Você está na página 1de 165

1

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


PUC-SP

Edielso Manoel Mendes de Almeida

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: um estudo do diálogo entre os saberes


indígenas e o conhecimento escolar no currículo em ação nas escolas indígenas.

Doutorado em Ciências Sociais

São Paulo
2019
2

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


PUC-SP

Edielso Manoel Mendes de Almeida

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: um estudo do diálogo entre os saberes


indígenas e o conhecimento escolar no currículo em ação nas escolas indígenas.

Doutorado em Ciências Sociais

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutor em Ciências Sociais: Antropologia,
sob a orientação da Profª. Drª. Carmen Sylvia
de Alvarenga Junqueira.

São Paulo
2019
3

Banca Examinadora
________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________

________________________________________
4

O presente trabalho foi realizado com apoio do Conselho Nacional de


Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil (CNPQ) – Nº do processo
142043/2015-0.

This study was financed in part by the Conselho Nacional de Desenvolvimento


Científico e Tecnológico – Brasil (CNPQ) – Finance Code 142043/2015-0.
5

AGRADECIMENTOS

A todos os meus professores do Programa de Pós-graduação em Ciências


Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) que socializaram
seus conhecimentos e experiências.
A professora Drª. Carmen Sylvia de Alvarenga Junqueira, por acreditar em
mim, aceitando-me como orientando, e pelo apoio moral nos momentos difíceis que
vivenciei em São Paulo.
Aos professores e professoras que atuam na educação escolar indígena pela
recepção, companheirismo e acolhimento no período da pesquisa de campo.
A minha família, em especial a querida mãezinha, Maria José Mendes de
Almeida que sempre acreditou na capacidade de seus filhos e In memoriam ao meu
pai, Mercídio Gomes de Almeida pelos ensinamentos que me proporcionou
durante sua existência neste mundo.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ),
pelo apoio financeiro para realização do doutorado.
E a todos e a todas que contribuíram com a realização deste trabalho, mas
que não foram citados sintam-se contemplados, pois esta conquista é um pouco de
cada um de nós.
6

RESUMO

ALMEIDA, Edielso Manoel Mendes de. EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: um


estudo do diálogo entre os saberes indígenas e o conhecimento escolar no currículo
em ação nas escolas indígenas. Tese de Doutorado (Ciências Sociais:
Antropologia)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo,
2019. 165 p.

Esta pesquisa apresenta como temática a EDUCAÇÃO ESCOLAR


INDÍGENA: um estudo do diálogo entre os saberes indígenas e o conhecimento
escolar no currículo em ação nas escolas indígenas, na qual investigamos as
práticas pedagógicas interculturais críticas desenvolvidas pelos professores não
indígenas do Sistema de Organização Modular do Ensino Indígena Wajãpi
(SOMEI/WAJÃPI) que tem o diálogo como elemento fundamental. Teve como
objetivo geral analisar as práticas pedagógicas desenvolvidas por professores não
indígenas que atuam nos anos finais do ensino fundamental, no SOMEI/WAJÃPI,
baseadas no diálogo entre os saberes indígenas e o conhecimento escolar a partir
da perspectiva intercultural crítica. Tratou-se de uma pesquisa de abordagem
qualitativa do tipo etnográfica, realizada com professores não indígenas que atuam
do 6º ao 9º ano do ensino fundamental nas escolas indígenas estaduais da etnia
Wajãpi localizadas nas Terras Indígenas da referida etnia no Estado do Amapá.
Teve como base para fundamentação teórica: a concepção de interculturalidade
crítica de Catherine Walsh e o diálogo na concepção de Paulo Freire. Os resultados
indicaram que, mesmo atuando em um contexto de dominação que caracteriza a
educação colonizadora alicerçada, principalmente, na imposição cultural e
epistemológica dominante, os professores investigados conseguiram desenvolver
práticas pedagógicas baseadas no diálogo e no reconhecimento dos saberes
indígenas que adentraram o currículo das disciplinas, ora de forma disciplinar, outras
de maneira interdisciplinar, com a participação ativa dos alunos no processo de
ensino e aprendizagem. Em tais práticas pedagógicas, o conhecimento escolar
dialogou horizontalmente, como afirma Paulo Freire, com os saberes indígenas, e
foram visibilizados, valorizados e reconhecidos como conhecimentos que norteiam a
vida dos Wajãpi nas atividades sociais, religiosas, culturais e produtivas.

Palavras-chave: Interculturalidade. Diálogo. Prática Pedagógica.


7

ABSTRACT

ALMEIDA, Edielso Manoel Mendes de. INDIGENOUS EDUCATION as a subject: a


study of the dialogue between indigenous knowledge and school knowledge in the
curriculum in action in indigenous schools. Tese de Doutorado (Ciências Sociais:
Antropologia)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo,
2019. 165 p.

This research presents INDIGENOUS EDUCATION as a subject: a study of the


dialogue between indigenous knowledge and school knowledge in the curriculum in
action in indigenous schools, in which we investigate the critical intercultural
pedagogical practices developed by non - indigenous teachers of the Modular
Teaching Organization System Indigenous Wajãpi (SOMEI / WAJÃPI) that has
dialogue as a fundamental element. The objective of this study was to analyze the
pedagogical practices developed by non - indigenous teachers who work in the final
years of elementary school in SOMEI / WAJÃPI, based on the dialogue between
indigenous knowledge and school knowledge from a critical intercultural perspective.
It was a qualitative research of the ethnographic type, carried out with non-
indigenous teachers who work from the 6th to the 9th year of elementary education in
the state indigenous schools of the Wajãpi ethnic group located in the Indigenous
Lands of that ethnic group in the State of Amapá. It was based on theoretical
foundation: Catherine Walsh's conception of critical interculturality and the dialogue
in Paulo Freire's conception. The results indicated that, even acting in a context of
domination that characterizes the colonizing education based mainly on the dominant
cultural and epistemological imposition, the investigated teachers were able to
develop pedagogical practices based on the dialogue and the recognition of the
indigenous knowledge that entered the curriculum of the disciplines , sometimes in a
disciplinary way, others in an interdisciplinary way, with the active participation of
students in the teaching and learning process. In such pedagogical practices,
scholarly knowledge spoke horizontally, as Paulo Freire affirms, with indigenous
knowledge, and was seen, valued and recognized as knowledge that guides the life
of the Wajãpi in social, religious, cultural and productive activities.

Keywords: Interculturality. Dialogue. Pedagogical Practice.


8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 09
1 PERCURSO METODOLÓGICO ....................................................................... 15
2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA COLONIZADORA .............................. 24
2.1 A educação colonizadora ............................................................................ 24
2.2 O processo de colonização dos corpos e das mentes dos povos
indígenas ............................................................................................................ 35
2.2.1 SPI: O projeto desastroso ........................................................................... 39
2.2.2 GRINs: soldados nas aldeias ...................................................................... 42
3 A EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA OS POVOS INDÍGENAS DO AMAPÁ E
NORTE DO PARÁ ............................................................................................... 56
3.1 A Constituição Federal de 1988: o direito a Educação Escolar
Específica e Diferenciada .................................................................................. 56
3.2 O Núcleo de Educação Indígena enquanto órgão gerenciador da
Educação Escolar Indígena no Estado do Amapá e Norte do Pará .............. 68
4 A INTERCULTURALIDADE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA ........... 75
4.1 Os desafios da educação intercultural ..................................................... 75
4.2 A luta do movimento indígena por uma educação intercultural crítica .. 78
5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERCULTURAIS NO CURRICULO EM
AÇÃO NAS ESCOLAS INDÍGENAS WAJÃPI .................................................... 103
5.1 Os Wajãpi da Pedra Branca do Amapari .................................................... 103
5.1.1 A implantação da educação escolar para os Wajãpi. ................................. 112
5.3 Práticas Pedagógicas Interculturais dos Professores do Sistema de
Organização Modular de Ensino Indígena. ...................................................... 125
5.3.1 O planejamento das Aulas .......................................................................... 126
5.3.2 As Metodologias .......................................................................................... 133
6 CONCLUSÃO ................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 154
9

INTRODUÇÃO

Tese intitulada EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: um estudo do diálogo


entre os saberes indígenas e o conhecimento escolar no currículo em ação nas
escolas indígenas, analisa, no âmbito da educação básica, especificamente nos
anos finais do ensino fundamental, o diálogo entre diferentes tipos de
conhecimentos numa perspectiva intercultural. Teve como objeto de estudo,
investigar as práticas pedagógicas interculturais numa perspectiva crítica
desenvolvida pelos professores do Sistema de Organização Modular do Ensino
Indígena Wajãpi (SOMEI/WAJÃPI).
A constituição de 1988 e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) definiram os princípios da educação escolar indígena, dentre eles
está a interculturalidade, um desafio para os educadores, sejam eles indígenas ou
não indígenas. A escola, quando adentra uma comunidade indígena, seja por
solicitação desta, ou por meio de ações marcadas por imposições colonialistas,
ainda presentes na contemporaneidade, traz no seu cerne essa problemática, visto
ser ela, uma instituição tão caracteristicamente criada pelas sociedades ocidentais.
Historicamente, no paradigma integracionista, os saberes dos povos indígenas
foram invisibilizados, por serem considerados inferiores aos do colonizador. Assim,
começa um longo período em que a educação foi planejada para os índios, seguindo
um modelo eurocêntrico, sem considerar a diversidade dos povos indígenas, seus
conhecimentos e suas cosmovisões.
A partir da constituição de 1988, legalmente, a educação escolar indígena
deverá ser diferenciada, específica, intercultural e bilíngue. Na carta magna, os
indígenas passaram a ser considerados como grupos étnicos diferenciados com
direitos a manter sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições.
Para que tais princípios se materializem, a educação escolar precisa reconhecer e
valorizar os saberes indígenas, bem como oferecer conhecimentos necessários para
fazer valer seus direitos conquistados.
O trabalho pedagógico nas escolas indígenas dar-se por meio do contato
entre culturas diferentes, ou seja, o professor, neste contexto, está lidando com
conhecimentos produzidos por sociedades diferentes, em situações históricas
específicas. Se só os conhecimentos da cultura majoritária forem valorizados,
10

continuaremos a considerar os povos indígenas como incapazes de ter e produzir


conhecimentos que continuarão na invisibilidade por meio de práticas pedagógicas
monoculturais baseadas na cultura hegemônica.
Nesta pesquisa, utilizar-se á como referencial teórico a concepção de
Interculturalidade crítica e o diálogo na visão de Paulo Freire. Trabalhamos com o
conceito de interculturalidade crítica proposto por Catherine Walsh (2006, p.11), que
consiste em:
[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e
aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,
simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas,
conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando
desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.

Outra característica da interculturalidade crítica, destaca a referida autora,


está no reconhecimento das desigualdades sociais, econômicas, políticas e de
poder, bem como, a dominação em que estamos submetidos pelas condições
institucionais. Por meio do diálogo intercultural, numa perspectiva crítica, as
assimetrias sociais, econômicas e políticas sempre estarão permeando as
discussões entre pessoas e grupos culturais diversificados sem a negação ou
sobreposição de suas diferenças.
Dentre as dimensões da interculturalidade crítica, destacamos nesta tese a
epistemológica, direcionada para o reconhecimento, valorização e o diálogo, numa
perspectiva horizontal, entre o conhecimento escolar e os saberes indígenas a partir
da prática pedagógica dos professores que atuam nas turmas do 6º ao 9º ano do
ensino fundamental nas escolas indígenas da etnia Wajãpi no Estado do Amapá.
Nesse sentido, as práticas pedagógicas interculturais críticas, por meio da
visibilidade dos saberes que foram invisibilizados pela colonialidade do saber,
permite:
[...] considerar a construção de novos marcos epistemológicos que
pluralizam, problematizam e desafiam a noção de um pensamento e
conhecimento totalitários, únicos e universais, partindo de uma política e
ética que sempre mantêm como presentes as relações do poder às quais
foram submetidos estes conhecimentos. (WALSH, 2009, p. 25)

O conhecimento científico considerado totalitário, único e universal é


problematizado a partir da emergência da diversidade de saberes oriundos de
culturas com diferentes formas de produzir saberes que orientam suas atividades
produtivas, sociais, culturais e religiosas. A interculturalidade crítica parte desta
11

diversidade epistemológica existente no mundo, para o desenvolvimento de práticas


dialógicas nas quais os saberes possam dialogar numa relação de igualdade, sem a
imposição do conhecimento científico como hegemônico.
Corroborando com esta concepção, Candau (2016) enxerga a diferença
cultural de forma positiva, pois enriquece os processos pedagógicos e devem ser
reconhecidas, valorizadas e articuladas a identidades plurais. Desta maneira, a
educação intercultural numa perspectiva crítica, precisa desconstruir visões
negativas da diferença que foram naturalizadas no contexto escolar e concebê-la
“como riquezas que ampliam nossas experiências, dilatam nossa sensibilidade e nos
convidam a potencializá-las como exigência da construção de um mundo mais
igualitário”. (idem, p. 26).
Trabalhou-se o diálogo intercultural a partir da concepção de Freire (1986)
que o concebe como momento de encontro com vistas à reflexão da realidade na
qual se vive para poder transformá-la. Desta forma, o diálogo, “é este encontro dos
homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto,
na relação eu-tu.” (FREIRE, 2014, p. 109). A pronúncia se dá pela palavra composta
pela ação e reflexão, tornando-se práxis, que, segundo Freire (2014, p.109), “é
reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela, é
impossível a superação da contradição opressor-oprimido.” Quando há a dicotomia
entre essas duas dimensões, a ação vira ativismo e a reflexão verbalismo, o que,
segundo o autor, inviabiliza o diálogo, pois a transformação ocorre pela palavra ao
pronunciar o mundo, daí sua importância como percurso no qual o ser humano
ganha significação.
Assim, investigou-se as práticas pedagógicas interculturais críticas
desenvolvidas pelos professores não indígenas do SOMEI/WAJÃPI que tem o
diálogo como elemento fundamental.
Wajãpi é um povo indígena de tradição e língua Tupi-guarani, vive na
Amazônia, especificamente no Estado do Amapá e também na Guiana Francesa. Os
Wajãpi do Amapari, sujeitos da nossa pesquisa, moram no lado brasileiro na terra
indígena que abrange os municípios de Laranjal do Jari e Pedra Branca do Amapari.
O primeiro contato que tive com os Wajãpi foi para acompanhar o
desenvolvimento da disciplina Estágio Supervisionado no curso de formação de
professores indígenas a nível médio, mais conhecido como Magistério Indígena,
desenvolvido pela Secretaria de Estado da Educação (SEED) por meio do Núcleo de
12

Educação Indígena (NEI), em seguida ministrei a disciplina Antropologia e Educação


no referido curso para as duas turmas composta por 60 alunos.
Na disciplina Estágio Supervisionado, tive contato com 35 alunos de diversas
aldeias, para fazer a observação e avaliação das aulas em cinco aldeias, localizadas
na Perimetral Norte e no interior das TIW. Durante 20 dias vivenciamos o processo
de ensino e aprendizagem deste povo, as aulas ministradas por alguns alunos eram
carregadas da sua própria maneira de ensinar, ou seja, tinha uma didática
específica, baseada na oralidade e, a inclusão do registro a partir da escrita
ensinada pela escola. Outros alunos apenas reproduziram as práticas de acordo
com que foram ensinados no decorrer do curso de formação de professores
indígenas.
Após a conclusão da disciplina Estágio Supervisionado, retornei a Terra
Indígena Wajãpi para ministrar a disciplina Antropologia e Educação para as duas
turmas no total de 60 alunos, na qual discutimos temas voltados para o
fortalecimento da cultura foi realizado oficinas de artesanato, pintura corporal,
contação de histórias, entre outras. As oficinas foram ministradas pelos alunos para
as crianças da aldeia. Os alunos também escreveram as histórias e construíram
atividades (textos, exercícios, desenhos, situações problemas, entre outras) de
acordo com as disciplinas do currículo das etapas1 nas quais trabalham2.
Neste estudo, investigamos nas escolas indígenas, as práticas pedagógicas
interculturais, partindo da seguinte questão problema: Quais as práticas
pedagógicas desenvolvidas pelos professores não indígenas que atuam do 6º ao 9º
ano do ensino fundamental, no Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena
Wajãpi (SOMEI/WAJÃPI), baseadas no diálogo entre os saberes indígenas e o
conhecimento escolar a partir da perspectiva intercultural crítica?
A pesquisa teve como objetivo geral: analisar as práticas pedagógicas
desenvolvidas por professores não indígenas que atuam nos anos finais do ensino
fundamental, no SOMEI/WAJÃPI, baseadas no diálogo entre os saberes indígenas e
o conhecimento escolar a partir da perspectiva intercultural crítica. E como
específicos: averiguar as concepções de interculturalidade que permeiam o currículo
escolar na educação escolar indígena; identificar, no currículo em ação nas escolas
1
Os anos iniciais do ensino fundamental nas escolas indígenas Wajãpi está organizado em etapas, abordamos
no 5º capitulo detalhadamente esta forma de organização.
2
Dos 60 alunos do curso de formação, 45 já trabalham como professores nas escolas indígenas Wajãpi, por
meio do contrato administrativo com a Secretaria de Estado da Educação.
13

Wajãpi, a presença dos saberes indígenas e as formas como dialogam com o


conhecimento escolar e; verificar as práticas pedagógicas dos professores do
SOMEI/WAJÃPI, nas diversas disciplinas do currículo escolar do 6º ao 9º ano do
ensino fundamental, que estão baseadas na interculturalidade crítica.
O texto foi organizado em cinco capítulos. No primeiro, descrevemos o
percurso metodológico com o tipo e local da pesquisa, os procedimentos e
instrumentos para a coleta de dados, caracterização dos sujeitos e a técnica de
análise dos dados. No segundo capítulo, procuramos demonstrar que o processo de
colonização da educação escolar indígena é reflexo da colonialidade do poder, que
por meio da criação da categoria “raça”, estabeleceu o domínio sobre os povos
colonizados naturalizando, assim, as diferenças mediante a inferiozação e
subalternização dos dominados; por meio do predomínio e superioridade da raça
branca europeia colonizou-se as dimensões do existir humano e das relações
culturais, sociais, econômicas, do pensamento e da educação.
No terceiro capítulo abordamos a criação do Núcleo de Educação Indígena
como resultado das políticas públicas voltadas para os povos indígenas após a
Constituição Federal de 1988. Enfatizamos a atuação ativa do movimento social
indígena, para a conquista de direitos voltados para o reconhecimento da
diversidade sociocultural e linguística, contrário à escola missionária e civilizadora
que visava à homogeneização. Tais avanços foram possíveis, por meio da
resistência e conquista de espaços no cenário nacional, mediante a luta pelo
reconhecimento das diferenças negadas historicamente. Abordamos também os
direitos dos povos indígenas em relação a educação escolar na constituição de
1988, assim como, a negação desses direitos por parte do poder público.
No quarto capitulo, discutimos a concepção de educação intercultural que
norteou as politicas educacionais neoliberais desenvolvidas para os povos indígenas
na América Latina, assim como, a concepção de interculturalidade crítica abordada
por Catherine Walsh e as contribuições de Paulo Freire para o desenvolvimento da
perspectiva crítica de interculturalidade na educação brasileira. Em seguida,
discutiu-se a luta do movimento indígena por uma educação intercultural crítica,
procurou-se evidenciar a importância das organizações indígenas criadas no
decorrer da história de luta contra a educação monocutural e a opressão gerada
pela colonialidade do poder.
14

No quinto capitulo, foi feito uma abordagem histórica dos Wajãpi a partir do
século XVII e a sua organização social, política e econômica. Posteriormente,
abordamos a introdução da educação escolar, que ocorreu a partir do contato oficial
pela Funai na década de 1980, com a permissão da entrada de missionários para
atuarem como educadores e a construção de escolas para dar continuidade a
politica indigenista do governo. E, finalizou-se o referido capítulo apresentando os
resultados da pesquisa de campo realizada com os professores do SOMEI/WAJÃPI,
de acordo com o problema e os objetivos deste estudo, procurando identificar as
práticas pedagógicas interculturais críticas que estão voltadas para o
reconhecimento dos saberes e da cultura indígena e o estabelecimento do diálogo, a
partir da perspectiva de Paulo Freire, entre tais saberes e o saber escolar.
15

1 PERCURSO METODOLÓGICO

Realizamos uma pesquisa qualitativa que teve como objeto de estudo as


práticas pedagógicas interculturais criticas desenvolvidas pelos professores não
indígenas que atuam no Sistema de Organização Modular Indígena Wajãpi
(SOMEI/WAJÃPI)3, para isso, foi necessário imergir no contexto no qual os docentes
desenvolvem suas atividades profissionais, ou seja, nas escolas situadas na Terra
Indígena Wajãpi (TIW). Segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 48) os investigadores
qualitativos “frequentam os locais de estudo porque se preocupam com o contexto.
Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando observadas no
seu ambiente natural de ocorrência”.
Dentre os tipos de pesquisa qualitativa, optou-se pela etnográfica, por atender
aos objetivos propostos. Para Mattos (2001) dentre as finalidades da etnografia, está
o estudo e a descrição dos povos, dentre os elementos que poderão ser
investigados estão: língua, raça, religião e manifestações materiais e imateriais.
Neste estudo, investigamos a educação escolar ofertada pelo Estado do Amapá aos
Wajãpi, realizamos uma etnografia da prática docente com o intuito de identificar as
que consideramos interculturais numa perspectiva crítica.
Corroboramos com a visão de Geertz (1989) em relação a prática da
Etnografia que vai além da escrita dos diários, mapeamento e das relações
estabelecidas no campo da pesquisa, também se faz necessário, uma descrição
mais densa referente ao que grupo pesquisado faz e o significado desses atos,
considerando o contexto no qual vivem. A pesquisa foi desenvolvida com três
professores não indígenas que trabalham no SOMEI/WAJÃPI 4 , no contexto das
escolas indígenas da referida etnia.
Os professores foram selecionados por desenvolverem práticas pedagógicas
voltadas para o fortalecimento da cultura indígena, dando visibilidade aos saberes e
as visões de mundo dos educandos, assim como, abrem espaço para os anciões,
pajés, lideranças e demais moradores das aldeias, participarem do processo de

3
O SOMEI é a maneira de organização modular do currículo do ensino fundamental (anos finais) e médio, para
atender os alunos indígenas das áreas de Oiapoque (Galibi Marworno, Galibi Kalinã, Palikur e Karipuna) e
Pedra Branca do Amapari (Wajãpi). As disciplinas são ofertadas de forma intensiva em módulos com duração
de 30 a 50 dias.
4
O quadro docente do SOMEI/WAJÃPI é composto por 10 professores, mas somente três desenvolvem um
trabalho pedagógico voltado para os objetivos propostos nesta pesquisa.
16

ensino e aprendizagem, tais professores são identificados no texto com


pseudônimos para preservar o anonimato garantido pelo pesquisador e, ingressaram
por processo seletivo no SOMEI realizado pela Secretaria de Estado da Educação
(SEED) por meio de análise curricular e entrevista.
A professora Judite trabalha com a disciplina Ciências nos anos finais do
ensino fundamental e com Biologia no ensino médio, é formada em Pedagogia pelo
Instituto de Ensino Superior do Amapá (IESAP) e está concluindo a licenciatura em
Biologia na Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), tem especialização em
Educação Escolar Indígena. Atua há oito anos na educação escolar indígena, e sete
nas escolas indígenas estaduais Wajãpi. Os motivos que a levaram a atuar nas
escolas indígenas foram: o interesse em conhecer outros povos, outras culturas e
visões de mundo, além da gratificação para atuar no SOMEI.
O professor Roberto ministra a disciplina História nos anos finais do ensino
fundamental e no ensino médio, é licenciado em História pela Universidade Federal
do Amapá (UNIFAP), tem especialização em Educação Escolar Indígena. Atua há
dez anos na educação escolar indígena, e nove nas escolas indígenas estaduais
Wajãpi. A principal razão que o levou a trabalhar com os povos indígenas foi a
curiosidade em conhecer os modos de vida dos povos indígenas e a oportunidade
que teve foi a participação e aprovação no processo seletivo do SOMEI.
A professora Lídia trabalha com a disciplina Língua Portuguesa nos anos
finais do ensino fundamental e no ensino médio com Literatura, é licenciada em
Língua Portuguesa e Literatura pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), tem
especialização Gestão e Docência do Ensino Superior. Atua há vinte e seis anos na
educação escolar indígena e, oito com os Wajãpi. Trabalhou em 1992, no contrato
administrativo com a etnia Palikur e gostou da experiência, motivo que a fez
permanecer nesta modalidade de ensino.
Os três professores escolheram trabalhar com os povos indígenas pela
curiosidade, interesse em conhecer outras culturas, e a troca de conhecimento,
principalmente de aprender com os indígenas.
O interessante em trabalhar com os Wajãpi é que a cada módulo, vou
aprendendo ainda mais sobre a sua língua, suas histórias, o jeito de ser e
viver, a maneira como se relacionam entre si e, a vontade de aprender a
Língua Portuguesa. (PROFª. LÍDIA)

Na verdade, durante esses dez anos que estou na educação escolar


indígena, tenho aprendido mais do que ensinado. Aprendo todas as vezes
que entro em área (nas aldeias) algo que me faz crescer enquanto ser
17

humano. Nós, professores não indígenas, fomos educados numa sociedade


individualista, onde o TER é mais importante que o SER. Nas aldeias vamos
aos poucos desconstruído esses valores egoístas/capitalista. (PROF.
ROBERTO)

Trabalhar com os indígenas para mim é um privilégio, os alunos são


dedicados, querem aprender a nossa Ciência. No começo foi difícil entender
a relação que eles têm com a terra e os animais. Nós fomos educados para
extrair da natureza tudo o que ela pode nos oferecer, não importa a maneira
de como fazê-la produzir. Os Wajãpi me ensinaram que não precisa
destruir para tirar da Terra o nosso sustento. (PROFª. JUDITE).

Realizamos o trabalho de campo nas escolas indígenas onde os professores


foram encaminhados pelo Núcleo de Educação Indígena (NEI) para desenvolver
suas atividades docentes. Cada professor passou em média 31 dias em cada aldeia
para ministrar a carga horária de sua disciplina. Durante este período realizamos as
entrevistas semiestruturadas e a observação participante das atividades
pedagógicas.
A entrevista estruturada é flexível, consiste em questionamentos, realizados
verbalmente, em uma determinada ordem, tendo o pesquisador liberdade para,
dependo das respostas, adicionar perguntas de esclarecimento. (LAVILLE E DIONE,
2010). Para elaboração do roteiro da entrevista, utilizamos como indicador o
problema de pesquisa e os objetivos: geral e específicos da pesquisa.
Todas as entrevistas foram gravadas com a autorização dos professores, a
gravação segundo Ludke e André (2006, p. 37) “tem a vantagem de registrar todas
as expressões orais, imediatamente, deixando o entrevistador livre para prestar toda
atenção ao entrevistado”. As observações foram feitas nos espaços em que
ocorreram as práticas pedagógicas: em alguns momentos na sala de aula, no
alojamento dos professores e outros na aldeia (casas, rios, floresta, roça).
Por meio da observação, o pesquisador se aproxima mais do objeto de
estudo, pois observa, in loco, as atividades cotidianas dos sujeitos e, procura
entender a sua visão de mundo, que se apresenta no significado atribuído à
realidade que os cerca. (TRIVIÑOS, 2007). A observação nos possibilitou uma maior
compreensão dos professores em relação ao planejamento das aulas, no qual
selecionaram os objetivos, os conteúdos e as metodologias, bem como, acompanhar
o desenvolvimento das aulas para identificar as práticas pedagógicas interculturais
críticas. A observação também:
[...] a) permite checar na prática a sinceridade de certas respostas que, às
vezes, são dadas só para causar boa impressão; b) permite identificar
comportamentos não intencionais ou inconscientes e explorar tópicos que
18

os informantes não se sentem à vontade para discutir; c) permite o registro


do comportamento em seu contexto temporal-espacial. (ALVES-MAZZOTTI,
2002, p. 164).

Em relação a pesquisa com povos indígenas, Gomes (2011, p. 56), destaca a


observação participante como:
Método em que o pesquisador busca compreender a cultura pela vivência
concreta nela, ou seja, morar com os nativos, participar de seus cotidianos,
comer suas comidas, se alegrar em suas festas [...] a ideia subjacente é que
uma cultura só se faz inteligível pela participação do pesquisador em suas
instituições. Não basta observar os fenômenos, não basta entrevistar as
pessoas que participam, não basta conhecer os documentos materiais ou
ideológicos de uma cultura. É preciso vivenciá-la!

Nesta perspectiva, Malinowski (1986, p. 29), também destaca que nem todos
os fenômenos podem ser registrados pela realização de entrevistas, questionários
ou documentos estatísticos, portanto, o autor propõe a observação do que ele
denomina de imponderáveis da vida real:
Vivendo na aldeia, sem quaisquer responsabilidades que não a de observar
a vida nativa, o etnógrafo vê os costumes, cerimonias, transações, etc.,
muitas vezes; obtém exemplos de suas crenças, tais como realmente os
nativos as vivem. [...]. Em outras palavras há uma série de fenômenos de
suma importância que de forma alguma podem ser registradas apenas com
o auxílio de questionários ou documentos estatísticos, mas devem ser
observados em sua plena realidade. A esses fenômenos podemos dar o
nome de os imponderáveis da vida real. Pertencem a essa classe de
fenômenos: a rotina do trabalho diário do nativo; os detalhes de seus
cuidados corporais; o modo como prepara a comida e se alimenta; o tom
das conversas e da vida social ao redor das fogueiras; a existência de
hostilidade; as simpatias ou aversões momentâneas entre as pessoas, a
maneira sutil [...].

Fazendo uma analogia com o que o autor chama de imponderáveis da vida


real, realizamos uma etnografia do trabalho docente, observamos: a rotina do
trabalho diário dos professores; os detalhes do cuidado com os alunos em relação
às dificuldades no processo de aprendizagem; o tom das conversas no decorrer das
aulas, baseadas no diálogo; o planejamento das aulas e as metodologias para
trabalhar os conteúdos das disciplinas;
Na etnografia do trabalho docente, procuramos olhar e ouvir, segundo Oliveira
(2002, p. 21) “o olhar possui uma significação específica para um cientista social, o
ouvir também goza dessa propriedade. Evidentemente tanto o ouvir como o olhar
não devem ser tomados como faculdades totalmente independentes no exercício da
investigação”, ele estão inter-relacionados e se complementam no processo de
investigação. Ouvir os professores durante as entrevistas foi marcante para
conhecer suas histórias de vida, suas visões de mundo, concepções de educação;
19

bem como, olhar a relação que mantém com as comunidades indígenas e os alunos
dentro e fora da escola, como ensinam e aprendem no cotidiano na escola e nas
aldeias. O ato de olhar e ouvir, de acordo com Oliveira (2002, p. 25) é
acompanhado do Escrever:
Se o olhar e o ouvir podem ser considerados como atos cognitivos mais
preliminares no trabalho de campo [...] é, seguramente, no ato de escrever,
portanto na configuração final do produto desse trabalho, que a questão do
conhecimento torna-se tanto ou mais crítica.

Portanto, o olhar e o ouvir são registrados por meio da escrita e se configuram


como afirma o autor, no produto final do trabalho no diálogo crítico com o referencial
teórico adotado na pesquisa.
No percurso de construção deste trabalho, vivenciei o processo de ensino e
aprendizagem diretamente nas aldeias, passando por todas as dificuldades que os
professores enfrentam, desde a saída de Macapá até a chegada nas escolas
indígenas. Como faço parte da equipe do NEI,c onhecia os professores, então não
houve dificuldades em relação ao apoio para a realização das entrevistas e
observações. Expliquei para cada professor/professora os objetivos da pesquisa e a
importância da entrada, junto com eles, na aldeia, assim, todos concordaram com
minha presença no decorrer do desenvolvimento dos módulos nas escolas.
Estar junto com os professores partilhar o mesmo espaço (a escola, a aldeia),
a alimentação feita por eles e as que foram doadas pela comunidade (carne de anta,
de porco do mato, peixe, açaí, pupunha), possibilitou uma maior aproximação.
Assim, pude experienciar o cotidiano da aldeia, o relacionamento dos professores
com a comunidade, de observar como eles (alunos e professores) ensinam e
aprendem.
Iniciei a pesquisa com a professora Lídia de Língua Portuguesa, na entrada
do 1º módulo do ano de 2019 que durou 30 dias, mas passei somente 15 na aldeia,
tempo que considerei suficiente para a realização das entrevistas e observações.
Durante tal período, fui hospedado na escola juntamente com a professora e, tive
contato com a comunidade indígena que estavam constantemente pelos arredores
durante e após o período das aulas, pois faziam companhia para a professora. O
prédio da escola não apresentava boas condições físicas, as salas de aula quente
sem ventilação, não tinha cadeira suficiente para todos os alunos, sem biblioteca e
outros ambientes além da sala de aula e do alojamento que passou por uma reforma
feita pela comunidade indígena. Vale ressaltar que os únicos materiais didáticos
20

(textos, cartolina, pincel, tesoura, lápis de cor e cola) foram os que a professora
levou de Macapá que comprou com seus próprios recursos.
Após a realização da pesquisa com a professora Lídia, fui para outra aldeia
onde estava trabalhando o professor Roberto de História, lá fiquei por 15 dias,
período em que fiz as observações e as entrevistas. As condições da escola eram
semelhantes a que descrevi anteriormente. O professor também levou seu próprio
material didático: livros, textos, cartolina, pincel, cola e outros para os alunos
confeccionarem os cartazes e mapas.
A pesquisa com a professora Judite de Ciências, ocorreu na entrada do 2º
módulo do ano de 2019, fomos no mesmo carro até a aldeia central e, de lá
pegamos uma voadeira até a aldeia de destino. Passei 20 dias na escola realizando
o trabalho de campo e as entrevistas. O prédio da escola também não apresentava
condições de funcionamento, durante as chuvas, ficava difícil ministrar aula, porque
molhava toda a sala, o banheiro é fora do alojamento e apresentava riscos de
desabamento. Mesmo assim, a professora desenvolveu o seu trabalho.
Segundo André (2003), as condições de trabalho do professor devem ser
levadas em consideração quando investigamos a sua prática pedagógica, é o que a
autora denomina de dimensão institucional que abrange a conjuntura em que o
professor atua. Neste sentido, para entendermos o abandono, pelo poder público,
das escolas indígenas temos que analisar as politicas públicas de educação a nível
Federal e Estadual voltadas para os povos indígenas. Em relação aos materiais
didáticos, o censo escolar de 2017 do Ministério da Educação (MEC), indica que
apenas 53,5% das escolas possuem material didático específico para cada etnia, ou
seja, o restante não tem acesso a tais materiais, ou utiliza os das escolas urbanas
ou de outras etnias. Além do material didático específico, também na maioria das
escolas não existe biblioteca e outros espaços necessários para qualidade do
ensino5.
A outra dimensão, apresentada pela referida autora, está relacionada com os
processos de ensinar e aprender, denominada de pedagógica. Na práxis
pedagógica, os sujeitos, educador e educando, ensinam e aprendem mediatizados
pelo mundo (FREIRE, 2014), fato evidenciado na afirmação dos professores de que,
na aldeia, não só ensinam, mas principalmente, aprendem com os alunos e os

5
No 3º capitulo abordamos as condições das escolas indígenas no Brasil.
21

demais indígenas. Na escola, a mediação da aprendizagem ocorre por meio de


metodologias, de acordo com André (2003, p. 43) precisam levar em consideração:
a situação concreta dos alunos (processos cognitivos, procedência
econômica, linguagem, imaginário), a situação concreta do professor
(condições de vida e de trabalho, expectativas, valores, concepções) e sua
inter-relação com o ambiente em que se processa o ensino (forças
institucionais, estrutura administrativa, rede de relações inter e extra-
escolar).

