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São Paulo
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São Paulo
2019
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Banca Examinadora
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AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 09
1 PERCURSO METODOLÓGICO ....................................................................... 15
2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA COLONIZADORA .............................. 24
2.1 A educação colonizadora ............................................................................ 24
2.2 O processo de colonização dos corpos e das mentes dos povos
indígenas ............................................................................................................ 35
2.2.1 SPI: O projeto desastroso ........................................................................... 39
2.2.2 GRINs: soldados nas aldeias ...................................................................... 42
3 A EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA OS POVOS INDÍGENAS DO AMAPÁ E
NORTE DO PARÁ ............................................................................................... 56
3.1 A Constituição Federal de 1988: o direito a Educação Escolar
Específica e Diferenciada .................................................................................. 56
3.2 O Núcleo de Educação Indígena enquanto órgão gerenciador da
Educação Escolar Indígena no Estado do Amapá e Norte do Pará .............. 68
4 A INTERCULTURALIDADE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ........... 75
4.1 Os desafios da educação intercultural ..................................................... 75
4.2 A luta do movimento indígena por uma educação intercultural crítica .. 78
5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERCULTURAIS NO CURRICULO EM
AÇÃO NAS ESCOLAS INDÍGENAS WAJÃPI .................................................... 103
5.1 Os Wajãpi da Pedra Branca do Amapari .................................................... 103
5.1.1 A implantação da educação escolar para os Wajãpi. ................................. 112
5.3 Práticas Pedagógicas Interculturais dos Professores do Sistema de
Organização Modular de Ensino Indígena. ...................................................... 125
5.3.1 O planejamento das Aulas .......................................................................... 126
5.3.2 As Metodologias .......................................................................................... 133
6 CONCLUSÃO ................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 154
9
INTRODUÇÃO
No quinto capitulo, foi feito uma abordagem histórica dos Wajãpi a partir do
século XVII e a sua organização social, política e econômica. Posteriormente,
abordamos a introdução da educação escolar, que ocorreu a partir do contato oficial
pela Funai na década de 1980, com a permissão da entrada de missionários para
atuarem como educadores e a construção de escolas para dar continuidade a
politica indigenista do governo. E, finalizou-se o referido capítulo apresentando os
resultados da pesquisa de campo realizada com os professores do SOMEI/WAJÃPI,
de acordo com o problema e os objetivos deste estudo, procurando identificar as
práticas pedagógicas interculturais críticas que estão voltadas para o
reconhecimento dos saberes e da cultura indígena e o estabelecimento do diálogo, a
partir da perspectiva de Paulo Freire, entre tais saberes e o saber escolar.
15
1 PERCURSO METODOLÓGICO
3
O SOMEI é a maneira de organização modular do currículo do ensino fundamental (anos finais) e médio, para
atender os alunos indígenas das áreas de Oiapoque (Galibi Marworno, Galibi Kalinã, Palikur e Karipuna) e
Pedra Branca do Amapari (Wajãpi). As disciplinas são ofertadas de forma intensiva em módulos com duração
de 30 a 50 dias.
4
O quadro docente do SOMEI/WAJÃPI é composto por 10 professores, mas somente três desenvolvem um
trabalho pedagógico voltado para os objetivos propostos nesta pesquisa.
16
Nesta perspectiva, Malinowski (1986, p. 29), também destaca que nem todos
os fenômenos podem ser registrados pela realização de entrevistas, questionários
ou documentos estatísticos, portanto, o autor propõe a observação do que ele
denomina de imponderáveis da vida real:
Vivendo na aldeia, sem quaisquer responsabilidades que não a de observar
a vida nativa, o etnógrafo vê os costumes, cerimonias, transações, etc.,
muitas vezes; obtém exemplos de suas crenças, tais como realmente os
nativos as vivem. [...]. Em outras palavras há uma série de fenômenos de
suma importância que de forma alguma podem ser registradas apenas com
o auxílio de questionários ou documentos estatísticos, mas devem ser
observados em sua plena realidade. A esses fenômenos podemos dar o
nome de os imponderáveis da vida real. Pertencem a essa classe de
fenômenos: a rotina do trabalho diário do nativo; os detalhes de seus
cuidados corporais; o modo como prepara a comida e se alimenta; o tom
das conversas e da vida social ao redor das fogueiras; a existência de
hostilidade; as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas, a
maneira sutil [...].
bem como, olhar a relação que mantém com as comunidades indígenas e os alunos
dentro e fora da escola, como ensinam e aprendem no cotidiano na escola e nas
aldeias. O ato de olhar e ouvir, de acordo com Oliveira (2002, p. 25) é
acompanhado do Escrever:
Se o olhar e o ouvir podem ser considerados como atos cognitivos mais
preliminares no trabalho de campo [...] é, seguramente, no ato de escrever,
portanto na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do
conhecimento torna-se tanto ou mais crítica.
(textos, cartolina, pincel, tesoura, lápis de cor e cola) foram os que a professora
levou de Macapá que comprou com seus próprios recursos.
Após a realização da pesquisa com a professora Lídia, fui para outra aldeia
onde estava trabalhando o professor Roberto de História, lá fiquei por 15 dias,
período em que fiz as observações e as entrevistas. As condições da escola eram
semelhantes a que descrevi anteriormente. O professor também levou seu próprio
material didático: livros, textos, cartolina, pincel, cola e outros para os alunos
confeccionarem os cartazes e mapas.
A pesquisa com a professora Judite de Ciências, ocorreu na entrada do 2º
módulo do ano de 2019, fomos no mesmo carro até a aldeia central e, de lá
pegamos uma voadeira até a aldeia de destino. Passei 20 dias na escola realizando
o trabalho de campo e as entrevistas. O prédio da escola também não apresentava
condições de funcionamento, durante as chuvas, ficava difícil ministrar aula, porque
molhava toda a sala, o banheiro é fora do alojamento e apresentava riscos de
desabamento. Mesmo assim, a professora desenvolveu o seu trabalho.
Segundo André (2003), as condições de trabalho do professor devem ser
levadas em consideração quando investigamos a sua prática pedagógica, é o que a
autora denomina de dimensão institucional que abrange a conjuntura em que o
professor atua. Neste sentido, para entendermos o abandono, pelo poder público,
das escolas indígenas temos que analisar as politicas públicas de educação a nível
Federal e Estadual voltadas para os povos indígenas. Em relação aos materiais
didáticos, o censo escolar de 2017 do Ministério da Educação (MEC), indica que
apenas 53,5% das escolas possuem material didático específico para cada etnia, ou
seja, o restante não tem acesso a tais materiais, ou utiliza os das escolas urbanas
ou de outras etnias. Além do material didático específico, também na maioria das
escolas não existe biblioteca e outros espaços necessários para qualidade do
ensino5.
A outra dimensão, apresentada pela referida autora, está relacionada com os
processos de ensinar e aprender, denominada de pedagógica. Na práxis
pedagógica, os sujeitos, educador e educando, ensinam e aprendem mediatizados
pelo mundo (FREIRE, 2014), fato evidenciado na afirmação dos professores de que,
na aldeia, não só ensinam, mas principalmente, aprendem com os alunos e os
5
No 3º capitulo abordamos as condições das escolas indígenas no Brasil.
21
6
As categorias, que estão direcionadas para os objetivos do estudo, englobam uma diversidade de temas, de
acordo com as aproximações entre si, que, por meio da análise, expressam sentido.
23
7
O autor denomina de Eurocentrismo [...] o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração
sistemática começou na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes
são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente
hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. (QUIJANO, 2005, p. 229).
