Você está na página 1de 15

Considerações sobre Ideologia, Autonomia Universitária e a EBSERH

Nelson A. de Souza e Silva*

A EBSERH foi inicialmente apresentada por alguns representantes do poder


executivo central como um consenso. “Só aceitando a EBSERH, afirmavam, poderemos
resolver o problema dos servidores extraquadro, que trabalham em condições precárias, e
da sub-orçamentação dos HUs, bem como, acabar com os funcionários e docentes
vagabundos”.
Este tipo de argumentação é tosco, limitado e mistificador, pois ignora todo o
contexto no qual a discussão se situa. Mas o debate sobre o tema evoluiu, difundiu-se, e
hoje está evidente que os objetivos da proposta da EBSERH eram e são outros e que há
um claro confronto ideológico como pano de fundo, envolvendo diretamente os preceitos
constitucionais da AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA e da INDISSOCIABILIDADE
ENTRE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO e os conceitos das FIGURAS JURÍDICAS
DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS: As Universidades como AUTARQUIAS PÚBLICAS
DE REGIME ESPECIAL e a EBSERH como EMPRESA PÚBLICA DE DIREITO
PRIVADO. Este conflito se estende também à própria inserção da universidade pública na
sociedade e sua função. O entendimento sobre o perfil dos hospitais universitários", a
função desses para a formação de profissionais de saúde e de áreas relacionadas e a
organização e funções do Sistema Único de Saúde Universal, integral e hierarquizado são
também fundamentais para esse debate. Há necessidade de se conhecer em adição o
PAPEL DO BANCO MUNDIAL e suas políticas para a área de Saúde no Brasil, expressas
no RELATÓRIO DE 1983. Políticas essas nas quais se incluem a criação da EBSERH que
foi financiada por esse Banco.
Portanto, o problema criado pela Ebserh não se restringe a discutir apenas um
contrato para entregar a gerência do Complexo Hospitalar da UFRJ e sua unidade
Orçamentária de Saúde a uma empresa pública de direito privado. É preciso sim,
compreender muito mais esse complexo problema e não apenas adotar esse simples
raciocínio. A criação dessa empresa faz parte da contrarreforma do Estado, em execução
desde o golpe de 2015-2016, com as reformas da previdência já aprovada, a reforma da
administração pública, ora em discussão no Congresso, entre outras ações que já
trouxeram e trarão repercussões danosas para o Sistema Único de Saúde (SUS), o sistema
de Educação (Básico, Médio e Superior) e o sistema de Ciência e tecnologia do País,
afetando, portanto, todas as Universidades Públicas.

A suposta neutralidade ideológica dos defensores pseudo-objetivos da ordem


existente só agrava ou dificulta a resolução dos conflitos que surgem dos interesses das

1
forças alternativas que se enfrentam na nossa atual ordem social de dominação e
subordinação estrutural a um sistema perverso representado pelas políticas neoliberais
ditadas pelo capital financeiro. Essas políticas nos levaram à inaceitável concentração de
renda nas mãos de 1% da população em detrimento dos demais 99%, e ao desemprego e
fome para milhões de brasileiros. Associe-se a isto os crimes contra a saúde pública
perpetrados no governo anterior e que provocaram mortes precoces e evitáveis em quase
um milhão de brasileiros durante a pandemia que eclodiu em fevereiro de 2020, como
consequência das políticas de saúde e econômicas errôneas adotadas pelos governos desde
o golpe de Estado de 2015-2016, até 2022. Isto seria o suficiente para nem discutir
qualquer entrega do patrimônio da Universidade para ser gerenciado por essa empresa,
nesse contexto.
Aceitar um contrato com a EBSERH é uma clara tentativa de acabar com a
autonomia universitária, avançar na reforma do Estado e do Sistema Único e Universal de
Saúde pela via neoliberal de construção de um Estado mínimo com a entrega do setor
púbico para empresas de capital público, mas de direito privado, ou mesmo para empresas
de capital privado como está na proposta de reforma administrativa em discussão no
Congresso.
Pela minuta do contrato apresentado, e examinando os contratos firmados com
outras universidades, a UFRJ “ALIENA” seus bens, cede, transfere seu patrimônio, para
ser gerenciado por essa empresa pública de direito privado para, de forma “mascarada”,
justificar essa entrega como sendo necessária para melhorar a “eficiência da gestão” de
nosso complexo hospitalar, como se a Universidade fosse, por definição, ineficiente para
administrar seus bens e mais grave do que isto, afirmando que esta alienação do
patrimônio “não fere a autonomia universitária”.

