguagem.

RESULTADOS

Após as leituras citadas foi necessário refletir, com base no referencial teórico,
sobre a complexidade em que essa realidade é enfrentada, especialmente em como isso
se debruça na experiência da maternidade na vida das mulheres em situação de rua, que
enfrentam maior vulnerabilidade político-social. Por sua maioria, foi referido diversos
estigmas sociais que perpassam essa realidade, representados por meio de
discriminação, violência, e ainda, violação da dignidade humana com a carência de
políticas públicas que desvelem a singularidade no tratamento dessas mulheres.

 Sobre o referencial teórico

Dando embasamento a essa reflexão Schutz, um sociólogo germanico que


começou a trabalhar os fenômenos sociais no começo do século XX, não foi o único
pensador a apontar questões sociais, mas foi o primeiro a abranger essa discussão de
maneira sistemática. Tornando possível, a partir de estudos, analisar seus pensamentos
diante dessa questão, na medida em que são relevantes para a sociologia. Sendo assim,
em frente à discussão proposta, é necessário esclarecer alguns dos postulados centrais
dessa perspectiva social que ganhou maior espaço após os estudos aqui citados. Como
por exemplo, o conceito de que a ordem social não é um dado estático, e sim um
resultado contínuo das condutas de autores habilidosos. Em outras palavras, a
elucidação dessa ordem que conhecemos passa pelo mapeamento das habilidades
cognitivas e práticas que possibilitam as ações, e portanto, uma ordem social na medida
que - a partir dos conhecimentos de Schutz - os estoques de conhecimento que nós,
como seres humanos, utilizamos para agir no mundo social são compartilhados. É
importante evidenciar ainda que, esses estoques não são tomados como uma forma de
conhecimentos rebuscados apenas, na verdade muitos dos que propiciam a conduta
social cotidiana são tácitas e implícitas. Ou seja, nós desenvolvemos cotidianamente a
habilidade prática que torna explícito aquilo que é implícito no mundo social. Em vista
disso, é possível perceber que a realidade social é “pré-interpretada” por suas entidades
constituintes (os seres humanos) e esses agem com base nos significados que dão ao
mundo e à própria conduta.

Nesse sentido, a partir de uma ótica fenomenológica, é possível investigar de


maneira colaborativa as distintas realidades vivenciadas por mulheres em situação de
rua, que trilham um processo de saúde-doença nos órgãos de assistência e atenção à
saúde, previsto como garantia de seus direitos. Porém,a priori é de suma importância
entender que, em tese, todo morador de rua tem direito à saúde, trabalho, educação,
segurança, assistência social, entre outros direitos que foram reconhecidos em 1948 na
Declaração Universal de Direitos Humanos, se tornando portanto, dever do Estado a
promoção de condições mínimas para a garantia de uma vida digna que possa dar acesso
a todos esses auxílios e programas ofertados como direito para essas pessoas.
Entretanto, o que vemos na realidade em relação a efetivação desses direitos demonstra
grande ineficácia do Estado em promover aos moradores em situação de rua o mínimo
dessas condições fundamentais. Em vista disso, sendo levado em consideração a
impraticabilidade de uma política pública que assegure esses direitos de maneira
igualitária, é prioritariamente necessário que se reflita sobre tal realidade como não
sendo simplesmente dada, e sim com uma correlação de homem-mundo

Na fenomenologia, e mais especificamente a fenomenologia social descrita por


Schutz, considera-se que cada indivíduo vive seu “mundo” da maneira possível à ele,
com o auxílio concomitante de métodos e materiais elaborados por terceiros, ou seja: “o
mundo da vida é um mundo social que, por sua vez, é preestruturado para o indivíduo”
(P. 17 de Fenomenologia e relações sociais). Nesse sentido, entende-se que, enquanto a
condição de rua for interpretado e tratado em vista de um olhar não crítico do senso
comum, onde a responsabilidade unilateral é atribuída às pessoas que enfrentam essa
condição, por conseguinte, seguirá na carência de profissionais que trabalham contra o
sistema punitivo e corretivo que não se comprometem de maneira assídua na aplicação
da garantia desses direitos, uma vez que, se prolifera a ideia de responsabilidade
exclusiva para que essas pessoas alcancem recursos na busca de um rompimento com
tal realidade, o que na maior parte das vezes é impraticável e inacessível. Pensando
nisso, esse estudo busca contribuir na elucidação de um olhar mais aberto à realidade
dessas mulheres, para que os profissionais mergulhem na conceituação de mundo
cotidiano onde o cenário é previamente estruturado antes mesmo do nosso nascimento,
tomados de tipificações que são representados a partir da linguagem. Sendo assim, as
ações do mundo cotidiano se dão, a partir de interpretações do sujeito baseados em
vivências subjetivas que são norteadas pelos seus próprios motivos existenciais.