27
8
Trecho citado pelo autor retirado da obra “Breve Relato da Devastação nos Países da Índia Ocidental”, escrita
pelo Frei Bartolomeu de Las Casas em 1542.
30
2.2 O processo de colonização dos corpos e das mentes dos povos indígenas
A colonização de povos nativos nas Américas foi um dos maiores eventos
catastrófico da história da humanidade, foram milhões que aqui enfrentaram
diversas violências que os levou ao extermínio, outros conseguiram resistir e
perpetuar seu grupo no país multicultural do passado e do presente. De acordo com
Ribeiro (2017) o espanto não está na morte de inúmeros índios, uma vez que, contra
eles se travou uma guerra de extermínio sem paralelo na história, de duração
36
cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral”. Uma afirmativa que
os indígenas existiram e continuam a existir, de forma insistente, calcada na
resistência, apesar da depopulação ocasionada por epidemias, armas letais, sede e
fome. Para a autora os índios estão no Brasil para ficar.
A colonialidade do poder se materializou na implantação, pelo Estado, de
políticas indigenistas pautadas em ação de apagamento, no sentido de deixar de
existir como selvagem, transformando-os em cidadãos civilizados integrados à
comunhão nacional. Nesse sentido, Heck (1995) pontua que, ao analisarmos as
políticas indigenistas do Estado, não se pode desconsiderá-las como políticas de
seu interesse. Para assegurar a dominação, o Estado utilizou instrumentos de
coerção, dentre os quais as Forças armadas, com o intuito de assegurar os seus
interesses. Nesse sentido, é que Heck (1995) atribui ao Estado colonizador, as
práticas violentas ocorridas nos últimos anos com a população indígena do país.
Contudo, documentos relatam as perversidades realizadas pelo Estado 9
enquanto estrutura organizacional e política de uma nação. Estado que, para Pereira
(1995, p. 5) “É a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato social ou de
um pacto político, que garante legitimidade ao governo [...] o Estado é o aparato
organizacional e legal que garante a propriedade e os contratos.”
É importante observarmos que as propostas de políticas indigenistas
implantadas no início do século XX, foram na verdade, políticas fracassadas como
por exemplo, a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de
Trabalhadores Nacionais (SPILTN), posteriormente sucedidos pelo Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), todos projetos
integracionista calcados na corrente positivista. O positivismo esteve presente em
diversas esferas em nosso País, no governo federal, no legislativo, na academia,
9
O conceito de Estado é impreciso na ciência política. É comum confundir-se Estado com governo, com Estado-
nação ou país, e mesmo com regime político, ou com sistema econômico. Na tradição anglo-saxã, fala-se em
governo e não em Estado. Dessa forma, perde-se a distinção entre governo e Estado, o primeiro entendido como
a cúpula político-administrativa do segundo. Na tradição europeia, o Estado é frequentemente identificado ao
Estado-nação, ou seja, ao país. Expressões como “Estado liberal” ou “Estado burocrático” são normalmente uma
indicação que a palavra “Estado” está sendo utilizada como sinônimo de regime político. Finalmente, expressões
do tipo “Estado capitalista” ou “Estado socialista” identificam o Estado com um sistema econômico. É válido
utilizar expressões como essas quando desejamos definir o tipo de Estado predominante em diferentes tipos de
regimes políticos e modos de produção. Nesse caso, não estamos confundindo o Estado com o regime político ou
com o sistema econômico, mas simplesmente dizendo que o Estado em uma democracia será diferente de um
Estado em um regime autoritário ou que o Estado no capitalismo é diverso do Estado no feudalismo ou no
estatismo. De qualquer modo, neste trabalho, o Estado será claramente diferenciado dos conceitos de governo, de
Estado-nação ou de regime político. O Estado é uma parte da sociedade. É uma estrutura política e
organizacional que se sobrepõe à sociedade ao mesmo tempo em que dela faz parte. Ver Bresser Pereira (1995,
p.5).
38
12
Ver em Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-maranhao-barbarie-contra-os-indios-
gamela Acesso em 12/11/2017.
42
Fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+esc
ola+de+pm+formou+indios-soldados.shtml# Acesso em 17/11/2017. Acesso
em: 10 de junho de 2017.
14
Na ditadura, escola de PM formou índios-soldados. Disponível em:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+escola+de+pm+formou+indios-
soldados.shtml#.%20Acesso%20em%2017/11/2017. Acesso: 17/11/2017.
44
Segundo o citado autor, quatro meses após a formatura dos GRINs a policia
indígena passou a ser manchete nos jornais. O jornal Estado de São Paulo publicou
notícias escabrosas incluindo espancamentos e arbitrariedade sobre a atuação dos
guardas entre o povo Karajá. Entre essas arbitrariedades, houve também a tentativa
de instituir uma casa de prostituição dentro da aldeia, essas e outras práticas
fomentaram intensamente conflitos internos envolvendo caciques, conselhos tribais
e outras lideranças.
É evidente que a introjeção de uma nova liderança estranha a cultura
indígena trouxe desestruturação à ordem social do grupo. O modelo fomentou
divisões internas e intertribais, criou um intenso conflito nas aldeias. Considera-se
uma das experiências mais desastrosas instauradas pelo Estado, na qual os
45
15
André Campos, 31 anos, é autor de reportagens e documentários investigativos e pesquisa há cinco anos as
cadeias indígenas da ditadura. Uma de suas reportagens foi publicada no site:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+escola+de+pm+formou+indios-
soldados.shtml#. Acesso em: 12 de junho de 2017.
46
16
O Reformatório Agrícola Indígena Krenak, foi criado em 1969, na região onde viviam o povo Krenak, situado
no município de Resplendor, no Vale do Rio Doce (MG). Sua instalação ocorreu dentro da área do Posto
Indígena Guido Marliére. Administrada pela Polícia Militar, sob os comandos do Capitão Pinheiro, tinha como
função reeducar os indígenas para reintegrá-los a outras populações. Ocorre que o reformatório ficou conhecido
como presídio indígena, haja vista que os índios eram torturados, forçados ao trabalho e tratados
desumanamente. Ver ( BARBOSA, 2016).
50
Aos arredios, era necessário atraí-los para sua colonização plena. Aos que já
mantinham o contato com os regionais, carecia de assistência e educação, e
àqueles situados em áreas fronteiriças, o trabalho na produção bovina era essencial
como marcador de território em plena expansão.
Diversos descasos nesses postos foram evidenciados, dentre os quais: índios
abandonados à própria sorte, o desaparecimento das populações indígenas e a
situação horrenda eram as mais cruéis que se possam imaginar. Aconteciam
também raptos de índias, vendas de crianças, trabalho escravo, torturas, doenças,
expropriação de terras indígenas, enriquecimento ilícito de agentes indigenistas
considerados como as mais agravantes nesse cenário. (BARBOSA, 2016)
A Comissão de Inquérito instaurado para averiguar as condições em que
viviam os nativos sob os cuidados do órgão indigenista foi esclarecedor dos fatos.
Relatos sobre o abandono dos índios à própria sorte se fizeram num longo período
em que o SPI fora o responsável por essa população. Abandonados à pobreza
extrema, sofriam de diversas doenças, levando-os a óbito, incluindo crianças. Nesse
sentido, sobre os índios, evidenciamos no Relatório Figueiredo (fl.1197/62):
Vem sendo dizimados, apresentando-se acabrunhados, doentes, desnutridos,
vivendo em chogas e dormindo sobre o solo [...] Se há um SPI e o resultado
de suas atividades, até agora, é tão melancólico. Algo não está funcionando.