O Hospital Universitário, hoje Hospital Universitário Clementino Fraga Filho,


criado em 1978, bem como todo o Complexo Hospitalar da UFRJ, com sua Unidade
Orçamentária, criado em 2009, por decisão do Conselho Universitário, trouxeram
conceitos gerenciais inovadores, como estão muito bem definidos nos seus documentos de
implantação. Essas unidades de ensino, pesquisa e extensão, servem de campo de
treinamento para toda a área da saúde e mesmo de fora dela. O HU e o CH também
inovaram ao se inserir no SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE regionalizado e hierarquizado,
dentro do conceito de integração docente-assistencial (Ensino e pesquisa em Serviço), e em
diversos conceitos de organização hospitalar, interrelacionando-se com as outras unidades
acadêmicas da UFRJ e com o Sistema Único e Universal de Saúde (criado na Constituição
de 1988), adotando a teoria de sistemas complexos dinâmicos adaptativos para gerência de

2
suas unidades de saúde e sua integração com todas as unidades acadêmicas de ensino e
pesquisa da UFRJ.

Os Hospitais de ensino não são hospitais apenas assistenciais e, portanto, não


podem ser alienados para “empresas de serviços” de direito privado. Suas funções são
essenciais para os Sistemas de Saúde, de Educação e de Ciência e Tecnologia de nossa
Universidade e para o País e devem ser considerados estratégicos para o desenvolvimento
nacional. Não é possível aceitar que sejam afrontadas a autonomia universitária e a
indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, princípios constitucionais que asseguram
os direitos e garantias fundamentais cristalizados sob a forma da livre manifestação do
pensamento e livre expressão das atividades: científica, intelectual, artística e de
comunicação-informação.

A proposta da EBSERH, como uma empresa de serviços de direito privado, é


inconstitucional, é ilegal e antiética, é uma traição às lutas que se processaram ao longo de
séculos para a manutenção do princípio da autonomia universitária, consolidada no artigo
207 de nossa constituição. Esta autonomia foi outorgada pelo Estado, este sim soberano, e
é uma conquista ideológica e “inalienável” da sociedade. A autonomia universitária é
fundamental para que o corpo social da universidade possa ter a liberdade do pensar sem
restrições, sem influências coercitivas, num debate ideológico perene, em busca da verdade
e não da mentira como é a tônica de grande parte de nossos entes políticos.

Consiste a autonomia na capacidade de autodeterminação e de auto normação


dentro dos limites fixados pelo poder que a institui. "O poder que dita, o poder supremo,
aquele acima do qual não haja outro, é a soberania. Só esta determina a si mesma os
limites de sua competência. A autonomia não. A autonomia atua dentro de limites que a
soberania lhe tenha prescrito". Esta a lição sempre atual de Sampaio Dória.

Vale aqui ressaltar o artigo constitucional sobre a autonomia universitária:

Art. 207 – “As universidades gozam de autonomia didático-científica,


administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio
da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".

3
Nossa Lei Maior preocupa-se em definir o conteúdo da autonomia das
universidades, que abrange “a autonomia didático-científica”, ou seja, suas atividades-fim
e a "autonomia administrativa, financeira e patrimonial", suas atividades-meio.

A autonomia é, portanto, definida única e exclusivamente nos termos da


Constituição e não nos termos de leis infraconstitucionais. O princípio é a liberdade. Este
status implica que as leis infraconstitucionais não poderão restringir ou afetar a
autonomia universitária. É um "mínimo intangível" de proteção reforçada contra o
arbítrio e a invasão dos entes legislativos inferiores ou empresas estranhas à universidade.
Dizer, como temos ouvido, que o contrato não fere a autonomia universitária é um claro
discurso mistificador como veremos ao longo desse documento.