Schutz elucida tais motivos em duas categorias condutoras da ação no mundo


social: por um lado há as ações que são desenvolvidas e relacionadas em direção a um
desejo, objetivo, na busca de realizar um projeto ou alcançar uma expectativa, e nesse
caso eles são chamados de “motivos para”; já aquelas ações que se fundamentam nos
estoques de conhecimentos adquiridos ao longo da experiências vividas, no âmbito
biopsicossocial, é intitulado por ele como os “motivos porque”. Ambos os motivos
existenciais se apresentam o tempo todo no mundo da vida em situações típicas, onde a
consciência do outro nessas relações, por muitas vezes desaparece, já que para se tornar
consciente é necessário que ela se apresente em sua totalidade. Trazendo isso para a
realidade de mulheres que vivem ou viveram a maternidade em situação de rua, e
buscando uma análise diante das leituras contempladas para esse estudo, é nítido o
déficit apresentado na produção de ações que se desenvolvem a partir do que foi
nomeado como “motivos para”. Ou seja, essas mulheres demonstram, em meio às
entrevistas lidas e a pesquisas avaliadas, poucas ações e relações que se baseiam na
realização de um projeto, ou na busca de objetivos e alcance de expectativas, e
pensando no homem-mundo como um fenômeno coexistente, é necessário que
profissionais responsáveis a promoção de saúde e de políticas públicas repense sobre o
acesso que essas mulheres têm na construção de uma perspectiva, ou na idealização de
um sonho. Até onde o Estado as permite construir projetos e/ou ações que sejam
impulsionadas por “motivos para” e não apenas na reprodução de “motivos porque”.

 A maternidade para mulher em situação de rua

Quando falamos de maternidade em situação de rua, implementamos também


uma importante discussão em torno de dados e estatísticas de pesquisas que reportam as
vidas dessas mães e crianças. Segundo as pesquisas apontadas pela UNICEF, 150
milhões de crianças e adolescentes estavam em situação de rua no mundo a 11 anos
atrás, enquanto no Brasil apenas em 2012 foi relatado o primeiro e único dado nacional
sobre essa temática, onde foram reportados mais de 23 mil crianças e adolescentes nessa
mesma condição, porém, esse dado foi questionado e sequencialmente desconsiderado
já que não foi capaz de abranger uma amostra fiel a pessoas que passam por essa
vulnerabilidade. Muitos dos estudos encontrados atualmente em relação aos dados
mencionados e as problemáticas acerca dessa realidade, dão início a pesquisas e
projetos para o acompanhamento das mulheres gestantes e, posteriormente, às mães e
crianças que vivem nessa realidade. Entretanto, é comumente relatado a dificuldade em
criar um acompanhamento assíduo e assertivo para o desenvolvimento mais completo
de tais projetos de pesquisas. Isso acontece porque é criado inicialmente o vínculo e a
análise de dados das mulheres que estão gestando em situação de rua, e logo após,
quando as mesmas retornam para as ruas, muitas das vezes, se encontram sem seus
filhos. A grande contestação acerca disso é: quais os caminhos de atenção básica à
saúde dessas mulheres levam a esse desfecho? e qual o desempenho das políticas
públicas sobre essa decisão?