Nessa altura o sr. Diretor fez um intervalo e mostrou fotografias para que
fossem observadas com senso crítico. Índios vivendo em contato com a
civilização há mais de 30 e 40 anos e que habitam em palhoças, doentios,
ventres volumosos e subnutridos.
contratada para sua manutenção. Neste cenário, foram encontrados dois índios, um
doente e outro preso:
Encontramos a “enfermaria” – antro objeto e sórdido – ocupado
conjuntamente por cães, porcos e uma doente, no mesmo quarto infectado.
O instrumental estava completamente deteriorado, apesar de o chefe haver
contratado sua própria esposa para “supervisionar” o antro. Ainda ali,
encontramos um índio preso, cujo dorso, riscado de muitas cicatrizes
longas, indicava ser resultado de chicotadas. Instado a responder, o
desgraçado demonstrou verdadeiro pânico e não declarou a origem das
cicatrizes. (RELATÓRIO FIGUEIREDO. PROCESSO Nº 4.482/1968.
VOL.20,P.4918).
Afirma o referido relatório que Marina Alvez de Souza, esposa do agente Acir
e professora do quadro do SPI, ordenava como castigo, colocar índios dentro de um
fosso cheio de excrementos humanos. Não é de se duvidar que, como tal,
exercendo o ofício de magistério, praticar barbárie como essas com as crianças. Os
crimes eram adotados quase sempre pela família de agentes: esposas e filhos eram
cumplice das torturas.
Alguns agentes eram afastados dos cargos pelas truculências,
espancamentos, vendas de casas, desvios de renda indígena entre tantos outros
crimes. Mas, apesar de terem cometido crimes de extrema barbárie, algum deles
destituído do quadro do SPI, ainda retornavam por meio de contrato pelo órgão.
Desta forma, podemos afirmar que o SPI enquanto aparelho do Estado, ignorou
diversos crimes. Entre vários casos agravantes, o SPI não tomava nenhum
posicionamento, omitindo-se, como foi o caso do esfaqueamento do índio Coraci,
morto pelo agente João Batista. (BARBOSA,2016).
João Batista, além de torturador, foi denunciado por raptos de índias. Entre as
torturas, chamou a atenção o caso Lalico, menino Umutina de 14 anos que vendeu 5
quilos de ipecacunha para comprar gênero alimentício para sua mãe. A produção de
ipecacunha era realizada pelos índios sob a ordem de João Batista (o encarregado)
que atrasava seus pagamentos. O encarregado castigou o adolescente com
espancamentos pendurando-o pelos polegares permanecendo o dia todo.
(RELATÓRIO FIGUEIREDO, vol. 18-22).
A atitude de Lalico e diga-se de muitos índios, foram impulsionadas pela
miséria, submetidos à fome, apesar de produzirem alimentos para o abastecimento
dos encarregados e seus familiares. Muitos desses índios contraíram doenças pela
má alimentação, geralmente alimentavam-se de grãos de milho seco e mamão
55
torná-los força de trabalho para atender aos interesses do capital. As relações que
se estabeleciam eram de dominação e homogeneização cultural.
Desta forma, não pretendendo mais integrar os povos indígenas na
comunhão nacional, mas por meio do reconhecimento de seus direitos legítimos, a
Constituição de 1988, adotou uma postura de respeito à pluralidade étnica e à
diversidade cultural, assegurando o direito de ser diferente, afastando a
possibilidade legal de qualquer forma de discriminação, como decorrência direta da
liberdade e da igualdade, o que constitui o princípio da proteção da identidade como
o direito de ser diferente. (ANTUNES, 1998).
O respeito à cultura indígena com a garantia de sua organização social,
conforme seus usos e costumes assegura a manutenção/desenvolvimento de suas
línguas e identidades, bem como a aceitação das concepções de espaço e tempo
para o desenvolvimento social, econômico, politico e religioso de acordo com cada
etnia. Isto posto, a Constituição pode ser um poderoso instrumento para a
construção de um futuro mais promissor em termos de direitos humanos para esses
povos, haja vista, que está constitucionalmente proibido qualquer compreensão legal
voltada para a afirmação direta ou indireta da superioridade cultural da sociedade
envolvente em relação aos indígenas.
Também cabe ao Estado, de acordo com o texto constitucional, não só a
proteção das manifestações culturais indígenas como apoiar e incentivar a sua
valorização e a difusão, o que confere uma maior visibilidade a essas populações.
Destarte, tais mudanças na carta magna em relação aos direitos e
especificamente a educação escolar, são resultados da pressão junto ao poder
legislativo, realizada pelos movimentos sociais indígenas organizados a nível
nacional, juntamente com apoio de intelectuais e religiosos. (TASSINARI, 2008).
A referida autora considera como aspecto mais inovador, o reconhecimento
de que esses povos possuem seus próprios processos de aprendizagem que devem
ser considerados pela escola. Aponta as dificuldades de reconhecer a legitimidade
das pedagogias indígenas como o principal desafio das políticas públicas voltadas
para a educação escolar.
Há, no entanto, uma grande dificuldade em elaborar políticas públicas que
respeitem “os processos próprios de aprendizagem”, conforme previsto na
legislação, e acreditamos que isso decorre da mesma dificuldade
etnocêntrica de que sofrem os livros didáticos: a recusa em reconhecer a
legitimidade de conhecimentos que não são transmitidos pela linguagem
oral e, principalmente, por intermédio da escrita. ( TASSINARI, 2008, p. 10)
60
17
Documento final da I conferência de educação escolar indígena. Disponível em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/deliberacoes_coneei.pdf. Acesso em: 09 de
novembro de 2017.
62
6% 3%
NORTE
9% NORDESTE
18
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo?idnoticia=2194&view=noticia. Acesso em: 12 de novembro de 2017.
65
200
19
Quando a gerencia não consegue outro lugar para realização dos cursos, estes são realizados na sala de
assessoramento pedagógico. Para isso, suspende-se o atendimento aos professores e lideranças indígenas
durante a realização dos cursos por falta de espaço para atendê-los.
70
que ficam na sala da gerencia. Os móveis (mesas e cadeiras) não são suficientes
para atender o fluxo diário. Não há espaço para atendimento individualizado, os
problemas são relatados na frente de todos. Um detalhe importante, é que as duas
salas do NEI estão localizadas no ultimo prédio da SEED, ao lado dos banheiros,
motivo de constantes reclamações devido o mau cheiro que exala, por falta de
limpeza e manutenção.
O NEI é composto por uma gerencia e as unidades: pedagógica,
antropológica e linguística que são cargos remunerados indicados e homologados
pelo Governo do Estado. O atual gerente é indígena da etnia Galibi Marworno, bem
como os chefes das unidades pedagógica (Galibi) e antropológica (Wajãpi-Wayana).
Compete a unidade pedagógica: diagnosticar a educação nas comunidades
indígenas, identificando os processos próprios de aprendizagem e o papel da
escolarização para implementar ações educacionais, de acordo com as demandas
existentes; discutir, planejar e coordenar a elaboração de propostas curriculares e
pedagógicas para a educação escolar indígena, garantindo as especificidades
culturais, linguísticas e pedagógicas; supervisionar e orientar a ação pedagógica dos
professores que atuam na educação escolar nas áreas indígenas; planejar e
orientar a confecção de matérias didáticos e pedagógicos, a partir de propostas
curriculares específicas.