A autonomia didática e científica

No que concerne à autonomia-fim (autonomia didática e científica), devem as


universidades observar, dentre outros, os princípios do próprio artigo 207
(indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão) e os contidos no artigo 206,
particularmente os referentes:

- ao pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;


- a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais;
- a gestão democrática do ensino público, na forma da lei.
- a garantia do padrão de qualidade;

A autonomia científica assegurada às universidades é a manifestação inequívoca


da própria liberdade de pensamento (em seus vários desdobramentos) e de ensino. A
primeira, consagrada dentre os direitos fundamentais da pessoa (art. 5º), a segunda,
assegurada no artigo 206 da Constituição, particularmente em seus incisos II e III, além de
garantir a liberdade de investigação e pesquisa nas universidades e a liberdade de
desenvolver os processos de conhecimento em sua dimensão global. Significa a
responsabilidade de as universidades cumprirem o preceituado no artigo 218 da
Constituição, especificamente voltado para o dever de o Estado promover e incentivar o
desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica.

A autonomia universitária, nas universidades oficiais, tem sua expressão


normativa veiculada nos seus Estatutos e Regimentos. Constituem, pois, estes diplomas os
atos normativos básicos de expressão e manifestação da autonomia universitária, vale
dizer, as normas fundamentadoras da vida autônoma da universidade.
A missão básica da universidade pressupõe, no entanto, a disponibilidade de meios
flexíveis e satisfatórios à plenitude da concreção de seus fins.

4
Cabe acentuar que a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
linhas mestras e os princípios gerais da educação nacional, implementando determinação
da Constituição de 1988, ao explicitar o conteúdo da autonomia universitária não se afasta
do sentido acima mencionado, construído pela doutrina e inequivocamente abrigado pela
Constituição. Ao menos quanto ao conteúdo básico da autonomia universitária, ainda que
dando tratamento minucioso ao preceito constitucional, respeita a amplitude e a extensão
da autonomia universitária, consoante se pode inferir do que dispõe, exemplificando, o
artigo 53, incisos I a VI e seu parágrafo único.
Dispõe o referido artigo 53:
"Art. 53 - No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem
prejuízo de outras, as seguintes atribuições:
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior
previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do
respectivo sistema de ensino;
II - Fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais
pertinentes;
III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção
artística e atividades de extensão;
IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências
do seu meio;
V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as
normas gerais pertinentes;
VI - conferir graus, diplomas e outros títulos;
Parágrafo único - Para garantir a autonomia didático-científica das universidades
caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários
disponíveis sobre:
I - Criação, expansão, modificação e extinção de cursos;
II - Ampliação e diminuição de vagas;
III - elaboração de programação dos cursos;
IV - Contratação e dispensa de professores;
VI - Planos da carreira docente.

A autonomia de gestão financeira e patrimonial


A competência de a universidade gerir, administrar e dispor, de modo autônomo,
seus recursos financeiros é essencial para que a universidade pública possa cumprir suas
atividades fins e pressupõe que a universidade disporá de recursos financeiros
orçamentários e dos demais recursos financeiros de que vier a dispor por outros meios

legalmente admissíveis, gerindo-os e administrando-os de modo


autônomo.
Assim, a universidade tem direito a um orçamento global, como forma de garantir
a consecução de seus fins e objetivos dentro das limitações impostas pela própria
constituição. Para tal, é imperiosa a garantia da autonomia administrativa universitária

5
no poder de autodeterminação e auto normação relativos à organização e funcionamento
de seus serviços E PATRIMÔNIO PRÓPRIOS, inclusive no que diz respeito ao pessoal
que deva prestá-los, e à prática de todos os atos de natureza administrativa inerentes a tais
atribuições e necessários à sua própria vida e desenvolvimento.
No que concerne à disciplina do pessoal docente e técnico-administrativo de ensino,
a autonomia administrativa abrange o estabelecimento do respectivo quadro, a definição
da carreira, os requisitos para o ingresso, a admissão e a nomeação dos docentes e
servidores administrativos, a definição do estatuto do pessoal docente etc. sem ferir outros
princípios constitucionais.
Cumpre ao Poder Público, por força de preceitos expressos na Constituição
Federal, criar e manter a universidade, porquanto é seu dever promover e incentivar a
educação e assegurar o direito ao ensino (art. 205), promover o desenvolvimento científico,
a pesquisa e a capacitação tecnológicas (art. 218), garantir o desenvolvimento nacional
(art. 3º), forçoso é concluir-se que a atribuição de recursos financeiros à universidade é
dever constitucional do ente político que institui uma universidade. Tem esta atribuição
evidente caráter instrumental dessa autonomia-meio. Sem recursos próprios, previamente
determinados e intocáveis, torna-se irremediavelmente inviável a autonomia financeira.
Uma vez atribuídos tais recursos pelo Poder Público competente, passa a