Em relação a situação concreta, os alunos são indígenas Wajãpi, tem sua


própria maneira de ensinar e aprender baseado na oralidade (os mais velhos
ensinam os mais novos), falam a língua Wajãpi do tronco linguístico Tupi-Guarani,
tem sua própria cosmovisão de mundo. No tocante a situação concreta do professor,
como afirmamos anteriormente, é que as escolas não apresentam condições para o
desenvolvimento de um ensino de qualidade, os professores, neste contexto, fazem
o que podem para que os alunos possam aprender.
A ultima dimensão apresentada por André (2003) é a sociopolítico/cultural,
que está relacionada com o contexto sociopolítico e cultural mais abrangente, “ou
seja, aos determinantes macroestruturais da prática educativa” (ibidem, p. 44). Isso
significa que, ao investigarmos o trabalho docente, temos que situá-lo no contexto
histórico, econômico, social, político e cultural, em que ele se desenvolve.
Os dados produzidos durante a pesquisa foram analisados por meio da
análise de conteúdo, proposta por Bardin (2004, 41) que é constituída pela aplicação
de algumas técnicas para analisar as comunicações com a finalidade de alcançar
“por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas)
destas mensagens.”
Assim, a comunicação é a base para a análise de conteúdo, constituída,
neste estudo, pelos conteúdos das falas dos professores nas entrevistas e do que foi
escrito no diário de campo, que serviram de suporte para fazer as inferências,
segundo Bardin (2004, p. 39) “O ato de inferir significa a realização de uma
operação lógica, pela qual se admite uma proposição em virtude de sua ligação com
outras proposições já aceitas como verdadeiras.”
22

Na análise de conteúdo, trabalhamos com categorias6 que podem ser dividias


em apriorísticas ou não apriorísticas. Às que são definidas antes da realização da
pesquisa, são denominadas de categorias apriorísticas, tem como alicerce o
referencial teórico e a experiência do pesquisador. Enquanto que às que emergem
da análise dos dados coletados na pesquisa de campo são as não apriorísticas.
Nesta pesquisa, trabalhos com as categorias apriorísticas definidas a partir do
problema e dos objetivos da pesquisa.
Na análise dos dados, procuramos seguir as etapas de desenvolvimento da
técnica composta da pré-análise, exploração do material, e o tratamento dos
resultados, inferência e interpretação.
Na pré-análise, denominada de leitura flutuante, fizemos a leitura do diário de
campo e das entrevistas que foram transcritas, com o objetivo de apontar os
aspectos importantes para as fases posteriores. “Na leitura flutuante toma-se contato
com os documentos a serem analisados, conhece-se o contexto e deixa-se fluir
impressões e orientações” (BARDIN, 2004, p. 118).
Na exploração do material (diário de campo e entrevistas), fizemos a sua
codificação que “é o processo através do qual os dados brutos são sistematicamente
transformados em categorias e que permitam posteriormente a discussão precisa
das características relevantes do conteúdo”. (FRANCO, 2006, p. 34). Utilizamos o
sistema alfanumérico na codificação dos materiais que foram recortados em
parágrafos e frases para constituir as unidades de registros e, posteriormente,
agrupados nas categorias apriorísticas.
Na terceira fase, foi realizado o tratamento dos resultados, inferência e
interpretação de acordo com o problema e os objetivos da pesquisa, assim como
estabelecido o diálogo com o referencial teórico adotado. Franco (2006, p. 45)
destaca que “é importante que os resultados da análise de conteúdo devam refletir
os objetivos da pesquisa e ter como apoio indícios manifestos no conteúdo das
comunicações”.
A seguir, apresentamos as duas categorias de análise apriorísticas definidas
neste estudo.
Tabela 01 – Categorias apriorísticas

6
As categorias, que estão direcionadas para os objetivos do estudo, englobam uma diversidade de temas, de
acordo com as aproximações entre si, que, por meio da análise, expressam sentido.
23

Categoria Conceito Norteador


Numa perspectiva freireana, como o
momento de encontro com vistas à
reflexão da realidade na qual vivemos
Diálogo para poder transformá-la: “é este
encontro dos homens, mediatizados pelo
mundo, para pronunciá-lo, não se
esgotando, portanto, na relação eu-tu”
(FREIRE, 2014, p. 109).
São práticas voltadas para o
reconhecimento e valorização dos
saberes indígenas por meio da inclusão
Práticas Pedagógicas Interculturais no currículo escolar. No
Críticas desenvolvimento de tais práticas
questionam-se as diversificadas formas
de colonialidade explícitas ou implícitas
na sociedade, dentre elas a
hierarquização, subalternização e
inferiorização de determinados grupos
sociais; o desvelamento do racismo; a
validação da diversidade de saberes e o
diálogo entre eles.
24

2 A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDIGENA: a colonização dos corpos e das mentes


dos colonizados.

Neste capítulo, procuramos demonstrar que o processo de colonização da


educação escolar indígena é reflexo da colonialidade do poder, que por meio da
criação da categoria “raça”, estabeleceu o domínio sobre os povos colonizados
naturalizando, assim, as diferenças mediante a inferiozação e subalternização dos
dominados. Por meio do predomínio e superioridade da raça branca europeia
colonizou-se as dimensões do existir humano e das relações culturais, sociais,
econômicas, do pensamento e da educação.

2.1 A educação colonizadora


A educação colonizadora é uma das facetas da colonialidade do poder, de
acordo com Quijano (2000) objetiva promover reflexões teóricas e práticas em relação a
constituição e permanência do poder na América Latina. Tal conceito aponta para as
consequências do processo de globalização e suas relações com o capital que visam o
domínio de uns povos sobre os outros por meio das relações desiguais entre raça,
gênero e trabalho.
Pela colonialidade do poder, o autor demonstra como se forjou e se sustenta
a estrutura global de poder. Para isso, estabelece a diferença entre colonialismo e
colonialidade. O que caracteriza o colonialismo é a dominação politica,
administrativa e econômica de determinadas populações situadas em jurisdição
territorial diferente. Configura-se, assim, em uma relação política e econômica na
qual a soberania de uma nação é subjugada por outra. Enquanto que a colonialidade
se refere a um padrão de poder que permeia as relações intersubjetivas entre
colonizador e colonizados, e que reflete nas formas de valorização do conhecimento,
na divisão racial do trabalho criada para justificar a hegemonia branca eurocêntrica.
(QUIJANO, 2005).
Hegemonia que continuou, segundo o referido autor, mesmo após o fim do
colonialismo por meio da colonialidade, que ainda estrutura as relações desiguais
entre pessoas, culturas e nações alicerçadas nas discriminações sociais codificadas
como raciais, étnicas, antropológicas ou nacionais, constituindo uma estrutura de
poder que permeia as dimensões materiais e subjetivas de nossa existência.
Assim, para Quijano (2007, p. 342),
25

La colonialidade es uno de los elementos constitutivos y específicos del


patrón mundial de poder capitalista. Se funda en la imposición de una
clasificación racial/étnica de la problación del mundo como piedra anguar de
dicho patrón de poder y opera en cada uno de los planos, ámbitos y
dimensiones, materiales y subjetivas, de la existência social cotidiana y a
escala societal. Se origina y mundializa a partir de America.

Portanto, a colonialidade está relacionada aos padrões de poder sustentado


em uma hierarquia racial e sexual, que culminou com a classificação da população
mundial. Para o referido autor, a classificação racial/étnica da população pelos
europeus é o alicerce do poder eurocêntrico, pois tais conceitos permeiam todas as
dimensões materiais e subjetivas da existência social em escala global. Teve origem
na colonização da América e devido ao seu êxito, foi implantado em todas as
colônias europeias. A ideia de raça naturalizou as relações de dominação do
europeu com os colonizados, afirma Quijano (2005, p. 229):
Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às
relações de dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da
Europa como nova id-entidade depois da América e a expansão do
colonialismo europeu ao resto do mundo conduziram à elaboração da
perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com ela à elaboração teórica
da ideia de raça como naturalização dessas relações coloniais de
dominação entre europeus e não-europeus.

Inicialmente, a população colonizada foi distinguida pelas características


fenotípicas e, posteriormente, a cor da pele adotada como único critério para
categorização racial da população. Desta maneira, estabeleceu-se a hierarquia
racial com a raça branca sobrepondo-se as outras espalhadas pelo mundo
colonizado. Consequentemente, naturalizaram-se as diferenças que foram
construídas socialmente gerando a discriminação, o preconceito e o racismo; “raça e
identidade racial foram estabelecidas como instrumentos de classificação social
básica da população” (QUIJANO, 2005, p. 228).
Nesse sentido, para compreendermos o processo de inferiorização das
populações indígenas, faz-se necessário entender os mecanismos utilizados pelo
colonizador, dentre eles a criação da categoria raça. O conceito de raça foi criado
pelo colonizador para classificar os dominados e desta forma subjugá-los e
inferiorizá-los. Tal classificação produziu novas identidades baseadas, inicialmente,
na cor da pele; assim emergiram índios, negros, mestiços, oliváceos e amarelos
como raças dominadas e consideradas inferiores. A raça dominadora e superior
autodenominou-se branca e, em meados do século XVIII, passou a chamar-se
europeu. (QUIJANO, 2005).
26

Desta maneira, é estabelecida a hegemonia da raça branca sobre as não


brancas. Para Quijano (2005, p. 227), a ideia de raça “é uma construção mental que
expressa a experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as
dimensões mais importantes do poder mundial [...] o eurocentrismo7”. Por meio da
categoria raça, as diferenças entre europeus e não europeus foram naturalizadas e
universalizadas. Portanto, na colonialidade do poder, o referido autor descreve este
processo de dominação como algo específico da modernidade.
Assim sendo, o poder é constituído por meio de relações sociais de
exploração, dominação e também de conflitos, tudo isso visando controlar, segundo
Quijano (2005): o trabalho e seus produtos; a natureza, o sexo e seus recursos de
produção e reprodução; a subjetividade e seus produtos materiais e intersubjetivos,
incluindo o conhecimento; a autoridade e seus instrumentos de coerção em
particular, para assegurar a reprodução desse padrão de relações sociais e regular
suas mudanças. Além de delimitar as diferenças entre conquistadores e
conquistados, a categoria raça estabeleceu a situação natural de inferioridade de
uns em relação a outros.
Para a consolidação da colonialidade do poder, a articulação de todas as
formas históricas de controle do trabalho por meio da regulação, exploração e
monitoramento da produção-apropriação-distribuição de produtos associadas a
relação capital-salário e do mercado mundial, configurou um moderno padrão global
de controle do trabalho, constituído por uma nova, original e singular estrutura de
relações de produção: o capitalismo mundial. (QUIJANO, 2005). Assim, cada raça foi
controlada por meio de uma forma específica de trabalho, tornando-se uma maneira
de controle dos colonizados.
Na divisão racial do trabalho coube aos índios a servidão e, desta forma,
foram usados como mão de obra descartável, obrigados a trabalhar até a morte, o
que ocasionou o genocídio de diversas etnias nas primeiras décadas da
colonização. Por ser considerada raça inferior, o trabalho indígena nao era
remunerado, pois estavam condenados a servir o colonizador. Quanto às outras
raças, a negra, foi relegada a escravidão e a mestiça ao trabalho gratuito.

7
O autor denomina de Eurocentrismo [...] o nome de uma perspectiva de conhecimento cuja elaboração
sistemática começou na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, ainda que algumas de suas raízes
são sem dúvida mais velhas, ou mesmo antigas, e que nos séculos seguintes se tornou mundialmente
hegemônica percorrendo o mesmo fluxo do domínio da Europa burguesa. (QUIJANO, 2005, p. 229).
27

Na América a escravidão foi deliberadamente estabelecida e organizada


como mercadoria para produzir mercadorias para o mercado mundial e,
desse modo, para servir aos propósitos e necessidades do capitalismo. Do
mesmo modo, a servidão imposta aos índios, inclusive a redefinição das
instituições da reciprocidade, para servir os mesmos fins, isto é, para
produzir mercadorias para o mercado mundial. E enfim, a produção
mercantil independente foi estabelecida e expandida para os mesmos
propósitos. (QUIJANO, 2005, p. 226)

A única raça digna de receber pagamento foi a branca europeia, o que


caracterizou a branquitude social com direito a salários e os postos de comando da
administração colonial. Assim, nas regiões colonizadas, a única raça assalariada era
a branca, enquanto que aos colonizados estava reservado o trabalho escravo e não
pago, em razão de sua natural inferioridade. Motivo pelo qual índios e negros não
eram concebidos como seres humanos, mas sim mercadorias, que poderiam ser
vendidas e exploradas. Devido ao êxito desta forma de organização racial do
trabalho, adotou-se os mesmos critérios de classificação social a toda população
mundial. Esta forma de organização, mediante o controle do capital comercial e do
trabalho, contribuiu para que a Europa fosse o centro do capitalismo.
Por meio da colonialidade do controle racista do trabalho, de seus recursos e
produtos, afirma o autor, foi determinada a geografia do capitalismo tendo como
eixo central a Europa. Nesse sentido, o racismo para Wallerstein (2000) como
elemento constitutivo da colonialidade e da economia capitalista, tem como
finalidade o controle das pessoas dentro do sistema, como “[...] seres inferiores
passíveis de serem explorados economicamente e usados como bodes-expiatórios
políticos.” (p. 13).
O racismo se manifesta por meio da opressão exercida pelo dominante que
se sente superior em relação aos dominados, e desta forma, os desumaniza. A
opressão foi exercida também pela exclusão e repressão dos conhecimentos dos
oprimidos que não eram úteis ao opressor ou diverso da concepção eurocêntrica.
Para Mignolo (2011) o eurocentrismo lança qualquer epistemologia que esteja fora
de sua estrutura ao status de mito, folclore, lenda ou conhecimento local, já que se
coloca sempre no presente e no centro do espaço, projetando-se universalmente.
Portanto, a superioridade dos europeus teve como alicerce a classificação
racial da população do planeta, bem como, a postura etnocêntrica em relação aos
aspectos epistemológicos, sociais e econômicos dos povos colonizados,
considerados inferiores e primitivos no processo de desenvolvimento da espécie
28

humana “[...] o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um


padrão cognitivo, uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não-
europeu era o passado e desse modo inferior, sempre primitivo.” (QUIJANO, 2005,
p. 228).
Além dos motivos já elencados, que levaram os europeus a se considerarem
superiores aos outros povos, o autor destaca o processo que possibilitou a Europa a
tornar-se o centro do capitalismo mundial e, consequentemente, a nação
hegemônica.
A progressiva monetarização do mercado mundial que os metais preciosos
da América estimulavam e permitiam, bem como o controle de tão
abundantes recursos, possibilitou aos brancos o controle da vasta rede pré-
existente de intercâmbio que incluía, sobretudo China, Índia, Ceilão, Egito,
Síria, os futuros Orientes Médio e Extremo. Isso também lhes permitiu
concentrar o controle do capital comercial, do trabalho e dos recursos de
produção no conjunto do mercado mundial. E tudo isso foi, posteriormente,
reforçado e consolidado através da expansão e da dominação colonial
branca sobre as diversas populações mundiais (QUIJANO, 2005, p. 232).

A consequência desse padrão de poder foi além das relações raciais e de


trabalho; englobou as dimensões culturais e simbólicas da vida humana, pois
implicou na configuração de uma nova intersubjetividade mundial. A Europa, como
centro do capitalismo mundial, dominou as populações do planeta e criou um
processo de re-identificação histórica, uma vez que, dela, foram-lhes atribuídas
novas identidades geoculturais. Consequentemente, também teve a hegemonia das
diversas formas de produção da subjetividade, da cultura e do conhecimento como
parte de sua estratégia para dissipar a colonialidade do poder. (QUIJANO, 2000)
Ampliando o referido conceito, para Maldonado-Torres (2007) a colonialidade
do poder refere-se também à maneira como o trabalho, o conhecimento, a
autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si, através do mercado
capitalista mundial e a ideia de raça.
Grosfoguel (2008), ao fazer uma análise da colonialidade do poder, destaca
alguns pontos que foram universalizados em todo continente por onde se
espalharam o domínio europeu, dentre eles: uma hierarquia étnico-racial que
privilegia os europeus; também uma hierarquia de gênero através da autoridade
masculina sobre a feminina, com reconhecimento do patriarcado ocidental como o
único meio de relacionamento entre os sexos; a predominância do cristianismo e a
negação de outras formas de crenças não cristãs e não ocidentais; a ciência
ocidental como a única produtora de conhecimento válido em detrimento das
29

diversas formas de saberes produzidos pelos outros povos; e desta maneira a


primazia das línguas ocidentais e a subalternização das não européias, que segundo
o autor, eram vistas como “exclusivamente produtora de folclore ou cultura, mas não
como conhecimento/teoria.” (GROSFOGUEL, 2008, p. 123)
Portanto, a divisão da população colonizada nas categorias de raça, sexo e
etnia, configurou formas de naturalização das diferenças que fundamentou as
hierarquias. Para Santos (2010), as hierarquias são consequências das diferenças.
Desta maneira, as diferenças são veladas e naturalizadas a partir de uma escala
baseada na inferiorização do que difere do padrão dominante.
Assim, por meio da colonialidade do poder é possível entender como a
educação foi utilizada pelo colonizador para dominar os índios, classificados como
raça inferior e subalterna. A dominação aconteceu por meio da violência,
segregação, homogeneização dos povos indígenas, extinção de suas línguas e
negação de suas culturas.
Em relação à violência, Godelier (1981, p. 186), ao reportar-se à legitimidade
da classe dominante afirma que, “todo poder de dominação se compõe de dois
elementos indissoluvelmente entrelaçados que lhes dão força: a violência e o
consentimento. [...]”. Assim, inicialmente foi utilizada a violência para garantir a
dominação, tornando os indígenas submissos por meio da força bélica do
colonizador. Segundo Enzensberger8 (1985, p. 245) os colonizadores lançaram-se
sobre os índios como “lobos, tigres e leões torturados por vários dias de fome. [...]
dilaceraram, sufocaram, atormentaram e torturaram, causando-lhes mil tipos de
sofrimento. [...]”. Os índios que ofereciam resistência eram vistos como selvagens e
embrutecidos, a pacificação levou a batalhas sangrentas com os colonizadores ao
longo de todo processo de ocupação do território brasileiro.
No que concerne à educação escolar, as primeiras experiências começam
com a colonização portuguesa, no início do século XVI, num contexto em que o
poder político-econômico e a evangelização eram inseparáveis. Nesse sentido,
Estado e Igreja formavam uma unidade insolúvel, sendo a Igreja um aparelho
ideológico do Estado. O papel dos padres jesuítas era de catequizar os índios e
promover a educação escolar, tendo como função principal a alfabetização e a

8
Trecho citado pelo autor retirado da obra “Breve Relato da Devastação nos Países da Índia Ocidental”, escrita
pelo Frei Bartolomeu de Las Casas em 1542.
30

transformação do índio brasileiro num cidadão português, por meio do paradigma da


integração.
Para isso, os programas de educação escolar foram focados na negação das
diferenças, integração dos índios com o propósito de transformá-los para atender
aos interesses hegemônicos. A escola serviu, dentro deste contexto, como
instrumento para colonizar as mentes, o corpo e o comportamento por meio da
imposição de valores, negação de identidades, línguas e culturas diferenciadas.
O paradigma da integração tinha como referência o estágio de
desenvolvimento da civilização ocidental e, acreditava-se que, pela educação e
catequização, os índios chegariam a este estágio como etapa final de evolução, e
assim, seriam integrados à sociedade. Portanto, a política de integração concebia a
diversidade dos povos indígenas como estágio transitório e que, ao se incorporarem
à sociedade nacional, acabaria a diferenciação étnica.
Assim, a missão educacional e civilizatória, inicialmente, sobre
responsabilidade dos missionários jesuítas, teve como foco, a submissão dos
indígenas as normas da metrópole portuguesa, domesticando-os e disponibilizando-
os ao mercado de trabalho braçal.
A violência foi um dos componentes utilizados para o alcance de tais
objetivos. Diz Godelier (1981) que dentre os componentes do poder o mais forte não
é a violência, e sim, o consentimento do dominado em relação a sua dominação e
sujeição. Nesse sentido, a educação escolar para os índios contribuiu
significativamente. E o consentimento da dominação ocorre por meio da imposição
da ideologia dominante, considerada segundo Godelier (1981, p. 189) como:
[...] as representações „ilusórias‟ que os homens têm de si próprios e
do mundo, e que „legitimam‟ uma ordem social existente nascida sem
elas, fazendo assim aceitar as formas de dominação e de opressão
do homem pelo homem que esta ordem contém e sobre as quais
repousa.

Dentre as estratégias para a inculcação da ideologia dominante utilizadas


inicialmente destacam-se: a alfabetização das crianças (ensinar a ler, escrever e
contar - cálculos matemáticos) e o ensino da doutrina cristã que ocorriam nas
missões volantes; as casas para a doutrina dos índios não batizados e os colégios,
que abrigavam meninos portugueses, mestiços e índios batizados “Nos colégios a
educação tinha um caráter mais abrangente e estava voltada para a formação de
31

pregadores (índios convertidos ao cristianismo) que ajudavam os jesuítas na


conversão de outros índios.” (RIBEIRO, 1984, p. 127).
Outro elemento da educação colonizadora foi a segregação, para isso, criou-
se todo um aparato escolar, composto pelos colégios e as escolas-internato.
Utilizando a força e o poder emanados pela metrópole, as crianças indígenas foram
retiradas das aldeias e enclausuradas nos colégios para tornar mais fácil a missão
de destruir suas identidades e subjetividades, pois os índios não conceberam a
escola como parte de seu cotidiano, sendo desta maneira, totalmente estranha a sua
cultura.
Enclausurados, longe do contato com seus semelhantes, tornaram-se mais
frágeis, o que facilitou o trabalho do colonizador. A razão principal da implantação
dos colégios estava em mantê-los isolados dos seus semelhantes para favorecer a
aprendizagem da cultura eurocêntrica, já que a educação imposta era totalmente
descontextualizada da realidade em que viviam “Bastava que eles voltassem ao
convívio com outros índios que, mesmo aqueles que eram batizados, retornavam
aos seus costumes e crenças.” (HENRIQUES et. All., 2007, p. 11). Nas escolas-
internatos também as crianças e os jovens eram confinados e isolados do convívio
social de suas aldeias. Desta maneira, foram incutidos a língua, a cultura, os valores
e o comportamento dos colonizadores. Para Fanon (1979, p. 27)
Não se desorganiza uma sociedade, por mais primitiva que seja, com
tal programa se não está decidido desde o início, isto é, desde a
formulação mesma deste programa, a destruir todos os obstáculos
encontrados no caminho. O colonizado que resolve cumprir este
programa, tona-se o motor que o impulsiona, está preparado sempre
para a violência [...].

A homogeneização dos povos indígenas foi outro artifício para a destruição


dos obstáculos encontrados no caminho dos colonizadores. A diversidade foi
ignorada e os indígenas concebidos como um só povo que deveria ser extinto
enquanto etnia. Para isso, a educação colonizadora contribuiu por meio de um
aparato politico e pedagógico que tinha como finalidade a extinção de suas línguas e
negação de suas culturas, bem como a aprendizagem da língua e da cultura
eurocêntrica obrigatória a todo o continente dominado pelo europeu
(GROSFOGUEL, 2008).
32

A escola foi um dos mecanismos usados através da veiculação da cultura e


da ideologia dominante, nela, principalmente as crianças e os jovens aprendiam os
hábitos, costumes e valores eurocêntricos.
Quando a escola foi implantada em área indígena, as línguas, a
tradição oral, o saber e a arte dos povos indígenas foram
discriminados e excluídos da sala de aula. A função da escola era
fazer com que estudantes indígenas desaprendessem suas culturas
e deixassem de serem indivíduos indígenas. Historicamente, a
escola pode ter sido o instrumento de execução de uma política que
contribuiu para a extinção de mais de mil línguas. (FREIRE, 2004, p.
23)

A escola, organizada com um modelo pedagógico alheio as cosmologias


indígenas, foi imposta com o explícito intuito colonizador, integracionista e
civilizador. (BANIWA, 2013). Além da violência física, ocorreu também a violência
simbólica exercida sobre os índios, a partir da imposição de um poder arbitrário, o do
colonizador. A arbitrariedade constitui-se na apresentação da cultura e da visão de
mundo dominante como unívoca.
[...] existe uma violência inerente e inevitável, a violência da
educação, pois toda ação pedagógica é uma forma de violência
simbólica, ou seja, reproduz a cultura dominante, suas significações
e convenções, impondo um modelo de socialização que favorece a
reprodução da estrutura das relações de poder. (BOURDIEU e
PASSERON, 1975, p. 68)

A sobreposição da cultura eurocêntrica sobre a indígena era o principal foco


da escolarização, ou seja, civilizar o índio para torná-lo cristão, um cidadão a serviço
da coroa portuguesa. Por intermédio da educação negaram-se os saberes, as
formas de organização social, política, econômica e religiosa e internalizou-se a do
colonizador, fazendo com que perdessem suas identidades, tornando-se fracos,
inseguros e mais dóceis para a dominação.
Consequentemente, na escola colonizadora, destacam-se a negação das
diversificadas formas de produção do conhecimento e a apropriação dos
considerados úteis ao capital; a destruição do seu universo simbólico, bem como
dos padrões de expressão e de objetivação da subjetividade; e a inculcação da
cultura necessária para a dominação e reprodução do capital, nos seus vários
aspectos materiais, tecnológicos, inclusive da subjetividade, com destaque para a
religiosa.
Segundo Santos (2010) a supressão da diversidade cultural dos outros povos,
pela exclusão e silenciamento de toda riqueza nela presente, visou atender aos
33

interesses do capitalismo, fato que ocorreu por meio da dominação politica,


econômica e militar nas sociedades colonizadas. Desta forma, o colonizador impôs
aos povos indígenas a sua cultura, os seus modos de ver o mundo, o seu
conhecimento, a sua epistemologia; assim, moldou e formatou consciências,
colonizou o pensamento por meio de uma única lógica, a eurocêntrica. Na escola
para o índio, ocorreu o que Santos (2007) chama de epistemicídio, ou seja, a morte
das diversas formas de saberes dos povos indígenas que sustentavam suas visões,
leituras e interpretações do mundo e que faziam parte de suas histórias e culturas.
O entendimento dessas questões está, segundo Mignolo (2011), na
colonialidade do poder, que, por meio da colonização epistemológica eurocêntrica e
etnocêntrica foi se constituindo no processo de formação do sistema moderno
colonial, tendo a Europa como centro privilegiado de produção e avaliação do
conhecimento. Razão pela qual, as cosmologias e os saberes indígenas foram
subalternizados, invisibilizados e resumidos a superstições, folclore, entre outros. É
a colonização da memória, que ocorreu por meio da negação da língua, pois os
índios eram proibidos de fala-la na escola; dos conhecimentos, aproveitou-se
apenas o que era útil ao capital; e da religião, com a imposição de um único Deus.
Essas memórias fraturadas, para Maldonado Torres (2007) são refletidas no
imaginário do mundo colonial, fruto do confronto entre europeus e ameríndios, com
vozes suprimidas ou amordaçadas (dos indígenas) e histórias contadas de um só
lado (o do colonizador) resultado de uma complexa relação de forças que aboliram
as memórias dos colonizados.
Esses princípios se mantiveram nos séculos de colonização, reforçados pela
atuação das ordens religiosas como jesuítas, beneditinos, franciscanos, carmelitas,
lassalistas e salesianos, e retomados pelo Estado brasileiro no início do século XX.
Como afirma Henriques et all (2007), até o início do século XX o indigenismo
brasileiro vivenciou uma fase de total identificação com a missão católica e o Estado
dividiu com as ordens religiosas, mais uma vez, a responsabilidade pela educação
formal para os índios com o intuito de transformá-los em “cidadãos”. A escola
catequizadora, transmissora/reprodutora da cultura europeia e etnocêntrica, cumpre
a sua parte enquanto aparelho ideológico do Estado.
Como o Estado, a partir do século XX, assumiu a tutela dos índios, a
educação colonizadora foi institucionalizada com a finalidade primordial de integrá-
los ao modelo socioeconômico, para isso seria necessário a sua extinção enquanto
34

etnia e a inclusão como produtores de bens de interesse comercial para o mercado;


consumidores das tecnologias produzidas pelos não índios; e como reserva
alternativa de mão de obra barata para abastecer o mercado de trabalho. (BANIWA,
2013). Esta era a missão da escola presente em cada posto do SPI, estruturada
pedagogicamente da seguinte forma:
[...] noções elementares da língua portuguesa (leitura e escrita) e
estímulo ao abandono das línguas nativas, além de se introduzir uma
série de pequenas alterações no cotidiano de um povo indígena, a
partir de formas de socialização características de sociedades
que têm na escola seu principal veículo de reprodução cultural.
O modelo de governo idealizado, e que foi em certos casos com
certeza implementado, procurava atingir a totalidade das atividades
nativas, inserindo-se em tempos e espaços diferenciados dos ciclos,
ritmos e limites da vida indígena. (SOUZA LIMA, 1995, p. 191, grifo
nosso)

O Estado deu continuidade ao projeto pedagógico que vinha sendo


operacionalizado pelas ordens religiosas baseado na extinção das línguas nativas e
de suas formas de organização social e temporal que envolve outros mundos que
vão além do terreno, consideradas pela educação colonizadora como primitivas,
selvagens, dentre outros adjetivos que os inferiorizavam.
Outro órgão do Governo criado em 1967 foi a Fundação Nacional de
Assistência ao Índio (Funai) que substituiu o SPI. A educação colonizadora contou
com parcerias de instituições internacionais como o Summer Institute of Linguistics
(SIL), para a realização de pesquisas com o objetivo de registro de línguas
indígenas; à identificação de sistemas de sons; bem como a elaboração de alfabetos
e análises das estruturas gramaticais. (HENRIQUES et all, 2007). A referida
instituição também estudava a língua indígena com a finalidade de traduzir a Bíblia
para os índios. Todas essas ações foram voltadas, segundo o citado autor, para “a
preparação de material de alfabetização nas línguas maternas e de material de
leitura, o treinamento do pessoal docente, tanto da Funai, como de missões
religiosas, e a preparação de autores indígenas.” (idem, 2007, p. 15).
Desta maneira, os indígenas passaram a ser alfabetizados na sua língua
materna e na língua portuguesa. Quando atingiam o domínio deste idioma, o ensino
passava a ser realizado exclusivamente em português, era um “bilinguismo de
transição” (HENRIQUES et all, 2007, p. 16). Desta forma, a língua indígena servia
para facilitar o processo de integração do índio à cultura da sociedade não índia,
35

pois, quando aprendia o português e deixava de falar sua língua, simultaneamente,


abandonava seu modo de vida e sua identidade diferenciada.
No intuito de garantir o sucesso do ensino bilíngue, passou-se a formar
jovens nas aldeias para desempenhar a função de tradutor entre os alunos
monolíngües e o professor não indígena, o qual ensinava o português e as demais
matérias escolares, todas proferidas na língua hegemônica. A escrita da língua
indígena, ensinada no primeiro ano escolar, servia de passagem para o aprendizado
do português e para a introdução, entre os indígenas, de conhecimentos e visões de
mundo eurocêntricos.
Esse papel será instrumentalizado pelo discurso de valorização da
diversidade linguística dos povos indígenas, com a proposição da
utilização das línguas maternas no processo de alfabetização para
grupos que não faziam uso da língua portuguesa, visando facilitar o
processo de integração à sociedade nacional. Assim, o ensino
bilíngue é estabelecido como prioridade e busca-se implantá-lo nas
escolas indígenas por meio de materiais produzidos para a
alfabetização e da capacitação de índios para assumirem função de
alfabetizadores em seus respectivos grupos. (HENRIQUES, 2007, p.
14)

Portanto, o ensino bilíngue, com o discurso de valorização da diversidade


linguística dos povos indígenas, foi na realidade, uma estratégia para facilitar a
dominação, pois após a aprendizagem da língua portuguesa, a nativa deixava de
fazer parte do currículo escolar, o que levou a extinção de centenas de línguas que
eram faladas pelas diversas etnias.
Nesse sentido, a implementação de uma política educacional por parte do
Estado brasileiro voltada para os modos de vida e as visões de mundo dos povos
indígenas foi impossibilitada pela visão colonialista do poder. Tal visão previa o seu
desaparecimento e a sua integração à comunidade nacional, porque os entendia
como categoria étnica e social transitória e fadada à extinção. A seguir abordamos
as politicas desenvolvidas pelo Estado voltadas para o alcance de tais objetivos.