A unidade antropológica tem como atribuições: avaliar o impacto da
escolarização nas áreas indígenas em relação à identidade étnica das culturas
indígenas; diagnosticar as relações de interculturalidade entre as sociedades
indígenas, para que as ações educacionais atendam os princípios de alteridade e
manutenção cultural; elaborar planos, programas e projetos de educação escolar,
voltados a ações antropológicas, garantindo as especificidades culturais de cada
sociedade indígena.
Enquanto que a unidade linguística compete: identificar a situação
sociolinguística nas áreas indígenas do Estado, em relação ao padrão de uso
interativo das línguas indígenas, monolinguismo e grau de bilinguismo para
implementar ações educacionais que expressem as demandas das sociedades
indígenas; propor uma politica linguística para as ações educacionais, que visem a
valorização e manutenção das línguas indígenas; elaborar e acompanhar ações de
planejamento linguístico para o desenvolvimento de competência intercultural,
71
As Escolas estão situadas nas terras indígenas Uaçá, Galibi, Jurumã, Wajãpi,
Parque do Tumucumaque e Parú de Leste, distribuídas de acordo com a tabela
abaixo:
Tabela 02 - Escolas Estaduais Indígenas
Nº Nº Língua Nº N°
Alunos
Município Escolas Anexos Indígena Etnias Localização Aldeias
11
Keoul Karipuna
Patoá Galibi-Marworno
Rio 4
Oiapoque 24 25 Palikur Palikur Oiapoque 2.873
73
Rio Curipi 15
Rio Uaçá 12
Rio Urucauá 10
Tiriyó Tiriyó/
TI
Tumucumaque Kaxuiana Kaxuiana 23
Tumucumaque
uma unidade nacional que suprimia todas a diversidade e sob diferentes formas de
violência.
As narrativas, contadas pelos olhares dos vencidos, vem desconstruindo o
discurso colonizador, evidenciando o protagonismo dos povos indígenas que
resistiram, desde o inicio da colonização, por meio de diversas estratégias para
defender seus próprios interesses, como destaca Almeida (2010, p. 10):
De personagens secundários apresentados como vítimas passivas de
um processo violento no qual não havia possibilidades de ação, os povos
indígenas em diferentes tempos e espaços começaram a aparecer como
agentes sociais cujas ações também são consideradas importantes para
explicar os processos históricos por eles vividos. Essas novas
interpretações permitem outra compreensão sobre suas histórias e, de
forma mais ampla sobre a História do Brasil (ALMEIDA, 2010, p. 9-10).
A reação por meio dos protestos judiciais e denuncias dos abusos e maus
tratos são registros da atuação indígena contra o processo de dominação e a
expropriação de suas terras, tais relatos contradizem a passividade que
historicamente lhe foi atribuída.
No século XX, a luta persiste, pois as politicas demandadas pelo Estado
continuaram o processo de assimilação e integração dos povos que resistiram, “ao
invés de proteger e garantir os direitos desses povos, o Estado se tornou o principal
ator da violência contra eles seja através da ação ou da omissão” (BRIGHENTI,
2016, p. 60). A partir das décadas de 1970 e 1980, a luta foi se fortalecendo, por
meio da união via a formação de organizações especificas de cada povo que se
81
O Acampamento Terra Livre que iniciou em 2005 é uma ação que já faz parte
do calendário do movimento indígena. Quanto a origem de tal movimento, Altini et al
(2000, p. 23) relata que:
Este se originou do acampamento realizado pelos povos indígenas em abril
de 2004, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para reivindicar a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado
de Roraima.
São direitos estabelecidos, mas ainda não totalmente efetivados por diversos
motivos, entre os quais, a falta do Regime de Colaboração e da organização dos
Sistemas de Ensino no nosso país. Diante desses desafios, foi realizada em 2009 da
I Conferencia Nacional de Educação Escolar (CONEEI) em Goiás na cidade de
Luziânia com o objetivo de:
Criar e fortalecer os espaços de participação comunitária nas políticas
públicas de educação escolar indígena; promover uma educação escolar
intercultural que contribua com os projetos de futuro e de cidadania dos
povos indígenas; debater os objetivos, avanços e desafios da educação
escolar indígena no Brasil, estabelecendo prioridades para as políticas
públicas em desenvolvimento. (grifo nosso). (COMISSÃO
ORGANIZADORA, 2008, p. 02).
20
A comunidade educativa é formada por todas as pessoas que trabalham e colaboram para a construção de
uma educação de qualidade na comunidade, como as lideranças, os sábios/velhos, os xamãs, curandeiros,
pajés, os pais e as mães, os alunos e alunas, a equipe que trabalha na escola - o professor, a professora, o
93
coordenador pedagógico, a merendeira, o motorista, a faxineira, o vigia - entre outros envolvidos com a
educação, conforme a realidade de cada povo ou escola. (COMISSÃO ORGANIZADORA DA I COFERÊNCIA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, 2008).
94
21
Acampamento Terra Livre. Disponível em: http://apib.info/2018/04/12/programacao-do-acampamento-
terra-livre-2018/. Acesso em janeiro de 2019.
22
Indígenas denunciam cortes de bolsa e abandono da educação diferenciada em reunião com ministro da
educação. Disponível em: https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2018/04/. Acesso em janeiro de
2019.
100
23
Indígenas denunciam cortes de bolsa e abandono da educação diferenciada em reunião com ministro da
educação. Disponível em: https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2018/04/. Acesso em: 10 de
janeiro de 2019.
103
Os dados referentes a origem deste povo foram coletados por meio de fontes
escritas e orais por Gallois (1988). As fontes orais, composta pelos relatos e histórias
contadas pelos grupos, são consideradas pela referida autora como “uma sequência
mítica faz parte de um conjunto de tradições, ou melhor, de um grande mito, que
conta a origem do universo, da humanidade e das coisas; confunde-se com a
epopeia de dois heróis: o criador Yane-roaçu e Yane-iar, o criador e ancestral dos
Waiãpi.” (GALLOIS, 1986, p.317).
A autora destaca que são dadas versões diversificadas referentes ao mesmo
evento, umas retratam fenômenos que se repisam, e narradas com pouquíssimas
contradições interpretativas. Uma delas é a que retrata a origem deste povo, que
relatamos a seguir.
De acordo com a tradição oral dos wajãpi, sua origem ocorreu nas margens
do rio Jari, que divide os estados do Pará e Amapá. Nas proximidades desse rio,
janejarã, o criador, povoou a terra com plantas, animais e os homens, chamados
taimiwerã, que eram os wajãpi. Somente após a criação dos taimiwerã, janejarã
concebeu os brancos sem diferenças entre si, viviam todos numa região chamada
Tuiuiu, só que a população dos não índios começou a crescer demasiadamente, o
que gerou problemas para os Wajãpi, motivo pelo qual Janejarã, destruiu quase toda
essa primeira humanidade com o fogo e o dilúvio. Só conseguiram se salvar os que
seguiram as orientações de Janejarã, para a construção de uma casa de barro,
chamada de Mairi, que os leva para uma região distante dali. Segundo esta
narrativa, assim nasce os Wajãpi nessa época em que Mairi foi construída. Janejarã
criou uma segunda humanidade no mesmo lugar da primeira, com categorias
diferenciadas, tendo os Wajãpi como a verdadeira humanidade contraria as do
karaikõ (brancos, brasileiros), paraisikõ (franceses), apã (etnias inimigas). Os
homens agora são os tamokõ, antepassados que já podem ser denominados. Os
karaikõ e os paraisikõ não possuem mais o mesmo modo de vida dos Wajãpi, mas
moram e fazem suas roças perto deles de quem estes obtêm ferramentas. (GALLOIS,
2011).