O que fica explícito quando se vai em busca desses questionamentos é que,


infelizmente, ainda hoje os direitos das mulheres e crianças são vulneráveis a atuação do
Estado, ao ponto de se pensar que, o enfrentamento político para a proteção da situação
de rua dessas crianças se dá a partir da separação delas com suas progenitoras.Tal
atuação, resulta em um quadro de violências generalizantes, sem que se questione quais
as condições psíquicas, sociais e políticas que cada uma dessas mulheres enfrentam de
maneira subjetiva, desde a gestação, até o pós parto. Para além disso, é de suma
importância entender conjuntamente, quais dos direitos sociais não estão sendo
averiguados como possibilidade de enfrentamento nesse contexto, tendo em vista que
“São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desempregados, na forma desta Constituição” (Nova redação
dada ao art. 6º pela EC 90/15). Ainda que esses direitos façam parte da constituição, o
que ocorre na verdade é uma judicialização precoce dos casos dessas mulheres que não
possuem garantia alguma de que não vão perder seus filhos ainda na maternidade. Na
prática é determinado que se for realizado um atendimento a uma mulher em situação de
rua, deve ser feita uma notificação a Vara da Infância e Juventude e lá eles irão
determinar o acolhimento do recém-nascido, que resulta, em sua maioria, no
impedimento prescrito do papel da maternidade na vida dessas mulheres. A alegação
para essa conduta é da elucidação de maior bem-estar para as crianças, quando na
verdade, os bebês perdem o direito de convivência familiar porque o Estado apresenta
muito mais recursos para cuidados de acolhimento e institucionalização dessas crianças,
do que um interesse econômico em ampliar recursos que possibilitem o acolhimento e a
prestação de direitos da família, compostas em sua maioria, pela mãe e seu bebê. Isso
resulta na inviabilização da vida daquela mulher que volta para as ruas sem o seu filho,
e por outro lado, na institucionalização e encaminhamento prescritivo dessas crianças
para programas de adoção.

Com o uso do acolhimento dessas crianças de maneira compulsória, na maioria


das vezes ainda na maternidade, o tratamento dessa problemática se apresenta de
maneira disfuncional e cíclica, uma vez que, nesse espaço de acolhimento, às crianças e
adolescentes não se adaptam às normas instituídas evadindo e retornando diversas
vezes, para que possam ter acesso ao uso nocivo de drogas e outras substâncias, para a
busca de parceiros (as) sexuais, entre outras ações que propiciam o mesmo resultado.
Em caso de crianças e adolescentes do gênero feminino, a controvérsia se torna ainda
maior pois sem a garantia de acesso a educação sexual, métodos contraceptivos e
profilaxia, o risco de uma gravidez indesejada, ainda na menoridade, e de contaminação
são alarmantes, o que resulta mais uma vez em uma situação intermitente cujo uma das
causas é a própria atuação de uma política pública não funcional e preventiva.

O preconceito e a visão generalizada dos casos é a principal causa dessas


separações ainda na maternidade, o que contradiz estritamente os conceitos pautados
pela fenomenologia social que vai em direção a uma conduta profissional onde a
“atitude natural” é afastada, para que assim possa haver acesso aos objetos da
consciência, livre dos preconceitos da atitude natural. Isso reforça novamente a ideia de
que aquilo que a gente experimenta cotidianamente como simplesmente dado da
realidade e uma impressão de estímulos, é na verdade constituído pela nossa
consciência a partir de uma série de procedimentos infraconscientes. Nesse sentido, o
exercício de redução fenomenológica na atuação de profissionais desse contexto,
criariam grandes impactos positivos, tendo em vista que, a observação de qualquer
demanda deveria parte de uma “suspensão da crença” do mundo exterior, ou seja, tal
realidade ali apresentada não seria confirmada nem negada, segunda a ideia
Husserliana, ela seria “colocada entre parênteses” acessando o fenômeno da maneira
possível dentro daquela realidade, livre de qualquer estigma carregado por ele na ótica
do senso comum.

Apenas quando é proposto repensar sobre a estrutura de atendimento e


tratamento dos profissionais que trabalham em cima dessa demanda, se torna possível
promover um lugar de escuta com o comprometimento de dar acesso e informações a
respeito serviços de políticas públicas de moradia, geração de renda, educação, saúde ,
entre outras que possam recuperar o poder de escolha dessas mulheres. Para isso, deve-
se levar em conta cada situação, e é necessário que parta dessas mulheres o desejo em
assumir essa filiação e usufruir dos serviços disponíveis, mas antes é preciso que tais
apoios estejam disponíveis para atender a essas demandas. Enquanto for reproduzido
esse tipo de intervenção, nós como profissionais estaremos ignorando e sendo
coniventes a ineficácia do Estado na proteção dessas mulheres e das crianças. Por isso a
importância de um espaço de escuta atenta, onde se perceba a possibilidade de atuar
nesse processo a favor da proteção de uma família, e não na separação dela, partindo do
princípio de que a permanência dessas crianças com as mães é um direito, até que se
comprove total incapacidade da mulher para exercer a maternidade mesmo com todos
os recursos propostos que devem estar disponíveis.