2.2 O processo de colonização dos corpos e das mentes dos povos indígenas
A colonização de povos nativos nas Américas foi um dos maiores eventos
catastrófico da história da humanidade, foram milhões que aqui enfrentaram
diversas violências que os levou ao extermínio, outros conseguiram resistir e
perpetuar seu grupo no país multicultural do passado e do presente. De acordo com
Ribeiro (2017) o espanto não está na morte de inúmeros índios, uma vez que, contra
eles se travou uma guerra de extermínio sem paralelo na história, de duração
36

multissecular, com muita perversidade e, conduzida eficazmente com a utilização


das armas de fogo. Junto às armas, havia também a presença dos vírus. O mais
incrível, para o autor, é que apesar de toda a violência do qual foram vítimas,
sobrassem alguns para sobreviver até nossos dias.
Ribeiro (2017) afirma que a sociedade brasileira contrabandeou ideologias
europeias como fruto de sua colonização, perpetuando a colonialidade do poder.
Tais ideologias foram consolidadas enquanto patrimônio cultural como herança da
velha Europa colonizadora:
No patrimônio cultural que herdamos da Europa, se destacam três
contrabandos ideológicos, pelos imensos danos que nos causaram. O
primeiro deles, nossa herança hedionda, foi desde sempre e ainda é o
racismo como a arma principal do arsenal ideológico europeu de dominação
colonial [...] O segundo contrabando ideológico do eurocentrismo se refere à
suposta qualidade diferencial da civilização ocidental, que seria sua
criatividade. Esta visão faz configurar como intrinsecamente europeus os
avanços materiais de civilização [...] Outro foi o etnocentrismo, este mais
vetusto, é o de olhar como no caso de benignidade humanística a expansão
da cristandade, na forma salvacionista e cruzada que ela assumiu nas
Américas tanto na sua vertente católica como na protestante. (RIBEIRO, 2017
p.84-85)

Um dos maiores empreendimentos ideológicos realizados pela colonização


dos povos latinos apontados pelo autor, foi a inferioridade das sociedades não índias
e indígenas, consideradas como sub-raças, marcadas para regenerar; de acordo
com Quijano (2005) a categoria raça foi criada para inferiorizar os povos
colonizados. Como consequência se implantou a ideia de feiura e inferioridade como
inatas, refletidas na existência do racismo valorando o civilizacionismo pautado na
superioridade da produção material e na religião do colonizador. Com efeito, a
colonialidade produz o sentimento de inferioridade imposto nos seres humanos que
não se encaixam no modelo eurocêntrico.
Tais projetos de apagamento do índio foram perpetrados desde a colonização
nesse país (1500-1822), passando pelo período do Império (1822-1889) ao
Republicano (1889- aos dias atuais), e insistem permanecerem. Diante disso, as
violências e violações contra esses povos, não são apenas resquícios do passado.
Os grupos indígenas atuais, descendentes daqueles colonizados por esse processo,
continuam a conviver com diversas atrocidades no Estado Republicano Democrático
Brasileiro.
A respeito disso, Cunha (2009, p. 261) afirma que “A primeira observação é
que, desde os anos 1980, a previsão do desaparecimento dos povos indígenas
37

cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral”. Uma afirmativa que
os indígenas existiram e continuam a existir, de forma insistente, calcada na
resistência, apesar da depopulação ocasionada por epidemias, armas letais, sede e
fome. Para a autora os índios estão no Brasil para ficar.
A colonialidade do poder se materializou na implantação, pelo Estado, de
políticas indigenistas pautadas em ação de apagamento, no sentido de deixar de
existir como selvagem, transformando-os em cidadãos civilizados integrados à
comunhão nacional. Nesse sentido, Heck (1995) pontua que, ao analisarmos as
políticas indigenistas do Estado, não se pode desconsiderá-las como políticas de
seu interesse. Para assegurar a dominação, o Estado utilizou instrumentos de
coerção, dentre os quais as Forças armadas, com o intuito de assegurar os seus
interesses. Nesse sentido, é que Heck (1995) atribui ao Estado colonizador, as
práticas violentas ocorridas nos últimos anos com a população indígena do país.
Contudo, documentos relatam as perversidades realizadas pelo Estado 9
enquanto estrutura organizacional e política de uma nação. Estado que, para Pereira
(1995, p. 5) “É a estrutura organizacional e política, fruto de um contrato social ou de
um pacto político, que garante legitimidade ao governo [...] o Estado é o aparato
organizacional e legal que garante a propriedade e os contratos.”
É importante observarmos que as propostas de políticas indigenistas
implantadas no início do século XX, foram na verdade, políticas fracassadas como
por exemplo, a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de
Trabalhadores Nacionais (SPILTN), posteriormente sucedidos pelo Serviço de
Proteção ao Índio (SPI) e a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), todos projetos
integracionista calcados na corrente positivista. O positivismo esteve presente em
diversas esferas em nosso País, no governo federal, no legislativo, na academia,
9
O conceito de Estado é impreciso na ciência política. É comum confundir-se Estado com governo, com Estado-
nação ou país, e mesmo com regime político, ou com sistema econômico. Na tradição anglo-saxã, fala-se em
governo e não em Estado. Dessa forma, perde-se a distinção entre governo e Estado, o primeiro entendido como
a cúpula político-administrativa do segundo. Na tradição europeia, o Estado é frequentemente identificado ao
Estado-nação, ou seja, ao país. Expressões como “Estado liberal” ou “Estado burocrático” são normalmente uma
indicação que a palavra “Estado” está sendo utilizada como sinônimo de regime político. Finalmente, expressões
do tipo “Estado capitalista” ou “Estado socialista” identificam o Estado com um sistema econômico. É válido
utilizar expressões como essas quando desejamos definir o tipo de Estado predominante em diferentes tipos de
regimes políticos e modos de produção. Nesse caso, não estamos confundindo o Estado com o regime político ou
com o sistema econômico, mas simplesmente dizendo que o Estado em uma democracia será diferente de um
Estado em um regime autoritário ou que o Estado no capitalismo é diverso do Estado no feudalismo ou no
estatismo. De qualquer modo, neste trabalho, o Estado será claramente diferenciado dos conceitos de governo, de
Estado-nação ou de regime político. O Estado é uma parte da sociedade. É uma estrutura política e
organizacional que se sobrepõe à sociedade ao mesmo tempo em que dela faz parte. Ver Bresser Pereira (1995,
p.5).
38

cultura e principalmente no campo militar, como foi Marechal Candido Manoel da


Silva Rondon. (RODRIGUES, 2011).
Corroborando com o autor citado, Viveiros (1958, p. 590) pontua que a ciência
positivista é formada pelo próprio dogma cuja missão seria moldar a humanidade:
“Porque o dogma do Positivismo é a própria ciência e, como esta, universal, relativo,
demonstrável [...] Creio que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das
massas humanas desfavorecidas”. Nessa tal massa desfavorecida é que se
enquadravam nossos índios de cultura peculiar e invisibilizada, vivendo de acordo
com suas organizações sociais e políticas. Povos conhecidos como arcaicos pela
falta de um Estado, na visão do colonizador, vistos como seres que precisavam
evoluir e integrar-se numa sociedade civilizada superior.
Nessa perspectiva, pensava José Bonifácio, com sua ideologia positivista em
relação à humanidade dos índios, vistos como hostis. Segundo Cunha (2009)
Bonifácio, ao se referir aos índios Botocudo como selvagens, atrozes, antropófagos,
questiona-se porque nem todos os índios eram assim. Para encontrar tais respostas,
recorre a concepção de homus ferus pensado por Blumenbach sobre as crianças
selvagens criadas no contexto excluso da civilização. Para Cunha (2009, p. 45),
Bonifácio comete uma assimilação crucial:

Ao fazer a analogia dos índios com as crianças selvagens, José Bonifácio


comete uma assimilação crucial: os grupos indígenas hostis são o homu
ferus, o homem abandonado a si mesmo, semelhante ao “animal sylvestre
seu companheiro”. O que se deve notar aqui é a passagem de um coletivo, o
grupo indígena para um singular, o homu ferus, passagem com implicações
importantes, porque é aí que se articula o raciocínio. As nações indígenas,
abandonadas a si mesmas, são como uma criança que não conheceu o
convívio humano: cumpre trazê-las ao „comércio com as nações civilizadas‟
para que, comunicando-se com elas, realizem plenamente sua humanidade.
Às nações civilizadas compete educar os indígenas, como o médico Itard
educou Victor, a criança-lobo, e o fez realizar sua humanidade.

Essa ideia impregnou a política indigenista do SPILTN que assumiu a missão


de desenvolver um projeto integracionista do índio à sociedade nacional. Integrar,
civilizar, humanizar eram verbos tangentes além de que, os positivistas acreditavam
na evolução desses índios. Conforme Rodrigues (2011, p.3):

Os positivistas ressaltavam que as populações nativas eram fetichistas, e


estariam no primeiro estágio mental da humanidade. Para tanto, era
necessário ampará-las e protegê-las a fim de que pudessem atingir o
estágio mental da civilização. Então, seria necessário elaborar um projeto
para que esta prática desses frutos [...]. Também ressaltavam que apenas
através dos preceitos Comteanos, o nativo poderia evoluir para ingressar
nas fileiras do progresso.
39

Dentre os que defendiam a condição do índio frente aos processos


colonizadores, Barbosa (2016, p.32) afirma:

Com forte influência de Rondon e de outros positivistas, o órgão indigenista


surgiu com a finalidade de implantar, gerir e reproduzir uma forma de poder
de Estado, com suas técnicas e práticas administrativas, inseridas em
normas e leis que comporiam um modo de governo, o qual estabeleceria
entre os indígenas mecanismos para transformá-los e enquadrá-los dentro
da perspectiva integracionista. O órgão tinha ainda o objetivo de criar
centros agrícolas e de dar assistência aos indígenas, que seriam
transformados em trabalhadores nacionais, isto é, camponeses assentados
em áreas de colonização oficial. Além disso, foi o primeiro aparelho de
poder do Estado instituído para gerir os povos indígenas. Neste contexto, o
Marechal Rondon assumiu a direção do SPILTN.

No tocante à civilização, o índio carecia de um protetor para firmá-lo como


adulto, humano e racional evitando ser lesado em suas ações, para isso, se fez sua
tutela. A tutela, por conseguinte, passa a ser o instrumento da grande tarefa
civilizatória. Nas palavras de Cunha (2009), a tutela é uma proteção concedida a
essas “grandes crianças” (p. 46), até o auge de seu desenvolvimento. Ela perpassa
as fases de crescimento até assemelhar-se aquilo que é o homem civilizado. A esse
respeito, segundo relato de alguns indígenas da época, casos recentes em que para
sair da própria aldeia necessitava-se de uma declaração emitida pelo posto
indigenista, apontando a saída temporária da aldeia, bem como seu destino e suas
ações a serem realizadas. Uma carta de autorização de ir e vir que efetivou
burocraticamente, a tutela.
A partir de 1918 o SPILTN passou a se chamar Serviço de Proteção ao Índio
(SPI), além do que já abordamos, outro objetivo do SPI foi iniciar a assistência leiga,
para isso, retirou a Igreja Católica da catequese indígena, ancorado nas diretrizes
republicana de separação Igreja-Estado. O foco da politica indigenista estava na
transformação do índio num trabalhador nacional. (OLIVEIRA, 1995).

2.2.1 SPI: O projeto desastroso


Consideram-se os órgãos indigenistas - SPILTN, SPI e FUNAI - aparelhos
para o exercício da colonialidade do poder do Estado. Contudo, como órgãos, suas
atuações desastrosas com os povos indígenas provocou sérios danos na
organização social e contribuiu para o desaparecimento de diversos grupos étnicos
devido negligência, violência, doenças, fome e também massacres projetados.
Também, vale ressaltar, que tanto o SPI como a FUNAI destruíram muito da cultura
40

indígena, desqualificando o ser indígena. Mas, ao mesmo tempo, precariamente,


conseguiu-se impedir que populações indígenas fossem exterminadas.
A criação do SPI ocorre em decorrência de momentos críticos que a
população indígena vivia no País: massacres, invasão territorial, violências e
enfretamentos de índios e colonos, o segundo, empenhados no projeto de expansão
no vasto interior do País. No início do século XX meados de 1907, as disputas pelas
terras chegaram a ser notícia nacional e internacional, as polêmicas dirigiram-se ao
alemão naturalizado brasileiro e diretor do Museu Paulista, Hermann Von Ihering
que em tom criminoso, defendia o extermínio daqueles que resistissem à política de
expansão, cuja ideologia se concentrava no progresso econômico visto como
civilização, nessa logica Barbosa (2016, p.31) afirma:
Sobre o pensamento dessa época a respeito dos povos indígenas, é
importante destacar o que defendia o médico alemão, naturalizado brasileiro,
Hermann Von Ihering, diretor do Museu Paulista por mais de 20 anos (1894 a
1916). Para Ihering, as vítimas eram os colonos europeus e os habitantes do
interior que trabalhavam para o progresso do Brasil. Expressou em seu artigo,
Antropologia do Estado de São Paulo, de 1907 e publicado na Revista do
Museu Paulista: „os atuais índios do Estado de São Paulo não representam
um elemento de trabalho e de progresso. Como também nos outros Estados
do Brasil, não se pode esperar trabalho sério e continuado dos índios
civilizados‟.

Para Ihering, os índios eram considerados desnecessários, empecilhos ao


desenvolvimento do país, afirmava que os índios Kaingang10 eram considerados um
obstáculo ao avanço para o interior do Brasil, sendo necessário o fim deles: “um
empecilho para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não
há outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio”. (BARBOSA,
2016, p.31)
Ideias como as do médico alemão são práticas vigentes ainda hoje, o índio é
considerado estorvo ao progresso capitalista no país, nesse sentido, basta lançar
um olhar panorâmico nas regiões mais conflituosas de índios e fazendeiros. No
Maranhão, os ataques ao povo Gamela foram recentemente manchetes em
jornais11. Chamados de pseudoindígenas pelo deputado Aluízio Guimarães Mendes
Filho (PTN-MA) em uma entrevista a rádio Maracu no dia do ataque, os Gamela
sofrem atrocidades de fazendeiros há anos, sendo a ocorrência no final de abril de
2017, considerada a mais grave nesses últimos anos. Os fazendeiros, munidos de
10
IHERING, Hermann von. Antropologia do Estado de São Paulo. In: Revista do Museu Paulista, v. 07, 1907. p.
215. Disponível em: http://biblio.wdfiles.com/local--files/ihering-1907. Acesso em 18/11/2017.
11
Ver em Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-maranhao-barbarie-contra-os-indios-
gamela Acesso em: 12 junho 2017.
41

armas de fogo e facões, surpreenderam o grupo atacando-os. Entre os feridos, dois


tiveram as mãos decepadas, cinco baleados e outros, segundo o diagnóstico
médico, tiveram tentativa de esquartejamento12. Esses fatos demonstram a barbárie
como práticas perpetuadas características de um Brasil que segue com uma visão
colonizadora.
Em outros Estados federativos, a situação indígena não distingue dos Gamela
no Maranhão. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, lideranças indígenas são
perseguidas até a morte. O líder Marçal de Souza um dos maiores líderes Guarani,
conhecido nacionalmente e internacionalmente pelas suas denuncias, é exemplo de
uma das maiores execuções de índios na luta pela demarcação territorial.
O controle de posse ruralista pelas terras em diversos Estados brasileiros, é,
sobretudo, em torno de terras dos indígenas, que tem direitos originários sobre ela
desde as leis criadas em períodos de reinados portugueses. Os reis portugueses
reconheceram o direito indígena pela posse de suas terras em diversas leis, como
esclarece Cunha (2009, p. 254):
Os direitos específicos dos índios fundamentam-se numa situação histórica
igualmente específica: eles eram senhores destas terras antes dos
colonizadores. Se isto é coisa que pouco se invoca hoje, existe, no entanto,
uma sólida tradição jurídica que o sustenta: frei Francisco de vitória,
dominicano espanhol, do século XVI, considerado um fundador do direito
internacional, não só argumentava que os índios eram „verdadeiros senhores
de suas terras pública e privadamente‟, mas que até o papa não tinha
autoridade para atribuir os territórios da América à Espanha e a Portugal. [...]
Os reis portugueses reconheceram, em várias leis, os direitos dos índios
sobre suas terras: o alvará de 1º de abril de 1680, mais tarde incorpora a lei
pombalina de 1755 isentava o índio de foro ou tributo algum sobre as terras.

No tocante ao direito originário, entende-se tratar de um direito histórico pela


posse de terras reconhecidas desde o governo português. No entanto, para juristas
como João Mendes de Almeida Júnior e Octavio de Langgaard Menezes, sustentam
a argumentação de que o indigenato é um titulo congênito de posse territorial, de
título adquirido. (CUNHA, 2009).
Em entrevista ao jornal Carta Capital, o antropólogo Tonico Benites da etnia
Guarani relata as violências inesgotáveis vivenciadas pelo seu povo pelas posses
territoriais. O antropólogo descreve o contexto histórico da disputa da posse de
terras entre os Guarani e ruralistas; sendo os pecuaristas apoiados por políticos
altamente articulados com os poderes para paralisar as demarcações de terras

12
Ver em Carta Capital: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/no-maranhao-barbarie-contra-os-indios-
gamela Acesso em 12/11/2017.
42

indígenas. Tonico afirma serem os pecuaristas especializados em praticar violências


extrema, atacam e expulsam os indígenas de seus territórios.
No artigo para a Carta Capital13, o antropólogo Guarani afirma que os
adversários dos indígenas na luta pela posse das terras não são pessoas pobres e
simples, ou jagunços de ruas, são, sobretudo, pessoas ricas e graduadas de
organizações ruralistas, políticos municipais, estaduais e federais organizados para
burlar a lei e se apossar de terras indígenas.
Posto isso, fica evidente que casos semelhantes são ainda práticas
consideradas comuns nos diversos Estados. Onde há a presença indígena, há
conflitos sociais fomentados pela disputa de posse de terras. Massacres continuam
a ocorrer pelo fato de o índio ser considerado como entrave ao progresso do país,
como dito por Ihering no século passado. Esses conflitos são também perpetuados e
perpetrados pelo Estado brasileiro, sobretudo pelo legislativo, conhecido como
bancada ruralista detentora do poder político.
No entanto, os órgãos de políticas indigenistas foram ineficazes em assegurar
a integridade do índio, sua função protecionista reverteu na colaboração da
usurpação de seus direitos originários no que diz respeito a seus territórios, à
medida que suas terras foram ocupadas pelos fazendeiros, dentre os quais,
políticos. Nesse sentido, pontua Barbosa (2016, p.40), na política indigenista do
século XX, “o Estado deveria dar proteção e assistência e, também, amparar os
indígenas, através de uma legislação especial, uma tutela que garantisse a posse da
terra para moradia e subsistência desses povos.”

2.2.2 GRINs: soldados nas aldeias

Nas décadas de 1960 e 1970, foi criado o sistema de segurança militar


conhecida por Guarda Rural indígena (GRINs) no país, compostas por indígenas de
vários povos em diversos territórios, amparadas pela portaria emitida pela Fundação
Nacional do Índio (FUNAI) em 1969. Aos policiais indígenas cabiam prerrogativas de
guardar as fronteiras dos territórios impedindo a invasão, entrada de pessoas não
autorizadas e combate à exploração de recursos naturais de forma criminosa. As
GRINs também eram responsáveis em manter a ordem interna nos territórios, coibir
as vendas e bebidas alcoólicas.
13
Ver Carta Capital, disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/os-ataques-a-indigenas-no-ms-
na-visao-de-uma-lideranca-6848.html . Acesso em: 12 junho 2017.
43

A situação dos índios, herdada pela FUNAI, era grave. As invasões de


terras eram generalizadas, e as cenas de violência diárias (embora nem
sempre tornadas públicas e nunca punidas!). O cenário trágico exigia
medidas urgentes, Queiroz Campos, Presidente da FUNAI, reuniu os
delegados regionais do órgão para discutirem medidas cabíveis. Em
reunião, na Ilha de Bananal, foi decidida a criação de um sistema de
segurança próprio, formado de índios, capaz de coibir as invasões,
violências e abusos. (HECK,1996, p 38.).

Dessa forma, criou-se o sistema se segurança nas aldeias. Segundo Heck


(1996) em 5 de fevereiro de 1970, em Belo Horizonte (MG) ocorreu a formatura do
primeiro grupo da GRINs contando com 80 indígenas dos povos Kraho, Gavião,
Maxacali e Xerente, e a demonstração, na ocasião, das técnicas aprendidas durante
o curso de formação. O filme Arara, um documentário de Jesco Von Puttkamer,
mostra imagens desse evento em que dois índios desfilam com um homem no pau
de arara, um dos principais instrumentos de tortura utilizados na ditadura militar,
como demonstração de poder. Marcelo Zelic – Vice-presidente da Tortura Nunca
Mais – na entrevista à TV Folha, enfatiza a respeito: “Até hoje, nunca tínhamos
encontrado uma cena de tortura dessa forma, em público”14. Sabe-se que o pau de
arara foi um dos métodos utilizados para coibir e punir os indígenas, além de
prisões.
Fotografia 01: Índio torturado no pau de arara pela Guarda Rural Indígena

Fonte:http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+esc
ola+de+pm+formou+indios-soldados.shtml# Acesso em 17/11/2017. Acesso
em: 10 de junho de 2017.

14
Na ditadura, escola de PM formou índios-soldados. Disponível em:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+escola+de+pm+formou+indios-
soldados.shtml#.%20Acesso%20em%2017/11/2017. Acesso: 17/11/2017.
44

Segundo Heck (1996), os gastos realizados com treinamentos de guardas das


GRINs, superavam os gastos da FUNAI com a saúde indígena no país. Ficou
estabelecido que a GRIN estivesse sob o comando das policias militares dos
Estados, sendo Minas Gerais, pioneiro. Os índios eram recrutados por três meses
para treinamento. Dentre suas obrigações militares, caberiam também aplicarem a
decisão do Conselho Tribal e a Lei do branco em seu grupo.
No tocante à atuação da GRIN, Heck (1996) diz que é verdade que isso
desestruturou internamente a organização social dos povos indígenas. Os militares
indígenas se sentiram superiores aos demais, negando-se às atividades comuns da
aldeia. Seus irmãos, esposas, filhos, pais e sogros passaram a adotar uma nova
postura de autoridade, desprezando muitas vezes a autoridade da liderança
tradicional, o cacicado.
A esse respeito, Barbosa (2016, p. 45) confirma:

Após o Golpe de 1964 e a implantação do Governo Ditatorial, a ideia de


controle e manutenção da ordem foi ainda mais aguçada nos postos
indígenas do SPI. O exercício da vigilância, praticado pelo órgão indigenista,
além de limitar os espaços, estimulou o uso de mecanismos de controle.
Além disso, outras formas e estratégias foram utilizadas no recrutamento dos
índios para a polícia indígena, como por exemplo, o oferecimento de
presentes e benefícios assegurados pelas verbas assistenciais. Os indivíduos
recrutados prendiam os indígenas considerados contraventores em cadeias
bastante precárias que ficavam anexas aos postos. Dentro dessa visão, o
SPI, um órgão do Estado que deveria dar assistência e proteção aos índios,
em diversas ocasiões, com a justificativa de manutenção da ordem e do
controle, utilizou-se de instrumentos repressivos e práticas de violência contra
indígenas, como a polícia indígena.

Segundo o citado autor, quatro meses após a formatura dos GRINs a policia
indígena passou a ser manchete nos jornais. O jornal Estado de São Paulo publicou
notícias escabrosas incluindo espancamentos e arbitrariedade sobre a atuação dos
guardas entre o povo Karajá. Entre essas arbitrariedades, houve também a tentativa
de instituir uma casa de prostituição dentro da aldeia, essas e outras práticas
fomentaram intensamente conflitos internos envolvendo caciques, conselhos tribais
e outras lideranças.
É evidente que a introjeção de uma nova liderança estranha a cultura
indígena trouxe desestruturação à ordem social do grupo. O modelo fomentou
divisões internas e intertribais, criou um intenso conflito nas aldeias. Considera-se
uma das experiências mais desastrosas instauradas pelo Estado, na qual os
45

guardas se instituíam de autoridade máxima, suprimindo o prestígio dos caciques,


desrespeitando as autoridades tradicionais. (HECK, 1996).
De acordo com André Campos 15 , guardas de etnias diferentes eram
colocados para vigiar outras tribos, consequentemente, acirrou conflitos étnico-
históricos entre outros grupos. Tais práticas, instauravam a segregação dos grupos.
Ainda na década de 1970, a GRIN perdeu força, já não havia recursos financeiros
suficientes para mantê-la. Assim, os guardas foram, paulatinamente, incorporados
no trabalho da FUNAI, alguns incluídos como professores.
Posto isso, fica evidente o fracasso dos órgãos indigenistas – SPILTN, SPI –
baseados no modelo positivista para civilizar o índio. Destarte, considerados como
elementos desestruturantes da organização social dos povos indígenas, tais órgãos
configuraram assim, um novo modelo alheio as suas organizações religiosa, política,
econômica e cultural; contrários as suas tradições. Segundo Heck (1996), a GRIN foi
uma experiência desastrosa.
Ressaltamos que o projeto integracionista instaurado entre os nativos, teve a
educação como um dos mecanismos integracionistas baseado na concepção
evolucionista de corrente positivista. A meta era favorecer o indígena a evoluir para
que saísse de seu estágio índio para alcançar o humano. No discurso do
colonizador, os índios não eram índios, apenas estavam como índios. Nesse sentido
aponta Barbosa (2016, p.33):

Nessa concepção evolucionista do positivismo, o Estado defendia a ideia de


que os povos indígenas não eram índios, somente estavam índios; como
ser indígena, fosse algo passageiro ou transitório no estágio da evolução.
Essa ideologia influenciou o início das ações do SPILTN, que acreditava no
fim gradativo dos povos indígenas quando fossem integrados à sociedade
nacional.

O positivismo calcado na filosofia Comteana naturalmente é evolucionista.


Diante desse pensamento, os índios estavam no primeiro estágio da evolução
humana, o animista, por exemplo. Dentro da perspectiva positivista, os nativos não
eram capazes de obterem um pensamento racional e objetivo por desconhecerem o
princípio da causalidade, porém, poderiam evoluir por meio da educação, saindo de
um estágio para o outro. (GOMES, 1991).

15
André Campos, 31 anos, é autor de reportagens e documentários investigativos e pesquisa há cinco anos as
cadeias indígenas da ditadura. Uma de suas reportagens foi publicada no site:
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+escola+de+pm+formou+indios-
soldados.shtml#. Acesso em: 12 de junho de 2017.
46

A educação, como parte desse projeto integracionista do Estado, foi


introduzida entre as populações indígenas no modelo do saber hegemônico
colonizador. É evidente que a educação oferecida era uma educação funcional,
distante de uma educação libertária que daria oportunidade a eles de construírem
uma postura crítica a partir da realidade vivida.
De acordo com o Relatório Figueiredo (Nº1238, 1962), constatamos a
exaltação do órgão indigenista - o SPI -, ao depositar confiança nos ensinamentos
dos professores como forma de elevar a mente da criança:
Como estímulo ponderantes, para a realização dos objetivos de
autodeterminação, o SPI se empenhara, ali para que o grupo tribal se
recupere com brevidade de seu estado sanitário, atingindo logo um índice
apreciável de robustez. A escola primária, dirigida por duas jovens
professoras, elevará tanto quanto possível a mentalidade das crianças,
sobretudo; e, de forma geral a de toda a comunidade indígena.
(BOLETIM INTERNO DO SPI. Nº57. Grifo nosso)

O extremo da situação dos índios estava na sanidade necessária de


elevação, na necessidade de libertarem-se do primeiro estágio e evoluírem para o
estágio da civilização. Neste processo, a escola era sua grande aliada para
propagar. O corpo docente não era qualificado para o ofício do magistério, no geral,
os professores eram os próprios familiares de chefes de postos contratados pelo
SPI. (OLIVEIRA, 2002).
No currículo escolar havia o ensino cívico e moral, noções básicas de higiene,
cultivo de verduras e ensino sobre a agricultura. As crianças durante as aulas eram
encaminhadas ao rio para o banho como prática de higiene corporal. Em outros
momentos, eram encaminhados às aulas de noção sobre horticultura e agricultura,
cada aluno ganhava uma enxada como instrumento pedagógico de ensino, recebido
nas escolas. As fotografias abaixo retratam o currículo escolar.
Fotografia 02 – Atividades desenvolvidas pelos alunos indígenas nas escolas
do SPI.
47

Fonte: Relatório Figueiredo. XXV. p.5959.

O uso de métodos reguladores nos postos indígenas para a aprendizagem e


desenvolvimento do índio, esteve também ligado ao regime de governo do Estado
Novo (1937-1945), sob o governo de Getúlio Vargas. Reconhecido como o período
marcado pelo autoritarismo refletido na educação, incluindo a educação oferecida
aos índios.
O ensino sobre civismo, moral e a agricultura, eram os mais valorizados como
mecanismo desenvolvimentista, contudo, reforçavam o patriotismo. Os alunos,
nessas disciplinas, cantavam o hino nacional brasileiro no hasteamento da bandeira,
além de participarem de desfiles cívicos. Tais ritos não condiziam com a realidade
indígena, ao contrário, foram elementos adestradores para assegurar a sua
integração. Imagens, símbolos nacionais e formas de condutas eram na verdade,
mecanismos integracionistas dos povos indígenas. (BARBOSA, 2016).
48

Os ideais positivistas se efetivavam à medida que esses e outros mecanismos


eram impostos nas aldeias administradas pelos postos indígenas. A escola reforçava
o patriotismo, como podemos analisar nas práticas comuns de canto do hino
nacional e hasteamento da bandeira nas escolas. A educação profissionalizante
também fez parte desse empreendimento:

Estudar e planejar a instalação de Postos-Modelo a serem montados pelo


SPI, para o funcionamento de escolas de orientação profissional, destinadas
a encaminhar os jovens indígenas para uma profissão, como sejam, as de
mecânico, marceneiro e carpinteiro, serralheiro, funileiro, etc. Estabelecer
convênio para que anualmente, certo número de matrículas em internatos
seja atribuído ao SPI, para encaminhar seus índios ao ensino técnico
profissional. (RELATÓRIO FIGUEIREDO, BOLETIM INTERNO DO SPI, Nº
55,FOLHA 1161/1962).

A saber, o espaço escolar, como consta no Relatório Figueiredo


(Nº1680/1967), também foi local de comercialização de crianças, principalmente as
meninas, as maiores vítimas. A menina Bororo por nome Rosa, escolhida em sala de
aula pelo chefe do Posto e seu empregado, converteu-se no pagamento da
construção de um fogão à lenha, feito de barro nas dependências da residência do
encarregado. Nesse sentido, o autoritarismo vigente dessa época era arbitrário,
atingindo inescrupulosamente às crianças no espaço educacional.
Desta maneira, estrategicamente, foram instaurados postos indígenas nos
diversos territórios. O Estado, por meio do SPI, atuava legalmente como órgão
generoso e salvador de índios, porém, sua política era a de tutela, na qual ordens
eram impostas para serem obedecidas, simbolizando a civilização de selvagens
para transformá-los em trabalhadores brasileiros. Consequentemente, criaram-se os
Postos indígenas administrados por agentes do SPI denominados de encarregados.
Esses Postos foram classificados como postos de Nacionalização e Tratamento.
Nesse espaço, o autoritarismo, assim como a arbitrariedade ganharam força,
tornando-se práticas comuns. O chefe ou encarregado tinha a função de controlar os
índios por meio de proibições, como por exemplo, de frequentarem seus antigos
territórios em busca de caça, pesca e frutos silvestres e, até mesmo, em cultuarem
seus mortos, haja vista que esses espaços estavam ocupados e demarcados pelos
fazendeiros.
Havia um intenso monitoramento sobre os índios, até mesmo em cima dos
casais que, segundo Barbosa (2016), praticava-se o monitoramento para evitar os
desvios morais pelo ato de adultério. Nas dependências desses postos, foram
49

construídas selas para prisão daqueles que ousassem contrariar os encarregados


ou que cometessem algum tipo de crime ou prática da desordem na aldeia.
Para manter o controle, o encarregado constituiu uma equipe de índios
considerados fiéis, no sentido de obedientes e submissos às suas ordens. No
entanto, sabe-se que punições ocorreram às extremas, principalmente quando os
índios questionavam as ordens, estes eram automaticamente presos e punidos por
insubordinação. Foram também espancados ou até mesmo removidos à força para
outros territórios distante, como os encaminhados para o Reformatório Krenak 16 -
Reformatório Agrícola Indígena Krenak - situado no Estado de Minas Gerais, criado
para reeducar os desajustados e desordenados. Ocorria também, que àqueles que
se negavam a saírem de seus territórios, igualmente, eram encaminhados para o
reformatório.
A ausência de fiscalização do poder Judiciário fortalecia a arbitrariedade dos
agentes nos postos do SPI. Como aparelho do Estado, exercia, no entanto, o
controle total e punições sobre a população indígena. Mais aguçado esteve esse
controle após o Golpe de 1964, como afirma Barbosa (2016, p.46):
Após o Golpe de 1964 e a implantação do Governo Ditatorial, a ideia de
controle e manutenção da ordem foi ainda mais aguçada nos postos
indígenas do SPI. O exercício da vigilância, praticado pelo órgão indigenista,
além de limitar os espaços, estimulou o uso de mecanismos de controle [...]
Os indivíduos recrutados prendiam os indígenas considerados contraventores
em cadeias bastante precárias que ficavam anexas aos postos. Dentro dessa
visão, o SPI, um órgão do Estado que deveria dar assistência e proteção aos
índios, em diversas ocasiões, com a justificativa de manutenção da ordem e
do controle, utilizou-se de instrumentos repressivos e práticas de violência
contra indígenas, como a polícia indígena.

É válido ressaltar, que a criação desses postos de controle, foi elaborada de


acordo com as necessidades demandadas pelo SPI, nem todos os postos contavam
com o espaço escolar e atendimento adequado à saúde, de acordo com o citado
autor, os tipos de postos eram de Atração, Assistência, Nacionalização e Educação,
Alfabetização e Tratamento, Fronteira e os Postos de Criação. Cada posto com seus
respectivos objetivos:
Para os índios arredios, instalavam-se Postos Indígenas de Atração; para
índios em transição para a civilização, os Postos Indígenas de Assistência,

16
O Reformatório Agrícola Indígena Krenak, foi criado em 1969, na região onde viviam o povo Krenak, situado
no município de Resplendor, no Vale do Rio Doce (MG). Sua instalação ocorreu dentro da área do Posto
Indígena Guido Marliére. Administrada pela Polícia Militar, sob os comandos do Capitão Pinheiro, tinha como
função reeducar os indígenas para reintegrá-los a outras populações. Ocorre que o reformatório ficou conhecido
como presídio indígena, haja vista que os índios eram torturados, forçados ao trabalho e tratados
desumanamente. Ver ( BARBOSA, 2016).
50

Nacionalização e Educação; para aqueles em contato prolongado com a


população abrangente, os Postos Indígenas de Alfabetização e Tratamento;
para os grupos situados nas proximidades das fronteiras nacionais, os
Postos Indígenas de Fronteira; e naquelas localidades onde fosse
interessante, criavam os Postos Indígenas de Criação, destinados à
pecuária. (BARBOSA, 2016, p. 47).

Aos arredios, era necessário atraí-los para sua colonização plena. Aos que já
mantinham o contato com os regionais, carecia de assistência e educação, e
àqueles situados em áreas fronteiriças, o trabalho na produção bovina era essencial
como marcador de território em plena expansão.
Diversos descasos nesses postos foram evidenciados, dentre os quais: índios
abandonados à própria sorte, o desaparecimento das populações indígenas e a
situação horrenda eram as mais cruéis que se possam imaginar. Aconteciam
também raptos de índias, vendas de crianças, trabalho escravo, torturas, doenças,
expropriação de terras indígenas, enriquecimento ilícito de agentes indigenistas
considerados como as mais agravantes nesse cenário. (BARBOSA, 2016)
A Comissão de Inquérito instaurado para averiguar as condições em que
viviam os nativos sob os cuidados do órgão indigenista foi esclarecedor dos fatos.
Relatos sobre o abandono dos índios à própria sorte se fizeram num longo período
em que o SPI fora o responsável por essa população. Abandonados à pobreza
extrema, sofriam de diversas doenças, levando-os a óbito, incluindo crianças. Nesse
sentido, sobre os índios, evidenciamos no Relatório Figueiredo (fl.1197/62):
Vem sendo dizimados, apresentando-se acabrunhados, doentes, desnutridos,
vivendo em chogas e dormindo sobre o solo [...] Se há um SPI e o resultado
de suas atividades, até agora, é tão melancólico. Algo não está funcionando.
Nessa altura o sr. Diretor fez um intervalo e mostrou fotografias para que
fossem observadas com senso crítico. Índios vivendo em contato com a
civilização há mais de 30 e 40 anos e que habitam em palhoças, doentios,
ventres volumosos e subnutridos.

A situação miserável dessa população está atrelada à corrupção dentro do


órgão, que segundo o relatório de inquérito, altos valores destinados ao suprimento
da população foram desviados de seus destinos que seriam aplicados à saúde,
educação indígena, entre outros.
51

Fotografia 03 – Indígenas vitimas da corrupção no SPI.

Fonte: SPI. Relatório Figueiredo. V.4. P.0859.