105
Para os Wajãpi não existe somente um chefe, todo grupo local, cada wanã,
tem seu chefe.
O chefe é aquele que tem mais experiência, tem mais conhecimento, é
sabido e é fundador da aldeia. Quando querem resolver alguma coisa, os
chefes se reúnem para decidirem juntos. Então não existe um chefe
mandando em outro chefe. Uma pessoa não pode decidir sozinha por
outras pessoas. Ninguém manda no chefe, ele tem autonomia. Desde
nossos antepassados, temos nossa política. Para nós, Wajãpi, existem
vários chefes tradicionais. (PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE
PESQUISADORES WAJÃPI, p. 12)
primeiro censo feito pelo sertanista Fiorello Parise contou 151 Wajãpi
dispersos em várias partes da área. (GALLOIS, 2011, p. 32).
Na nossa Área Indígena tem mais 450 pessoas Wajãpi morando. Estamos
querendo demarcar a nossa área, por causa de madeireiros, fazendeiros,
garimpeiros e de outras pessoas que querem invadir as nossas terras.
Queremos a demarcação de nossa Área para preservar florestas, para
preservar os animais, para preservar os Wajãpi. Queremos a colaboração
de algumas autoridades de cada País e de cada Estado. Queremos
recursos para a demarcação. Queremos dinheiro para comprar munições:
para matar a caça e comer durante a demarcação. Nós não usamos mais
nossas armas. Nós Wajãpi usamos só armas dos brancos porque os
próprios brancos é que deram as armas deles para nós. Queremos dinheiro
para pagar os operadores de motosserra. Os Wajãpi não sabem operar
motosserra. Por isso nós Wajãpi vamos pegar três operadores de
motosserra para derrubar as árvores enormes. Queremos dinheiro para
comprar ferramentas, que são: machados, terçados, limas. Quem está
demarcando a área somos nós mesmos, os Wajãpi.
Estende-se entre as bacias dos rios Jari, Amapari e Oiapoque. Integra as Montanhas
do Tumucumaque, com floresta tropical densa e relevo acidentado.
De acordo com censo realizado pela Funai em 2014 a população indígena
soma, aproximadamente, 1.400 (mil e quatrocentas) pessoas que vivem na TIW,
distribuídas em 98 aldeias dispersas por todo o território. A mobilidade das aldeias,
ocorre para garantia de subsistência, ocupação e vigilância de toda a área
demarcada, bem como, possibilitar a recuperação ambiental das terras ocupadas,
haja vista que, as famílias sobrevivem da agricultura (plantio de maniva, cará, cana
de açúcar, banana, batata doce, milho, mamão, macaxeira, pimenta, jerimum , caju
que são plantados na roça) perto das casas planta-se pés de cuia, algodão,
pupunha, limão e plantas para fazer remédios); caça (cutia, paca, anta, catitu,
capivara, macaco, tatu, entre outros) pesca e coleta (de açaí, pupunha, bacaba,
taperebá, cupuí, bacuri, ingá, castanhas entre outros)24. Além das trilhas abertas no
meio da floresta pelos indígenas, o acesso às aldeias também se dá pela estrada,
rios e igarapés que cortam o território. Alguns indígenas são funcionários do governo
efetivos ou contrato administrativo atuando como professores, agentes de saúde e
agentes de saneamento, existem também os aposentados. Com o salário, fruto do
emprego, compram mercadorias e instrumentos de trabalho, principalmente no
município de Macapá.
A mobilidade dos grupos familiares pela TIW é a base da organização
sociopolítica. Com a realização do casamento, as famílias se movem de uma aldeia
para outra, desta maneira, o casamento é considerado o fator de mobilidade entre
as aldeias que são formadas por grupos de parentes. Os grupos políticos que são os
wanã, estão distribuídos pelas TIW, um indígena de um determinado wanã só pode
morar na terra de outro wanã após o casamento com uma indígena desse grupo,
pois quando um indígena casa ele vai morar com o sogro.
Os grupos familiares têm autonomia econômica e política, desta forma, o
chefe de uma aldeia não tem o poder de mandar em outras aldeias, portanto, não há
um único chefe dos Wajãpi, até porque são formados por vários grupos e cada
grupo tem seu chefe. Tal forma de organização vem se transformando, mas
mantendo a soberania das aldeias. Atualmente, os Wajãpi criaram diferentes
24
Informações obtidas por meio de conversas com professores indígenas e das observações feitas nas aldeias
no período da pesquisa.
110
O Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), foi criado no ano de 1994 no intuito
de contribuir nas batalhas pela demarcação da terra, o Conselho é composto por
todos os chefes das aldeias, Apina “era o nome de antigos Wajãpi, muito valentes,
que flechavam muito longe. Suas flechas eram muito bonitas e eles eram fortes. Por
isso, colocamos esse nome”25.
Em 1996 foi criada a Associação dos Povos Indígenas Wajãpi do Triângulo do
Amapari (APIWATA), também existe atualmente a Associação Wajãpi Terra,
Ambiente e Cultura (AWATAC). Essas organizações foram engendradas para ajudar
os chefes das aldeias nas decisões voltadas para os seus interesses, elas não tem
autonomia para tomar decisões isoladamente. Dentre os papeis das diretorias do
Apina, APIWATA, AWATAC está o de organizar as reuniões e coletar informações
referentes a assuntos de interesse e explicar para os outros Wajãpi. A terra é a
prioridade para este povo:
Todos os Wajãpi concordam que nossa prioridade maior é a conservação
da nossa terra, da floresta e dos recursos naturais. Para cuidar da nossa
terra, precisamos continuar fortalecendo o nosso jeito tradicional de morar,
de plantar e de fazer aldeias. Esse é o nosso jeito de fazer gestão
socioambiental da Terra Indígena Wajãpi. (PROTOCOLO DE CONSULTA E
CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 13)
Para cuidar da terra não constroem suas roças no mesmo lugar, a cada ano,
fazem roça em lugares diferentes “no primeiro ano, uma família wajãpi faz uma roça,
25
Apina. Conselho das Aldeias Wajãpi. Disponível em: http://www.apina.org.br/. Acesso: 10 de março de 2019.
111
e no ano seguinte faz outra roça perto da primeira, deixando um pouco da mata no
meio”. O cultivo das roças está associado a ocupação da TIW, porque a existência
de uma aldeia depende da produtividade da roça.
Se a terra boa acaba, aquela família vai procurar outro lugar para fazer suas
roças. Quando encontra outro lugar bom, essa família não muda para lá de
uma vez. No primeiro ano, faz só um tapiri e planta uma roça, depois volta
para sua aldeia velha. Também tem que abrir caminhos. Demora muito
tempo para criar um lugar novo para morar. (GALLOIS, 2011, p. 20).
Assim, as aldeias wajãpi nascem das roças que são feitas em outra área onde
a terra é boa para plantar. A terra onde foi feita a roça velha não será mais ocupada
durante muitos anos, período em que o solo e a floresta se recuperarão, é o manejo
dos recursos naturais, que garante a fertilidade e a abundancia da caça e da pesca.