universidade a gerenciá-los de modo autônomo, claro está que para cumprir seus
fins e objetivos constitucionais. Em consequência, parece lógico admitir-se que tem a
universidade "direito" a um orçamento global, como forma de garantir a consecução de
seus fins e objetivos. A inexistência dessa fixação global orçamentária impede à
universidade definir, de modo autônomo, os critérios de utilização de seus recursos, o que
certamente reduz a nada, ou quase nada, a autonomia universitária.
Fica evidente portanto que a universidade não pode entregar seu
patrimônio e nem seu pessoal para serem gerenciados por uma
empresa, ainda que pública, mas de direito privado. Esta tarefa cabe
única e exclusivamente à própria universidade autônoma e como
autarquia especial que é, e que por este motivo, foi assim criada e
ASSIM A CONSTITUIÇÃO O DETERMINA.

A Nova Lei de Diretrizes e bases da educação nacional conforme o disposto no


artigo 55 que, ao estabelecer que "Caberá à União assegurar, anualmente em seu
Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das
instituições de educação superior por ela mantidas" reconhece, ao menos para o âmbito da

6
jurisdição da União, o direito de as universidades serem dotadas de um orçamento anual
global e o dever de a União assegurá-lo.
Outros aspectos da autonomia de gestão financeira e patrimonial são referidos no
art. 53, VIII, IX e X: no art. 54, caput e incisos III, IV, V, VI, VII; no art. 68, 69 e 72.
Desses alguns repetem preceitos constitucionais, outros normas legais específicas relativas
à matéria.
Em suma, a autonomia de gestão financeira e patrimonial, assegurada pela
Constituição, implica o poder dever de os entes políticos, mantenedores de universidades,
de colocarem à disposição destas, todos os recursos necessários para concretizá-la.
Constitui omissão inconstitucional a não concessão, a estes entes autônomos, dos recursos
de que necessitam para cumprir seus objetivos fundamentais.
Consiste a autonomia administrativa universitária no poder de autodeterminação e
autonormação relativos à organização e funcionamento de seus serviços e patrimônio
próprios, inclusive no que diz respeito ao pessoal que deva prestá-los, e à prática de todos
os atos de natureza administrativa inerentes a tais atribuições e necessários à sua própria

vida e desenvolvimento. Tais poderes deverão ser exercidos sem ingerência de


poderes estranhos à universidade ou subordinação hierárquica a outros
entes políticos ou administrativos. Consiste, pois, repito, na autonomia de
meios para que a universidade possa cumprir sua autonomia de fins.
No que concerne com a disciplina do pessoal docente, a autonomia administrativa
abrange o estabelecimento do respectivo quadro, a definição da carreira, os requisitos
para o ingresso, a admissão e a nomeação dos docentes e servidores administrativos, a
definição do estatuto do pessoal docente etc.
A universidade não pode entregar essas funções para empresas
externas.
Assim, se as demais entidades autárquicas existentes no País, ainda que dotadas de
autonomia prevista em lei, pudessem ter seus estatutos aprovados por qualquer
autoridade administrativa, tal não poderia ocorrer com as autarquias universitárias, cujos
estatutos deveriam ser por elas mesmas elaborados e aprovados nos termos da legislação
federal. Bem por isto, a legislação federal do ensino superior determinou tivessem as
autarquias educacionais um REGIME ESPECIAL, do qual uma das características
básicas reside exatamente no exercício da autonomia na forma prevista nos estatutos e
diplomas normativos elaborados pela própria instituição universitária.