No tocante a saúde dos índios, estava sempre atrelada ao seu extermínio,


morriam crianças e adultos por falta de assistência médica na maioria dos postos
indigenistas. Grande parte dos que contraiam a tuberculose, por exemplo, estava
ligada à má alimentação e sobrecarga de tarefas árduas no cotidiano dos trabalhos
para abastecer os postos.
Portanto, o SPI deixa transparecer que sua atuação é “apenas transformar os
homens que deixariam de ser bichos do mato, como é o caso dos Xavantes. Depois
que a civilização chegou o Império Xavantino, como era conhecido, deixou de
existir”. (RELATÓRIO FIGUEIREDO, p.259). A truculenta forma de civilização,
integração e tutela, contribuiu para a depopulação nativa ligada a essa política
horrenda e desastrosa que foi a criação do órgão protecionista.
Posto isso, a tentativa de exterminar a população indígena continuava. O
massacre dos Cinta-Larga no Mato Grosso, foi um dos casos relatados em
decorrência de investigações pela Comissão de Inquéritos do Ministério do Interior,
de acordo com a CPI de 1963. O Relatório Figueiredo, contém processos das
Comissões de Inquéritos instaurados pelo Ministério do Interior, bem como, diversos
documentos e depoimentos ocorridos na CPI de 1963, dentre os quais o massacre
dos Cinta-Larga. No que diz respeito a esse povo, vítimas de chacina, foram
52

bombardeados por dinamites atiradas de aviões, além das estricninas adicionadas


no alimento. Essas e outras, foram formas de apagamento da população:
O episódio da extinção da tribo localizada em Itabuna, na Bahia, a serem as
verdadeiras acusações, é gravíssimo. Jamais foram apuradas as denúncias
de que foi inoculado o vírus da varíola nos infelizes indígenas para que se
pudessem distribuir suas terras entre figurões do Governo. E mais tarde entre
os Cinta-Larga em Mato Grosso, teriam sido exterminados a dinamite atirada
de avião, e a extricnina adicionada ao açúcar, enquanto os mateiros os
caçam a tiros de “pi-ri-pi-pi” (metralhadoras) e rachavam vivos a facão do
púbis para a cabeça, o sobrevivente!!! Os criminosos continuam impunes,
tanto que o Presidente da Comissão viu um dos autores deste hediondo
crime, sossegadamente, vendendo picolé às crianças em uma esquina de
Cuiabá sem que a justiça Matogrossense o incomode. (RELATÓRIO
FIGUEIREDO. nº 4.483/1968. Vol.20. p.4917)

Entre as mais diversas formas de massacres, a falta de assistência era a mais


eficaz. Assim, os índios ficaram abandonados à própria sorte, enfermos e sem
atendimento médico, os tuberculosos eram marcados para evitar contaminação e
morriam rapidamente. São tipos de ocorrências perpetradas, ocorridas nas
dependências de diversos postos indígenas do SPI, entre eles, de acordo com o
citado relatório, consta o de um índio tuberculoso que andarilhava proibido de estar
entre os demais, principalmente entre os agentes, caminhava com uma cabaça
amarrada ao pescoço, vagava nas dependências do posto até morrer, visto que nem
alimentação lhes davam mais.
No que tange as doenças mais infectuosas entre os índios, foi à tuberculose
que mais se alastrou, principalmente em Mato Grosso. Para tanto, criou-se o
hospital específico para atendimento aos doentes, o centro de tratamento foi
instalado na Missão Cauá, no município de Dourados no Mato Grosso do Sul. Diante
desta realidade, instaurou-se a Comissão de Inquérito para averiguar denúncias. A
Comissão presenciou diversos fatos extremos, dentre as quais: uma família
escondida nas moitas, em Guarita, na IR-7, no Rio Grande do Sul, uma das cenas
mais estarrecedoras:
A Comissão viu cenas de fome, de miséria, de subnutrição, de peste, de
parasitose externa e interna, quadros esses de revoltar o indivíduo mais
insensível [...] Em Guarita (IR-7-RGS), por exemplo, seguindo uma família
que se escondia, fomos encontrar duas criancinhas sob uma moita tendo as
cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores
provocados por berne, parasita bovino. (RELATÓRIO FIGUEIREDO.
PROCESSO Nº 4.482/1968.VOL. 20,P. 4918).

As condições dos índios não se esgotavam nesse cenário. Outro caso


relatado ocorreu num suposto ambulatório, uma espécie de enfermaria abandonada,
que era abrigo de cães e porcos, e estava aos cuidados da esposa do chefe,
53

contratada para sua manutenção. Neste cenário, foram encontrados dois índios, um
doente e outro preso:
Encontramos a “enfermaria” – antro objeto e sórdido – ocupado
conjuntamente por cães, porcos e uma doente, no mesmo quarto infectado.
O instrumental estava completamente deteriorado, apesar de o chefe haver
contratado sua própria esposa para “supervisionar” o antro. Ainda ali,
encontramos um índio preso, cujo dorso, riscado de muitas cicatrizes
longas, indicava ser resultado de chicotadas. Instado a responder, o
desgraçado demonstrou verdadeiro pânico e não declarou a origem das
cicatrizes. (RELATÓRIO FIGUEIREDO. PROCESSO Nº 4.482/1968.
VOL.20,P.4918).

Sendo o Relatório Figueiredo, enquanto os índios eram desassistidos, chefes como


Luis Martins da Cunha se beneficiava com as vendas de produtos cultivados pelas mãos
nativas. Em Nonoai, a Comissão de Inquéritos encontrou uma pequena sela de tábua
ineficiente até mesmo para se respirar dentro, apresentado pelo encarregado como um dos
melhores trabalhos desenvolvidos em sua gestão. Segundo o que consta no relatório, a sela
para índios era semelhante à sela onde Luís XI, rei da França, foi encarcerado, cujo
material, uma caixa de madeira de cera medindo 1.30X1,00, imprópria para suas
necessidades fisiológica.
A desumanização do índio cravada pela espada do colonizador através de atos
criminosos se materializou por meio de práticas cuja finalidade foi a propagação do projeto
colonial imposto aos povos indígenas. Nessa perspectiva, foram sacrificados homens,
mulheres, velhos e crianças transformadas em objeto comercial:
É espantosa que existe na estrutura administrativa do país, repartição que
haja descido tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários
públicos, cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade.
Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de
indivíduos desumanos. Torturas entre crianças e adultos, em monstruosos
e lentos suplícios, a título de ministrar justiça. (Relatório Figueiredo. Vol. 18-
22, p.4912).

Não há tirania maior que se possa atribuir à humanidade, do que os corpos


padecendo nos troncos dos horrores. Considerado como o pior dos castigos, o
tronco era o lugar do suplício, de corpos chicoteados e de tornozelos triturados como
forma de conduzir as mentes e corpos dos índios à civilização. As surras diárias já
eram comuns, rotina de postos que só chamavam a atenção, quando exacerbado.
Algumas denuncias eram noticiadas por jornais, como foi o caso do índio no tronco,
na manchete do jornal de Ponta Grossa:
Reafirmamos que parece ser inverossímil haver homens, ditos civilizados,
que friamente possam agir de tão bárbaro. Nem o sexo feminino fugiu de
flagelar o índio. Muitas/ funcionárias e esposas de chefes tornaram-se
tristemente famosas pelos maus tratos e pela desumanidade, podendo-se
garantir que os atos mais objetos e humilhantes forma praticados por ordens
femininas. Nesse regime de baraço e cutelo viveu o SPI muitos anos. A
54

fertilidade de sua cruenta histórica registra até crucificação, os castigos


físicos eram considerados fato natural nos Postos Indígenas. Os
espancamentos independentes de idade ou sexo participavam da rotina e só
chamavam a atenção quando, aplicados de modo exagerado, ocasionavam a
invalidez ou morte.
E continua:
O ‘tronco’, era, todavia, o mais encontradiço de todos os castigos,
imperando na 7ª inspetoria. Consistia na trituração dos tornozelos da
vítima, colocado entre duas estacas enterradas juntas em ângulo agudo. As
extremidades ligadas por roldanas eram aproximadas lentas e
continuamente. (RELATÓRIO FIGUEIREDO. VOL. 18-22,P. 4913. grifo
nosso)

Afirma o referido relatório que Marina Alvez de Souza, esposa do agente Acir
e professora do quadro do SPI, ordenava como castigo, colocar índios dentro de um
fosso cheio de excrementos humanos. Não é de se duvidar que, como tal,
exercendo o ofício de magistério, praticar barbárie como essas com as crianças. Os
crimes eram adotados quase sempre pela família de agentes: esposas e filhos eram
cumplice das torturas.
Alguns agentes eram afastados dos cargos pelas truculências,
espancamentos, vendas de casas, desvios de renda indígena entre tantos outros
crimes. Mas, apesar de terem cometido crimes de extrema barbárie, algum deles
destituído do quadro do SPI, ainda retornavam por meio de contrato pelo órgão.
Desta forma, podemos afirmar que o SPI enquanto aparelho do Estado, ignorou
diversos crimes. Entre vários casos agravantes, o SPI não tomava nenhum
posicionamento, omitindo-se, como foi o caso do esfaqueamento do índio Coraci,
morto pelo agente João Batista. (BARBOSA,2016).
João Batista, além de torturador, foi denunciado por raptos de índias. Entre as
torturas, chamou a atenção o caso Lalico, menino Umutina de 14 anos que vendeu 5
quilos de ipecacunha para comprar gênero alimentício para sua mãe. A produção de
ipecacunha era realizada pelos índios sob a ordem de João Batista (o encarregado)
que atrasava seus pagamentos. O encarregado castigou o adolescente com
espancamentos pendurando-o pelos polegares permanecendo o dia todo.
(RELATÓRIO FIGUEIREDO, vol. 18-22).
A atitude de Lalico e diga-se de muitos índios, foram impulsionadas pela
miséria, submetidos à fome, apesar de produzirem alimentos para o abastecimento
dos encarregados e seus familiares. Muitos desses índios contraíram doenças pela
má alimentação, geralmente alimentavam-se de grãos de milho seco e mamão
55

verde, enquanto os agentes se beneficiavam apropriando-se de suas rendas na


comercialização de plantações cultivadas pelas mãos nativas.
Diante do exposto, percebe-se que desde a criação do indigenismo no Brasil,
foram implantados modelos de autoritarismo centralizador e repressivo como formas
de domínio dos colonizados. A colonialidade do poder esteve, inicialmente,
alicerçada no projeto integracionista das populações nativas à Comunhão Nacional,
para tanto, os órgãos indigenistas foram fundamentais na execução desse processo.
E a Educação escolar, baseada no paradigma da integração, foi utilizada como
instrumento para o alcance de tais objetivos, as práticas pedagógicas também
estavam baseadas na violência, segregação, homogeneização dos povos indígenas,
extinção de suas línguas e negação de suas culturas.
Em relação a educação escolar para os povos indígenas, a partir da
constituição de 1988 saiu das mãos da Funai e passou para o Ministério da
Educação e Cultura (MEC). No próximo capítulo abordamos as mudanças legais
para esta modalidade de ensino, que foi resultado das lutas do movimento social
indígena.
56

3 A EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA OS POVOS INDÍGENAS DO AMAPÁ E NORTE


DO PARÁ
No Estado do Amapá, a educação escolar indígena em todos os municípios é
gerenciada pela Secretaria de Estado da Educação (SEED), por meio do Núcleo de
Educação Indígena (NEI). Neste capitulo, abordamos a criação do NEI como
resultado dos princípios da especificidade e da diferença. Enfatizamos a atuação
ativa do movimento social indígena, para a conquista de direitos voltados para o
reconhecimento da diversidade sociocultural e linguística, contrário à escola
missionária e civilizadora que visava à homogeneização. Tais avanços foram
possíveis, por meio da resistência e conquista de espaços no cenário nacional,
mediante a luta pelo reconhecimento das diferenças negadas historicamente.
Abordamos também os direitos dos povos indígenas em relação a educação escolar
na constituição de 1988, assim como, a negação desses direitos por parte do poder
público.

3.1 A Constituição Federal de 1988: o direito a Educação Escolar Específica e


Diferenciada
Os direitos constitucionais a uma educação específica e diferenciada foi
garantido, por meio de pressões realizadas pelo movimento social indígena junto
aos congressistas. Neste estudo, abordamos a atuação de tais movimentos a partir
da década de 1970 por meio da contestação das formas hegemônicas de poder que
está coadunado com as redes de relações sociais de exploração, dominação e
conflito que objetivaram o controle, a dominação e a subalternização dos povos
indígenas. Tal recorte deu-se porque neste período, houve a criação de
organizações e associações indígenas em diferentes regiões do país que passaram
a realizar assembleias, encontros e reuniões, culminando na criação, em 1980, da
União das Nações Indígenas (Unind, hoje UNI) e suas regionais (HERIQUES et all,
2007). Assim, são criadas organizações civis de colaboração, apoio e defesa da
causa indígena, compostas por pesquisadores não índios, principalmente
antropólogos, linguistas, indigenistas e missionários leigos.
Segundo Ferreira (2001) essas mobilizações fizeram emergir tais movimentos
a nível nacional, com articulações que visavam combater os problemas comuns que
os assolavam, dentre os quais a defesa de territórios; o respeito à diversidade
linguística e cultural; o direito à assistência médica adequada e a processos
57

educacionais específicos e diferenciados. No que concerne a educação, Henriques


et all ( 2007, p. 15), afirma que:
[...] as entidades indígenas e de apoio aos povos indígenas propõem
e mantêm atividades de cunho educativo que, aos poucos, passaram
a constituir uma rede de programas educacionais para as populações
indígenas no Brasil. Essa rede se sustenta em um elemento
fundamental: os projetos educacionais implantados são ações
geradas para atender reivindicações indígenas por uma educação
diferenciada. Além disso, pressupõem a participação ativa das
comunidades indígenas, representadas por seus líderes, na
elaboração, acompanhamento e execução dos projetos
desenvolvidos em seus territórios.

Foi também, na década de 1970, definido no Estatuto do Índio, ações


conjuntas entre o Ministério da Educação, a Funai e o Movimento Brasileiro de
Alfabetização (MOBRAL) para garantir aos povos indígenas a alfabetização na sua
língua materna. Nesta mesma década, foram discutidas as diferenças entre
educação escolar indígena e educação para o índio pelo Conselho Indigenista
Missionário (CIMI), assim como, alfabetização na língua materna e propostas para
um ensino alternativo nas aldeias. (BRASIL, 2017)
As experiências alternativas de ensino foram desenvolvidas por grupos
organizados da sociedade civil, por meio de projetos educacionais específicos às
realidades socioculturais e históricas de cada etnia, com princípios interculturais e
bilíngues voltados as suas necessidades e visões de mundo. A partir dessas
experiências, foram produzidos novas propostas para as escolas em comunidades
indígenas, levando em consideração o respeito à organização social, valorização de
suas línguas maternas, dos saberes e conhecimentos tradicionais.
Essas experiências fragmentadas e localizadas gestaram um novo modelo
para a introdução da escola. Tais modelos foram pautados fundamentalmente pelos
princípios do respeito à organização social indígena e à valorização de suas línguas
maternas, dos saberes e conhecimentos tradicionais.
A partir da década de 1980, período de intensa luta pela redemocratização do
nosso país, os movimentos indígenas, por meio de articulações com organizações
da sociedade civil, igreja e universidades começam a pressionar o poder legislativo,
para a garantia de mudanças legais importantes na Constituição Federal de 1988,
dentre os quais, assegurou legalmente direito à escola especifica e diferenciada,
como já vinha sendo desenvolvido pelas experiências de escolas ligadas a
organizações da sociedade civil. A Carta Magna reconheceu também aos índios,
58

sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, assim como a


utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Ou seja,
garantiu-lhes um ensino no idioma próprio, com processos pedagógicos que
possibilitem aprender de acordo com sua cultura.
Antunes (1998) ao fazer uma análise da atual Constituição Federal, afirma
que o direito constitucional indigenista está baseado nos princípios do
reconhecimento: da proteção do Estado à organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições dos índios originários e existentes no território nacional; dos
direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e
proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios; e no
princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal. Esses princípios estão
explicitados no texto constitucional. No tocante ao princípio da igualdade, fica
evidente que os índios podem usufruir de todos os princípios e direitos
constitucionais válidos aos demais brasileiros.
Vale ressaltar que a constituição de 1988, é o marco principal na redefinição
das relações entre Estado e as sociedades indígenas. A constituição inovou no
tratamento das questões indígenas na perspectiva de que lhes garantiu o direito
tanto à cidadania plena (liberando-os da tutela do Estado), quanto o de continuarem
sendo índios, no sentido de que, é a partir de 1988, que ocorre o rompimento,
legalmente, com o paradigma da integração e a garantia do respeito e valorização
de suas línguas, modos de vida, crenças, tradições e costumes. Então, somente
após 1988 é que lhes foram garantidos direitos permanentes, possibilitando a
continuidade de sua cultura e a legitimação de suas características próprias e
diferenciadas.
Para isso, é garantido na referida lei, o oferecimento pelo Estado, de uma
educação escolar bilíngüe e intercultural para que possam ser fortalecidas as
práticas socioculturais e a língua materna de cada etnia. E dessa maneira,
oportunizar a recuperação de suas memórias históricas e reafirmação de suas
identidades, proporcionando também, o acesso aos conhecimentos técnicos e
científicos da sociedade nacional.
Historicamente, as legislações, desde a colonização, trouxeram a visão
assimilacionista que nortearam as politicas públicas voltadas aos indígenas, com a
negação dos seus direitos fundamentais à sobrevivência física e cultural, objetivando
59

torná-los força de trabalho para atender aos interesses do capital. As relações que
se estabeleciam eram de dominação e homogeneização cultural.
Desta forma, não pretendendo mais integrar os povos indígenas na
comunhão nacional, mas por meio do reconhecimento de seus direitos legítimos, a
Constituição de 1988, adotou uma postura de respeito à pluralidade étnica e à
diversidade cultural, assegurando o direito de ser diferente, afastando a
possibilidade legal de qualquer forma de discriminação, como decorrência direta da
liberdade e da igualdade, o que constitui o princípio da proteção da identidade como
o direito de ser diferente. (ANTUNES, 1998).
O respeito à cultura indígena com a garantia de sua organização social,
conforme seus usos e costumes assegura a manutenção/desenvolvimento de suas
línguas e identidades, bem como a aceitação das concepções de espaço e tempo
para o desenvolvimento social, econômico, politico e religioso de acordo com cada
etnia. Isto posto, a Constituição pode ser um poderoso instrumento para a
construção de um futuro mais promissor em termos de direitos humanos para esses
povos, haja vista, que está constitucionalmente proibido qualquer compreensão legal
voltada para a afirmação direta ou indireta da superioridade cultural da sociedade
envolvente em relação aos indígenas.
Também cabe ao Estado, de acordo com o texto constitucional, não só a
proteção das manifestações culturais indígenas como apoiar e incentivar a sua
valorização e a difusão, o que confere uma maior visibilidade a essas populações.
Destarte, tais mudanças na carta magna em relação aos direitos e
especificamente a educação escolar, são resultados da pressão junto ao poder
legislativo, realizada pelos movimentos sociais indígenas organizados a nível
nacional, juntamente com apoio de intelectuais e religiosos. (TASSINARI, 2008).
A referida autora considera como aspecto mais inovador, o reconhecimento
de que esses povos possuem seus próprios processos de aprendizagem que devem
ser considerados pela escola. Aponta as dificuldades de reconhecer a legitimidade
das pedagogias indígenas como o principal desafio das políticas públicas voltadas
para a educação escolar.
Há, no entanto, uma grande dificuldade em elaborar políticas públicas que
respeitem “os processos próprios de aprendizagem”, conforme previsto na
legislação, e acreditamos que isso decorre da mesma dificuldade
etnocêntrica de que sofrem os livros didáticos: a recusa em reconhecer a
legitimidade de conhecimentos que não são transmitidos pela linguagem
oral e, principalmente, por intermédio da escrita. ( TASSINARI, 2008, p. 10)
60

Tais dificuldades em incluí nas politicas públicas de educação e de formação


de professores as “pedagogias indígenas” é reflexo da colonialidade do poder. Nas
escolas indígenas, a prática pedagógica permanece colonizadora, o processo de
formação do professor continua sendo baseado em metodologias que negam as
diferenças. O conhecimento escolar ainda é hegemônico no currículo. Portanto, para
que a escola seja específica e diferenciada, passa pelo reconhecimento de que cada
povo tem seus próprios processos de aprendizagem, e quem os domina são os
próprios indígenas, assim, o conhecimento local precisa adentrar os currículos de
todas as áreas de conhecimento, bem como, a participação dos sujeitos das
comunidades indígenas na gestão administrativa e pedagógica da escola.
Na constituição de 1988, os direitos indígenas são apresentados de forma
ampla e, até certo ponto, genérica. O que requer que sejam complementados por
outras legislações, para que possam ser detalhados e definidos. Sendo que, tais
dispositivos ficaram para as legislações complementares.
Apesar das garantias constitucionais e seus desdobramentos nas demais
legislações, muitos dos direitos dos povos indígenas ainda não saíram do papel,
como afirma Saviani (2000) muitas leis no Brasil já nascem mortas, principalmente
as que beneficiam os que são e foram historicamente excluídos.
Nesse sentido, o retrato da educação escolar indígena, após a constituição
federal, legalmente, apresentou alterações significativas. Mas a redefinição da
escola, protagonizada pelas lideranças indígenas e seus aliados, que tem como
alicerce o reconhecimento da pluralidade cultural, das diversas concepções
pedagógicas, dos princípios da interculturalidade, do bilinguismo/multilinguíssimo, da
diferenciação, especificidade e da participação comunitária ainda fazem parte da
bandeira de luta, apesar de já estarem legalmente conquistados, tanto na Carta
Magna, como na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, considerada
a lei máxima da educação em nosso país.
Com o objetivo de discutir a real situação da oferta da educação escolar
indígena, foi realizada no ano de 2009 a I Conferência Nacional de Educação
Escolar Indígena (CONEEI). O evento foi um dos marcos históricos da conquista do
movimento social indígena, no sentido de que o Estado Brasileiro, pela primeira vez,
chama as lideranças indígenas para discutir e planejar as politicas públicas voltadas
para a educação dos seus povos.
61

Dentre os objetivos da CONEEI, destaca-se a consulta aos representantes


dos Povos Indígenas e das organizações governamentais e sociedade civil sobre a
realidade e as necessidades educacionais para o futuro das politicas de educação
escolar; bem como discutir propostas de aperfeiçoamento da oferta de educação
escolar indígena, na perspectiva da implementação dos Territórios
Etnoeducacionais; propor diretrizes que possibilitem o avanço da educação escolar
indígena em qualidade e efetividade; e pactuar entre os representantes Indígenas,
dos entes federados e das organizações, a construção coletiva de compromissos
para a prática da interculturalidade na educação escolar indígena17.
A I CONEEI descortinou as condições de existência da educação escolar
oferecida aos indígenas em todo País após a constituição de 1988, além de dar
visibilidade a luta do movimento indígena, no sentido de direcionar as novas
demandas oriundas das vitórias alcançadas ou pelas lutas frente ao que se almeja.
Segundo dado do relatório da I CONEEI de 2009 as Conferências envolveram
encontros para discussão da educação em 1.836 escolas indígenas espalhadas pelo
país, abrangendo um total de 45.000 pessoas. Nelas, foram discutidas, a partir da
visão da comunidade, professores e lideranças indígenas o papel que a educação
escolar deve assumir para o fortalecimento cultural e a construção da cidadania,
principalmente os avanços conquistados e os desafios que precisam ser enfrentados
para a efetividade de uma escola vinculada com seus projetos de sociedade.
Após as conferências nas escolas, houve dezoito conferências regionais, que
contou com a participação dos representantes dos povos indígenas, dirigentes e
gestores dos Sistemas de Ensino, Universidades, FUNAI e entidades da sociedade
civil que discutiram as precárias condições da oferta da educação escolar indígena e
as providencias para a superação dos incomensuráveis desafios.
A ultima etapa da I CONEEI foi a Conferência Nacional, organizada a partir
das reflexões e discussões das etapas locais e regionais, com a participação dos
Delegados e Delegadas eleitas nas conferências anteriores, com a missão de
elencar um conjunto de compromissos que o Estado Brasileiro assumiria para
orientar sua ação institucional visando ao desenvolvimento da Educação Escolar
Indígena.

17
Documento final da I conferência de educação escolar indígena. Disponível em
http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/deliberacoes_coneei.pdf. Acesso em: 09 de
novembro de 2017.
62

Dentre os compromissos propostos, esteve a criação de um sistema próprio


de educação escolar indígena, com o intuito de quebrar as barreiras que impedem a
efetivação da escola específica e diferenciada. Para a gestão da educação,
propuseram a efetivação dos territórios etnoeducacionais para a gestão
compartilhada entre a esfera pública e as organizações indígenas no sentido de
valorização e reconhecimento das ações voltadas para a educação escolar
desenvolvidas a partir do seu protagonismo. Também foi proposta a criação de um
fundo nacional de educação escolar indígena e de uma secretaria nacional de
educação, tais órgãos seriam de fundamental importância para o estabelecimento do
próprio sistema de educação escolar indígena.
Nem todas as propostas, assim como os direitos constitucionais, foram
materializados. Fato comprovado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP) por meio do censo escolar de 2016, no qual
29,3% das escolas indígenas não possuem infraestrutura adequada para atender os
educandos. Suas instalações, mobiliários e equipamentos são inadequados, o que
compromete a qualidade do ensino ao subjugar os alunos, crianças e jovens a
condições excessivamente precárias e indignas. Como retrato desta realidade,
apresentamos na imagem abaixo, uma escola situada no Parque do Tumucumaque.
O prédio foi construído pela própria comunidade, assim como os equipamentos
(mesas e bancos), isto montra que a educação escolar indígena não está na agenda
de prioridades do poder público.
Abandono, esta é a realidade, não só desta escola, mas também das outras
situadas na mesma região, na qual crianças e jovens assistem as aulas em espaços
improvisados cedidos pela comunidade para que seus filhos não fiquem sem
estudar. Nesses ambientes inadequados, alunos e professores enfrentam o calor, a
chuva e todo o desconforto dos locais improvisados para ensinar e estudar.
A situação da educação indígena, desta forma é de extrema precariedade e
descaso: ausência ou debilidade dos prédios escolares, falta de mobiliário básico
que vão desde cadeiras a equipamentos de cozinha e gerador de energia,
desrespeito à autonomia e ao direito à consulta das comunidades para as decisões
sobre a escola, merenda escolar insuficiente e que não inclui a dieta alimentar local,
ausência de Projeto Político Pedagógico, material didático fora da realidade indígena
e local, não há acompanhamento pedagógico e formação continuada aos
professores.
63

Fotografia 04: Escola Indígena Estadual do Parque do Tumucumaque

Fonte: Núcleo de Educação Indígena, 2017.

Na imagem acima, as mesas e os bancos foram feitos pela comunidade, que


também é responsável pela manutenção e limpeza do prédio. Nos dias de chuva, as
aulas são suspensas, porque não existem paredes para impedir a entrada da água,
também não tem banheiros, gerador de energia, água tratada e outros móveis como
armário para guardar os materiais didáticos utilizados por alunos e a professora, ou
seja, existe apenas o espaço para funcionar a escola, sem as condições mínimas
necessárias para o processo de ensino e aprendizagem. No gráfico abaixo,
apresentamos a distribuição das escolas que atendem os povos indígenas por
região geográfica.
Gráfico 01 – Dados das Escolas Indígenas no Brasil por Região

6% 3%
NORTE
9% NORDESTE

19% CENTRO OESTE


63% SUL
SUDESTE

Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar 2017.


64

Mais da metade da população indígena vive na Região Norte, especialmente


na Amazônia, que tem o maior número de reservas demarcadas para evitar a ação
de madeireiros, agricultores e grileiros. Motivo pelo qual, nesta região, concentrar-se
a maior quantidade de escolas indígenas do país, seguido da região Centro-Oeste.
A quantidade de escolas não significa que toda a população indígena em idade
escolar é atendida. Conforme o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE)18 a população indígena é de 896,9 mil, tem 305 etnias e falam
274 idiomas. Metade da população indígena tinha até 22,1 anos de idade. Nas terras
indígenas, o índice foi de 17,4 anos e, fora delas, 29,2 anos. Na área rural, a
proporção de indígenas na faixa etária de 0 a 14 anos foi de 45,0%. Portanto, o
número atual de matrícula escolar não atende sequer a demanda de 2010. Já se
foram oito anos da realização do ultimo censo do IBGE, e a tendência é que tenha
aumentado o número da população indígena no país, assim como, a quantidade de
indígenas excluídos da escola.
Em números, existem 3.085 instituições escolares de acordo com o censo
escolar de 2017. Quanto às condições de funcionamento, 2.180 escolas funcionam
em prédios próprios; 663 em galpões e 242 em outros locais como centros
comunitários, casa cedida pela comunidade etc. Em relação ao abastecimento de
água, somente 219 eram atendidas com água encanada, 1.243 utilizam poços
artesianos ou cisternas, 1.205 eram abastecidas com água dos rios, fontes e
igarapés, e 318 não desfrutavam de abastecimento de água, faz parte desses
números a escola da imagem acima.
No que tange a energia elétrica, 1.439 eram atendidas pela rede pública,
apenas 431 possuíam motor de luz, e a grande parte 1.215 não tinham nenhuma
fonte de energia. Quanto ao esgoto sanitário, apenas 100 eram atendidas pela rede
pública, em 1.497 há total ausência de esgoto, e 1.488 possuíam fossas.
Os dados revelam a necessidade do poder público assumir a
responsabilidade, como assegura a Constituição Federal, pela construção,
equipamento e manutenção das escolas para os indígenas, pois os dados oficiais
revelam a ausência do Estado, tendo a população que assumir o que de direito lhes
é assegurado. O gráfico abaixo apresenta o percentual em relação a infraestrutura
das escolas indígenas no Brasil.

18
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-
censo?idnoticia=2194&view=noticia. Acesso em: 12 de novembro de 2017.
65

Gráfico 02 – Infraestrutura das Escolas Indígenas


80%
Prédio Próprio
70% Galpões
Outros Locais
60%
Água Rede Pública
50% Rios,fontes, igarapés
Poços artesianos
40%
Não possui abastecimento
30% Energia rede pública
Gerador
20%
Não possui energia

10% Não possui Esgoto


Dispõe de fossa
0% Esgoto rede pública

Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar/ 2017.

Estudam nessas escolas, segundo o censo de 2017, 285.303 (duzentos e


oitenta e cinco mil e trezentos e três) alunos indígenas, que são atendidos por
17.707 professores. Os alunos estão distribuídos de acordo com os níveis da
educação básica, sendo 27.538 na educação infantil; 180.059 no ensino
fundamental e 27.415 no ensino médio; 1.827 na educação profissional; 25.318 na
educação de jovens e adultos e 23.326 na educação integral ou atividade
complementar.
Gráfico 03 – Matrícula nas Escolas Indígenas

200

150 Educação Infantil


Ensino Fundamental2
100 Ensino Médio
Educação Profissional
50
EJA

Fonte: MEC/INEP – Censo Escolar/ 2017.


66

A quantidade maior de alunos está no ensino fundamental, observa-se que há


uma redução drástica quanto ao acesso ao ensino médio e a educação profissional,
o que diminui as oportunidades de ingresso na educação superior. A entrada na
educação profissional, que pode ser ofertada de forma integrada ou após o ensino
médio, é importante no sentido de contribuir para a construção de possibilidades de
sustentabilidade das comunidades indígenas. Ao ser ofertada integrada à educação
básica, no nível médio, a sua conclusão torna-se via de acesso ao ensino superior,
além de favorecer a integração dos saberes da produção e do trabalho e,
consequentemente, melhorias nas condições de vida dos indivíduos, desde que seja
considerado o pressuposto da interculturalidade na formação técnica, como um dos
pressupostos para a construção de relações menos assimétricas com o mundo não
indígena.
Desse modo, à falta de escolas de ensino médio nas aldeias, às dificuldades
de deslocamento para a cidade e de adaptação dos estudantes, tal como à
inadequação das propostas das escolas urbanas, são fatores que impossibilitam a
conclusão da educação básica e os excluem do direito ao acesso a universidade.
A garantia constitucional impulsiona as lutas em prol de políticas públicas que
materializem o acesso e permanência na educação básica, uma vez que, segundo
Baniwa (2011) a escola específica e diferenciada configura inovação laboriosa da
prática educativa, e seus problemas e proposições trarão possibilidades fecundas de
novas demandas para a educação.
Para Baniwa (2011) a importância da educação escolar para os povos
indígenas está na busca por viver melhor ou o bem viver, que para o referido autor
significa:
Essa nova concepção de vida ou bem viver indígena contemporâneo,
associada à apropriação de bens e serviços do mundo moderno e junto com
a escola, formam elementos de força sedutora que mais impactam a vida
atual dos povos indígenas do Alto Rio Negro. Isso porque realizar essas
“melhorias” inevitavelmente traz consigo para dentro das comunidades
indígenas o pacote ideológico que vem com receitas de “como pensar e o
que se deve pensar”, além do pacote ideológico do mundo capitalista,
consumista, materialista e individualista das sociedades modernas
europeias e neoeuropeias. Não considero essa mudança de todo negativo.
A vida indígena tradicional não é fácil, principalmente no tocante à luta
diária por sobrevivência alimentar. É justo e legítimo que os povos
indígenas queiram melhorar essas condições de trabalho, de deslocamento
e até lazer com auxílio das tecnologias do mundo moderno. Além disso,
mesmo considerando as influências e impactos produzidos pelas ideologias
externas que acompanham a nova concepção de “melhorias de vida”, os
povos indígenas apresentam capacidade para manter o equilíbrio
necessário para a continuidade de seus projetos etnopolíticos específicos,
67

em suas bases cosmológicas, filosóficas e sociopolíticas. (BANIWA, 2011,


p. 186)

Portanto, a educação escolar para os povos indígenas tem um papel


fundamental no sentido de contribuir para o fortalecimento de seus projetos
etnopolíticos, suas bases cosmológicas, filosóficas e sociopolíticas como afirma o
autor. Mas para isso, faz-se urgente superar o quadro de exclusão de uma educação
de qualidade, os dados do censo de 2016 revelam as condições em que se
encontram as escolas: sem saneamento básico, eletricidade e água tratada, além da
falta de material didático voltado para as especificidades de cada etnia.
Esses indicadores são extremamente preocupantes, pois mostram que as
garantias legais não estão sendo cumpridas. Como exemplo, a criação, pela
Resolução 3/99 da categoria escola indígena e sua inclusão como categoria própria
nos sistemas de ensino do país não significou uma melhoria nas condições de
ensino. Para isso, a União, os Estados e Municípios precisam estabelecer como
meta prioritária a garantia de condições dignas para o funcionamento dos
estabelecimentos de educação escolar nas aldeias em todo o país.
Foi iniciado em 2017, o início da II CONEEI no mesmo formato da primeira,
com o principal objetivo de: avaliar os avanços e o cumprimento das deliberações
emanadas da I CONEEI realizada em 2009; construir propostas para consolidação
da politica nacional de educação escolar indígena; reafirmar o direito a uma
educação específica, definida, bilíngue/multilíngue; ampliar o diálogo para a
construção de regime de colaboração específico, fortalecendo o protagonismo
indígena. O documento que serve de base para as discussões do referido evento,
apresenta um diagnóstico de como se encontra a escola indígena no século XXI:
No âmbito dos problemas persistentes encontram-se os relacionados a
infraestrutura, transporte e comunicação; a não implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena; a
insuficiência de material didático adequado; as contratações precárias de
professores e professoras indígenas; os formatos (ou modelos) de gestão
escolar que não atendem à organização própria dos povos; a
desvalorização dos saberes e línguas indígenas; as escolas indígenas não
regularizadas; a organização pedagógica e curricular colonizadora das
escolas e, por fim a não garantia de conhecimentos socioculturais na
formação dos docentes indígenas. (MEC, 2016, p. 5).