Os Wajãpi retornam as aldeias velhas para cuidar das plantas frutíferas e para a
coleta das frutas. Plantam nas roças:
[...] vários tipos de pupunha, vários tipos de milho, vários tipos de mandioca
(42 tipos), a “mãe da mandioca”, vários tipos de banana, vários tipos de
batata doce, macaxeira, limão, vários tipos de mamão, amendoim, ware´a
(um tipo de raiz), fava, ananás, vários tipos de cará, vários tipos de jerimum,
vários tipos de cana de açúcar, vários tipos de pimenta, caju, vários tipos de
algodão, urucum, cuia, tabaco, kõnami, vários tipos de remédios, kurawa
(um tipo de fibra), flechal, (vyva) vários tipos de cabaça, gengibre, etc.
(GALLOIS, 2011, p. 22).
26
Em 2002, a equipe do Programa Wajãpi saiu do CTI e, juntamente com outros profissionais, fundaram o
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
114
O curso Magistério indígena que iniciou em 1992 foi concluído treze anos
após, em 2005, com a formação de 10 alunos, professores da etnia Wajãpi. No ano
de 2006, foi criado o cargo de provimento efetivo de Professor de Ensino Indígena,
no quadro de pessoal civil do Estado do Amapá, por meio da Lei nº. 0984/GEA, de
19 de abril. No mesmo ano, foi realizado o primeiro concurso público para professor
indígena da rede estadual de ensino, no qual foram aprovados os dez professores
formados pelo referido curso que passaram a integrar o quadro de docentes das
escolas estaduais indígenas Wajãpi, atuando nos anos iniciais do ensino
fundamental. Do grupo dos dez professores, cinco já concluíram a Licenciatura
Intercultural Indígena oferecida pela Universidade Federal do Amapá e um está em
processo de formação.
No art. 4º, a lei nº. 0984/GEA define os requisitos para o exercício do cargo
efetivo de Professor Indígena:
faltando 2.775 (dois mil setecentos e setenta e cinco). Por falta de recursos
financeiros não tem previsão para a sua continuidade, pois não existe, por parte da
Secretaria de Educação, recurso especifico para o Programa de Formação de
Professores Indígenas Turé – Subprograma Wajãpi e, os do caixa escolar da escola
indígena Aramirã não são suficientes para manter a escola funcionando e ainda
garanti as despesas para o curso de formação de professores. Fato que contraria as
leis que regem a educação para os povos indígenas, dentre elas a Resolução nº
1/2015/CNE que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores Indígenas:
Art. 24. A formação de professores indígenas deve ser priorizada nas
políticas de Educação Escolar Indígena dos respectivos sistemas de ensino;
Art. 25. Os sistemas de ensino e suas instituições formadoras, em regime
de colaboração, devem garantir o acesso, a permanência e a conclusão
exitosa, por meio da elaboração de planos estratégicos diferenciados, para
que os professores indígenas tenham uma formação com a exigida
qualidade sociocultural. (BRASIL, 2015, p. 7).
27
As salas anexas são extensões de uma determinada escola indígena e foram criadas para atender os alunos
que acompanham suas famílias na mudança das aldeias, desta forma as escolas acompanham o movimento das
famílias, funcionando ora em uma aldeia ora em outra. Exemplificando: temos a Escola Indígena Estadual
Mariry com 108 alunos que estão distribuídos em 7 salas anexas. Esses anexos ficam distantes uns dos outros.
O anexo mais próximo, demora 3 horas de caminhada e o mais distante 6 dias de caminhada por dentro da
mata. No total são 8 escolas polos, e em cada polo existem uma media de 3 a 7 anexos, distantes
geograficamente.
117
Todas as escolas estão localizadas na TIW com estrutura predial diferente, tem
as de prédios mistos (alvenaria e madeira) e as de somente madeira. E também, há
escolas que não têm prédio físico, funcionam na casa do professor indígena. Não
são equipadas com fornecimento de energia elétrica e nem com água potável,
requisitos básicos para o funcionamento “legal” de uma escola estadual. Quanto a
estrutura física, a escola CTA foi construída em 2006 e não passou por nenhuma
reforma. Entre construções, reformas e ampliações das escolas TIW, as prioridades
são as construções das escolas: Yvyrareta, Okora‟yry e Cinco Minutos que não
estão em condições de funcionamento, segundo o relatório elaborado pelos
professores do SOMEI.
Quanto ao quadro de pessoal, as escolas contam com 7 diretores indígenas e
01 não indígena; 36 professores indígenas e 11 não indígenas; 9 serventes e 20
merendeiras todos indígenas. Nas salas anexas onde não tem merendeiras são as
esposas dos professores que fazem a merenda. Os serventes trabalham somente
nas oito escolas que possuem prédio próprio.
Ao longo da formação da primeira turma de professores, foi elaborada a
proposta curricular das escolas wajãpi (PROCEW).
A elaboração dessa proposta envolve a discriminação do tempo escolar; a
seleção de espaços escolares; a seleção dos conteúdos a serem
ensinados; o encaixe desses conteúdos em disciplinas a serem nomeadas;
a transformação desses conteúdos em conteúdos escolares; a elaboração
de materiais didáticos para apoiar o ensino desses conteúdos. O tempo
escolar é definido levando-se em conta três recortes distintos: tempo
escolar na vida do aluno (quanto tempo um indivíduo wajãpi frequentará a
escola), tempo escolar do ano letivo (qual a carga horária de um ano letivo
wajãpi visto que a escola não deve comprimir o tempo destinado
tradicionalmente a tarefas não escolares) e tempo escolar enquanto carga
horária disciplinar (quanto de tempo é necessário para ensinar cada uma
das disciplinas). O espaço escolar normalmente é uma escola com
arquitetura próxima às construções wajãpi ou a própria casa do professor.
(ABRAM DOS SANTOS, 2011, p. 114).
distribuídas por etapas. Nas três primeiras, os alunos estudam apenas Língua
Wajãpi, Artes e Matemática. A partir da quarta etapa, é acrescentada a disciplina
Língua Portuguesa. A partir da sexta etapa, estudam todas as seis disciplinas.
Em relação ao calendário escolar:
O calendário das escolas wajãpi é diferenciado e dá grande liberdade para
o professor combinar os períodos de aula com sua comunidade. A escola
wajãpi não segue a semana do calendário civil brasileiro, mas sim as
necessidades de trabalhar ou festejar de cada comunidade wajãpi, que não
têm data marcada com muita antecedência. Os alunos podem estudar aos
sábados e domingos e podem participar de uma festa ou de uma caçada
nos outros dias da semana, pois a programação das atividades de suas
comunidades não é feita de acordo com o calendário dos não-índios.
(PROCEW, 2013, p.3).
Tecnologi
Linguage
as
Artes 18 18 74 74 148
122
tecnologias Matemática
Natureza
suas
História
Ciências
suas
18 18 74 74 148
Geografia
18 18 74 74 148
Disciplina/Projeto*
C.H.
ONAL
BASE
9.394
UM –
NACI
COM
/96
SEMANAL/SÉRIE
123
6º 7º 8º 9º 6º 7º 8º 9º
ARTES 10 10 10 10 80 80 80 80 320
TOTAL 1360
TOTAL 1120
EDUCAÇÃO
10 10 - - 80 80 - - 160
RELIGIOSA(*)
TOTAL 1040
LÍNGUA ESTRANGEIRA
10 10 10 10 80 80 80 80 320
PARTE DIVERSIFICADA
(**)
TOTAL 960
No ato de planejar o que irei trabalhar durante a semana, pego a lista dos
conteúdos que recebi do NEI, verifico o que dá pra trabalhar com os alunos
durante os dias de aula no módulo, haja vista que, tem conteúdos
totalmente fora da realidade das comunidades indígenas, então acrescento
os conteúdos voltados para a diversidade ecológica da terra indígena
Wajãpi que encontro nos livros produzidos pelos Wajãpi organizados pelo
Iepé. Também nos primeiros dias de aula, pergunto para os alunos o que
eles gostariam de aprender na nossa disciplina. (Profª. Judite).
normatizado no nosso país pelo Decreto Presidencial nº 5051 no ano de 2004.” Vale
ressaltar que, neste documento, todos os projetos que envolvem os povos indígenas
devem passar pelo protocolo de consulta para o seu consentimento.