Vale ressaltar ainda que, a maternidade para além de existir como experiência,
existe enquanto instituição. Com isso, a característica institucional que nos percorre
enquanto sociedade, trata qualquer outra maternidade que não se apresente de forma
padrão, como desviante, e portanto, com a necessidade de promover intervenções
corretivas e/ou na interferência de que ela não ocorra. Nesse sentido, em virtude de uma
historicidade patriarcal, o sujeito enquanto mulher já se encontra em situação de
desvalorização na sociedade. E para além disso, quando se trata das condições de acesso
à saúde e aos direitos, a disponibilidade de recursos variam ainda mais a depender de
mulheres homosexuais, negras, indigenas, residentes da área rural e da mulher em
situação de rua. Deixando claro, portanto, uma lacuna nas políticas de atenção à mulher,
que não atende integralmente a demanda de todas elas nesse contexto.

É importante salientar que o papel estatal e social diante dessa situação, não é
apenas de diminuir os resquícios de uma problemática que se dá pela falta de atenção
básica e acesso dessa população em situação de rua. Ou seja, é necessário
implementações de políticas públicas preventivas de acolhimento a essas mulheres, para
que em conjunto, seja possível realizar a proposta de defesa e promoção da prioridade
absoluta do direito de crianças e adolescentes.

 Diretrizes para o atendimento às mulheres/mães e seus filhos


Infelizmente no Brasil, essa problemática se apresenta em grande escala, já que
nos deparamos com um enorme índice de desigualdade social, onde não existem
políticas do âmbito nacional voltadas especificamente a crianças e adolescentes em
situação de rua. A resolução nº. 203 do Conanda , aprovada em 14 de novembro de
2017 “Dispõe acerca da instituição de grupos de trabalho no âmbito dos Conselhos
Estaduais, Distrital e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente para tratar do
tema da promoção, proteção e garantia dos direitos de crianças e adolescentes em
situação de rua.” Nesse sentido, determina-se a responsabilidade de fiscalização sobre
essa realidade como sendo uma demanda municipal e estadual, que por sua vez, não
apresenta potência suficiente para oferecer um atendimento de qualidade a esse público.
A consequência de uma ausência das políticas públicas funcionais nesse contexto, torna
a vida dessas crianças e mulheres, ainda mais suscetíveis a inúmeras violências para
além da que já se vive com a violação de direitos básicos. Por isso, as discussões e
manifestações sobre esse tema, se tornam importantes para que a gente entenda os reais
motivos da carência de políticas públicas que sejam capazes de averiguar as
necessidades dessa população e assim, atender de maneira assertiva, essa demanda que
apresenta grande urgência. Para isso, é preciso compreender as diretrizes fundamentais
que cada poder político pode e deve atender, e qual o exercício a ser feito pela
população, e pelos profissionais que cumprem o papel de promoção à saúde, no
fornecimento desses direitos.