Autarquia de regime especial é toda aquela a que a lei instituidora conferir


privilégios específicos e aumentar a sua autonomia comparativamente com as autarquias

7
comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de
personalidade pública."
"Porém, em face da situação, indagar-se-ia: em que consiste o regime especial das
autarquias educacionais, que são as universidades?
"A resposta está exatamente na mencionada Lei 5.540/68, a partir de seu art. 5º, a saber:
a) organização e funcionamento disciplinados em estatutos e em regimentos das
unidades que a constituem;

b) as características elencadas no art. 11;

c) a nomeação de reitores e vice-reitores e diretores e vice-diretores, com observância


do inc. I do art. 16;

d) o regime do magistério regulado pela legislação própria dos sistemas e pelos


estatutos ou regimentos das universidades;

e) o regime jurídico dos servidores previsto na legislação específica de cada sistema


administrativo, podendo ser adotado o regime da Consolidação das Leis do Trabalho;

f) supervisão do Conselho Federal de Educação, que suspenderá o funcionamento de


qualquer universidade, por motivo de infringência da legislação do ensino ou de
preceito estatutário ou regimental, ato este homologado pelo Ministro da Educação.

Em síntese, pode se dizer que a autarquia de regime especial, como soem ser as
universidades educacionais, já na vigência da Lei 5.540/68, só estão submetidas a um
controle finalístico pelo Conselho Federal de Educação, com a aprovação do Ministro de
Estado da Educação. Afora isso, regem-se, na sua plenitude, pelos seus estatutos e
regimentos próprios de cada unidade."
Enfatizo, os Estatutos e os Regimentos universitários, elaborados pela própria
instituição universitária, por força dos comandos constitucionais vigentes, constituem
legítima expressão da autonomia universitária, consagrada como garantia institucional em
nossa Lei Maior. O conteúdo desta autonomia, definido na Constituição, tem a extensão e
dimensão que a legislação recepcionada pela Constituição lhe atribui.
A Universidade é uma entidade normativa. Produz direito; suas normas integram a
ordem jurídica porque assim determinou a norma fundamental do sistema".
"Como contrapartida, a outorga constitucional exige que tais normas estejam voltadas à
otimização dos fins da universidade - ensino, pesquisa, extensão - garantindo a utilização
eficiente de recursos humanos e materiais.
"Esse o conteúdo que deve orientar a autonomia administrativa"

O Estatuto e o Regimento Geral da Universidade, formalizados usualmente mediante


Resoluções expedidas pelos órgãos universitários competentes, são os diplomas normativos,

8
que por força de preceitos constitucionais e legais concretizam o exercício e o conteúdo da
autonomia universitária.

Não há nada que essa “empresa de serviços” possa fazer para


administrar os HUs, que a Universidade autônoma e autárquica especial
não possa fazer com maior competência.
Não pode a universidade alienar seus hospitais universitários e seu pessoal
para serem geridos por esse ente estranho à universidade. Cedidos para essa
empresa, o patrimônio e o pessoal dos hospitais universitários deixam de ser
gerenciados pela Autarquia Especial criando um enorme conflito administrativo.

Devido a inconstitucionalidades na lei que criou a EBSERH, o procurador-


geral da República Roberto Gurgel ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF)
em 03/01/2013, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4895) contra
dispositivos da lei que autorizou a criação da EBSERH. Gurgel considerou que a
lei violava dispositivos constitucionais ao atribuir à EBSERH a prestação de um
serviço público.
O STF, através da relatoria da Ministra Carmen Lucia, se pronunciou a respeito
dizendo que a Criação da Ebserh não fere a Constituição. Realmente, o poder Executivo
pode criar uma empresa pública de direito privado, mas não para prestar um serviço
público que já é prestado pelo Estado através do Sistema Único de Saúde. (SUS). Mas este
não apenas um dos questionamentos. Existem outros. Esta empresa não pode construir seu
patrimônio o recebendo das universidades autárquicas, nem que seja por contrato. Além
do mais, a empresa recebe todo o pessoal da área de saúde da universidade. O pessoal da
universidade só pode ser cedido através de publicação individual dessa cessão em diário
oficial e com a aquiescência por escrito de cada funcionário. Mais ainda, a empresa por ser
uma empresa de serviços hospitalares não tem competência legal para atuar nas áreas de
ensino e pesquisa e, portanto, fere o princípio constitucional de indissociabilidade entre
ensino-pesquisa-extensão conferido às autarquias especiais (Universidades). A gerência do
patrimônio ou de pessoal não pode ser feita por uma empresa pois essa é função
constitucional das universidades autárquicas.
Acho que fica bem claro nas linhas acima, que a Universidade
não pode e não deve alienar seu patrimônio para ser gerenciado por