Os Wajãpi, desde 2014, possuem um protocolo de Consulta e Consentimento,
nele, consta os procedimentos que os governos federal, municipal e estadual
precisam seguir para o desenvolvimento de projetos, dentro ou fora da Terra
Indígena Wajãpi que possam ferir seus direitos. Segundo o documento, o momento
certo para consultá-los deve ser antes da definição do que se pretende fazer.
Nós queremos escolher nossas prioridades e participar da elaboração dos
planos de trabalho do governo antes que as decisões fiquem prontas. A
consulta tem que ser feita quando a decisão de fazer um projeto ainda pode
ser mudada. O governo não pode vir com um projeto já decidido e depois
querer consultar os Wajãpi. (PROTOCOLO DE CONSULTA E
CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 17).
5.3.2 As Metodologias
No planejamento o professor seleciona as metodologias para o alcance dos
objetivos propostos para aprendizagem dos educandos que consiste nos métodos,
procedimentos e técnicas de ensino que irão se materializar nas práticas
pedagógicas. Nesta escolha, está explicita a concepção pedagógica docente, que
poderá estar alicerçada numa visão bancária, baseada na reprodução do
conhecimento, na qual a relação professor e aluno é verticalizada, quem sabe é o
professor e o aluno está na escola para se apropriar deste conhecimento, não tendo
nada a ensinar, apenas a aprender.
O diálogo ocorre de maneira vertical e autoritária, porque “o educador é o que
diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que
disciplina; os educandos, os disciplinados” (FREIRE, 2009, p. 68). Nesta
perspectiva, o conhecimento é apresentado como verdade absoluta, inquestionável
e a sociedade é idealizada como imutável e estática, assim, a educação tem como
finalidade de educar o indivíduo para que aceite passivamente a sua condição de
oprimido.
Metodologias baseadas na concepção bancária de educação, são
opressoras, não objetivam a conscientização, mas sim a alienação, com práticas
onde prevalecem o autoritarismo, na qual os educandos são instruídos sobre o que
e o como fazer, desta forma, o ensino “é puro treino, é pura transferência de
conteúdo, é quase adestramento, é puro exercício de adaptação ao mundo”
(FREIRE, 2000, p. 101). São práticas pedagógicas colonizadoras, herança dos
nossos primeiros professores, os padres Jesuítas, caracterizada pela violência física
e simbólica, repetição e memorização sem criticidade, com o objetivo de adaptar os
indígenas ao mundo do colonizador. Nessa ótica, as metodologias estão voltadas
para a reprodução dos valores da cultura eurocêntrica como única e universal, o
134
28
Prática pedagógica desenvolvida na Escola Indígena Estadual Ytuwasu, situada na aldeia com o mesmo
nome, na qual moram aproximadamente doze famílias da etnia Wajãpi.
136
29
Os nomes dos alunos e alunas são fictícios para preservar o anonimato dos indígenas.
139
pesquisa, mediados pelo professor que reconheceu “os indígenas como sujeitos que
tem sua historia e, as fontes de informação desta história, estão presentes no que foi
produzido no passado, dentre os documentos sobre a vida social, econômica e
politica podemos verificar nos relatos orais, objetos, desenhos, músicas, entre
outros.” (Prof. Roberto).
Outra prática pedagógica em que houve o diálogo numa perspectiva
intercultural foi desenvolvida pela Prof.ª de Língua Portuguesa, com alunos do 7º
ano na aldeia Manilha que fica na Perimetral Norte.
Professora: hoje vamos estudar o texto DESCRITIVO, com a ajuda
do interprete, explicou o que é um texto descritivo, além da estrutura
do texto (parágrafo, títulos, pontuação, etc.); deu exemplos utilizando
uma produção textual sobre a “onça” produzido pelos alunos
indígenas do ensino médio. Em seguida, pediu para escolherem um
animal nativo e elaborar um texto descritivo sobre ele. Após a
elaboração dos textos, cada aluno leu o seu para a turma, alguns
textos retrataram historias envolvendo os animais, que fazem parte
da tradição mítica deste povo.
Posteriormente, os alunos explicaram para a professora a presença
dos animais nas pinturas que fizeram no próprio corpo para a
apresentação dos textos descritivos, tais pinturas fazem parte da arte
kusiwa composta por representações de diversos animais como
onças, peixes, cobras, borboletas, rãs e outros.
Nas explicações, os alunos iam descrevendo os desenhos/traçados
nos braços, pernas, barriga, rosto, costas relacionado a cada um dos
animais. No final das apresentações, foi realizada uma oficina de
pintura corporal, com o material que os alunos trouxeram (suco de
jenipapo verde e tinta vermelha de urucum).
Esta postura também foi registrada por Gallois (2006, p. 69) “foi e continua
sendo um estímulo para retomar a discussão, nas aldeias, de todo um conjunto de
problemas relacionados ao desinteresse das jovens gerações e de muitos adultos
pelos saberes e práticas tradicionais, desvalorizados”. Motivo para que a escola
inclua em todas as disciplinas, temas voltados a arte Wajãpi, para que os jovens
possam reconhecê-la como patrimônio cultural de seu povo, que precisa ser
apreendido pelas novas gerações. Nessa perspectiva, a educação escolar visa à
libertação da ignorância, da dependência, da submissão e de vários meios de
opressão geradas pelo preconceito e a discriminação, reflexo da colonialidade do
poder. (FREIRE, 2014).
A seguir, outra prática pedagógica que observamos desenvolvida pela Profª
de Ciências que trabalhou o assunto “os animais e o ecossistema”, com alunos do 6º
ano do ensino fundamental.
A professora: iniciou a aula perguntando aos alunos sobre os animais
que são criados na aldeia e os que vivem na floresta. Os alunos
foram descrevendo os animais de acordo com o que foi solicitado.
Em seguida, a professora explicou que os animais que vivem na
aldeia podem ser chamados de domésticos porque foram
domesticados pelas pessoas para viverem em casa, perto da gente e
os que vivem na floresta são chamados de selvagens, alguns deles
vocês caçam para a alimentação.
Aluno: professora nós chamamos as caças que vivem na floresta de
Mijarã; nós não comemos todas as caças, nós comemos macaco,
veado, queixada, cutia, anta e, nós não comemos cobra, mucura,
garça e quandu. E os demais alunos foram enriquecendo a lista de
animais que comem e dos que não comem. Falaram também que a
caça tem Dono, e que quando fica bravo ele pode não deixar a caça
aparecer para o caçador, isso acontece quando o caçador mata e
não leva para comer deixando o animal morto na floresta e, quando
mata muitos animais.
Os alunos foram dialogando com a professora sobre as suas
experiências com os animais domésticos e selvagens envolvendo a
caça, a pesca e as festas que fazem para eles. Posteriormente, a
professora falou dos cuidados que precisamos ter com os animais
domésticos para evitar doenças, assim como com os selvagens para
evitar riscos à saúde. E solicitou aos alunos que escrevessem os
relatos e outros que considerasse importante.