No ano de 2017 iniciou a preparação para a realização da II CONEEI. No


Estado do Amapá foram realizadas as duas etapas. A primeira consistiu na
Conferência das Comunidades Educativas, na qual foram ouvidas as nove etnias
68

atendidas pelo Sistema de Ensino Estadual. As conferências foram realizadas nas


três regiões geográficas (Oiapoque, Pedra Branca e Parque do Tumucumaque)
onde estão localizadas as escolas indígenas. A segunda etapa, denominada de
Regional aconteceu em março de 2018, com a participação dos delegados e
delegadas eleitos na etapa anterior, nesta etapa, também foram eleitos os
delegados para a etapa nacional.
A seguir abordamos o órgão institucional responsável pela gestão
administrativa e pedagógica das escolas indígenas a nível estadual.

3.2 O Núcleo de Educação Indígena enquanto órgão gerenciador da Educação


Escolar Indígena no Estado do Amapá e Norte do Pará
Os Núcleos de Educação Indígena (NEI) foram criados pela Portaria 559/91, a
partir do momento em que o Ministério da Educação (MEC) por meio do Decreto nº
26 promulgado em 1991, assume a função pela condução e oferta da educação
escolar para os indígenas em todos os níveis e modalidade de ensino, juntamente
com os Estados e Municípios.
No mesmo ano, foram criados no MEC, a Coordenação Geral de Apoio às
Escolas Indígenas e o Comitê de Educação Escolar Indígena, com a função de
assessorar esta instância, com representação dos professores índios. A mesma
portaria estabelece como prioridade a formação permanente de professores
indígenas, com o direito de receber salários iguais aos demais docentes; e as
condições necessárias para a regulamentação das escolas, dentre as quais:
calendário escolar, metodologias e avaliação de materiais didáticos que deverão ser
adequados à realidade sociocultural de cada etnia.
No Estado do Amapá, o NEI foi criado como uma seção na Divisão de Ensino
de Primeiro Grau, através da Portaria Nº 966 de 27 de dezembro de 1990 com a
incumbência principal de planejar e implementar a política de educação escolar
indígena do Estado, em consonância com as deliberações definidas em
Assembleias Indígenas.
Dentre as finalidades do NEI estão: contribuir para a definição dos parâmetros
da política de educação escolar indígena, garantindo a valorização das culturas,
línguas e tradições dos povos indígenas, respeitando as peculiaridades e demandas
de cada comunidade; propor, articular, apoiar, assessorar, acompanhar e avaliar a
execução da política de educação escolar indígena intercultural, bilíngue, específica
69

e diferenciada, conforme preceituam a Constituição Federal, a LDB Lei n.º 9.304/96 ,


o Parecer 14/99 e a Resolução CNE/CEB N.º 3/99, Deliberações do Conselho
Estadual de Educação.
E dentre as atribuições, destacamos: formular, coordenar e acompanhar as
ações voltadas à política da educação escolar indígena; encaminhar ao Conselho
Estadual de Educação pedidos de autorização para funcionamento de Escola
Indígena; apresentar sugestões para melhoria da qualidade das escolas indígenas;
diagnosticar junto às comunidades indígenas as necessidades de recursos
humanos, físicos e didático-pedagógicos nas escolas das aldeias; promover a
formação continuada de professores indígenas, levando-se em conta a língua e a
cultura de cada etnia, como também os saberes indígenas; estimular a contratação
de professores e funcionários indígenas, indicados pelas comunidades; solicitar
relatórios aos professores indígenas sobre o desempenho da escola e dos alunos; e
acompanhar, avaliar e emitir parecer sobre o funcionamento das Escolas Estaduais
Indígenas.
Tais finalidades e atribuições, para serem efetivamente desenvolvidas, requer
a implementação de politicas públicas a nível Federal e Estadual voltadas para o
que já está garantido legalmente aos povos indígenas. Administrativamente, o NEI
está subordinado a Secretaria de Estado da Educação (SEED), que define o espaço
físico para o desenvolvimento de suas atividades. Atualmente, o NEI funciona em
duas salas, uma ocupada pela gerência e outra onde os professores indígenas e
não indígenas são recebidos para as orientações e assessoramento pedagógico.
É uma sala pequena, com espaço apenas para o gerente e uma secretária,
motivo pelo qual as reuniões são realizadas na sala de assessoramento pedagógico,
onde trabalham os chefes das unidades pedagógica, antropológica e linguística,
mais o coordenador do Sistema de Organização Modular Indígena (SOMEI) e dois
técnicos ligados a unidade pedagógica. Neste espaço, são realizadas as reuniões,
cursos19, atendimento a 432 professores que trabalham nas escolas indígenas e,
também as lideranças indígenas. O espaço físico não é suficiente para atender a
demanda, o que compromete o desenvolvimento das atribuições definidas para o
núcleo. Em relação aos materiais, existe apenas um computador e uma impressora

19
Quando a gerencia não consegue outro lugar para realização dos cursos, estes são realizados na sala de
assessoramento pedagógico. Para isso, suspende-se o atendimento aos professores e lideranças indígenas
durante a realização dos cursos por falta de espaço para atendê-los.
70

que ficam na sala da gerencia. Os móveis (mesas e cadeiras) não são suficientes
para atender o fluxo diário. Não há espaço para atendimento individualizado, os
problemas são relatados na frente de todos. Um detalhe importante, é que as duas
salas do NEI estão localizadas no ultimo prédio da SEED, ao lado dos banheiros,
motivo de constantes reclamações devido o mau cheiro que exala, por falta de
limpeza e manutenção.
O NEI é composto por uma gerencia e as unidades: pedagógica,
antropológica e linguística que são cargos remunerados indicados e homologados
pelo Governo do Estado. O atual gerente é indígena da etnia Galibi Marworno, bem
como os chefes das unidades pedagógica (Galibi) e antropológica (Wajãpi-Wayana).
Compete a unidade pedagógica: diagnosticar a educação nas comunidades
indígenas, identificando os processos próprios de aprendizagem e o papel da
escolarização para implementar ações educacionais, de acordo com as demandas
existentes; discutir, planejar e coordenar a elaboração de propostas curriculares e
pedagógicas para a educação escolar indígena, garantindo as especificidades
culturais, linguísticas e pedagógicas; supervisionar e orientar a ação pedagógica dos
professores que atuam na educação escolar nas áreas indígenas; planejar e
orientar a confecção de matérias didáticos e pedagógicos, a partir de propostas
curriculares específicas.
A unidade antropológica tem como atribuições: avaliar o impacto da
escolarização nas áreas indígenas em relação à identidade étnica das culturas
indígenas; diagnosticar as relações de interculturalidade entre as sociedades
indígenas, para que as ações educacionais atendam os princípios de alteridade e
manutenção cultural; elaborar planos, programas e projetos de educação escolar,
voltados a ações antropológicas, garantindo as especificidades culturais de cada
sociedade indígena.
Enquanto que a unidade linguística compete: identificar a situação
sociolinguística nas áreas indígenas do Estado, em relação ao padrão de uso
interativo das línguas indígenas, monolinguismo e grau de bilinguismo para
implementar ações educacionais que expressem as demandas das sociedades
indígenas; propor uma politica linguística para as ações educacionais, que visem a
valorização e manutenção das línguas indígenas; elaborar e acompanhar ações de
planejamento linguístico para o desenvolvimento de competência intercultural,
71

através da alfabetização em língua materna e aprendizado de língua de interação


nacional.
O núcleo coordena a educação escolar de nove etnias distribuídas em terras
indígenas situadas no Estado do Amapá e norte do Pará.
Tabela 01- Etnias do Amapá e Norte do Pará atendidas pelo NEI.
Nº Etnia Língua Falada

01 Karipuna Kheoul / Patuá /Patoá. Crioulo Francês

02 Galibi Marworno Kheoul / Patuá /Patoá. Crioulo Francês

03 Palikur Palikur. Família: Língua Aruak

04 Galibi do Oiapoque Galibi. Família: Língua Caribe ou Karib.

05 Aparai Aparai. Família: Língua Caribe ou Karib.

06 Wayana Wayana. Família: Língua Caribe ou Karib.

07 Tiriyó Tiriyó. Família: Língua Caribe ou Karib.

08 Kaxuyana Kaxuyana. Família: Língua Caribe ou Karib.

09 Wajãpi Wajãpi. Família: Língua Tupi – Guarani,


Tronco Tupi

Fonte: NEI, 2018.

Estas etnias foram organizadas pelo Núcleo de Educação Indígena em três


regiões geográficas: Oiapoque, Parque do Tumucumaque e Pedra Branca do
Amapari. A distribuição foi feita de acordo com as suas respectivas terras indígenas,
conforme o mapa a seguir:
72

Mapa 01 – Mapa do Estado do Amapá com as Terras Indígenas

Fonte: NEI, 2018.

As Escolas estão situadas nas terras indígenas Uaçá, Galibi, Jurumã, Wajãpi,
Parque do Tumucumaque e Parú de Leste, distribuídas de acordo com a tabela
abaixo:
Tabela 02 - Escolas Estaduais Indígenas

Nº Nº Língua Nº N°
Alunos
Município Escolas Anexos Indígena Etnias Localização Aldeias

Pedra Branca 08 22 Wajãpi Wajãpi TI Wajãpi 96 615


do Amapari

11

Galibi Oiapoque BR - 156

Keoul Karipuna

Patoá Galibi-Marworno
Rio 4
Oiapoque 24 25 Palikur Palikur Oiapoque 2.873
73

Rio Curipi 15

Rio Uaçá 12

Rio Urucauá 10

Tiriyó Tiriyó/
TI
Tumucumaque Kaxuiana Kaxuiana 23
Tumucumaque

24 10 Apalai Apalai/ 1.377


Tumucumaque
Waiana Waiana
Parú D‟Leste
30

Total 56 57 07 09 201 4.865

Fonte: NEI, 2018.

O quadro das dependências físicas existentes em grande parte das escolas


indígenas retrata uma situação de precariedade em termos de alternativas para o
desenvolvimento de atividades diversificadas do ponto de vista pedagógico.
Praticamente em sua maioria, as escolas são reduzidas a apenas uma sala de aula,
isso leva a criação dos anexos, que podem ser salas de aula que funcionam em
locais cedidos ou construídos pela comunidade para atender a demanda, ou escolas
anexas, que são espaços também cedidos pela comunidade ou até mesmo a própria
casa do professor para que os alunos possam estudar.
Na tabela acima, na região de Pedra Branca do Amapari, tem somente oito
escolas com um total de vinte anexos; e no Oiapoque também é maior o número de
anexos, o que revela a ausência do Estado e a negação do direito a educação
escolar de qualidade aos povos indígenas. Mesmo nas comunidades em que existe
o prédio da escola, muitos não apresentam condições de funcionamento,
necessitam de reforma ou de construção, pois são espaços cedidos pela
comunidade.
Estas são as condições de infraestrutura em que se encontram grande parte
das escolas estaduais indígenas no Amapá e norte do Pará. As crianças sentadas
em baldes por falta de cadeiras, as aulas só acontecem nos dias de sol, pois a
chuva molha todo o local porque não existe o prédio próprio para o funcionamento
da escola.
74

O Núcleo de Educação Indígena realizou, em 2017, um levantamento das


condições estruturais das escolas estaduais indígenas. Na região de Oiapoque, das
24 (vinte e quatro) escolas, 3 funcionam em espaços cedidos pela comunidade, 11
necessitam urgentemente de reforma, e somente 10 estão em condições de
funcionamento. Na região de Pedra Branca do Amapari, as que possuem prédios
próprios precisam de reformas e as que funcionam em locais cedidos pela
comunidade, necessitam ser construídas, a mesma realidade para as do Parque do
Tumucumaque.
Nas cinquenta e cinco escolas de educação básica mantidas pelo Estado,
estudam 4.865 alunos, assim distribuídos entre as etnias:
Tabela 03 - Número de Alunos Matriculados nas Escolas Indígenas Estaduais
por Etnia.
ETNIAS Nº DE ALUNOS
Wajãpi 615
Galibi Oiapoque
Karipuna 2.873
Galibi-Marworno
Palikur
Tiriyó
Kaxuiana 1.377
Apalai
Waiana
Fonte: Censo Escolar de 2018.
O maior número de alunos matriculados está na região de Oiapoque onde
estão as etnias Galibi, Karipuna, Galibi-Marworno e Palikur. A região do Oipoque foi
a primeira a ser contemplada com o ensino médio em 2009 pelo SOMEI que
assumiu este nível de ensino. Para os Wajãpi, que vivem na região de Pedra Branca
do Amapari, o ensino médio foi implantado no ano de 2016. Já os Tiriyó, Kaxuiana,
Apalai, Waiana são excluídos deste nível de ensino. A exclusão desses povos do
ensino médio fecha as portas de acesso a Educação Superior.
75

4 A INTERCULTURALIDADE E A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Neste capitulo abordamos a concepção de educação intercultural que norteou


as politicas educacionais neoliberais desenvolvidas para os povos indígenas na
América Latina, assim como, a concepção de interculturalidade crítica abordada por
Catherine Walsh e as contribuições de Paulo Freire para o desenvolvimento da
perspectiva crítica de interculturalidade na educação brasileira. Em seguida,
discutimos a luta do movimento indígena por uma educação intercultural crítica,
procuramos evidenciar a importância das organizações indígenas criadas no
decorrer da história de luta contra a educação monocutural e a opressão gerada
pela colonialidade do poder.

4.1 Os desafios da educação intercultural

Segundo Faustino (2006), as politicas educacionais, a partir da década de


1980, voltadas para a interculturalidade na América Latina, dirigidas às populações
indígenas sob a denominação de Educação Intercultural Bilíngue (EIB) foram
deliberadas pelas reformas neoliberais de avanço do capitalismo para novas
explorações no continente; tais politicas se consolidaram na década de 1990, com
programas educativos voltados para as populações negras e indígenas.
As politicas neoliberais se apropriaram do discurso do movimento indígena,
no sentido de reconhecimento das diferenças culturais, da promoção do diálogo, da
convivência e tolerância; mas como tática para dominação e inclusão das minorias
no mercado capitalista. Dessarte, não questiona as desigualdades, os preconceitos
e as diferentes formas de exclusão. O discurso da inclusão visava a manutenção da
estrutura social vigente, esta perspectiva de interculturalidade é denominada por
Walsh (2013) de Funcional, que norteou as reformas na educação e nas
constituições federais dos países latino-americanos nos anos de 1990. As reformas
abrangeram desde o currículo até a formação dos professores. (FAUSTINO, 2006).
A interculturalidade funcional atende aos interesses neoliberais.
Outra concepção de interculturalidade, que é a defendida por Walsh (2013), é
a Crítica, que consiste em:
[...] um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e
aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,
simetria e igualdade. Um intercâmbio que se constrói entre pessoas,
76

conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando


desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença.

Parte do principio de que as diferenças são geradas pela estrutura colonial de


poder, por isso está ligada com o processo de descolonização e de mudanças
estruturais na sociedade. Desta maneira, a educação é constituída como estratégia
ética, política e epistêmica, ambas estão interligadas. Mediante as práticas
educativas questionam-se as diversificadas formas de colonialidade explícitas ou
implícitas na sociedade, dentre elas a hierarquização, subalternização e
inferiorização de determinados grupos sociais; o desvelamento do racismo; a
validação da diversidade de saberes e o diálogo entre eles. Isso proporcionará a
aceitação de diferentes maneiras de estar, ser, pensar, conhecer, aprender, sentir e
viver; entre outras formas de reconhecimento e construção de identidades culturais.
Consequentemente, no processo educativo, as diferenças são consideradas a partir
das relações assimétricas de poder.
Nessa perspectiva, a educação segundo Freire (1996), assegura a autonomia
dos educandos e, por meio do diálogo, a ação educativa é direcionada para a sua
conscientização visando as transformações sociais. A escola enquanto espaço de
produção de conhecimento será formadora de sujeitos críticos, integradora e,
sobretudo, democrática, pois legalmente a escola indígena é comunitária, a
participação da comunidade na elaboração, desenvolvimento e avaliação do projeto
politico pedagógico deve ser garantida. É projeto porque consiste no planejamento
das ações concretas a serem desenvolvidas envolvendo as diversas instituições que
poderão contribuir para a realização dos anseios, sonhos e necessidades da
comunidade; é politico porque está voltado para a formação de sujeitos que irão
contribuir para a mudança das condições de opressão e exclusão do seu provo; é
pedagógico no sentido de, por meio de metodologias dialógicas, desenvolve projetos
e ações indispensáveis a aprendizagem.
Na ação docente, os saberes escolares dialogam com os indígenas,
valorizando o saber e a cultura de cada povo, o que acarreta no respeito e
reconhecimento do saber e da cultura dos educandos, que representa, segundo
Freire (1996) uma ação política e cultural para a liberdade, isto é, uma ação política
contra a opressão. Nesse sentido, concordamos com Oliveira (2015) quando afirma
existir uma interculturalidade crítica na educação defendida por Paulo Freire, com
base nos seguintes argumentos: a relação entre educação e cultura; o diálogo como
77

estratégia pedagógica; a promoção do empoderamento dos sujeitos que sofrem


exclusão social; a possibilidade de reflexão ética e política sobre o processo de
humanização-desumanização e da situação social das classes populares; o
reconhecimento da pluralidade de saberes culturais; a matriz liberdade construída
em seu projeto educacional; o debate sobre o multiculturalismo, apresentando
questões de classe, gênero, etnia, diferença, solidariedade, alteridade, tolerância,
entre outros e o trato da educação na perspectiva intercultural crítica.
Corroborando com Oliveira, Candau (2010) reitera que a principal contribuição
de Paulo Freire no desenvolvimento da perspectiva intercultural crítica foi a de
afirmar a intrínseca articulação entre “processos educativos e os contextos
socioculturais em que estes se situam, colocando assim os universos culturais dos
atores implicados no centro das ações pedagógicas.” (p. 30). Continua a autora a
enfatizar as contribuições de Paulo Freire, a partir de suas práticas pedagógicas na
alfabetização de adultos oriundos das classes menos favorecidas.
O reconhecimento da legitimidade do background cultural do analfabeto não
era, para Paulo Freire, uma mera estratégia metodológica. Trazia no seu
bojo um modo de lidar com a diferença cultural. Mais do que um respeito
distante e asséptico por essa diferença, enfatiza-se e estimula-se a troca
entre os sujeitos e os saberes presentes nas relações pedagógicas.

Assim, a interculturalidade crítica, concebida como estratégia de resistência a


escola colonizadora, é compreendida, nesta tese, como mais um mecanismo de luta,
sobretudo, para garantia dos direitos sociais, territórios, costumes e tradições dos
povos indígenas, em confronto com a colonialidade do poder que se manifesta nas
dimensões materiais e subjetivas na sociedade.
Desta forma, a interculturalidade crítica na educação escolar indígena
consiste no reconhecimento e valorização dos saberes indígenas que foram
silenciados ou invisibilizados no currículo escolar por meio da imposição do
conhecimento oficial. Não significa a negação do conhecimento escolar, mas o
diálogo entre outras formas de ler e interpretar o mundo, seja ele material ou
imaterial. Diálogo na perspectiva horizontal, partindo do principio de que não existe
conhecimento maior ou menor que o outro, mas sim, diferentes maneiras de olhar a
mesma realidade. (FREIRE, 2000).
Neste diálogo intercultural, as relações de poder que determinam o currículo
são visibilizadas e questionadas; as práticas pedagógicas contrariam os
mecanismos de homogeneização e uniformização que ocultam as diferenças sociais
78

e culturais, e passam a ser orientadas para a valorização das identidades e


subjetividades dos educandos indígenas.
Nesse sentido, a Interculturalidade assume um viés político de contraposição
ao currículo tradicional e monocultural, transformando-se, como afirma Moreira
(1997, p. 23) em “[…] um instrumento, um espaço, um campo de produção e criação
de significados [...]”, no qual estão inseridos de forma explicita os interesses dos
povos indígenas, as suas lutas pelos seus territórios e manutenção dos modos de
vida, bem como as diversas formas de resistência e combate das visões
colonialistas que os apresentam como passivos ou selvagens diante do processo de
dominação.
A seguir, fazemos uma discussão do protagonismo do movimento indígenas
no combate a escola colonizadora/funcional e a luta por uma interculturalidade
crítica.

4.2 A luta do movimento indígena por uma educação intercultural crítica


Na visão colonialista, a abordagem dada à história indígena contribuiu para a
sua invisibilidade social e silenciou seus discursos, desta forma, no decorrer dos
séculos não tiveram vozes nem espaço para tornar visível todo processo de
opressão ao qual estavam sendo submetidos. Nesse sentido, a história indígena
marginalizou as lutas e as diversificadas formas de resistência que os povos
desenvolveram contra a exclusão de suas culturas e consequentemente o etnocidio.
Desta maneira, a tese de extinção dos povos indígenas adentra o século XX,
com a adoção de politicas indigenistas direcionadas para a descaracterização
cultural e de extermínio físico, com a implementação de ações civilizatórias por meio
da integração como único caminho possível. Monteiro (1995), ao se referir a
integração dos índios à nação brasileira diz que os órgãos indigenistas criados pelo
governo direcionavam suas ações com o objetivo de “amenizar o impacto do
processo civilizatório, considerado um fato inevitável que, dia mais, dia menos,
levaria à completa integração dos índios.” (p. 222-223)
Souza Filho ao afirmar que (2001, p. 258) “Os índios vêm adquirindo o
„estranho‟ direito de continuar a ser índios, depois de quinhentos anos de integração
forçada”, vem demonstrar a reação indígena diante das politicas públicas
desenvolvidas pelo Estado com a intenção de integrá-los, por meio da imposição de
79

uma unidade nacional que suprimia todas a diversidade e sob diferentes formas de
violência.
As narrativas, contadas pelos olhares dos vencidos, vem desconstruindo o
discurso colonizador, evidenciando o protagonismo dos povos indígenas que
resistiram, desde o inicio da colonização, por meio de diversas estratégias para
defender seus próprios interesses, como destaca Almeida (2010, p. 10):
De personagens secundários apresentados como vítimas passivas de
um processo violento no qual não havia possibilidades de ação, os povos
indígenas em diferentes tempos e espaços começaram a aparecer como
agentes sociais cujas ações também são consideradas importantes para
explicar os processos históricos por eles vividos. Essas novas
interpretações permitem outra compreensão sobre suas histórias e, de
forma mais ampla sobre a História do Brasil (ALMEIDA, 2010, p. 9-10).

Desse modo, a reação e oposição dos indígenas aos maus tratos, a


dominação cultural e econômica existiu desde os primórdios da colonização, o que
nos possibilita outras interpretações do protagonismo desses povos na história do
nosso país, que são contrárias a perspectiva colonialista e eurocêntrica na qual os
índios aparecem na história como se tivessem aceitado passivamente a invasão de
suas terras, a escravidão, o aldeamento, a escola colonizadora entre outras formas
de exploração material e imaterial. Nos momentos de confronto com o invasor
europeu, eram vistos como guerreiros que foram derrotados e incluídos na
sociedade colonial, na qual não existia nenhuma possibilidade de reação, segundo
Almeida (2010, p. 13-14) “Tornavam-se, então, vítimas indefesas dessa ordem. Na
condição de escravos ou submetidos, aculturavam-se, deixavam de ser índios e
desapareciam de nossa história”. O desaparecimento, por meio da
assimilação/integração na sociedade capitalista, foi um mecanismo de controle e
marginalização.
Esta concepção integracionista/assimilacionista fez parte das políticas
indigenistas a partir das reformas pombalinas em meados do século XVIII e
se fez presente no imaginário de intelectuais, indigenistas e políticos
brasileiros até a Constituição de 1988 que também previam o total
desaparecimento dos povos indígenas, pois consideravam que o único
caminho possível era o da integração dos índios à sociedade nacional.
Portanto, ao serem “integrados” eles deixariam de ser índios. (CRUZ, 2017,
p. 6).

Mas, como afirma a autora, tais discursos são desconstruídos e os indígenas


começam a aparecer como agentes sociais cujas ações também são consideradas
importantes para explicar os processos históricos por eles vividos. Mesmo diante da
expropriação dos seus territórios, resultado das políticas indigenistas, com o intuito
80

de integrá-los a “civilização”, os indígenas teceram formas variadas de resistência


desde o inicio da colonização até a atualidade.
Dentre elas a que envolveu os Guaranis, chamado de desbatismo, ocorrido
nos séculos XVI e XVII, descrito por Brighenti (2015), consistiu na reação a
imposição do nome cristão dado pelo colonizador, por meio da realização de rituais
“com entonações de cânticos e rezas, os líderes religiosos faziam uso de todo o seu
poder espiritual para voltar às antigas origens no intuito de retornar a usar o nome
indígena” (BRIGHENTI, 2015, p. 67). Para este povo, o nome tem uma
representação, que se materializa no caráter e na função que exerce na aldeia. Ao
serem coagidos pelos padres a aceitarem o nome de batismo, estava concretizado o
caminho para a desorganização social e a imposição da cultura dominante, segundo
Brighenti (2015, p. 58) “Ao batismo cristão foi atribuído todo o sofrimento e toda a
violência. Sendo assim, os líderes religiosos Guarani realizaram o „desbatismo‟
caracterizado pela retirada no nome cristão imposto pelos padres”.
Outro relato de resistência, descrito por Cunha (1992, p. 152) foi a
representação feita pelos indígenas da aldeia dos Aramaris de Inhambupe, na
Bahia, no final do século XIX, contra a invasão de suas terras.
Em 1821 e 1822, o principal dos índios Gamela de Viana logra da justiça do
Maranhão a demarcação judicial das terras da aldeia (Arquivo do Tribunal
de Justiça do Maranhão, pacote 005/TJ/1986 apud Andrade, 1990). Um
índio Xucuru, o capitão-mor da vila de Cimbres em Pernambuco, denuncia
em 1825 os abusos cometidos aparentemente pelo diretor da aldeia e
obtém uma decisão favorável do Imperador (23/03/1825). E em 1828
(20/11/1828) é o capitão-mor da vila de Atalaia, em Alagoas, que protesta
contra as violências e a invasão das terras das aldeias (CUNHA, 1992, p.
152).

A reação por meio dos protestos judiciais e denuncias dos abusos e maus
tratos são registros da atuação indígena contra o processo de dominação e a
expropriação de suas terras, tais relatos contradizem a passividade que
historicamente lhe foi atribuída.
No século XX, a luta persiste, pois as politicas demandadas pelo Estado
continuaram o processo de assimilação e integração dos povos que resistiram, “ao
invés de proteger e garantir os direitos desses povos, o Estado se tornou o principal
ator da violência contra eles seja através da ação ou da omissão” (BRIGHENTI,
2016, p. 60). A partir das décadas de 1970 e 1980, a luta foi se fortalecendo, por
meio da união via a formação de organizações especificas de cada povo que se
81

articularam a nível regional com outras organizações e também a nível nacional,


com o envolvimento da grande maioria dos povos indígenas do país.
Dentre as reivindicações dos movimentos indígenas, três eixos se destacam:
território, educação e saúde, ou seja, a garantia e retomada das terras que
historicamente lhes pertenceram; o direito a educação escolar voltada para o
fortalecimento cultural e a assistência a saúde. As batalhas foram direcionadas pela
demarcação de seus territórios, assim como pelo direito de continuarem a ser
indígenas em um país no qual a diversidade impera. Para consecução de tais
finalidades, está o direito a educação escolar que reconheça e valorize suas culturas
e identidades, uma educação intercultural.
Os caminhos para a educação intercultural fazem parte da resistência dos
povos indígenas, não somente do Brasil, como da América Latina. Segundo Candau
(2009) a interculturalidade emerge na América Latina na conjuntura educacional
voltada para a educação escolar indígena, contribuíram também para o seu
fortalecimento no continente, as lutas do movimento negro e as diversas práticas de
educação popular.
Toda a produção bibliográfica que analisamos, assim como os depoimentos
dos(as) entrevistados(as) dos diferentes países foram unânimes em afirmar
que o termo interculturalidade surge na América Latina no contexto
educacional e, mais precisamente, com referência à educação escolar
indígena. (CANDAU, 2009, p.155)

Ou seja, os historicamente excluídos e invisibilizados, lutam para serem


reconhecidos em uma sociedade homogeneizadora. Para a consecução desta
sociedade, a educação foi utilizada como instrumento ideológico de
homogeneização cultural por meio da disseminação da cultura ocidental e
eurocêntrica na construção dos Estados nacionais latino-americano, afirma a autora.
Assim, a interculturalidade, surge em contraposição as práticas que visavam a
assimilação e integração da diferença, pois, para os Estados nacionais, as
diferenças foram concebidas como ameaça ao objetivo de uniformidade. Nesse
sentido, a interculturalidade se manifesta como discurso a favor da simultaneidade
entre diferentes formas de viver dos povos.
Na América Latina, os países de colonização espanhola são os que têm maior
produção acadêmica referente a essa temática. No Brasil, com o reconhecimento da
diversidade étnica e cultural, pela constituição de 1988, cresce significativamente os
estudos nas universidades e centros de pesquisa que bordam temas voltados para a
82

colonização/descolonização do saber, do ser e do poder, assim como, as várias


concepções de interculturalidade e a complexidade de sua inserção nos países da
América Latina. Isso gerou, nas ultimas décadas, uma multiplicidade teórica da
produção existente e da diversidade de experiências formativas empreendidas nas
diferentes nações latino-americanas. No nosso país, a interculturalidade é um dos
princípios básicos dos documentos legais e dos projetos de educação escolar
indígena após 1988.
Segundo Collet (2003) um dos fundamentos dos projetos de educação
intercultural nos países Americanos foi a introdução do ensino bilíngue. Dentre as
instituições que atuaram nesta área, destaca-se o Summer Institute of Linguistics
(SIL) que desenvolveu, em inúmeros países da América Latina, uma política
indigenista voltada para a educação bilíngue e intercultural, no Brasil, tal instituto foi
encarregado, durante décadas, pelos programas educacionais juntamente com a
Fundação Nacional do Índio.
Na América Latina, foi através do trabalho do SIL, instituição missionária
norte-americana, e do Instituto Indigenista Interamericano (III), que a ideia
de interculturalidade se tornou uma espécie de ponto forte do discurso
educacional para as populações indígenas dessa parte do mundo.
(COLLET, 2003, p. 119).

A SIL atuou primeiramente no México, por meio da implantação de uma


politica educacional baseada na interculturalidade e no bilinguismo, a partir das
experiências desenvolvidas no processo de alfabetização das crianças e jovens
indígenas, ampliou sua atuação para o restante do continente, chegando ao Brasil.
Segundo Collet (2003) foi mediante uma longa caminhada histórica, que a proposta
de educação intercultural se consolidou nas pautas dos governos para as
populações indígenas, em termos de América Latina, inicialmente no México, depois
alcançou diversos países.
A expansão da SIL na década de 1950, no continente, ocorreu em virtude,
principalmente, do fracasso dos programas de educação voltados para os indígenas,
como afirma Barros (1993), neste período, no Brasil, tínhamos 66 escolas nas
comunidades indígenas, que procuravam alfabetizar os educandos na língua
portuguesa, sem êxito, de acordo com os objetivos pretendidos, portanto, não
conseguiram alfabetizar nenhuma população indígena de maneira expressiva.
83

No Brasil, para compreendermos a luta por uma educação intercultural para


os povos indígenas, faz-se necessário analisar o paradigma educacional imposto
pelo colonizador ao longo da nossa história e a atuação do movimento indígena.
Inicialmente o projeto pedagógico instituído para os indígenas foi balizado em
uma educação monocultural. No período da colonização até o inicio do século XX,
de acordo com Ferreira (2001) prevaleceu a educação etnocêntrica com a imposição
da cultura eurocêntrica, partiu-se de uma educação que visava eliminar a raça
inferior para, a partir das primeiras décadas do século XX, assimilá-los a sociedade.
O objetivo das práticas educativas era:
[...] negar a diversidade dos índios, ou seja, aniquilar culturas e incorporar
mão-de-obra indígena à sociedade nacional [...] impor o ensino obrigatório
em português como meio de promover a assimilação dos índios à
civilização cristã. [...] introduzir a língua, a história e os valores da sociedade
dominante. (FERREIRA, 2001, p. 72).

Dentre as estratégias de resistência dos indígenas, esteve o desinteresse


pela escola que estava totalmente descontextualizada de sua realidade sociocultural
e suas cosmovisões. Para desconstruir a imagem negativa que tinham da escola, o
SPI, criou em 1953, um programa para reorganizá-las, com o intuito de ajustá-la as
necessidades dos grupos indígenas, afirma Ferreira (2001, p. 75) que,
O „Programa Educacional Indígena‟, previu, neste sentido, a criação de
„Clubes Agrícolas‟ e as escolas passaram a ser chamadas de „Casa do
Índio‟ para evitar as „conotações negativas‟ que a escola tinha para os
índios. O currículo escolar passou a incluir as disciplinas „Práticas Agrícolas‟
para os meninos e „Práticas Domésticas‟ para meninas. Os prédios
escolares foram modificados para parecerem casas indígenas.