9
empresas de qualquer natureza. Gerir seu patrimônio e seu pessoal é
sua função Constitucional como Autarquia Especial.

Julgo também, que o orçamento para os hospitais de ensino deve vir para a
universidade a partir de um acordo tripartite entre os ministérios da Educação, da
Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação, com a participação do Ministério do
Planejamento. Cabe à universidade propor este orçamento a ser negociado
diretamente no MEC e no Congresso Nacional (Lei orçamentária anual), dentro
dos limites constitucionais e em bases estritamente técnicas e de políticas
institucionais. O decreto que criou o REHUF (Decreto nº 7.082, de 27 de janeiro de 2010,
que institui o Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF),
dispõe sobre o financiamento compartilhado dos Hospitais Universitários Federais entre as áreas da

educação e da saúde e disciplina o regime da pactuação global com esses hospitais) apontou nessa
direção ao conferir aos Hospitais universitários a gerencia desses recursos
orçamentários através de unidades orçamentarias próprias, criadas na ocasião. A
gerência desses recursos orçamentários tem que ser executada pelas próprias
universidades, sem intermediação de qualquer empresa. Não cabe entregar esses
recursos para uma empresa pública de direito privado como intermediária entre o
MEC e as universidades e muito menos gerenciar esses recursos que são dos
Hospitais Universitários.

Estamos diante de uma luta ideológica, queremos uma universidade


pública, autônoma e de qualidade como determina a constituição. Não queremos
uma universidade “prestadora de serviços” através de uma empresa de direito
privado. Nossos hospitais prestam serviços de saúde, mas esta não é a finalidade
única. Uma empresa prestadora de serviços, não pode ensinar e nem pesquisar e
nem executar atividades de extensão.
Portanto os hospitais universitários que foram entregues à EBSERH, deixaram de
ser HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS e passaram a ser HOSPITAIS DE SERVIÇOS
HOSPITALARES DA EBSERH. Isto precisa ser revertido, por ser inconstitucional.

Para dar mais à análise do tema, pergunto: a quem interessa,


ideologicamente, apresentar inveridicamente a universidade pública como
ineficiente e corrupta? A Universidade sempre foi uma das instituições onde a

10
corrupção sempre foi combatida e onde a “busca incessante da verdade é a única
verdade possível” (Anísio Teixeira).
A luta pela autonomia universitária é de todos. A Universidade tem que
cumprir suas funções definidas pela sociedade. Só assim ela será um instrumento
da própria sociedade para transformá-la de modo contínuo.
Universidade não é Empresa e suas finalidades, BEM DFINIDAS
EM SEUS ESTATUTOS E REGIMENTOS, são diversas e conflituosas
com os objetivos de uma empresa.

Segundo a Constituição Federal, uma empresa pública é uma entidade dotada de


personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e administrada
exclusivamente pelo poder público. A empresa pública deve ser criada por lei para atuar
em uma atividade econômica ou de prestação de serviços públicos. Disso decorre a sua
sujeição a um REGIME JURÍDICO HÍBRIDO, pois ao mesmo tempo em que devem se
submeter a certos postulados de direito público também precisam observar o regime
próprio das empresas privadas.
Nos termos do art. 173 da Constituição de 1988, essas empresas devem sujeitar-se
ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e
obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Cabe aqui destacar que, excetuados os casos expressamente previstos na própria
Constituição, o Estado só pode desempenhar atividades econômicas quando necessário aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos
em lei (art. 173, CRFB]).
Em linhas gerais, pode-se dizer que os serviços públicos devem decorrer expressa
ou implicitamente da Constituição, não sendo lícito ao legislador infraconstitucional, ao
seu alvedrio, retirar atividades econômicas do âmbito privado para sujeitá-las ao regime
jurídico próprio dos serviços públicos. Os serviços públicos são destinados precipuamente
à satisfação de direitos fundamentais mediante a prestação direta e imediata de utilidades
aos administrados. Em outros termos, o serviço público é um meio de assegurar uma
existência digna ao ser humano, afirmação essa que não se aplica às atividades econômicas
monopolizadas.
Portanto, em face do art. 173 da Carta Política, deve ser tida por
inconstitucional a concessão de qualquer privilégio em favor de empresas estatais que
explorem atividades econômicas. Em sentido estrito deve ser considerado empresário
“quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a
circulação de bens ou de serviços”. Então, é consequência lógica a afirmação de que o