O que se observa historicamente em nosso país é a invisibilidade e


marginalização da população em situação de rua em relação ao desenvolvimento de
políticas públicas e aos órgãos emissores de direitos. Parte dessa invisibilidade ocorre
pela carência de dados atuais e efetivos sobre a quantidade de pessoas que estão em tal
estado de vulnerabilidade. A justificativa apresentada pelo IBGE referente a não
realização dessas pesquisas, é de que não há metodologias que supram a especificidade
dessa população, uma vez que as mesmas não apresentam residência fixa e as pesquisas
realizadas pelo IBGE são a domicílio. Entretanto, ao longo desses anos, diversas
alternativas foram apresentadas com os dados recolhidos de pesquisas autônomas, entre
outras possibilidades, porém não supriram efeito para que dessem iniciativa a coleta de
dados. Em 2014 uma proposta orçamentária foi apresentada ao governo federal para o
levantamento desse senso experimental, no entanto, o que ocorreu na verdade, foi o
desinteresse político para que houvesse um investimento de recursos que caminhasse no
avanço da pesquisa dessa população. O embate com o governo federal está
aparentemente longe de ser finalizado, uma vez que, a revelação desses números indica
grande fracasso de políticas públicas sociais em nível nacional. Vale salientar ainda que,
para além de informativo, a relação de pessoas em situação de rua é um aliado
determinante para que, a partir daí, seja feito um levantamento sobre quantas unidades
de acolhimento institucional, equipes de educadores sociais de rua, centros POP,
consultórios na rua, entre outros serviços e unidades públicas que são voltadas para o
atendimento especializado à essa população, seriam necessários para cada região
geográfica.

Como uma das alternativas para enfrentar essa realidade e o embate com a ação
da retirada compulsória dessas crianças nas ruas e maternidade, o Ministério da saúde e
o Ministério do Desenvolvimento Social remeteram uma nota em conjunto, que
direcionou a ambas as redes de serviços um atendimento para essas mulheres, onde o
trabalho deverá ser articulado desde o pré-natal até o puerpério, tendo como uma das
etapas a inclusão social dessas mulheres, agora mães, juntamente com o seus filhos. A
Nota Técnica Conjunta n.º 001/2016 MDSA e MS, estabelece as “Diretrizes, Fluxo e
Fluxograma para a atenção integral às mulheres e adolescentes em situação de rua e/ou
usuárias de álcool e/ou crack/outras drogas e seus filhos recém-nascidos”, infelizmente
ela não foi produzida no âmbito do GT do Conanda, mas se tornou pauta de discussão
por parte do grupo, gerando importantes encaminhamentos, o que valida ainda mais a
diferença na ampliação desse âmbito de pesquisa com congressos, mesas,
desenvolvimento de artigos científicos, entre outras iniciativas que busquem explorar os
caminhos possíveis para uma ação cada vez mais humanizada e pautada no
acompanhamento de demandas e avaliação individual de cada caso. Entretanto, a
Resolução Conjunta CNAS/CONANDA n.º 1/2017, de 7 de junho de 2017 “Estabelece
as Diretrizes Políticas e Metodológicas para o atendimento de crianças e adolescentes
em situação de rua no âmbito da Política de Assistência Social” ela é a terceira
produção que está nessas diretrizes e diz respeito ao conjunto de orientações para
profissionais atuantes da assistência social.

Tais determinações são estritamente importantes para fortalecer o combate


contra uma política de exclusão que infelizmente se faz presente em nosso Estado. Com
uma história nacional de colonização, a ideia de “higienização” e “esterilização” da
população marginalizada ainda atravessa nossa legislação, e ela se apresenta por
diversas vezes com um único objetivo: unificação de classes. Ainda hoje, no século
XXI, após muitas conquistas de direitos, esse discurso se faz presente nesses contextos
de vulnerabilidade. A compreensão errônea da mulher como a única responsável a essa
situação, não como sendo uma vítima de seus direitos violados, trás propostas incabíveis
de higienização dessas mulheres em situação de rua, o que vai contra todos os direitos
humanos, inclusive direitos reprodutivos e todo o amparo constitucional construído até
hoje. Esse contrassenso só se faz presente por um processo de judiciário retrocedente,
que dão passos para trás em toda a construção de garantia de direitos conquistadas até
aqui, inclusive por muitos movimentos feministas da década de 80, que é marcada por
várias conquistas promoventes de direito a saúde das mulheres, e principalmente as
mulheres negras e em vulnerabilidade, que eram vítimas diretas desses mesmos ideais
esterilizantes. Observa-se nesse sentido que o judiciário se mostra presente na
destituição dessas famílias com o prescritivo de melhores condições de vida para as
crianças e adolescentes mas não necessariamente nas reivindicações para maior número
de acolhimentos para mulheres e crianças em situação de rua, ou em busca de
fortalecimentos de políticas de prevenção e da redução de danos da problemática central
que é a vulnerabilidade dessa população.