A professora começou a aula com uma pergunta, pois tinha observado que na
aldeia os indígenas criam alguns animais, tais questionamentos despertaram o
interesse dos alunos, pois se tratou de assunto que faz parte do seu cotidiano,
dessa maneira, eles participaram ativamente da aula, socializando conhecimentos
referentes aos animais domésticos e os selvagens que são caçados para fazerem
143
os pelos dos animais caçados por ele precisam ser jogados longe da aldeia para que
os cachorros não comam, isto deve ser feito pela família do caçador.
Fotografia 5 – Texto referente a Anta
vai viver muito tempo. Então nós temos essa regra de fazer a festa, também
os meninos crianças não podem dançar junto com a mãe, só as mulheres
mesmo que podem dançar.
Assim como a festa do jaboti, todas as festas tem seu dono, com cantos
próprios que são ensinados e aprendidos pelos participantes. Nas festas, os
indígenas bebem caxiri preparado somente pelas mulheres, além de beber, cantam,
dançam e tocam flauta. Há festas do dia e da noite, com suas músicas e regras. Os
jovens aprendem a fazer as festas com os chefes. Vale destacar, entre os Wajãi,
cada wanã tem suas próprias histórias e seu jeito de fazer festas. A seguir, o
desenho feito para representar a festa do jaboti.
Fotografia 6 – Representação da festa do Jaboti.
coletadas nas pesquisas e tirando dúvidas sobre algumas doenças causadas pelo
animais. Assim, a dialogicidade, como afirma Freire (2014, p. 86):
[...] não nega a validade de momentos explicativos, narrativos, em que o
professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que professor e alunos
saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta,
curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.
Uma das razões para a escolha do trecho acima, foi o protagonismo dos
indígenas em tomar a iniciativa para expulsar os invasores de suas terras, o que
encheu de orgulho os alunos, denotando que Wajãpi é um povo guerreiro e sempre
lutou para garantir a posse de suas terras e continua lutando contra os projetos do
Governo Federal que venham de encontro aos interesses do seu povo, um dos
alunos lembrou da participação dos Wajãpi na campanha contra a extinção da
Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) 30 por meio de um decreto
emanado pelo presidente Michel Temer. O decreto permitia a entrada de empresas
de mineração nas terras indígenas para exploração dos minérios, o que acarretaria
danos irreparáveis não só ao meio ambiente, mas a sobrevivência dos indígenas.
Os Wajãpi tiveram participação ativa, por meio das suas lideranças, nas
assembleias, audiências públicas, passeatas e outras formas de manifestações
realizadas em Macapá e em Brasília.
Nas apresentações, os grupos fizeram cartazes e mapas da TIW, e
explicaram para a turma e o professor.
Fotografia 7 – Mapa da TIW feito pelos alunos do ensino fundamental.
30
A Renca é uma área de preservação mineral de 46.450 km2 no nordeste da Amazônia, na fronteira entre o
Pará e o Amapá, criada em 1984 por um decreto do general João Baptista Figueiredo. Os minerais ali
encontrados têm grande valor no mercado internacional, pois as jazidas são ricas em cobre, ouro, titânio,
tântalo e tungstênio, considerados minerais nobres. A Reserva ainda engloba nove áreas protegidas: o Parque
Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de
Maicuru, a estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. (https://www.pt.org.br/entenda-
o-que-e-a-renca-e-os-impactos-da-sua-extincao-por-temer/. Acesso em: 14 de novembro de 2018.
149
6 CONCLUSÃO
conteúdo a ser discutido nas aulas. Para o professor não indígena, esta nova visão
de mundo com estrutura, métodos e lógicas difere do que aprendeu no seu processo
de formação profissional, para ser compreendida, necessita de um “mergulho” nesta
teia de significados tecida pelos seus educandos e demais moradores da aldeia.
Motivo pelo qual ao mesmo tempo em que ensina, também aprende, como ouvi na
fala dos entrevistados.
A quebra da hegemonia epistemológica com a inclusão dos saberes dos
educandos na práxis pedagógica indica um dos caminhos para o diálogo intercultural
numa perspectiva crítica, desmistificando as relações de poder que estavam
subjacentes no conhecimento escolar, abordando-os de acordo com o contexto
social, histórico e cultural no qual se desenvolve o processo educativo. No
planejamento, o reconhecimento do “outro” e o diálogo com ele, no qual as
diferenças não são negadas, mas sim questionadas e dialeticamente integradas,
como nos diz Vera Maria Candau, para a construção de projetos comuns a todos,
que rompa com os estigmas e preconceitos colaborando com a mudança estrutural
da sociedade e promova o empoderamento dos povos indígenas.
Na disciplina Ciências o conhecimento escolar e os saberes indígenas foram
selecionados para abordar questões ambientais, sociais e culturais que fazem parte
da realidade da comunidade local, e que estão relacionados com a ausência de
políticas públicas a nível Estadual e Nacional. Conteúdos que não são transmitidos
numa relação verticalizada, na qual somente o professor tem o direito à palavra,
porque é o dono da “verdade”; mas sim problematizados por meio de metodologias
dialógicas.
Em Língua Portuguesa, que é trabalhada como segunda língua, a presença
das narrativas como conteúdo, serve não somente para ensinar as normas
gramaticais, como também, colocar em evidencia as visões de mundo presentes nas
narrativas que fazem parte da memoria coletiva deste povo. A abordagem ocorre no
sentido de fortalecer o sentimento de identidade e pertencimento a um grupo de
passado comum cujas memórias, por meio das narrativas orais, são compartilhadas
na escola pelos mais velhos da aldeia mediante a linguagem oral, um instrumento
socializador da memória, pois a tradição oral ainda prevalece no processo de
socialização entre os povos indígenas. Vale frisar que o ato de narrar: é repleto de
subjetividade, pois está imbuído dos anseios e crenças compartilhados pelo
narrador; e trás para o presente as crenças, objetos, linguagem, maneiras de agir,
152
vestuário entre outros elementos que fazem parte da cultura do seu povo. As
narrativas orais também fortalece a língua nativa dos Wajãpi, que para se manter
viva faz-se necessário o seu uso, de forma social, pela comunidade. Quando o
cacique contou a história da criação do mundo, narrou em Wajãpi, não em
Português, a escrita pelos alunos ocorreu também na língua nativa.
Em relação a disciplina História, a seleção dos conteúdos levou em
consideração os problemas socioambientais, dentre eles os causados pelo
rompimento de barragens das mineradoras, a preocupação dos alunos levou o
professor a discutir tal problema e as maneiras legais de evitar que, fato como este,
ocorra nas TIW “inclui no planejamento a Convenção 169 sobre povos indígenas e
tribais da Organização Internacional do Trabalho que foi normatizado no nosso país
pelo Decreto Presidencial nº 5051 no ano de 2004.” e o material didático utilizado
para esta prática foi o Protocolo de Consulta e Consentimento produzido pelas
lideranças Wajãpi em 2014, no qual consta os procedimentos que o governo precisa
seguir para a realização de qualquer projeto nas TIW, como muito bem descreve o
referido documento.
Quando o governo quer fazer alguma coisa sem nos consultar, na nossa
terra, no entorno da nossa terra ou mesmo fora da nossa terra, pode afetar
diretamente a nossa vida, os lugares importantes da história de criação do
mundo, a vida dos animais, os rios, os peixes e a floresta. Nós achamos
que o governo deve escutar nossas preocupações, ouvindo nossas
prioridades e nossas opiniões antes de fazer o seu planejamento.
(PROTOCOLO DE CONSULTA E CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 5).
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