Tais adequações serviram para atender aos interesses econômicos, pois os


índios seriam integrados a sociedade como produtores agrícolas.
A partir da gerencia da Funai, com o objetivo de atender o que estabelecia a
Convenção 107 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a política
indigenista, foi priorizado o ensino bilíngue nas escolas e de acordo esta convenção,
as crianças deveriam ser alfabetizadas na sua língua materna. O Estatuto do Índio,
de 1973, a ratifica, ao tornar obrigatório o ensino de línguas nativas nas escolas
indígenas. Mas, não obriga a reformulação dos programas educacionais ao contexto social,
econômico e cultural de cada povo.
No discurso da Funai, a introdução das línguas nativas de cada etnia no
currículo das escolas a partir da década de 1970, um dos caminhos para a educação
intercultural, enfatiza a preocupação por parte do Estado, com a diversidade
84

linguística e valorização do patrimônio material e imaterial, além das formas de


expressão dos seus valores. No entanto, tais iniciativas serviram como estratégias
para “assegurar interesses civilizatórios do Estado, favorecendo o acesso dos índios
ao sistema nacional, da mesma forma fazem os missionários evangélicos [...] que
procuravam a conversão religiosa”. (FERREIRA, 2001, p. 76).
Assim, a educação bilíngue, por meio da alfabetização de crianças e jovens,
influiu significativamente nas políticas educativas direcionadas às comunidades
indígenas em toda a América Latina até a década de 1970 (CANDAU, 2009) . Desta
forma, se concretizou um projeto que conduziu a educação indígena, baseado na
catequese e socialização para assimilação na sociedade brasileira. O objetivo era
integrar e civilizar o indígena considerado como um estrato social submetido a uma
condição ética inferior, quando visto nos moldes da cultura ocidental eurocêntrica.
Desta maneira, contribuiu fortemente com o desenvolvimento da educação
monocultural. Tais objetivos estavam voltados para o processo de homogeneização,
demandada pelos Estados nacionais modernos.
Como forma de resistência ao projeto assimilacionista, na década de 1970, as
lideranças indígenas se articularam politicamente com organizações governamentais
e não governamentais, para garantias de direitos e projetos de sobrevivência.
Dentre as organizações não governamentais que surgiram no período da
ditadura militar, voltadas para a defesa da causa indígena, destaca-se a Comissão
Pró-Índio de São Paulo (CPI/SP), o Centro Ecumênico de Documentação e
Informação (CEDI), a Associação Nacional de Apoio ao Índio (ANAÍ), o Centro de
Trabalho Indigenista (CTI), a União das Nações Indígenas (UNI), considerada a
pioneira que representava os indígenas a nível nacional. Destaca-se também o
envolvimento de setores progressistas da Igreja Católica voltadas para defesa dos
direitos humanos e das minorias. Desta forma, passou-se da negação das
diferenças para o seu reconhecimento, no plano discursivo (FERREIRA, 2001).
Assim, a luta contra a situação vivenciada pelos povos indígenas durante os
anos de repressão, fomentou a resistência e a mobilização de tais instituições que
representavam os diversos segmentos da sociedade, desta forma, no decorrer da
década de 1970, a educação indígena passa a fazer parte das pautas de debates.
A complexidade social na referida década, aliada a um sistema de
desigualdade na distribuição da riqueza e poder, impulsionaram a batalha pela
democracia, liberdade e luta pelos direitos dos excluídos e a aquisição de novos
85

direitos sociais. De acordo com Estácio (2009, p. 07) ao se referir ao combate as


politicas oficiais: “As repercussões alcançadas pelas ações anti-indígenas
promovidas pelo governo foram estimuladoras das ações pró-índios, deflagradas
pelos segmentos da sociedade civil”. Práticas de educação foram desenvolvidas,
concomitante e, às vezes, conflitavam com as do governo, tais atitudes estavam
voltadas para a construção de uma educação baseada na mobilização social e no
reconhecimento do direito à alteridade, da pluralidade cultural, valorização dos
conhecimentos e tradições dos povos indígenas que são as bases para a
interculturalidade.
Dentre as instituições religiosas, que atuaram neste período em defesa dos
indígenas na luta pela terra e educação diferenciada, destacamos o Conselho
Indigenista Missionário (CIMI), criado em 1972, ligado a Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil (CNBB). O CIMI NORTE I, desde 1974, está sediado na cidade de
Manaus.
É inegável que o CIMI conferiu um novo sentido ao trabalho da Igreja
Católica junto aos povos indígenas, pois vem atuando como parceiro nas
lutas do Movimento Indígena; informando, discutindo possibilidades e
caminhos, e apoiando suas iniciativas. O objetivo geral do Conselho,
definido em 1995, é intensificar a presença e apoio junto a comunidades,
povos e organizações indígenas e intervir na sociedade brasileira como
aliados dos povos indígenas e fortalecer o processo de autonomia desses
povos na construção de um projeto alternativo, pluriétnico, popular e
democrático. (ESTÁCIO, 2009, p.07)

Portanto, as instituições não governamentais e as universidades dirigiam suas


estratégias em direção aos mesmos objetivos, no sentido de garantir a efetivação
dos direitos dos índios e os seus planos para o futuro; combate aos projetos
integracionistas, por meio da produção, publicação e desenvolvimento de propostas
educacionais não integracionistas e a recuperação não só da posse das terras, bem
como do fortalecimento das identidades étnicas.
Assim, afirma Estácio (2009, p. 8) “surgiram projetos alternativos, na área de
educação escolar indígena, desenvolvidos por organizações pró-índio nos Estado do
Amazonas, Acre, Rondônia e outros”, dentre eles o Amapá. Tais projetos foram
construídos e executados juntamente com as comunidades indígenas e muitos
também, foram marcados, pelo compromisso ético e político com os interesses
indígenas, no intuito de ofertar uma educação escolar coadunável com os projetos
de autodeterminação.
86

Em relação ao bilinguismo essas organizações, nas décadas de 1960 e 1980,


desenvolveram algumas práticas educativas, nas quais o bilinguismo teve outra
conotação além da integração, esteve voltado para o fortalecimento e manutenção
da cultura de cada povo, segundo Candau (2009, p.157) “O bilinguismo deixa de ser
visto apenas como instrumento civilizatório para ser considerado de importância
fundamental para a continuidade dos próprios grupos minoritários”.
Ressalta-se que a língua é fundamental para a manutenção cultural e dos
conhecimentos, por meio dela, são repassadas as crenças, os costumes, contadas
as historias, os mitos, as lendas e repassadas as cerimonias tradicionais; são
nomeados, também, os seres da floresta, dos rios e os artefatos do cotidiano entre
outros ensinamentos que fazem parte dos etnosaberes de cada povo. Nesse
sentido, Tavares (2016, p.374), ao entrevistar indígenas adultos das comunidades
Guarani de Mato Grosso do Sul destaca a importância da preservação e
transmissão da língua materna.
A língua é o que temos de mais importante, né? Sem a língua não tem reza,
não tem canto, não tem festa. Quer dizer, até pode ter, mas não será mais a
mesma coisa, né? Eu faço questão de conversar em guarani com todas as
crianças para elas aprenderem mesmo. E com os adultos que sabem
também. Quando não sabem não tem jeito [...]. (CÉLIA, 33 ANOS,
GUARANI ÑANDEVA)

Nas referidas décadas, a atuação de lideranças indígenas com apoio de


universidades e setores progressistas da Igreja Católica, desenvolveram propostas
pedagógicas voltadas para o fortalecimento das línguas e das culturas indígenas,
com a produção de materiais didáticos bilíngue, importante para o diálogo
intercultural, pois parte do reconhecimento da diversidade linguística e cultural nos
processos educativos, o que podemos considerar como um passo para a educação
intercultural crítica.
Destarte, estas primeiras experiências de educação intercultural surge da luta
pelo reconhecimento e valorização da cultura indígena, a partir da descolonização
epistemológica e linguística com a construção de materiais didáticos que romperam
com o monoculturalismo, a homogeneização e universalismo da racionalidade
hegemônica eurocêntrica.
Outro fator importante na luta por uma educação intercultural, foi a atuação
das Organizações dos Professores Indígenas, por meio da articulação com outros
movimentos sociais, na construção de propostas e diretrizes para a efetivação de
87

uma educação voltada para os seus interesses. Dentre a pauta de reivindicação


destacamos: o direito à autodeterminação em relação à educação escolar, que as
práticas escolares realizadas em áreas indígenas passassem pela aprovação dos
indígenas e, que as concepções de educação, processos de socialização e
estratégias de ação dos processos educativos possibilitassem a autonomia e
liberdade do ser indígena.
Segundo Altini et al (2000) foi na região Amazônica, na década de 1980, que
aconteceram as primeiras articulações de professores indígenas, inicialmente foram
constituídas organizações de caráter mais regional que realizaram alguns encontros,
dentre eles o I Encontro de Professores Indígenas do Amazonas e Roraima em 1988, que
contou com a participação de 41 professores, representando os 14 povos dos
estados de Roraima e Amazonas, o evento contou também, com a participação do
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e professores da Universidade Federal do
Amazonas (Ufam), que discutiram questões voltadas para educação escolar dos
povos indígenas da região, nesse sentido afirma Silva e Azevedo (1995, p. 155)
Este encontro procurou discutir as formas originais de educação de cada
um dos povos lá representados, a necessidade de uma outra educação
formal, decorrente da situação de contato com a sociedade envolvente, e os
tipos de escola que os diversos povos indígenas estavam reivindicando.
Nesse sentido, foi firmado um primeiro documento sobre estas questões.

Dentre as reivindicações estavam uma escola voltada para a valorização e o


reconhecimento da diversidade sociocultural e dos conhecimentos tradicionais. Para
fortalecer a participação dos povos indígenas da Amazônia, no referido encontro foi
criado o Conselho dos Professores Indígenas do Amazonas e Roraima (COPIAR) e
em 1989 o Estado do Acre foi incorporado, em 2000, a partir da inclusão de
Rondônia, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Amapá passou a ser denominado
Conselho de Professores Indígenas da Amazônia (COPIAM). Vale ressaltar, que o
COPIAR provocou o questionamento da educação escolar ofertada nas aldeias e
fomentou a organização dos professores indígenas com apresentação de
alternativas para a construção da politica de educação escolar indígena para o
Brasil.
Destacamos na Amazônia a Organização dos Professores Indígenas do
Município de Oiapoque (OPIMO) no Estado do Amapá, que reivindica a implantação
do ensino médio nas aldeias das etnias Galibi Marworno, Karipuna, Palikur e Galibi
Kalinã e o acesso a educação superior; a Organização dos Professores Indígenas
88

Sateré-Mawé (OPISM), no Estado do Amazonas, na luta pela formação de


professores para suas escolas; a Organização dos Professores Indígenas de
Roraima (OPIRR) e a Organização Geral dos Professores Ticunas Bilíngue
(OGPTB) no Alto Solimões no Amazonas.
Tais movimentos destacam a importância dos professores na luta por uma
politica educacional que atenda os interesses e necessidades dos povos indígenas.
Essas politicas precisam levar em consideração suas pluralidades cultural e social,
de acordo com o principio da especificidade inerente aos direitos legalmente
garantidos. Nesse sentido, suas batalhas fazem parte do contexto geral das lutas do
movimento indígena e da educação escolar em âmbito nacional.
Como exemplo do compromisso dos professores com a educação enquanto
mecanismo de produção de autonomia, emancipação e empoderamento, Altini et al
(2000, p. 32), destaca:

Em 1991, no IV Encontro dos Professores Indígenas do Amazonas,


Roraima e Acre, em Manaus, foi firmada uma Declaração de Princípios,
posteriormente reafirmada nos VII e IX Encontros, realizados em 1994 e
1996. Seu cartaz foi lançado no VIII Encontro em Boa Vista, em 1995. Até
hoje esta Declaração é um documento de grande importância por
apresentar os anseios, as reivindicações e propostas do movimento de
professores indígenas.

Dentre as quinze pospostas contidas na declaração, três estão voltadas para


a interculturalidade, o que demonstra o interesse do movimento dos professores
com a efetivação da educação intercultural, são elas, as escolas indígenas: deverão
valorizar as culturas, línguas e tradições de seus povos; serão criativas, promovendo
o fortalecimento das artes como formas de expressão de seus povos; deverão
integrar a saúde em seus currículos, promovendo a pesquisa da medicina indígena e
o uso correto dos medicamentos alopáticos.
Estas propostas procuram incluir no currículo escolar os saberes indígenas,
sejam eles culturais, artísticos e medicinais para dialogar com os saberes não
indígenas presentes no currículo escolar. Esses saberes são oriundos da relação
com a mata, com os rios, os animais, os seres encantados e míticos ao longo dos
séculos pelos diversos povos, que os adaptaram às necessidades locais, culturais e
ambientais e os transmitem as novas gerações. Tais saberes têm contribuído para a
preservação, manutenção e o aumento da diversidade biológica no decorrer dos
séculos.
89

Vale ressaltar que, a organização dos professores indígenas fazem parte de


um contexto mais amplo de organização desses povos no Brasil que estão ligadas a
luta pela posse da terra, para isso as assembleias indígenas foram instrumentos
eficazes que uniram várias lideranças para discutir estratégias no combater a
invasão e exploração de suas terras, bem como as diversas formas de opressão a
que estavam submetidos; tais assembleias foram organizadas a nível local, regional
e nacional, segundo Altini et al (2000, p. 21):
As Assembleias de Chefes e Lideranças Indígenas foram rapidamente se
multiplicando, como um efeito em cascata em todo o país. Estava decretada
a luta contra os inimigos comuns, presentes no Estado e na sociedade
brasileira. Ao mesmo tempo construía-se a base para ampliar a união e
consolidar as estratégias de luta locais e em nível nacional. As Assembleias
foram e continuam sendo até hoje uma ferramenta afiada e consolidada no
enfrentamento dos interesses anti-indigenas.

A partir das discussões nas assembleias, foram realizados vários encontros


para enfrentar os desafios postos pela politica indigenista e, em um deles, na
década de 1980, no Estado de Mato Grosso do Sul, foi criada a União das Nações
Indígenas (UNI), em seguida também algumas coordenações regionais nas regiões
Norte e Nordeste. As organizações indígenas começaram a se multiplicar de
diversas formas: articulações, associações e federações organizadas por povos,
regiões ou rios. As lutas pela terra se intensificaram e fortaleceram.
Esta coexistência das lutas cotidianas das comunidades e dos povos
indígenas com a multiplicidade das formas organizativas (associações,
articulações, conselhos, etc.) traduz a característica do movimento indígena,
que compreende os diversos modos de luta. Assim, o movimento não se
reduz as organizações. Estas se constituem em instrumentos mais
recentes, que foram sendo apropriados pelos povos originários do Brasil a
partir do enfrentamento conjunto dos problemas que lhes afetam: conflitos
com o latifúndio, agronegócio, hidrelétricas, rodovias e desmatamentos,
dentre outros. (ALTINI et al, 2000, p. 21)

A UNI representava uma articulação politica a nível nacional, após a sua


extinção em 1992, criou-se o Conselho de Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(Capoib), que foi substituído, em 2005, pela Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (Apib) que é composta pelas seguintes organizações: Coordenação das
Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Articulação dos Povos
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (Apoinme), Articulação dos
Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste
(Arpin Sudeste), Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal (Arpinpan) e a
Grande Assembleia Guarani (Aty Guasu).
90

O Acampamento Terra Livre que iniciou em 2005 é uma ação que já faz parte
do calendário do movimento indígena. Quanto a origem de tal movimento, Altini et al
(2000, p. 23) relata que:
Este se originou do acampamento realizado pelos povos indígenas em abril
de 2004, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para reivindicar a
demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada no estado
de Roraima.

O movimento consiste em um grande encontro realizado anualmente no mês


de abril, no qual é apresentando uma pauta de abrangência das lutas gerais, dentre
elas as relacionadas a educação, bem como pressionar o Estado para o
cumprimento dos direitos assegurados na Constituição Federal e nas leis
internacionais, dentre as quais a Convenção 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
A efetivação da interculturalidade na educação escolar, também faz parte da
pauta de luta do movimento, como afirmamos anteriormente, ela é estabelecida nas
reformas constitucionais no decorrer na década de 1990, nos países latino
americanos, resultado das politicas públicas direcionadas para a diversidade
cultural.
Para Walsh (2013), tais inciativas tem como finalidade o envolvimento dos
indígenas nas propostas desenvolvimentista, de caráter neoliberal. No Brasil, na
referida década, houve a elaboração de todo um aparato legal voltado para as
escolas indígenas, para atender tais finalidades, dentre eles: as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar em 1994, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – lei 9394/96 e em 1998 o Referencial Curricular
Nacional para Educação Indígena (Recenei), neste documento a interculturalidade:
deve reconhecer e manter a diversidade cultural e linguística; promover uma
situação de comunicação entre experiências socioculturais, linguísticas e
históricas diferentes, não considerando uma cultura superior à outra;
estimular o entendimento e o respeito entre seres humanos de identidades
étnicas diferentes, ainda que se reconheça que tais relações vêm ocorrendo
historicamente em contextos de desigualdade social e política (MEC, 2005,
p. 24).

Esta é uma concepção funcional de interculturalidade, de acordo com Walsh


(2013), pois não questiona as estruturas de poder e as relações sociais por elas
geradas quando indica a promoção de situações “de comunicação entre
experiências socioculturais, linguísticas e históricas diferentes, não considerando
91

uma cultura superior à outra”, nesse sentido, não são problematizados os


condicionantes históricos e sociais que geraram a inferiorização das diferenças;
consequentemente, não propõem o surgimento de uma sociedade equitativa e
igualitária.
As ações, assim, são voltadas somente para os grupos sociais que foram
historicamente invisibilizados e discriminados, por serem considerados inferiores,
constituindo-se como mecanismo de controle das divergências com e entre os
grupos étnicos para a manutenção da ordem social e a permanência das estruturas
de dominação vigentes. Segundo a autora, esta concepção tem como objetivo “[...]
impulsionar os imperativos econômicos do modelo neoliberal de acumulação
capitalista, agora „incluindo‟ os grupos historicamente excluídos”. (WALSH, 2013, p.
16). Nessa perspectiva, a interculturalidade, fruto das lutas dos movimentos sociais,
como mecanismo para combater o preconceito e a discriminação, sendo apropriada
para atender aos interesses econômicos neoliberais.
Desta maneira, o conceito de interculturalidade do Recenei, naturaliza as
diferenças e, não as concebe como resultado de um processo histórico construído a
partir da exclusão e inferiorização dos povos indígenas, camuflando as
desigualdades sociais e econômicas, o racismo e racialização das relações e as
diversificadas formas de desumanização geradas pela colonialidade do poder.
Na luta contra a dominação cultural e econômica imposta pelas politicas
neoliberais, desde a década de 1970, o movimento indígena articulado com o
movimento indigenista, vem discutindo e exigindo a educação escolar como direito,
focada na afirmação das identidades étnicas, por um currículo que tenha como
principio a recuperação das memórias históricas, a valorização das línguas e
conhecimentos dos povos indígenas, e da articulação escola, sociedade e
identidade, tudo isso em sintonia com os projetos societários estabelecidos
ativamente pelos povos indígenas.
Estas são as diretrizes não só pedagógicas, mas também politicas da
interculturalidade crítica, associada aos projetos societários de cada povo indígena.
Nesta educação, o bilinguismo/multilinguíssimo, a diferenciação, a especificidade e a
participação comunitária, estão presentes como principio a serem seguidos. Tais
marcos, que fazem parte da histórica luta do movimento indígena, permeiam os
textos legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional de
Educação, além das normatizações do Conselho Nacional de Educação.
92

São direitos estabelecidos, mas ainda não totalmente efetivados por diversos
motivos, entre os quais, a falta do Regime de Colaboração e da organização dos
Sistemas de Ensino no nosso país. Diante desses desafios, foi realizada em 2009 da
I Conferencia Nacional de Educação Escolar (CONEEI) em Goiás na cidade de
Luziânia com o objetivo de:
Criar e fortalecer os espaços de participação comunitária nas políticas
públicas de educação escolar indígena; promover uma educação escolar
intercultural que contribua com os projetos de futuro e de cidadania dos
povos indígenas; debater os objetivos, avanços e desafios da educação
escolar indígena no Brasil, estabelecendo prioridades para as políticas
públicas em desenvolvimento. (grifo nosso). (COMISSÃO
ORGANIZADORA, 2008, p. 02).

Dentre os objetivos da I Connei, a interculturalidade é compreendida no


sentido de favorecer no desenvolvimento dos projetos de futuro dos povos
indígenas, projetos que estão voltados para gestão territorial e ambiental de suas
terras e para a autonomia e o direito de serem consultados nas decisões politicas
sobre seus povos.
A I Coneei teve como tema central construindo a gestão etnoterritorializada da
educação escolar indígena com os seguintes eixos temáticos: Educação Escolar,
Territorialidade e Autonomia dos Povos Indígenas, Práticas Pedagógicas Indígenas,
Políticas, Gestão e Financiamento da Educação Escolar Indígena, Participação e
Controle Social e Diretriz para a Educação Escolar Indígena. Representou um marco
histórico da conquista do movimento indígena, foi a primeira vez que o Estado
Brasileiro abriu espaço para a participação dos povos indígenas na definição das
políticas publicas. O evento contou com a participação de lideranças, estudantes,
professores e comunidade indígena, Conselho Nacional de Educação, Sistemas de
Ensino, União dos Dirigentes Municipais da Educação, Universidades, Rede de
Formação Técnica e Tecnológica e sociedade civil organizada, que discutiram as
atuais politicas públicas voltadas para a educação escolar indígena e o
levantamento de propostas para o enfrentamento das dificuldades, bem como, as
condições de oferta da educação intercultural.
O referido evento foi organizado em três Conferências: nas Comunidades
Educativas20, Regionais e Nacional caracterizadas como momentos de avaliação e

20
A comunidade educativa é formada por todas as pessoas que trabalham e colaboram para a construção de
uma educação de qualidade na comunidade, como as lideranças, os sábios/velhos, os xamãs, curandeiros,
pajés, os pais e as mães, os alunos e alunas, a equipe que trabalha na escola - o professor, a professora, o
93

discussão referentes a oferta da educação escolar. Para orientar os debates nas


Conferências que foram realizadas nas Comunidades Educativas, a equipe de
organização da I CONEEI elaborou três questões: 1. Por que queremos a escola?,
2. O que já conquistamos? O que temos hoje?, 3. O que fazer para avançar na
educação escolar que queremos?
Na primeira questão, os participantes debateram e registraram as opiniões
referentes aos problemas enfrentados pela comunidade, tendo como referencia
alguns questionamentos elencados no documento orientador elaborado pela
comissão organizadora da I conferência nacional de educação escolar indígena
(2008, p. 4).
Como a educação escolar pode contribuir para a construção dos projetos
comunitários de futuro e no fortalecimento da cidadania indígena? Qual
papel dos professores e professoras? Como deve ser o projeto pedagógico?
Esse é o momento de definir os objetivos que cada comunidade
educativa atribui à educação escolar intercultural. (grifo nosso)

Os questionamentos estão voltados para avaliação da educação na


perspectiva intercultural ofertada pelo Estado que está distante da demandada pelos
movimentos sociais indígenas, segundo Czarny (2012, p. 30) a perspectiva oficial do
interculturalismo “não leva em conta a injustiça distributiva, que é a outra cara da
injustiça cultural, substituindo assim, o discurso da pobreza por aquele sobre
cultura”. Desta maneira, não são discutidas as causas das injustiças culturais,
sociais e econômicas e propostas alternativas descolonizantes segundo as
reivindicações dos movimentos indígenas. As Conferências nas Comunidades
Educativas foram realizadas em 1.836 escolas indígenas no decorrer do ano de
2009 com a participação de 45.000 pessoas.
Já na segunda questão, a comunidade educativa avaliou os avanços das
politicas públicas em relação a educação escolar, fazendo uma comparação da
escola do passado com a do presente, nesta fase, ficou evidente o descaso dos
órgãos oficiais. Na terceira questão, após o diagnostico do abandono das escolas
indígenas e da subalternização da educação ofertada, a comunidade educativa teve
como atribuição “propor e apontar o que fazer e como fazer para a melhoria do

coordenador pedagógico, a merendeira, o motorista, a faxineira, o vigia - entre outros envolvidos com a
educação, conforme a realidade de cada povo ou escola. (COMISSÃO ORGANIZADORA DA I COFERÊNCIA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, 2008).
94

ensino escolar indígena em qualidade e efetividade” (COMISSÃO ORGANIZADORA


DA I CONEEI, 2008, p. 5).
Após a realização das conferencias nas comunidades educativas, foram
realizadas nos Estados as Conferencias Regionais com a participação de
representantes indígenas, dirigentes e gestores dos Sistemas de Ensino,
Universidades, FUNAI e entidades da sociedade civil, com a finalidade de discutir as
propostas elaboradas nas Comunidades Educativas e elencar às que seriam
apresentadas e discutidas na conferencia Nacional. No período de dezembro de
2008 a julho de 2009, foram realizadas 18 Conferências Regionais, com a
participação de 3.600 delegados, 400 convidados e 2.000 observadores.
A Conferência Nacional aconteceu no mês de novembro de 2009 e contou
com a participação de 604 delegados, 100 convidados e 100 observadores,
totalizando 804 participantes efetivos. Participaram das Conferencias um total de
210 povos indígenas. A etapa Nacional teve como objetivo discutir o que foi proposto
nas etapas locais e regionais e definir um conjunto de metas e ações para orientar
as politicas públicas voltadas para a Educação Escolar Indígena no Brasil. No final
da referida etapa, foi aprovado um documento com as propostas. A seguir
destacamos as voltadas para a Interculturalidade.
Na parte referente a organização e gestão da educação escolar indígena:
O Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena deverá reconhecer,
respeitar e efetivar o direito a educação especifica, diferenciada,
intercultural, comunitária e de qualidade, especialmente no que se refere
a questão curricular e ao calendário diferenciado, que definam normas
especificas, que assegurem a autonomia pedagógica (aceitando os
processos próprios de ensino e aprendizagem) e a autonomia gerencial das
escolas indígenas como forma de exercício do direito a livre determinação
dos povos indígenas, garantindo as novas gerações a transmissão dos
saberes e valores tradicionais indígenas. (DOCUMENTO FINAL I CONEEI,
p. 4, grifo nosso).

Na parte referente as diretrizes para a educação escolar indígena:


A escola indígena, em uma perspectiva intercultural, faz parte das
estratégias de autonomia politica dos povos indígenas e deve trabalhar
temas e projetos ligados a seus projetos de vida a proteção da Terra
Indígena e dos recursos naturais e deve dialogar com outros saberes. O
projeto politico-pedagógico das escolas indígenas deve ser construído de
forma autônoma e coletiva, valorizando os saberes, a oralidade e a historia
de cada povo em dialogo com os demais saberes produzidos por outras
sociedades humanas, bem como, integrar os projetos societários dos povos
indígenas contemplando a gestão territorial e ambiental das Terras
Indígenas e a sustentabilidade das comunidades. Enquanto não se cria o
Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena, os sistemas de ensino
devem reconhecer a autonomia pedagógica das escolas indígenas no
exercício da aplicação dos conhecimentos indígenas e modos de ensinar,
95

incluindo a participação dos guardiões da cultura e os processos específicos


de avaliação pedagógica. A participação dos sábios indígenas nas escolas,
independente de escolaridade, deve ser reconhecida como professor por
notório saber para fortalecer valores e conhecimentos imemoriais e
tradicionais, conforme as propostas curriculares das escolas, garantindo
recursos necessários para sua atuação docente, quando for solicitada.
(DOCUMENTO FINAL I CONEEI, p. 4, grifo nosso)

Nesse sentido, a concepção de interculturalidade apresentada e defendida


pelos povos indígenas é a crítica, na qual a educação é responsável pela formação
de pessoas que contribuirão para mudar a situação de exclusão e negação dos
direitos do seu povo, para isso a escola precisa educar para a autonomia politica, ter
o currículo voltado para o reconhecimento e valorização dos saberes e da história de
cada etnia, envolver os pajés, curandeiros e curandeiras dentre outros sábios
detentores deste saber nas atividades escolares em dialogo com os demais saberes
produzidos por outras sociedades humanas, diálogo numa perspectiva horizontal
onde não há saber maior ou menor que o outro, mas sim, diferentes maneiras de
interpretar o mundo. A relação da educação com a terra deve orientar o
desenvolvimento dos projetos pedagógicos.
Para a organização e gestão da educação, definiu-se a criação de um sistema
próprio de educação escolar indígena com ordenamento jurídico específico e
diferenciado, coordenado pelo MEC e com:
[...] a garantia do protagonismo dos povos indígenas em todos os
processos de criação, organização, implantação, implementação, gestão,
controle social e fiscalização de todas as ações ligadas a educação escolar
indígena, contemplando e respeitando a situação territorial de cada povo
indígena. (DOCUMENTO FINAL I CONEEI, p. 5)

Tal Sistema Próprio de Educação deverá garantir o reconhecimento, respeito


e efetivação do direito à educação específica, diferenciada, intercultural, comunitária
e de qualidade, particularmente no tocante à questão curricular e ao calendário
diferenciado. Também, é proposta a criação de uma Secretaria específica para a
Educação Escolar Indígena e de um fundo específico para financiar a educação,
denominado Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação dos Povos
Indígenas (FUNDEPI).
Outro ponto deliberado na I Coneei foi a implementação dos Territórios
Etnoeducacionais.
O governo federal somente implantará os Territórios Etnoeducacionais com
a anuência dos povos indígenas a partir de consulta pública ampla com a
realização de seminários locais, regionais e/ou estaduais para
esclarecimentos sobre a proposta de implantação e implementação dos
96

Territórios Etnoeducacionais, avaliando a sua viabilidade, sua área de


abrangência em relação aos povos e Estados, considerando os novos
marcos legais a serem construídos e os planos de trabalho dos Territórios
Etnoeducacionais. O Governo Federal garantirá aos povos indígenas que
não concordarem em adotar ou ainda nao definiram o modelo de gestão
baseado nos Territórios Etnoeducacionais o envio de recursos de igual
qualidade para a educação escolar indígena.

Os Territórios Etnoeducacionais, criados pelo Decreto nº 6.861/2009,


concebido pelo governo como inovação na gestão da educação dos povos
indígenas, por meio do regime de colaboração entre União, Estados e Municípios na
oferta da educação escolar. Vale ressaltar que tal decreto imposto pelo governo,
gerou controvérsias e desconfianças entre lideranças indígenas, por não serem
consultados no processo de elaboração do documento, motivo pelo qual a sua
implantação somente ocorrerá com a anuência dos povos indígenas “a partir de
consulta pública ampla com a realização de seminários locais, regionais e/ou
estaduais para esclarecimentos sobre a proposta de implantação e implementação.”
No Documento Final da I Coneei ficou definido que a Conferência Nacional de
Educação Escolar Indígena seria realizada a cada quatro anos, mas somente depois
de nove anos foi realizada a II Coneei, em 2018. A II Conferência iniciou em 2016,
no mesmo modelo da primeira com as conferências locais, regionais e nacional. Por
problemas estruturais e burocráticos do MEC, a conferência nacional ocorreu
somente no mês de março de 2018, com o objetivo de:
Avaliar os avanços, impasses e desafios da educação escola indígena a
partir da I coneei; construir propostas para consolidação da política nacional
de educação escolar indígena; reafirmar o direito a uma educação
específica, diferenciada e bilíngue/multilíngue; ampliar o diálogo para a
construção do regime de colaboração específico para a educação escolar
indígena fortalecendo o protagonismo indígena. (COMISSÃO
ORGANIZADORA NACIONAL DA II CONEEI, 2016, p. 3).

Mesmo com o entendimento de que não houve avanços significativos, o


movimento indígena compreendeu que já era o momento de reunir e debater sobre
os rumos da educação escolar, enfrentar os desafios e propor novas diretrizes. A II
Coneei teve como tema: O Sistema Nacional de Educação e a Educação Escolar
Indígena: regime de colaboração, participação e autonomia dos povos indígenas.
Quanto a avaliação dos avanços na educação escolar a partir das
deliberações na I Coneei, os resultados não são positivos, muito do que foi
deliberado não saiu do papel, os dados do censo escolar de 2015 do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) comprovam o abandono
das escolas indígenas, nas quais os educandos estudam em condições de
97

precariedade, sem água tratada, energia elétrica ou gerador, mobiliário, existem


escolas que não possuem prédios e funcionam na casa dos professores ou em
locais construídos pela comunidade.
Em relação aos professores indígenas, de acordo com o referido Censo
Escolar, 46,5% tem somente o ensino médio e 4,5% apenas o ensino fundamental
completo e 2,4% o ensino fundamental incompleto. Detectou as contratações
precárias dos professores, pois a maioria, 71% com contrato temporário de trabalho
e apenas 21,3% concursados/efetivos. Com referência a utilização de materiais
didáticos específicos, apenas 53,6% foram contempladas, os restantes continuam
sendo excluídas ou utilizam os mesmo materiais das escolas não indígenas o que
demonstra a insuficiência de material didático adequado. Assim como, a
desvalorização das línguas e saberes indígenas, visto que, apenas 66,9% das
escolas utilizavam línguas maternas.
Além dos problemas citados, encontram-se também os relacionados:
a infraestrutura; transporte; comunicação; a não implementação das
diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar indígena; os
formatos (ou modelos) de gestão escolar que não atendem a organização
própria dos povos; as escolas indígenas não regulamentadas; a
organização pedagógica e curricular colonizadora das escolas e, por fim, a
não garantia de conhecimentos socioculturais na formação dos docentes
indígenas. (II CONEEI, 2016, p. 12).

A criação de um Sistema Próprio para a educação escolar indígena, que


também não saiu do papel. Diante do exposto, contata-se que grande parte do que
foi deliberado na I Coneei ainda não se materializou nas políticas públicas e chegou
até as escolas indígenas do país.
Com referência aos avanços, podemos destacar, de acordo com avaliação
feita pela II Coneei (2016, p. 13):
A criação e a pactuação de vinte e cinco Territórios Etnoeducacionais
(TEEs); o aumento significativo do ingresso de indígenas na educação
superior, com apoio do Programa Bolsa Permanência; a ampliação dos
cursos de Licenciaturas Interculturais Indígenas; as normatizações do
Conselho Nacional de Educação, na forma de pareceres e resoluções (para
a educação básica nas escolas indígenas, para a formação de professores
indígenas, para a competência normativa dos conselhos estaduais de
educação indígena para a implementação da lei 11.645/2008 sobre o
tratamento da temática da sociodiversidade indígena nos currículos das
escolas brasileiras; para a orientação dos processos educativos escolares
ou não, com povos indígenas de recente contato; criação da Ação “Saberes
Indígenas na Escola”, voltada para a formação continuada de professores
indígenas atuantes no letramento/numeramento, com foco no uso das
línguas maternas e contextualizados nos conhecimentos indígenas.
98

A partir da criação dos Territórios Etnoeducacionais, a educação escolar


indígena passou a ser organizada de acordo com a territorialidade dos povos,
independentemente da divisão territorial e política entre Estados e Municípios. Nove
anos após a realização da I Coneei, apenas 25 foram criados, apesar de ter divido
as opiniões do movimento indígena, os Territórios eram aguardados como
alternativa para superar as barreiras entre os Estados e Municípios na gestão
financeira e administrativa das escolas.
Além da avaliação do que foi deliberado, outro objetivo da II Coneei foi a
construção de propostas para consolidação da política nacional de educação escolar
indígena. Foram aprovadas 25 propostas por 780 delegados indígenas durante os
três dias de evento em Brasília. A II Coneei contou com a participação de 13 mil
pessoas em 331 conferências nas comunidades educativas e 19 regionais. No
decorrer dos trabalhos, foram apresentadas 8.309 propostas, que foram para a
plenária, as 25 aprovadas compõem o documento final que representa as ações
prioritárias para as 305 etnias existentes em todo o país. (MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO E CULTURA, 2018).
Dentre as prioridades estão à confirmação do que foi deliberado na I Coneei,
bem como a criação da categoria professor indígena dentro do magistério da
educação básica com a instituição de concursos públicos específicos; a construção,
reforma e ampliação da estrutura física das escolas indígenas, com consulta prévia
às comunidades sobre os projetos arquitetônicos adequados à identidade cultural e
à realidade geográfica de cada povo indígena, equipando-as com mobiliário e
materiais apropriados, conforme preconiza a legislação da Educação Escolar
Indígena, prevendo o controle social na elaboração e acompanhamento em todas as
fases da execução; o transporte escolar (fluvial, terrestre e aéreo) para estudantes,
professores(as)e gestores, adequado às diferentes realidades geográficas, às
demandas pedagógicas e aos calendários específicos e diferenciados; a
alimentação escolar, com gestão eficiente do Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE), respeitando as especificidades culturais e hábitos alimentares dos
povos indígenas, garantindo a aquisição de gêneros alimentícios produzidos pelas
comunidades indígenas.
E relação a interculturalidade, foram deliberadas as seguintes propostas:
Que as Secretarias de Educação garantam autonomia para a elaboração
e implementação de matrizes curriculares interculturais específicas
para as escolas indígenas, em todos os níveis e modalidades de ensino,
99

assegurando os direitos indígenas, o notório saber e o respeito aos


conhecimentos tradicionais de cada povo, incluindo o ensino das línguas
indígenas e valorizando a oralidade, a escrita e a memória de cada etnia,
com garantia de assessoria linguística, formação e apoio a pesquisas e
projetos sobre as línguas indígenas, conforme as demandas e
especificidades sociolinguísticas de cada povo. As universidades, institutos
federais e demais instituições de ensino superior devem promover o diálogo
intercultural, a socialização de experiências e a valorização das culturas,
histórias e línguas indígenas nos currículos dos cursos de graduação e pós-
graduação (lato e stricto sensu), por meio de ações formativas no âmbito do
ensino, pesquisa e extensão, a fim de efetivarem a implementação da Lei Nº
11.645/2008. Que a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal,
elaborem e publiquem políticas nacional, distrital, estaduais e municipais,
desenvolvidas em conjunto com os povos indígenas, com vistas a um
sistema de avaliação da oferta da Educação Escolar Indígena, bem como
da qualidade da educação intercultural desenvolvida nas escolas indígenas
[...].(I CONEEI, p. 5, grifo nosso).