11
Estado deve valer-se de sociedades empresárias sob seu controle, denominadas
genericamente empresas estatais, para exercer atividade econômica organizada para a
produção ou circulação de bens ou serviços. Para isso, demanda autorização legislativa
específica, conforme determinação do inciso XIX do art. 37 da Constituição. As demais
atividades a cargo do Estado devem ser exercidas diretamente pelos entes
federativos, através de seus diversos órgãos, ou mediante a instituição de
autarquia, associação pública ou fundação estatal, cuja criação também exige lei.

As empresas estatais são proibidas de desempenhar qualquer


serviço ou atividade que implique o exercício de poderes típicos de
Estado. No caso em discussão o Estado criou na constituição de 1988 o
Sistema Único de Saúde para prestar serviços de Saúde. Portanto, uma
Empresa pública de serviços hospitalares não pode assumir funções do
Estado.

Sociedades empresárias também são entidades inadequadas para o


desempenho de outras atividades que não tenham conotação econômica, mesmo
que não impliquem o exercício de funções típicas de Estado, tais como os serviços
de educação ou saúde, prestados gratuitamente à população (art. 196 e 206,

CRFB). Isso porque, conforme está explícito no art. 981 do Código Civil, as

sociedades empresárias destinam-se exclusivamente à


exploração de atividades econômicas com a finalidade
de partilha dos resultados entre os sócios.

Portanto, a Ebserh, por ser uma emprese publica de direito privado, para
prestar serviços assistenciais de saúde, não deveria estar exercendo essa função
visto que para prestar serviços de saúde existe o SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
criado com esta finalidade e que por ser público e gratuito não pode ser substituído
em sua função por uma empresa. Adicionalmente esta empresa deveria ter
patrimônio próprio, mas está utilizando patrimônio das universidades autônomas
e autárquicas sem nenhuma contrapartida para as Universidades. As
Universidades cedem seu patrimônio próprio que por obrigação constitucional tem

12
que ser gerenciado pela autarquia especial (Universidade) e não ser entregue a
uma empresa para gerenciá-lo. A empresa não tem condições de executar seus
serviços dentro da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão. Se a sua função
estabelecida em lei é única e exclusivamente prestar serviços de saúde, não poderá exercer
atividades de ensino e pesquisa e assim descumpre a constituição pois dissocia a prestação
de serviços do ensino, da pesquisa e até da extensão pois esta última não significa apenas a
prestação de serviços de saúde.

Nos contratos que a Ebserh tem feito com as universidades que a ela aderiram, os
funcionários estatutários estão sendo alocados nos Hospitais sem que sejam cedidos
oficialmente através de publicação no diário oficial e sem a devida aquiescência por escrito
do funcionário cedido. Isto representa uma clara ilegalidade.

A Ebserh tem contratado pessoal de saúde para os hospitais a ela cedidos, com isto
ocupa vagas de servidores públicos que deveriam ser alocadas para as universidades. Já
são mais de 40.000 contratados pela EBSERH. Com isto, as universidades perderão
gradativamente seus funcionários RJUs que se extinguirão e a universidade não mais terá
funcionários para as áreas de saúde. Serão todos funcionários da Ebserh. A universidade
não mais poderá fazer seu planejamento sobre a necessidade de pessoal de saúde e seu
treinamento e administração pois estes são contratados pela Ebserh.