Ainda em consideração ao artigo 4º do ECA, ao qual compreende-se que “É


dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” o apoio
dessas crianças e adolescentes deve ser prioridade absoluta, e para que toda a população
seja atendida, e legalmente protegida de maneira igualitária, é necessário que o poder
público e as comunidades se comprometam com articulações que tenham como
fundamento o apoio às famílias em suas funções de cuidado, para além dos
acolhimentos institucionais, trazendo por exemplo, propostas de um recorte
orçamentário específico para investimentos em habitação, cumprindo, portanto, a
garantia que nossa constituição prescreve no Artigo 6º como sendo um direito de toda a
população. Somente assim, se fará possível vivenciar uma política pública funcional
onde, de fato, a criança será absoluta prioridade e a promoção das competências
parentais dessas mulheres poderá ser adequadamente averiguada, buscando formas de
proporcionar um espaço seguro e resiliente para trabalhar o desenvolvimento
psicossocial. Esse trabalho de promoção as políticas públicas em conjunto ao judiciário
se fazem indispensável para que sejam estudadas novas possibilidades de enfrentamento
dos desafios e para mais perspectivas para implementação de novas diretrizes de
maneira mais potente na garantia desses direitos, sem que necessariamente a primeira
alternativa seja a separação dessas famílias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o que, ainda atualmente, entende-se do que é ser “mãe” no


âmbito social, a trajetória de mulheres que não ocupam esse lugar de maneira comum se
torna vulneráveis aos direitos e auxílios prestados pelos profissionais que, de maneira
antiética, constatam sentimentos e determinações normalizantes e até mesmo punitivas.
Tal posicionamento profissional, se distancia completamente da experiência singular do
fenômeno que ali se mostra, não se tornando possível uma análise fidedigna do papel
que a maternidade ocupa na vida de cada mulher, tendo em consideração a experiência
proporcionada dentro de cada contexto.

Nesse sentido, a construção de um reflexão diante do exercício prático e dos


embates de uma política pública funcional, em meio à vivência de mulheres que
experienciam a maternidade em situação de rua, à luz da Fenomenologia Social, foi um
compromisso de grande importância acadêmica, ética e social, visto que é um assunto
por muitas vezes negligenciado e que por isso, deve ser cada vez mais explorado e
discutido, principalmente ao longa da formação, para que assim, se faça possível
ampliar a ótica de profissionais que possam buscar por maior promoção à saúde e
direitos da população em vulnerabilidade. Nesta pesquisa, voltados à compreensão do
mundo da vida de mulheres que se tornam mães em meio a tamanha violência e
carência de direitos. Buscando reconhecer ainda mais as situações enfrentadas por elas
nesse contexto, foi possível perceber a inibição de autonomia e tomada de decisão, até
mesmo para compor suas próprias narrativas. Desacolhidas e marginalizadas por parte
de muitos profissionais, observou-se, a partir de estudos de casos e das leituras, a
necessidade de maior suporte teórico e metodológico no acolhimento e processo de
assistência a essas mulheres e seus bebês e/ou crianças, que são constantemente
privadas do convívio familiar de maneira compulsória .
Em suma, percebe-se que a perspectiva de uma responsabilidade unilateral
dessas mulheres pela situação de extrema indignidade é o grande aliado aos recursos
retrocedentes uma vez que, o que observamos no cenário político atual em nosso país é
um aumento significativo na desigualdade e um investimento não paralelo a gestões
governamentais. Entretanto, a alguns anos as discussões entre os pode jurídico,
legislativo e as organizações acadêmicas de profissionais que se desdobram nesse tema
vem sido construída em direção a construções potentes para que se garanta o exercício
das leis conquistadas até aqui, já que um Estado com ausência de atribuição dos direitos
já presentes em lei, leva a configuração de um Estado autoritário

Por fim, este estudo ressalta a potência da abordagem fenomenológica na


compreensão da maternidade em situação de rua e enfatiza a necessidade de uma
política pública funcional e inclusiva. Ao adotar essa perspectiva, é possível
desenvolver estratégias mais eficazes para apoiar essas mães e garantir um ambiente
seguro e saudável para o desenvolvimento de seus filhos. A superação dos desafios
identificados requer um esforço conjunto de todos os setores da sociedade, visando a
construção de um futuro mais igualitário e justo para as mães em situação de rua e suas
famílias.

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