A implantação de matrizes curriculares interculturais, tanto na educação


básica como na superior, é uma reposta a interculturalidade funcional implantada
pelo governo por meio das politicas públicas. No processo de elaboração das
matrizes curriculares deve ser garantida a participação dos povos indígenas e
assegurado seus saberes e suas línguas no currículo, as práticas pedagógicas
deverão valorizar a oralidade, a escrita e a memória de cada etnia.
No mês seguinte, após a realização da II Coneei, aconteceu o Acampamento
Terra Livre no período de 23 a 27 de abril composto por plenárias, debates,
encontros temáticos, marchas, audiências com parlamentares, rituais e atos
culturais, além dos livres espaços de vivência entre os mais diversos povos
presentes.21Dentre os grupos de trabalho (GT) das plenárias a educação fez parte
do GT4 com propostas discutidas pelas lideranças indígenas a nível nacional.
O GT da educação foi recebido pelo Ministro da Educação, dentre as pautas
de reivindicações, destacamos: autonomia na elaboração dos Projetos Político
Pedagógicos e a falta de estrutura física e logística das escolas. Em relação as
verbas destinadas para a educação básica, Tuira Kayapó afirma “Na educação
básica, o dinheiro muitas vezes chega nas cidades, mas é desviado pelas
22
prefeituras” . Isso acontece porque as lideranças indígenas ou suas
representações, não são chamadas para participar do planejamento e do

21
Acampamento Terra Livre. Disponível em: http://apib.info/2018/04/12/programacao-do-acampamento-
terra-livre-2018/. Acesso em janeiro de 2019.
22
Indígenas denunciam cortes de bolsa e abandono da educação diferenciada em reunião com ministro da
educação. Disponível em: https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2018/04/. Acesso em janeiro de
2019.
100

acompanhamento das verbas voltadas para a construção, reforma e ampliação das


escolas indígenas.
No tocante ao Projeto Político Pedagógico, querem ter autonomia para sua
elaboração, não admitem receber o pacote pronto, imposto pelo Ministério da
Educação. Tal projeto é concebido, segundo Veiga (2007, p. 43 ):
na perspectiva da sociedade, da educação e da escola, ele aponta um
rumo, uma direção, um sentido específico para um compromisso
estabelecido coletivamente. Ao ser claramente delineado, discutido e
assumido coletivamente, o projeto constitui-se como processo e, ao fazê-lo,
reforça o trabalho integrado e organizado da equipe escolar, assumindo sua
função de coordenar a ação educativa da escola para que ela atinja o seu
objetivo político-pedagógico.

Legalmente a escola indígena é comunitária, sendo assim, a participação da


comunidade local é garantida na elaboração, execução e avaliação do projeto
político pedagógico, para a construção de uma escola que valorize a diversidade de
línguas e práticas culturais, assim como, os territórios de pertencimento étnico,
possibilitando diferentes maneiras de inserção na sociedade não indígena com o
objetivo de fortalecer as identidades culturais dos educandos e educandas.
O que os professores e lideranças estão exigindo do Ministro da Educação, é
o cumprimento do que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Escolar Indígena na Educação Básica, promulgada em 2012 por meio da
Resolução nº 05 do Conselho Nacional de Educação e que ainda não saíram do
papel.
[...] é inegável a existência de um considerável aparato jurídico e legislativo
garantindo que os processos de escolarização sejam efetivados de acordo
com as especificidades socioculturais de cada povo indígena. Contudo, o
dia a dia das escolas inseridas em comunidades indígenas não apresenta
um panorama tranquilo como seria de se esperar. Ao contrario,
constatamos que violações destes direitos são cometidas rotineiramente e,
fato ainda mais alarmante, muitas vezes, o descumprimento das leis
efetivado pelos agentes estatais que deveriam ser os primeiros a zelar pelo
bom cumprimento das leis, perpetuando, assim, praticas colonialistas sob
novas roupagens. (ALTINI ET AL, 2000, p. 24).

O descumprimento das leis pelos agentes estatais, no caso da educação, o


MEC e as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, que deveriam cumpri-
las, acabam perpetuando, assim, práticas colonialistas. As denuncias feitas pelo
movimento indígena, no Acampamento Terra Livre em 2018, retratam o repúdio as
formas de invisibilidade e exclusão demandada pelo poder público, manifestado no
descumprimento dos direitos conquistados por meio de diversas batalhas e
extensamente expressos em leis, decretos e resoluções.
101

O Projeto Político Pedagógico, é mais um exemplo da transgressão por parte


do poder público do que determina a Resolução nº 05/2012, no artigo 14, define o
projeto político pedagógico como um instrumento de autonomia e identidade de cada
escola e, de referencia para a efetivação da educação específica, diferenciada e
intercultural, reitera que deve “[...] apresentar os princípios e objetivos da Educação
Escolar Indígena de acordo com as diretrizes curriculares instituídas nacional e
localmente, bem como as aspirações das comunidades indígenas em relação à
educação escolar.” (BRASIL, 2012, p. 7). Na realidade, existe uma distancia entre o
que a referida resolução estabelece e o cotidiano das escolas nas aldeias. A escola
especifica e diferenciada com o Projeto Politico Pedagógico construído pela
comunidade escolar, que deve expressar a concepção de educação desejada, ainda
é bandeira de luta dos povos indígenas.
A interculturalidade é concebida na citada Resolução, como um dos princípios
que deve ser pautada a educação escolar dos povos indígenas, junto com o
bilinguismo, a especificidade e a organização comunitária. O diálogo intercultural
entre os saberes indígenas e os saberes do currículo desenvolvido pela escola,
também devem estar incluídos no Projeto Político Pedagógico, de acordo com o
parágrafo 2º do artigo 14.
§ 2º O projeto político-pedagógico da escola indígena, construído de forma
autônoma e coletiva, valorizando os saberes, a oralidade e a história de
cada povo em diálogo com os demais saberes produzidos por outras
sociedades humanas, deve se articular aos projetos societários
etnopolíticos das comunidades indígenas contemplando a gestão territorial
e ambiental das terras indígenas e a sustentabilidade das comunidades
indígenas. (BRASIL, 2012, p. 8).

Nesse sentido, o diálogo intercultural entre culturas diferentes, como


estratégia ética, politica e epistêmica questiona o preconceito e a discriminação
vivenciada pelos povos indígenas, bem como, a inferioridade dos seus saberes e
culturas. Nessa perspectiva, a educação deve estar vinculada aos projetos de
sociedade de cada etnia ligada a gestão territorial, ambiental e a sustentabilidade
das comunidades como descreve o artigo 14.
§ 3º A questão da territorialidade, associada à sustentabilidade
socioambiental e cultural das comunidades indígenas, deve orientar todo
processo educativo definido no projeto político-pedagógico com o intuito de
fazer com que a escola contribua para a continuidade sociocultural dos
grupos indígenas em seus territórios, em benefício do desenvolvimento de
estratégias que viabilizem os seus projetos de bem viver. (BRASIL, 2012, p.
8).
102

No entanto, a fala da professora indígena Edileuda Shanenawa representante


da Organização dos Professores Indígenas do Acre (Opiacre), denuncia a
negligencia do poder público, ao salientar o interesse do Ministério da Educação em
“colocar nosso conhecimento no nível ocidental [...]. Não queremos o livro que vem
do MEC, queremos nosso próprio material”23. A aprendizagem dos conhecimentos
não indígenas é importante, destaca a professora, para poder entender o mundo dos
não indígenas, mas é necessário garantir o direito a educação diferenciada, e o
reconhecimento e valorização dos saberes indígenas no currículo escolar, para isso
faz-se necessário a produção de materiais e recursos didáticos específicos para
uma prática intercultural.

23
Indígenas denunciam cortes de bolsa e abandono da educação diferenciada em reunião com ministro da
educação. Disponível em: https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2018/04/. Acesso em: 10 de
janeiro de 2019.
103

5 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTERCULTURAIS NO CURRICULO EM AÇÃO


NAS ESCOLAS INDÍGENAS WAJÃPI

Neste capitulo, fizemos uma abordagem histórica dos Wajãpi a partir do


século XVII e a sua organização social, política e econômica. Posteriormente,
abordamos a introdução da educação escolar, que ocorreu a partir do contato oficial
pela Funai na década de 1980, com a permissão da entrada de missionários para
atuarem como educadores e a construção de escolas para dar continuidade a
politica indigenista do governo. E, finalizamos o referido capítulo apresentando os
resultados da pesquisa de campo realizada com os professores do SOMEI/WAJÃPI,
de acordo com o problema e os objetivos deste estudo, procuramos identificar as
práticas pedagógicas interculturais críticas que estão voltadas para o
reconhecimento dos saberes e da cultura indígena e o estabelecimento do diálogo, a
partir da perspectiva de Paulo Freire, entre tais saberes e o saber escolar.

5.1 Os Wajãpi da Pedra Branca do Amapari


Wajãpi é um povo indígena de tradição e língua Tupi-Guarani, vive na
Amazônia, especificamente no Estado do Amapá e também na Guiana Francesa. Os
Wajãpi do Amapari, sujeitos da nossa pesquisa, moram no lado brasileiro na terra
indígena localizada nos municípios de Laranjal do Jari e Pedra Branca do Amapari.
Gallois (1988) por meio de pesquisas em fontes históricas, encontrou o registro da
presença dos Wajãpi no século XVII na região do baixo Xingu no Estado do Pará.
No século XVIII, as migrações foram se intensificando devido a constante presença
dos portugueses na foz do rio Amazonas, as frentes de colonização e, também das
intervenções dos missionários no baixo Amazonas.
Atualmente, os wajãpi ocupam terras brasileiras e francesas, resultado do
processo de migração que, inicialmente os dividiu em dois grupos: os setentrionais,
que vivem na Guiana Francesa e os meridionais que habitam o Estado do Amapá.
Em relação aos dois grupos, Segundo Gallois (1988) de acordo com as
narrativas de origem dos Wajãpi do Amapari, predominam as versões de que
pertencem a um único grupo ancestral, diferente da origem dos que vivem na
Guiana Francesa. Os grupos não se relacionam constantemente, os contatos
ocorrem principalmente para a efetivação das relações matrimoniais:
104

Para os Waiãpi do Amapari, os “parentes” do Oiapoque são hoje tão


distantes e tão “outros” quanto os Wayana e Aparai [grupos Karib] dos rios
Paru e Aretani. Distância que se manifesta no modo de vida, adaptado ao
rio no Oiapoque e à floresta no Amapari. Os moradores desta área
mencionam, sobretudo, divergências no léxico, no repertório musical, no
acervo de nomes próprios e em modalidades técnicas ou estilísticas.
(GALLOIS, 1988, p.5).

Os dados referentes a origem deste povo foram coletados por meio de fontes
escritas e orais por Gallois (1988). As fontes orais, composta pelos relatos e histórias
contadas pelos grupos, são consideradas pela referida autora como “uma sequência
mítica faz parte de um conjunto de tradições, ou melhor, de um grande mito, que
conta a origem do universo, da humanidade e das coisas; confunde-se com a
epopeia de dois heróis: o criador Yane-roaçu e Yane-iar, o criador e ancestral dos
Waiãpi.” (GALLOIS, 1986, p.317).
A autora destaca que são dadas versões diversificadas referentes ao mesmo
evento, umas retratam fenômenos que se repisam, e narradas com pouquíssimas
contradições interpretativas. Uma delas é a que retrata a origem deste povo, que
relatamos a seguir.
De acordo com a tradição oral dos wajãpi, sua origem ocorreu nas margens
do rio Jari, que divide os estados do Pará e Amapá. Nas proximidades desse rio,
janejarã, o criador, povoou a terra com plantas, animais e os homens, chamados
taimiwerã, que eram os wajãpi. Somente após a criação dos taimiwerã, janejarã
concebeu os brancos sem diferenças entre si, viviam todos numa região chamada
Tuiuiu, só que a população dos não índios começou a crescer demasiadamente, o
que gerou problemas para os Wajãpi, motivo pelo qual Janejarã, destruiu quase toda
essa primeira humanidade com o fogo e o dilúvio. Só conseguiram se salvar os que
seguiram as orientações de Janejarã, para a construção de uma casa de barro,
chamada de Mairi, que os leva para uma região distante dali. Segundo esta
narrativa, assim nasce os Wajãpi nessa época em que Mairi foi construída. Janejarã
criou uma segunda humanidade no mesmo lugar da primeira, com categorias
diferenciadas, tendo os Wajãpi como a verdadeira humanidade contraria as do
karaikõ (brancos, brasileiros), paraisikõ (franceses), apã (etnias inimigas). Os
homens agora são os tamokõ, antepassados que já podem ser denominados. Os
karaikõ e os paraisikõ não possuem mais o mesmo modo de vida dos Wajãpi, mas
moram e fazem suas roças perto deles de quem estes obtêm ferramentas. (GALLOIS,
2011).
105

Na narrativa aparece a Fortaleza São José de Macapá, localizada em Macapá


capital do Estado do Amapá. A autora afirma que, essa reinterpretação é resultado
do contato dos Wajãpi com essa obra.
A citada autora, afirma que no período de 1850/1880, houve outro
deslocamento para regiões mais isoladas, nas nascentes dos rios, próximo do atual
território, no rio Inipuku. A migração foi derivada das guerras e ataques de outros
povos indígenas, do contato com os brancos e a proximidade dos garimpos. As
retiradas realizadas por grupos autônomos, que se formavam em determinadas
regiões pelos que migravam ou os que se juntavam a outros grupos foram formando
o que os Wajãpi denominam de wanã que são grupos autônomos politicamente,
mesmo pertencendo à mesma etnia. Assim, cada indivíduo tem seu grupo de
origem, chamado de wanã,
Cada Wajãpi tem o grupo de origem dele, seu wanã. Os antepassados de
cada wanã são diferentes. Wanã não é a mesma coisa que aldeia, é um
grupo de pessoas que não moram todas juntas, mas em diferentes aldeias.
Mas todas pessoas de um mesmo wanã conhecem sua região e seus
caminhos. (PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PESQUISADORES WAJÃPI,
p. 4)

Os indivíduos de cada wanã são reconhecidos pelo sotaque que os


diferenciam dos outros grupos, além de que cada wanã tem “seus conhecimentos,
suas histórias e seu próprio jeito de fazer festa.” (PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE
PESQUISADORES WAJÃPI, p. 4). Bem como, cada grupo local tem suas posições
políticas e suas redes de relações próprias “Se todos os grupos sustentam a mesma
posição política, ótimo. Caso contrário, também não haverá problema, pelo menos
para os Waiãpi. Cada um sustentará sua posição e fará do seu jeito”. (TINOCO,
2000, p.10).
Os grupos locais são formados por diversas famílias nucleares, juntas por
laços de parentesco, motivo pelo qual também são chamados de 'parentela'. No
processo de formação de um grupo local, pode iniciar com a família de um indígena,
assim como, com a união das famílias de dois ou mais irmãos. O grupo formado tem
autonomia politica e econômica viabilizada pelos irmãos e genros, agregados pelo
chefe que é o criador da aldeia, no entanto, o genro tem papel fundamental para
subsistência da aldeia:
Logo que casa, o marido vai morar na casa do sogro e da sogra. Se
acostumar com o casamento, o genro vai ajudar o sogro. Vai fazer muitos
trabalhos, como construir casa, fazer roça, caçar, pescar e fazer vários tipos
106

de utensílios para a sogra. (PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE


PESQUISADORES WAJÃPI, p. 10)

Para os Wajãpi não existe somente um chefe, todo grupo local, cada wanã,
tem seu chefe.
O chefe é aquele que tem mais experiência, tem mais conhecimento, é
sabido e é fundador da aldeia. Quando querem resolver alguma coisa, os
chefes se reúnem para decidirem juntos. Então não existe um chefe
mandando em outro chefe. Uma pessoa não pode decidir sozinha por
outras pessoas. Ninguém manda no chefe, ele tem autonomia. Desde
nossos antepassados, temos nossa política. Para nós, Wajãpi, existem
vários chefes tradicionais. (PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE
PESQUISADORES WAJÃPI, p. 12)

O chefe tem como atribuição a organização da comunidade local para a


realização das tarefas, “Os mais sabidos é que autorizam e chamam a comunidade
para fazer atividades cotidianas, organizam bem festas grandes e festas pequenas.
Eles também mandam as pessoas para visitarem outros grupos locais.”
(PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PESQUISADORES WAJÃPI, p. 12). Em relação
aos primeiros contatos com os nãos índios, Gallois (2011, p. 32) declara que os
Wajãpi mantiveram contatos esporádicos com balateiros, gateiros e garimpeiros:
No final dos anos 60, os Wajãpi já tinham encontrado caçadores de pele –
conhecidos como “gateiros” e também garimpeiros que circulavam nas
bacias dos rios Jari e Amapari. A frente garimpeira atingiu primeiro as
aldeias do alto rio Jari e no início da década de 70, outra frente chegava aos
afluentes do rio Amapari, onde garimpeiros conviveram por cerca de dois
anos com os índios.

Mantiveram contato também, com equipes de pesquisa do Departamento


Nacional de Pesquisa Mineral e da Industria e Comercio de Minérios (ICOMI) que
iniciaram pesquisas na região do Jari e Araguari antes do inicio da abertura da
rodovia Perimetral Norte.
Oficialmente, o contato ocorreu no ano de 1973, devido a invasão das terras
habitadas pelos Wajãpi, pela construção da Rodovia Perimetral Norte, desta forma,
um grupo de atração da Funai oficializou o contato dos que viviam na região do
Amapari com o objetivo de pacificá-los para facilitar a construção da estrada. A
Funai os reuniu, inicialmente, na aldeia Aramirã e posteriormente em Yymitiku, em
postos criados para dar assistência aos grupos contatados.
Quando a Funai se mobilizou para chegar ao Amapari, os garimpeiros
estavam saindo da região onde estavam instalados, perto das aldeias da
região de Karavõvõ. Uma epidemia de sarampo havia matado cerca de 50
indivíduos, sobretudo os mais idosos e muitas crianças. Em outra parcela
da área, no igarapé Visagem - ou Ari - encontros com garimpeiros e suas
doenças haviam praticamente eliminado o grupo local que ali vivia.[...] O
107

primeiro censo feito pelo sertanista Fiorello Parise contou 151 Wajãpi
dispersos em várias partes da área. (GALLOIS, 2011, p. 32).

Após o contato, os indígenas foram incluídos na politica assimilacionista do


governo, com a presença, nas aldeias, de várias instituições, entre elas a escola,
para atingir tais objetivos. Os Wajãpi foram concentrados pela FUNAI, em cinco
aldeias: Mariry, Aramirã, Ytu-açu, Araçá/Taitetua/Uruary, Capoeira/Pupuindy nas
proximidades dos postos da FUNAI e das bases da Missão Novas Tribos do Brasil,
que já atuava desde 1953 em terras brasileiras. Paulatinamente tais aldeias
passaram a contar com postos de saúde e escolas. Com o aldeamento, os grupos
familiares deixaram a mobilidade tradicional e passaram por um longo período de
sedentarização. Fato que ocasionou a ocupação de parte de seu território por
garimpeiros, gateiros e mateiros, as invasões aumentaram incessantemente até o
final de 1980.
Gallois (2011) declara que a saída dos Wajãpi dos postos de assistência,
ocorreu devido a invasão de suas terras, e a inercia da Funai em expulsar os
invasores, motivo que os levou a retornar para suas área de ocupação e, na década
de 1980, começaram a expulsá-los. No inicio dos anos 90, todos foram expulso e
retomado o domínio dos espaços invadidos.
A luta dos Wajãpi pelo reconhecimento oficial das suas terras durou mais de
vinte anos, as primeiras propostas de demarcação foram idealizadas na década de
1970 passando por avanços e recuos, motivados por impasses políticos para sua
demarcação, dentre as razões estão às riquezas minerais do seu subsolo. Já na
década de 90, os Wajãpi retornam a lógica de dispersão de ocupação, espalhando-
se em pequenos grupos por todo o território, movidos pelo início do processo de
demarcação de suas terras.
A Terra Indígena Wajãpi (TIW) foi homologada em 1996, a demarcação foi
realizada no período de 1994 a 1996, com participação ativa dos Wajãpi,
coordenada pela Funai, com a contribuição da Agência de Cooperação Alemã (GTZ)
e do Centro de Trabalho Idigenista (CTI). Os Wajãpi tiveram uma participação ativa
no processo de demarcação, para isso foi elaborado o Projeto Demarcação Wajãpi /
PDW, no qual a atuação dos índios foi fundamental, a partir das suas experiências e
conhecimento da área que os habilitou a assumirem, em moldes próprios, a direção
dos trabalhos, como afirma Gallois (2011, p. 48) por meio do relato escrito dos
professores wajãpi em formação:
108

Na nossa Área Indígena tem mais 450 pessoas Wajãpi morando. Estamos
querendo demarcar a nossa área, por causa de madeireiros, fazendeiros,
garimpeiros e de outras pessoas que querem invadir as nossas terras.
Queremos a demarcação de nossa Área para preservar florestas, para
preservar os animais, para preservar os Wajãpi. Queremos a colaboração
de algumas autoridades de cada País e de cada Estado. Queremos
recursos para a demarcação. Queremos dinheiro para comprar munições:
para matar a caça e comer durante a demarcação. Nós não usamos mais
nossas armas. Nós Wajãpi usamos só armas dos brancos porque os
próprios brancos é que deram as armas deles para nós. Queremos dinheiro
para pagar os operadores de motosserra. Os Wajãpi não sabem operar
motosserra. Por isso nós Wajãpi vamos pegar três operadores de
motosserra para derrubar as árvores enormes. Queremos dinheiro para
comprar ferramentas, que são: machados, terçados, limas. Quem está
demarcando a área somos nós mesmos, os Wajãpi.

Desta forma, fica evidente que os Wajãpi ficaram encarregados de conduzir o


processo de demarcação de suas terras, desde o planejamento até a execução de
todas as etapas.
Mapa 02 – Mapa da Terra Indígena Wajãpi.

Fonte: Plano de Ação Wajãpi, 2012.

A demarcação da Terra Indígena Wajãpi (TIW) foi homologada em 1996, com


uma extensão territorial de 6.070,17 km², ou seja, 607.017,24 ha. Abrange os
municípios de Laranjal do Jari e Pedra Branca do Amapari, no Estado do Amapá.
109

Estende-se entre as bacias dos rios Jari, Amapari e Oiapoque. Integra as Montanhas
do Tumucumaque, com floresta tropical densa e relevo acidentado.
De acordo com censo realizado pela Funai em 2014 a população indígena
soma, aproximadamente, 1.400 (mil e quatrocentas) pessoas que vivem na TIW,
distribuídas em 98 aldeias dispersas por todo o território. A mobilidade das aldeias,
ocorre para garantia de subsistência, ocupação e vigilância de toda a área
demarcada, bem como, possibilitar a recuperação ambiental das terras ocupadas,
haja vista que, as famílias sobrevivem da agricultura (plantio de maniva, cará, cana
de açúcar, banana, batata doce, milho, mamão, macaxeira, pimenta, jerimum , caju
que são plantados na roça) perto das casas planta-se pés de cuia, algodão,
pupunha, limão e plantas para fazer remédios); caça (cutia, paca, anta, catitu,
capivara, macaco, tatu, entre outros) pesca e coleta (de açaí, pupunha, bacaba,
taperebá, cupuí, bacuri, ingá, castanhas entre outros)24. Além das trilhas abertas no
meio da floresta pelos indígenas, o acesso às aldeias também se dá pela estrada,
rios e igarapés que cortam o território. Alguns indígenas são funcionários do governo
efetivos ou contrato administrativo atuando como professores, agentes de saúde e
agentes de saneamento, existem também os aposentados. Com o salário, fruto do
emprego, compram mercadorias e instrumentos de trabalho, principalmente no
município de Macapá.
A mobilidade dos grupos familiares pela TIW é a base da organização
sociopolítica. Com a realização do casamento, as famílias se movem de uma aldeia
para outra, desta maneira, o casamento é considerado o fator de mobilidade entre
as aldeias que são formadas por grupos de parentes. Os grupos políticos que são os
wanã, estão distribuídos pelas TIW, um indígena de um determinado wanã só pode
morar na terra de outro wanã após o casamento com uma indígena desse grupo,
pois quando um indígena casa ele vai morar com o sogro.
Os grupos familiares têm autonomia econômica e política, desta forma, o
chefe de uma aldeia não tem o poder de mandar em outras aldeias, portanto, não há
um único chefe dos Wajãpi, até porque são formados por vários grupos e cada
grupo tem seu chefe. Tal forma de organização vem se transformando, mas
mantendo a soberania das aldeias. Atualmente, os Wajãpi criaram diferentes

24
Informações obtidas por meio de conversas com professores indígenas e das observações feitas nas aldeias
no período da pesquisa.
110

maneiras de gerir suas relações com instituições governamentais e não


governamentais,
Nós sabemos que para conversar com os não-índios, principalmente com o
governo, precisamos ter representantes. Por isso nós criamos uma
organização para representar os Wajãpi na frente dos não-índios: o
Conselho das Aldeias Wajãpi - Apina. Nós sabemos que para ficar fortes na
frente dos não-índios precisamos fazer acordos entre nós primeiro. Por isso
não tem uma pessoa que manda no Apina. Só um cacique não pode falar
em nome de todos os Wajãpi. Quem decide as coisas é o conselho de todos
os chefes, que conversam entre eles. A diretoria do Apina só representa os
chefes, ela não decide nada sozinha. Todos os chefes participam do
Conselho das Aldeias. Por isso dizemos que só o Apina pode falar em nome
de todos os Wajãpi. Existe outra organização wajãpi, a Associação dos
Povos Indígenas Wajãpi do Triângulo do Amapari – APIWATA, que
representa poucas famílias e por isso não pode falar em nome de todos os
Wajãpi. Se um órgão do governo quer decidir alguma coisa com os Wajãpi,
precisa conversar com a diretoria do Apina e a diretoria vai consultar os
chefes pelo rádio. Se os caciques acharem necessário, os órgãos do
governo precisam fazer uma reunião grande com todos os caciques, para
todos decidirem juntos. (GALLOIS, 2011, p. 19).

O Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), foi criado no ano de 1994 no intuito
de contribuir nas batalhas pela demarcação da terra, o Conselho é composto por
todos os chefes das aldeias, Apina “era o nome de antigos Wajãpi, muito valentes,
que flechavam muito longe. Suas flechas eram muito bonitas e eles eram fortes. Por
isso, colocamos esse nome”25.
Em 1996 foi criada a Associação dos Povos Indígenas Wajãpi do Triângulo do
Amapari (APIWATA), também existe atualmente a Associação Wajãpi Terra,
Ambiente e Cultura (AWATAC). Essas organizações foram engendradas para ajudar
os chefes das aldeias nas decisões voltadas para os seus interesses, elas não tem
autonomia para tomar decisões isoladamente. Dentre os papeis das diretorias do
Apina, APIWATA, AWATAC está o de organizar as reuniões e coletar informações
referentes a assuntos de interesse e explicar para os outros Wajãpi. A terra é a
prioridade para este povo:
Todos os Wajãpi concordam que nossa prioridade maior é a conservação
da nossa terra, da floresta e dos recursos naturais. Para cuidar da nossa
terra, precisamos continuar fortalecendo o nosso jeito tradicional de morar,
de plantar e de fazer aldeias. Esse é o nosso jeito de fazer gestão
socioambiental da Terra Indígena Wajãpi. (PROTOCOLO DE CONSULTA E
CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 13)

Para cuidar da terra não constroem suas roças no mesmo lugar, a cada ano,
fazem roça em lugares diferentes “no primeiro ano, uma família wajãpi faz uma roça,

25
Apina. Conselho das Aldeias Wajãpi. Disponível em: http://www.apina.org.br/. Acesso: 10 de março de 2019.
111

e no ano seguinte faz outra roça perto da primeira, deixando um pouco da mata no
meio”. O cultivo das roças está associado a ocupação da TIW, porque a existência
de uma aldeia depende da produtividade da roça.
Se a terra boa acaba, aquela família vai procurar outro lugar para fazer suas
roças. Quando encontra outro lugar bom, essa família não muda para lá de
uma vez. No primeiro ano, faz só um tapiri e planta uma roça, depois volta
para sua aldeia velha. Também tem que abrir caminhos. Demora muito
tempo para criar um lugar novo para morar. (GALLOIS, 2011, p. 20).

Assim, as aldeias wajãpi nascem das roças que são feitas em outra área onde
a terra é boa para plantar. A terra onde foi feita a roça velha não será mais ocupada
durante muitos anos, período em que o solo e a floresta se recuperarão, é o manejo
dos recursos naturais, que garante a fertilidade e a abundancia da caça e da pesca.
Os Wajãpi retornam as aldeias velhas para cuidar das plantas frutíferas e para a
coleta das frutas. Plantam nas roças:
[...] vários tipos de pupunha, vários tipos de milho, vários tipos de mandioca
(42 tipos), a “mãe da mandioca”, vários tipos de banana, vários tipos de
batata doce, macaxeira, limão, vários tipos de mamão, amendoim, ware´a
(um tipo de raiz), fava, ananás, vários tipos de cará, vários tipos de jerimum,
vários tipos de cana de açúcar, vários tipos de pimenta, caju, vários tipos de
algodão, urucum, cuia, tabaco, kõnami, vários tipos de remédios, kurawa
(um tipo de fibra), flechal, (vyva) vários tipos de cabaça, gengibre, etc.
(GALLOIS, 2011, p. 22).

Os Wajãpi também retornam para as aldeias velhas em busca de atendimento


médico e para ter acesso à educação escolar. São nessas aldeias que foram
construídas os postos de saúde e as escolas que ofertam o ensino fundamental e o
médio.
Além da roça, outros elementos que geram a dispersão pela TIW são: a
escassez da caça, pesca e matérias-primas vegetais para confecção das habitações
e dos utensílios.
Também tem regiões dentro da Terra Indígena Wajãpi que deixamos
reservadas só para a caça; ninguém pode fazer roça nesses lugares, para
deixar para os animais se reproduzirem. Tem lugares menores, como por
exemplo as margens do igarapé Mariry, e tem também áreas maiores, onde
os animais nem conhecem as pessoas, como por exemplo a região de uma
serra que chamamos Wãramamopy, no sul da nossa terra. (GALLOIS,
2011, p. 23).

Um fato importante, é que a partir da década de 1970, reflexo da permanência


nos postos de assistência da Funai, vem se intensificando o consumo de produtos
112

industrializados, adquiridos por meio da venda de artesanato, produtos vegetais e


ouro aluvionar.

5.1.1 A implantação da educação escolar para os Wajãpi.


A introdução da educação escolar para os Wajãpi, ocorreu a partir do contato
oficial pela Funai, na década de 1980, com a permissão da entrada de missionários
para atuarem como educadores e a construção de escolas, para dar continuidade a
politica indigenista do governo na qual a função dessas instituições seria atuar como
aparelho ideológico do Estado, no sentido de integrar os indígenas a sociedade
brasileira, como abordamos nos capítulos anteriores.
Segundo Abram dos Santos (2011, p. 97) “no final da década de 1970, o
missionário do SIL, Arthur Jensen, já havia estado em algumas aldeias e tornara-se
mais próximo de alguns grupos locais, chegando a introduzir escolas em algumas
aldeias”. A Missão Novas Tribos do Brasil foi a instituição evangélica que atuou nas
TIW já na década de 1980 em parceria com a SIL; mas os primeiros contatos com os
Wajãpi ocorreu em 1978, inicialmente por serem impedidos pela Funai, tais
missionários se deslocaram, em 1980, para o município de Oiapoque, no intuito de
realizar seus trabalhos com os indígenas que moravam fora da área de poder da
Funai. Após a aprovação de sua entrada nas TIW, os missionários Silas e Edna
Lima deram continuidade ao trabalho que a SIL já havia iniciado.

Aproveitando o material preparado pelo casal Jensen, que tem trabalhado


com esse povo desde 1980 através da SIL, Silas começou a alfabetizar o
povo e a estudar a língua, enquanto Edna era responsável pela parte de
enfermagem. A partir de setembro de 1984 outros missionários juntaram-se
a este casal. Em março de 1996 a equipe foi afastada da aldeia por
determinação da FUNAI. A MNTB percebendo que a FUNAI não aprovaria
de imediato o seu retorno a aquela aldeia e atendendo solicitação dos
índios, construiu casas próximas da terra indígena. Dessa forma os
missionários não perderiam o contato com os índios. (MISSÃO NOVAS
TRIBOS DO BRASIL).

A partir do Decreto nº 26/91, a educação escolar indígena, em todos os níveis


e modalidade de ensino, passa a ser responsabilidade do Ministério da Educação e
Cultura em regime de colaboração com os Estados e Municípios. Mas o Estado do
Amapá assume de fato a educação escolar para os Wajãpi, por meio da Secretaria
de Educação e Cultura (SEEC), no final de 1980, quando os indígenas já estavam
aldeados nos postos da Funai.
113

Em dezembro de 1988, a Secretaria de Educação e Cultura publicou portarias


com a criação de quatro escolas: a Escola de 1º Grau Aramirã, portaria nº 1938/88,
localizada na margem direita do igarapé Onça; a Escola de 1º Grau Mariry, portaria
nº 1939/88, localizada na margem direita do rio Mariry; a Escola de 1º Grau Ytuaçu,
portaria nº 1940/88, localizada na margem esquerda do igarapé Onça e a Escola de
1º Grau Taitetuá, portaria nº 1940/88, localizada na margem esquerda do igarapé
Onça. Todas as escolas foram criadas na área da reserva indígena do rio Amapari,
município de Macapá, com vistas ao atendimento da demanda escolar existente.
Em 1991 o MEC publicou a Portaria nº 559/91 que autorizou a criação dos
Núcleos de Educação Indígena (NEI) nos Estados. No Amapá, o NEI foi criado em
1990, um ano antes da publicação da Portaria do MEC.
A função primordial do NEI foi o gerenciamento e a oferta da educação
escolar nas aldeias, com a criação e manutenção das escolas, materiais didáticos,
merenda e encaminhados professores não indígenas para atuarem de 1ª a 4ª série
do ensino fundamental. No ano de 2005 foram criadas mais quatro escolas pelo
decreto 4304/2005: Escola Indígena Estadual Okora‟yry, Escola Indígena Estadual
Manilha, Escola Indígena Estadual Cinco Minutos e Escola Indígena Estadual CTA.
Os primeiros professores indígenas foram formados pelo Centro de Trabalho
Indigenista (CTI) que, a partir de 1992, inicia o curso de formação de professores
wajãpi, que passa a ser reconhecido em 1998 pelo Conselho Estadual de Educação
do Amapá. De acordo com Gallois (2001) a educação monocultural ofertada pelos
missionários e o governo, não estavam contribuindo com uma formação que
proporcionasse as ferramentas necessárias para que os Wajãpi conquistassem a
autonomia para lidar com os não índios, para eles isso seria competência da escola,
dos cursos e dos professores.
Segundo a referida autora, o descontentamento com os projetos de educação
desenvolvidos pela Missão Novas Tribos do Brasil, Funai e o SIL, levou os chefes
Wajãpi solicitarem ao CTI26 um curso voltada para a formação de professores,
[...] que pudessem, a longo prazo, assumir a preparação das crianças e
também dos adultos de suas aldeias para o controle das relações entre eles
e os diversos setores do entorno, com quem vêm se relacionando. Os
Waiãpi, que sabem estar agora em contato irreversível com o restante da
sociedade brasileira, desejavam, antes de tudo, aprender “coisas dos
brancos”. Essa necessidade crescente de informação e instrumentalização

26
Em 2002, a equipe do Programa Wajãpi saiu do CTI e, juntamente com outros profissionais, fundaram o
Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé).
114

não era atendida pelo modelo convencional da escola formal, pouco


adequado a este interesse. (GALLOIS, 2001, p.26).