A situação dos professores é mais grave pois a Ebserh não pode por lei, contratar
professores e estes perderão seu campo de trabalho. Os hospitais contratados com a
EBSERH não mais são hospitais universitários pois em nada se assemelham a este conceito
claramente definidos em 1978.

Os professores da Faculdade de Medicina, da Escola de Enfermagem, da Escola de


Serviço Social, entre outras, serão dissociados da integração docente-assistencial
duramente conquistada no passado. Isto caracteriza novamente o descumprimento do
artigo 207 da constituição.

Finalmente, as universidades que assinaram contrato com a Ebserh perderam todo


o seu corpo de Residentes que agora são selecionados pela Ebserh e treinados pela Ebserh,
sem nenhum relacionamento com as Universidades. A formação médica e de outras
profissões estará seriamente comprometida ao desvincular estes alunos do convívio e
treinamento universitário.

13
Sessenta e três anos dos meus 81 anos de vida foram dedicados à UFRJ (Universidade
do Brasil). Contribui, junto com inúmeros professores, técnico-administrativos em ensino e
alunos, para a criação do Hospital Universitário, do Instituto do Coração Edson Saad, do
Instituto de Saúde Coletiva, do Complexo Hospitalar da UFRJ, da Coordenação de Extensão
do CCS, da Pró-reitoria de Extensão, da Pós-graduação de Clínica Médica, do Centro de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CDCT) da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de
Janeiro, do Programa Nacional de Educação e Controle da Hipertensão Arterial do Ministério
da Saúde entre outros. Não posso chegar nas últimas décadas de minha vida vendo todo o
patrimônio do Complexo Hospitalar da UFRJ, construído ao longo de todo o século XX, ser
entregue a uma Empresa de Direto Privado criada pelo Banco Mundial visando restringir a
atuação do Sistema Único de Saúde. Esse Sistema Universal, integral, hierarquizado,
construído ao longo de décadas com o esforço de gerações de profissionais de saúde,
segundo o Banco Mundial, deve deixar de ser universal para atuar apenas “focalizado” na
atenção básica de saúde deixando a atenção de alta complexidade nas mãos de empresas de
direito privado ou de organizações sociais. O que é a EBSERH que não uma empresa pública
de direito privado para gerenciar todos os Hospitais universitários e de alta complexidade do
País!.
Por este motivo decidi escrever este extenso documento para levá-lo à análise do
Conselho Universitário da UFRJ visando subsidiar a sua decisão AUTÔNOMA sobre assinar ou
não o contrato com essa empresa pública de direito privado. Esse gerenciamento de
instituições públicas por empresas de direito privado foi denominado pelo Banco Mundial de
“publicização” das instituições públicas que não podem ser privatizadas, como as
universidades públicas.
Procurei demonstrar com base na Constituição Federal, que a autonomia
universitária está gravemente ameaçada, bem como os sistemas de Educação, de Saúde e de
Ciência e Tecnologia públicos.
A universidade não pode perder a gerência de seu Complexo Hospitalar.
O que devemos exigir do governo, como uma AUTARQUIA ESPECIAL AUTÔNOMA
que somos é que o Programa REHUF, este sim, corretamente criado para que os Hospitais
universitários tenham recursos orçamentários suficientes, provindos dos Ministérios da
Saúde e da Educação e gerenciados pelas próprias universidades e que atualmente está
entregue à EBSERH, retorne para ser gerenciado pelas Universidades através de suas
unidades Orçamentárias.

14
As Universidades deveriam criar um Complexo de Hospitais Universitários
gerenciados pelas próprias universidades. Sem empresas intermediárias.
Os recursos orçamentários dos Hospitais universitários estão sendo desviados para
essa empresa administrar de modo ilegal, TANTO OS RECURSOS ORÇAMENTÁRIOS
DO REHUF COMO OS RECURSOS PROVENIENTES DA PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS HOSPITALARES (FUNDO NACIONAL DE SAUDE) que são das
universidades. As universidades estão perdendo a gerência de seu pessoal e de seu
patrimônio que deveriam ser inalienáveis.

Rio, 17/10/2023

*Nelson Albuquerque de Souza e Silva


Professor Emérito
Universidade Federal do Rio de Janeiro

15

Você também pode gostar