O curso Magistério indígena que iniciou em 1992 foi concluído treze anos
após, em 2005, com a formação de 10 alunos, professores da etnia Wajãpi. No ano
de 2006, foi criado o cargo de provimento efetivo de Professor de Ensino Indígena,
no quadro de pessoal civil do Estado do Amapá, por meio da Lei nº. 0984/GEA, de
19 de abril. No mesmo ano, foi realizado o primeiro concurso público para professor
indígena da rede estadual de ensino, no qual foram aprovados os dez professores
formados pelo referido curso que passaram a integrar o quadro de docentes das
escolas estaduais indígenas Wajãpi, atuando nos anos iniciais do ensino
fundamental. Do grupo dos dez professores, cinco já concluíram a Licenciatura
Intercultural Indígena oferecida pela Universidade Federal do Amapá e um está em
processo de formação.
No art. 4º, a lei nº. 0984/GEA define os requisitos para o exercício do cargo
efetivo de Professor Indígena:

I- ser indígena, falante da língua materna da comunidade e do português e,


nos casos excepcionais das etnias Palikur, Wayana e Kaxuyana, os
professores poderão falar a língua adotada (parcial ou totalmente) pela
referida etnia; II- deter os documentos sócio-culturais das estruturas sociais
e religiosas de sua etnia; III- possuir curso de formação de Professor índio e
os conhecimentos necessários ao desempenho do cargo; IV- pertencer à
etnia da aldeia onde deverá exercer as suas atividades; V - ter
conhecimento do processo de produção e dos processos próprios
econômicos da comunidade e dos métodos de ensino-aprendizagem.
(AMAPÁ, 2006, p. 1).

Legalmente a educação escolar indígena deverá ser bilíngue/multilíngue, os


indígenas deverão ser alfabetizados em sua língua materna, tendo a Língua
Portuguesa como segunda língua. No mesmo artigo da referida lei, consta que na
comunidade onde o português é utilizado como a primeira língua, deverá o professor
indígena ensinar a língua própria da etnia, como segunda língua. A Resolução nº
1/2015 do Conselho Nacional de Educação (CNE) que institui as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas indica como
princípios da formação de professores a valorização das línguas entendidas como
expressão, comunicação e análise da experiência sociocomunitária. Fica evidente
que a língua materna precisa fazer parte do currículo escolar, pois está
profundamente vinculada com a expressão da cultura.
115

Ainda no tocante a formação de professores indígenas, no ano de 2014, a


Secretaria de Estado da Educação iniciou o Programa de Formação de Professores
Indígenas Turé – Subprograma Wajãpi, com o objetivo de habilitar alunos indígenas
wajãpi com Formação em Nível Médio Normal para atuar como professores na
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, bem como, pesquisadores e
agentes no processo de elaboração do projeto político pedagógico, em conjunto com
a comunidade, atendendo suas expectativas em relação à educação escolar,
organizando propostas curriculares e calendários diferenciados e específicos. Os
recursos financeiros foram do Plano de Ações Articuladas (PAR) oriundos do
Governo Federal. O curso, inicialmente, ficou sobre a responsabilidade da empresa
K e M LTDA, que venceu a licitação e assumiu a responsabilidade pela oferta com
recursos humanos, logísticos e materiais didáticos.
A matriz curricular do Programa de Formação de Professores Indígenas Turé
– Subprograma Wajãpi, é composta de 10 (dez) módulos com suas respectivas
cargas horárias; a clientela é formada por 60 alunos, destes, a grande maioria já
atua como professor nos anos iniciais do ensino fundamental, por isso os módulos
são desenvolvidos no período de férias dos alunos/professores. A empresa K e M
LTDA, trabalhou apenas dois módulos no ano de 2014 e, por problemas de
prestação de contas, encerrou suas atividades. Os recursos financeiros federais
foram bloqueados e o referido curso foi paralisado.
Este fato ocasionou nas lideranças e comunidades indígenas a preocupação
com a continuidade e conclusão do curso, provocando manifestações e
reivindicações nas Assembleias e Encontros Indígenas para que o NEI encontrasse
solução para a sua continuidade. Assim, o curso de formação passou a ser
conduzido por autogestão das Escolas Indígenas Wajãpi. No ano de 2015, com o
apoio do NEI, APIWATA e o suporte financeiro do Caixa Escolar da Escola Indígena
Aramirã, houve uma reorganização para dar andamento no curso e atender as
especificidades da etnia Wajãpi. Por meio de reuniões com lideranças das aldeias,
foram adequados o calendário das atividades tradicionais e sociais das
comunidades, visto que, para a realização do curso, seria necessário agrupar o
quantitativo de 60 alunos oriundos das várias aldeias que compreendem o território
Wajãpi, para fazerem o curso na escola indígena estadual Aramirã.
O curso é composto por uma carga horária total de 4.300 (quatro mil e
trezentas) horas, já foram executadas 1.525 (mil quinhentos e vinte cinco) horas;
116

faltando 2.775 (dois mil setecentos e setenta e cinco). Por falta de recursos
financeiros não tem previsão para a sua continuidade, pois não existe, por parte da
Secretaria de Educação, recurso especifico para o Programa de Formação de
Professores Indígenas Turé – Subprograma Wajãpi e, os do caixa escolar da escola
indígena Aramirã não são suficientes para manter a escola funcionando e ainda
garanti as despesas para o curso de formação de professores. Fato que contraria as
leis que regem a educação para os povos indígenas, dentre elas a Resolução nº
1/2015/CNE que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores Indígenas:
Art. 24. A formação de professores indígenas deve ser priorizada nas
políticas de Educação Escolar Indígena dos respectivos sistemas de ensino;
Art. 25. Os sistemas de ensino e suas instituições formadoras, em regime
de colaboração, devem garantir o acesso, a permanência e a conclusão
exitosa, por meio da elaboração de planos estratégicos diferenciados, para
que os professores indígenas tenham uma formação com a exigida
qualidade sociocultural. (BRASIL, 2015, p. 7).

A formação de professores indígenas não é prioridade para o sistema de


ensino estadual, assim como, não existe regime de colaboração entre o Estado e a
União para garantir a continuidade do Programa de Formação de Professores
Indígenas Turé – Subprograma Wajãpi.
Atualmente existem oito escolas indígenas estaduais criadas por meio de
portarias emitidas pela Secretaria de Estado da Educação (SEED) e vinte e sete
salas anexas 27 que funcionam na casa de cada professor indígena, tais espaços
atendem alunos dos anos iniciais do ensino fundamental. As salas anexas não são
fixas, elas acompanham a mobilidade territorial pela TIW, refletindo na forma como
os alunos frequentam a escola, ou seja, o aluno Wajãpi tem uma liberdade espacial
que faz parte da sua territorialidade e incide diretamente na organização escolar,
consequentemente, a escola (professor, servente e cozinheira), precisa ter essa
flexibilidade que deve servir de parâmetro para a SEED desenvolver qualquer ação

27
As salas anexas são extensões de uma determinada escola indígena e foram criadas para atender os alunos
que acompanham suas famílias na mudança das aldeias, desta forma as escolas acompanham o movimento das
famílias, funcionando ora em uma aldeia ora em outra. Exemplificando: temos a Escola Indígena Estadual
Mariry com 108 alunos que estão distribuídos em 7 salas anexas. Esses anexos ficam distantes uns dos outros.
O anexo mais próximo, demora 3 horas de caminhada e o mais distante 6 dias de caminhada por dentro da
mata. No total são 8 escolas polos, e em cada polo existem uma media de 3 a 7 anexos, distantes
geograficamente.
117

pedagógica ou de infraestrutura tais como: construir, reformar e equipar as escolas


Wajãpi. Abaixo apresentamos as escolas e suas as salas anexas.
Tabela 7 – Quadro das Escolas Indígenas Estaduais e suas respectivas Salas
Anexas.
Nº Escola Sala Anexa Vias de acesso
01 Manilha Jakaré Terrestre
02 Taitetuwa Tabokal, Yvyrareta, Kupa‟y, Terrestre e fluvial
Sapukaia, Aruwaity,
03 Ytuwasu Ysingu, Jakareakãgoka, terrestre e fluvial
04 Aramirã Mõgy‟yry , Parakai, piaui Terrestre
05 Cinco Kuruwaty, Boa Esperança, Maitá terrestre e fluvial
Minutos
06 CTA Tajau‟ywyry terrestre e fluvial
07 Okora‟yry Mukuru, Karavovo, Tekoa, Pinoty, terrestre e fluvial
Akaju.
08 Mariry Jawarary, Boa Vista, Parisiwayry, terrestre e fluvial
Karapijuty, Tapi‟ikgwerary,Yvytõtõ,
Vyvaty
Fonte: Núcleo de Educação Indígena/SEED. 2019.

As oito escolas atenderam, de acordo com o censo escolar de 2018, 704


alunos, sendo 610 do ensino Fundamental e 94 no ensino Médio. Os alunos dos
anos iniciais do ensino fundamental estudam com professores Wajãpi e são
contemplados por uma estrutura pedagógica própria chamada Proposta Curricular
das Escolas Wajãpi (PROCEW). Já os alunos do 6º ao 9º ano e o Ensino Médio são
atendidos pelo Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena (SOMEI), que
tem um quadro docente formado por indígenas e não indígenas.
Tabela 8 – Tabela das Escolas Indígenas Wajãpi com números de alunos e
condições físicas do prédio.

Nº ESCOLAS Nº ALUNOS Nº PROFº SITUAÇÃO FISICA


01 Aramirã 309 13 Reforma e ampliação
02 Ytuwasu 44 3 Reforma e ampliação
03 Taitetuwa 93 7 Reforma e ampliação
04 Mariry 135 7 Reforma e ampliação
05 Manilha 28 3 Reforma e ampliação
06 Okora‟yry 45 6 Construção
07 Cinco minutos 21 3 Construção
08 C.T.A 29 3 Reforma e ampliação
Total 08 704 45 08
Fonte: Núcleo de Educação Indígena/SEED. 2019.
118

Todas as escolas estão localizadas na TIW com estrutura predial diferente, tem
as de prédios mistos (alvenaria e madeira) e as de somente madeira. E também, há
escolas que não têm prédio físico, funcionam na casa do professor indígena. Não
são equipadas com fornecimento de energia elétrica e nem com água potável,
requisitos básicos para o funcionamento “legal” de uma escola estadual. Quanto a
estrutura física, a escola CTA foi construída em 2006 e não passou por nenhuma
reforma. Entre construções, reformas e ampliações das escolas TIW, as prioridades
são as construções das escolas: Yvyrareta, Okora‟yry e Cinco Minutos que não
estão em condições de funcionamento, segundo o relatório elaborado pelos
professores do SOMEI.
Quanto ao quadro de pessoal, as escolas contam com 7 diretores indígenas e
01 não indígena; 36 professores indígenas e 11 não indígenas; 9 serventes e 20
merendeiras todos indígenas. Nas salas anexas onde não tem merendeiras são as
esposas dos professores que fazem a merenda. Os serventes trabalham somente
nas oito escolas que possuem prédio próprio.
Ao longo da formação da primeira turma de professores, foi elaborada a
proposta curricular das escolas wajãpi (PROCEW).
A elaboração dessa proposta envolve a discriminação do tempo escolar; a
seleção de espaços escolares; a seleção dos conteúdos a serem
ensinados; o encaixe desses conteúdos em disciplinas a serem nomeadas;
a transformação desses conteúdos em conteúdos escolares; a elaboração
de materiais didáticos para apoiar o ensino desses conteúdos. O tempo
escolar é definido levando-se em conta três recortes distintos: tempo
escolar na vida do aluno (quanto tempo um indivíduo wajãpi frequentará a
escola), tempo escolar do ano letivo (qual a carga horária de um ano letivo
wajãpi visto que a escola não deve comprimir o tempo destinado
tradicionalmente a tarefas não escolares) e tempo escolar enquanto carga
horária disciplinar (quanto de tempo é necessário para ensinar cada uma
das disciplinas). O espaço escolar normalmente é uma escola com
arquitetura próxima às construções wajãpi ou a própria casa do professor.
(ABRAM DOS SANTOS, 2011, p. 114).

A PROCEW, produzida pelos professores Wajãpi, contempla somente o


primeiro ciclo do ensino fundamental (1º ao 6º ano) e tem a duração de 6 anos, está
organizado em 12 etapas, sendo cada uma composta por 75 dias letivos. A duração
de cada etapa é de 5 e no máximo 6 meses.
Pela PROCEW, os alunos começam a frequentar a escola a partir dos seis
anos de idade. A matriz curricular é composta pelas disciplinas: Jane Ayvu (Língua
Wajãpi), Karai Ayvu (Língua Portuguesa), Tekore Jimo'ea (Estudos Sociais), Arã
porã rẽ Jimo'ea (Ciências Naturais), Artes e Matemática. As disciplinas são
119

distribuídas por etapas. Nas três primeiras, os alunos estudam apenas Língua
Wajãpi, Artes e Matemática. A partir da quarta etapa, é acrescentada a disciplina
Língua Portuguesa. A partir da sexta etapa, estudam todas as seis disciplinas.
Em relação ao calendário escolar:
O calendário das escolas wajãpi é diferenciado e dá grande liberdade para
o professor combinar os períodos de aula com sua comunidade. A escola
wajãpi não segue a semana do calendário civil brasileiro, mas sim as
necessidades de trabalhar ou festejar de cada comunidade wajãpi, que não
têm data marcada com muita antecedência. Os alunos podem estudar aos
sábados e domingos e podem participar de uma festa ou de uma caçada
nos outros dias da semana, pois a programação das atividades de suas
comunidades não é feita de acordo com o calendário dos não-índios.
(PROCEW, 2013, p.3).

As férias escolares ocorrem de acordo com a derrubada e a colheita na roça:


um mês na época de derrubada da mata (entre julho e setembro) e um mês na
época de plantar roça (entre novembro e fevereiro). Cada comunidade define com
seus professores os meses de férias dentro desses períodos. Importante destacar
que tais períodos dependem das condições climáticas que variam anualmente, o
que inviabiliza o planejamento prévio das férias na escola.
Os professores ministram, em média, quinze aulas por mês durante cinco
meses do ano, cada aula com duração de 4 horas, o restante dos dias são
dedicados a caça, pesca, artesanato e outras atividades de subsistência. O
professor pode combinar com seus alunos e com as famílias o horário mais
conveniente para as aulas diariamente.
No que concerne as turmas, são formadas por três critérios:
o conhecimento prévio dos alunos em relação as etapas, a idade dos alunos
e a disponibilidade de professores em cada aldeia. Sempre que for possível,
os professores vão trabalhar separadamente com as crianças e com os
jovens e adultos. Sempre que for possível, também, vão formar um grupo
de alunos para cada etapa da PROCEW. Porém, como a maioria das
aldeias tem apenas um professor e poucos alunos, geralmente as turmas
são compostas por alunos em etapas diferentes “turmas multiseriadas”.
(PROCEW, 2013, p.4).

Na prática, as turmas são multisseriadas, composta por alunos de várias


etapas e somente um professor indígena residente na aldeia, que ministra aula na
sala anexa, que funciona na sua própria casa. Como afirmamos anteriormente,
somente 10 professores são funcionários concursados e 26 são do contrato
administrativo, sendo todos alunos do curso de formação de professores.
Os professores Wajãpi atuam nos anos iniciais do ensino fundamental. No
segundo semestre de 2010, a Secretaria de Educação implantou os anos finais do
120

ensino fundamental no Território Wajãpi por meio do Sistema de Organização


Modular Indígena (SOMEI), composto por 11 professores, sendo 2 indígenas e 8
não indígenas. A SEED realizou processo seletivo para contratação de professores
e posterior formação continuada para trabalhar no SOMEI/Wajãpi. Os requisitos
definidos para a contratação foram:
Ser funcionário público do quadro permanente. Comprovar conclusão do
curso de licenciatura plena, na área que vai trabalhar, exceto para os
professores indígenas que irão trabalhar as disciplinas: Cultura indígena,
Língua materna, quando for o caso, os últimos com formação mínima do
Curso Médio Normal, até que se disponha de professores índios habilitados
para o exercício da função. Comprovar a participação em curso de
formação continuada voltada na área da Educação Escolar Indígena, com
carga horária mínima de 80 horas. (SEED, 2010, p. 10).

Os critérios estabelecidos visaram a contratação de professores efetivos do


Estado, com objetivo de permanecer por um longo período no SOMEI, assim como
experiência com a educação escolar indígena. O segundo segmento do ensino
fundamental foi ofertado na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA),
organizado em etapas, 3ª etapa (6º e 7º ano) e 4ª etapa (8º e 9º ano) nas escolas
polos, de acordo com a tabela abaixo:
Tabela 9 – Tabela das Escolas Polos do SOMEI/WAJÃPI
Polo Nome das escolas Nome das Aldeias

I E.I.E. Aramirã Aldeia Aramirã

II E.I.E.Mariry Aldeia Mariry

III E.I.E. Manilha Aldeia Manilha

IIII E.I.E. Ytuwasu Aldeia Ytwuasu

V E.I.E. Taitetuwa Aldeia Taitetuwa

VI E.I.E. C.T.A Aldeia C.T.A

VII E.I.E Taitetuwa Aldeia Ytape

Fonte: Núcleo de Educação Indígena/SEED. 2019.

O SOMEI/WAJÃPI está organizado em doze módulos, com a duração de dois


anos para a conclusão do ensino fundamental. A previsão é que sejam ofertados
seis módulos por ano. As aulas são ministradas de segunda a sábado em dois
turnos, manhã e tarde, durante 31 dias letivos que corresponde a um módulo. Após
121

a conclusão do módulo, existe um recesso de 20 a 30 dias para que os alunos


indígenas, que são adultos, desenvolvam as atividades tradicionais próprias do
povo Wajãpi, como plantio de roças, caça, pesca entre outras para subsistência.
No projeto de implantação do SOMEI/WAJÃPI (2010, p. 15), consta que, a
cada conclusão dos módulos, “os professores indígenas e não indígenas, equipe
gestora e pedagogos ao retornarem para Macapá, terão um período para relato de
experiências e formação continuada com a unidade pedagógica, linguística e
antropológica do NEI.” Fato que, de acordo com o relato dos professores
entrevistados, não acontece por vários motivos, dentre os quais: espaço físico para
reunir todos os docentes, pois existe apenas uma sala para atender os alunos,
professores e comunidade indígena das áreas de Oiapoque, Pedra Branca do
Amapari e Parque do Tumucumaque; a sobrecarga de atividades nas quais as
unidades estão envolvidas; o conhecimento especifico dos aspectos sociais,
culturais, econômicos e políticos do povo Wajãpi entre outros. As reuniões e
formações acontecem mediadas pelo diretor da escola indígena Aramirã que é o
coordenador do SOMEI/WAJÃPI. Em 2018 foi destacado um pedagogo para
acompanhar e assessorar os professores nas Escolas Polos.
A matriz curricular em vigor até o no de 2014 era composta pela Base
Nacional Comum e a Parte Diversificada. A Base Nacional Comum era formada por
três áreas do conhecimento: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Enquanto que a Parte Diversificada, era formada pelas disciplinas Língua
Estrangeira, Cultura Indígena e Projetos.
Tabela 10 – Matriz Curricular do Ensino Fundamental do SOMEI na Modalidade de
Educação de Jovens e Adultos em vigor até 2014.
Base Nacional Comum- LDB

AREAS COMPONENTES AULAS C.H ANUAL TOTAL


SEMANAIS
9394/96

3ª Et. 4ª Et. 3ª Et. 4ª Et.


Códigos e

Tecnologi
Linguage

Língua Portuguesa 44 44 185 185 370


suas
ns

as

Artes 18 18 74 74 148
122

Língua Materna 40 30 160 120 280

Educação Física 18 18 74 74 148


matemáticas e
37 37 148 148 286
Ciências da

tecnologias Matemática
Natureza

suas

28 28 111 111 222


Ciências

28 28 111 111 222


tecnologias
humanas e

História
Ciências

suas

18 18 74 74 148
Geografia

Língua Estrangeira 18 18 74 74 148


Diversificada
Parte

Cultura Indígena 20 20 80 80 160

18 18 74 74 148
Disciplina/Projeto*

TOTAL GERAL DE AULAS 1011 971 1982

Fonte: Projeto de Organização Modular de Ensino Indígena Wajãpi. 2010.

A disciplina Projetos aborda os temas transversais, de acordo com a lei


9394/96, e deverá ser trabalhada por um pedagogo, que juntamente com equipe
pedagógica e administrativa do SOMEI/WAJÃPI planejará as atividades de acordo
com a temática em evidencia.
No ano de 2015, o ensino fundamental deixou de ser ofertado na modalidade
EJA e passou a ser regular, com uma nova matriz curricular. Atualmente são
atendidos 144 alunos de acordo com o Censo Escolar de 2018.
Tabela 11 – Matriz Curricular do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental do
SOMEI em vigor a partir de 2015.
DIAS LETIVOS ANUAIS 200 MÓDULO AULA 50H

DIAS LETIVOS SEMANAIS 06 6º E 7º ANOS 933H


HORAS ANUAIS
SEMANAS LETIVAS 40 8º E 9º ANOS 933H

C.H.
ONAL
BASE

9.394
UM –
NACI

COM

DISCIPLINAS C.H. ANUAL TOTAL


LDB

/96

SEMANAL/SÉRIE
123

6º 7º 8º 9º 6º 7º 8º 9º

LÍNGUA PORTUGUESA 20 20 25 25 160 160 200 200 720

ARTES 10 10 10 10 80 80 80 80 320

EDUCAÇÃO FÍSICA 10 10 10 10 80 80 80 80 320

TOTAL 1360

MATEMÁTICA 20 20 20 20 160 160 160 160 640

CIÊNCIAS 15 15 15 15 120 120 120 120 480

TOTAL 1120

HISTÓRIA 10 15 15 15 80 120 120 120 440

GEOGRAFIA 15 10 15 15 120 80 120 120 440

EDUCAÇÃO
10 10 - - 80 80 - - 160
RELIGIOSA(*)

TOTAL 1040

LÍNGUA ESTRANGEIRA
10 10 10 10 80 80 80 80 320
PARTE DIVERSIFICADA

(**)

CULTURA INDÍGENA 10 10 10 10 80 80 80 80 320

LÍNGUA MATERNA 10 10 10 10 80 80 80 80 320

TOTAL 960

TOTAL GERAL 28 28 28 28 1120 1120 1120 1120 4.480

Fonte: Núcleo de Educação Indígena/SEED, 2019.

Nesta nova matriz curricular, saiu a disciplina Projetos e a disciplina Língua


Materna migrou da Base Nacional Comum e foi para a Parte Diversificada do
currículo, no caso, a língua Wajãpi do tronco linguístico Tupi Guarani, o professor da
referida disciplina é Wajãpi com formação em Licenciatura Intercultural na área de
Humanas promovido pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).
Em relação a avaliação da aprendizagem, no Projeto do SOMEI/WAJÃPI
(2010, p.16) consta que “A Sistemática de Avaliação, Recuperação e Progressão
Parcial a serem adotados será a padronizada da SEED, até a elaboração de uma
especifica para a Educação Escolar Indígena.” Até o presente ano, não foi elaborada
uma Sistemática de avaliação especifica e diferenciada para as escolas indígenas.
124

O Regimento Escolar também segue o mesmo padrão da SEED elaborado para as


escolas não indígenas. Ressaltamos que, as escolas tem autonomia legal para
elaborar sua sistemática de avaliação, assim como, o regimento escolar.
Em 2015 foi implantado o ensino médio na modalidade de educação de
jovens e adultos (EJA), com a duração de 2 anos, ofertado pelo SOMEIWAJÃPI.
Atualmente são atendidos 93 alunos nos mesmos polos onde funciona o ensino
fundamental.
No término de cada ano letivo, os professores do SOMEI/WAJÃPI elaboram
um relatório de avaliação das atividades desenvolvidas e das condições de trabalho
nas escolas indígenas. Elencamos alguns pontos comuns (que se repetem) que
aparecem nos relatórios nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018: 1) A logística
disponível pela SEED está fora da realidade da área Indígena Wajãpi, o combustível
e o transporte terrestre (carro) não tem uma regularidade para garantir a entrada e
saída dos professores e demais profissionais da educação no período fixado com a
comunidade; 2) Nenhuma Escola Estadual Wajãpi dispõem de transporte fluvial,
apesar de ter escolas que estão situadas às margens dos rios e o único acesso é via
fluvial; 3) Falta de sala de aula, quadros, cadeiras e alojamento adequado aos
profissionais da educação; 4) As escolas Wajãpi não dispõem de: sistema de água
tratada, energia elétrica, biblioteca e equipamentos para conservação de alimentos
(freezer); 5) O quadro de professores do SOMEI é insuficiente para atender toda a
clientela de alunos. Os pontos destacados constam nos relatórios como aspectos
negativos, que precisam ser resolvidos com a máxima urgência pela Secretaria de
Educação.
Em relação ao transporte para o deslocamento dos professores até as
escolas indígenas, a Secretaria de Educação fornece apenas o combustível, e as
comunidades indígenas entram com o transporte fluvial (motor de popa e voadeira)
para que seus filhos possam estudar, portanto, o deslocamento fica na dependência
da liberação do combustível que dificilmente obedece o cronograma de entrada e
saída dos professores, o que ocasiona o atraso das aulas e aumenta o tempo para a
conclusão do ensino fundamental. Em muitos casos, os professores conseguem
chegar até as escolas por meio de caronas ofertadas por instituições que trabalham
nas aldeias, dentre elas APIAWATA, SESAI e FUNAI. De acordo com as
reivindicações, fica evidente que as escolas indígenas, onde funciona o SOMEI, não
possuem estrutura básica necessária para o desenvolvimento do trabalho docente.
125

A seguir, discutiremos as práticas pedagógicas dos professores do


SOMEI/WAJÃPI, nessas escolas, com alunos indígenas do 6º ao 9º ano do ensino
fundamental.

5.3 Práticas Pedagógicas Interculturais dos Professores do Sistema de


Organização Modular de Ensino Indígena.
Nesta seção, os dados apresentados resultam de entrevistas e observações
das aulas dos professores não indígenas do SOMEI/WAJÃPI no decorrer do
desenvolvimento dos módulos/aula nas escolas indígenas Wajãpi, como
descrevemos na metodologia. No desenrolar da pesquisa, identificamos professores
que ainda desenvolvem práticas monoculturais, nas quais os saberes dos alunos
não são reconhecidos, pois os mesmo estão na escola para aprender com o
professor, por isso, não tem nada a ensinar, assim, quem possui o conhecimento
escolar detém o poder de ensinar para aqueles que não sabem, por meio de práticas
colonialistas que ainda estão fortemente presentes nas escolas indígenas
investigadas.
Na visão colonizadora o conhecimento escolar é imposto, o que caracteriza a
colonialidade do saber, que reduz o conhecimento e inviabiliza o advento de outras
perspectivas epistemológicas. O que predomina é o conhecimento escolar
alicerçado, como diz Santos (2011) na razão indolente que silencia e exclui diversas
formas de saber, como as dos povos indígenas. Assim, colonizam o pensamento por
meio da lógica eurocêntrica construída no processo de formação do sistema
colonial/moderno que produziu a colonização epistemológica, baseada no principio
de que as teorias dominantes, criadas nos países hegemônicos, são impostas como
universais aos países colonizados, é a geopolítica do conhecimento. (MIGNOLO,
2003).
Como o nosso objetivo geral foi analisar as práticas pedagógicas baseadas
no diálogo entre os saberes indígenas e o conhecimento escolar a partir da
perspectiva intercultural crítica, apresentamos somente as que se encaixaram nesta
concepção. No que concerne a prática pedagógica do professor, ela é permeada
pelos saberes da sua formação profissional, considerados por Tardif (2002) e
Pimenta (2007), como o complexo dos saberes apreendidos na formação
pedagógica pelo professor, seja na formação inicial ou continuada, que viabilizam o
desenvolvimento de competências para ensinar. Dentre os elementos que estão
126

presentes no fazer pedagógico do professor, investigamos a presença da


interculturalidade no planejamento da ação educativa e nas metodologias de ensino
e aprendizagem.
Ressaltamos que os professores desenvolvem suas atividades profissionais
dentro de um contexto estrutural dominante, portanto, suas práticas não são
constantemente interculturais, em determinados momentos, observamos, que muitas
carregam em si reflexos da estrutura de dominação. Mas, como afirma Collet (2003,
p. 185), é importante “documentar e avaliar como as ideias ou a retórica da
interculturalidade são traduzidas na prática, tanto nos cursos de formação de
professores como no dia-a-dia da experiência escolar indígena”. Apresentamos, a
seguir, o dia-a-dia da experiência docente nas escolas indígenas wajãpi, a partir do
planejamento da prática pedagógica e das metodologias para o desenvolvimento
desta prática.

5.3.1 O planejamento das Aulas


Segundo Libâneo (2004) no planejamento de suas aulas, o professor define
as atividades didáticas de acordo com os objetivos que pretende alcançar, e
também, os ajustes necessários no decorrer do processo para atingi-los. Assim, é
estabelecido: o que será ensinado, como ensinar e avaliar, tornando o planejamento
em um ato político, como afirma Freire (1980, p. 49) “não há educação neutra, toda
neutralidade afirmada é uma opção escondida.”
Nessa perspectiva, como não há neutralidade, o planejamento docente
poderá está voltado para a conscientização e mudança ou a manutenção das
relações de dominação política, econômica e cultural dos povos indígenas. Quando
está direcionado para a mudança, o planejamento torna-se um instrumento que
contribuirá para a formação de pessoas capazes de interferir no real para
transformá-lo. É nesse sentido que Vasconcelos (2006) o reconhece como um
instrumento teórico e metodológico para a intervenção no contexto social.
Todavia, mais do que instrumento ou ferramenta, queremos apontar para a
possibilidade de entendermos e vivenciarmos o planejamento como método
de trabalho do educador, qual seja, como postura (algo reelaborado,
interiorizado pelo sujeito), como forma de organizar a reflexão e a ação,
como estratégia global de posicionamento diante da realidade
(VASCONCELOS, 2006, p. 75).
127

Como afirma o autor, o planejamento é uma estratégia global de


posicionamento diante da realidade, tornando-se ato não só pedagógico, mas por
ser intencional, também é político, pois nele descrevemos o que pretendemos
ensinar para o alcance dos objetivos que se concretizam nas práticas elaboradas
para interferir na realidade, desta maneira, no plano construído, está explicito a
opção política do professor.
O planejamento na perspectiva intercultural crítica, parte do reconhecimento
de que os povos indígenas são sujeitos com manifestações culturais e
epistemológicas próprias e, na definição do que será ensinado, o professor precisar
dar visibilidade a essas manifestações e epistemologias, valorizando os saberes
locais, incluindo-os nas aulas por meio de ações pedagógicas planejadas que:
procura desafiar e derrubar as estruturas sociais, políticas e epistêmicas da
colonialidade – estruturas até agora permanentes – que mantêm padrões de
poder enraizados na racialização, no conhecimento eurocêntrico e na
inferiorização de alguns seres como menos humanos” (WALSH, 2002, p.
24).

A negação da inferiorização dos indígenas como menos humanos, é uma


estratégia de reação a dominação epistemológica por meio do desenvolvimento de
práticas pedagógicas e do reconhecimento, pela escola, de seus saberes oriundos
do contexto histórico, econômico, social e cultural. Isso requer, como afirmam
Santos e Meneses (2010, p. 12) "intervenções epistemológicas que denunciam a
supressão dos saberes levada a cabo, ao longo dos últimos séculos, pela norma
epistemológica dominante, e que valorizam os saberes que resistiram com êxito [...]
às condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos".
Saberes que foram historicamente suprimidos e invisibilzados ganham
visibilidade no planejamento docente e dialogam com os saberes das disciplinas do
currículo escolar, pois uma das funções da escola no contexto indígena é a
socialização do conhecimento da sociedade não indígena e, no processo
descolonização, de acordo com Walsh, Schiwy e Castro-Gómez (2002, p. 14), não
significa se “desfazer das ferramentas conceituais das ciências nem tampouco das
hermenêuticas críticas da sociedade, mas repensar sua utilidade ou seus efeitos
sobre as relações coloniais, perguntando até que ponto perpetuam a lógica vigente.”
128

O reconhecimento, no planejamento, dos saberes indígenas e os saberes


produzidos por outras culturas, em especial, os que fazem parte do currículo escolar
foi evidenciado pelos professores Língua Portuguesa, Ciências e História:

O SOMEI/WAJÃPI não tem uma proposta curricular específica para a


educação escolar indígena, nós trabalhamos com a mesma das escolas não
indígenas elaborada pela SEED. Na hora de elaborar o planejamento, tem
muitos conteúdos que não dá para trabalhar na escola indígena, por vários
fatores, tais como: o tempo que passamos na aldeia que é de no máximo 30
dias, então não dá para trabalhá-los na integra; esses conteúdos não foram
pensados para os alunos indígenas e sim para alunos no qual a Língua
Portuguesa é a primeira língua; as condições de trabalho, não temos
recursos didáticos necessários para ensiná-los. Por isso, procuro selecionar
os que realmente são importantes para cada aldeia e procuro incluí os
conhecimentos dos alunos voltados para a sua cultura, trabalho
principalmente com narrativas nas quais os alunos e seus parentes são os
autores e, a partir delas, vou introduzindo a gramática e outros conteúdos
da Língua Portuguesa. (Profª. Lídia).

No planejamento das aulas de História, seleciono os conteúdos que


considero necessário para os alunos compreenderem o mundo dos não
índios e o seu. Eu mesmo elaboro os conteúdos, não trabalho com a lista da
SEED porque não tem sentido para a realidade dos indígenas. Na minha
lista de conteúdos também está presente os relacionados a história dos
Wajãpi, contada por eles mesmos. (Prof.Roberto).

No ato de planejar o que irei trabalhar durante a semana, pego a lista dos
conteúdos que recebi do NEI, verifico o que dá pra trabalhar com os alunos
durante os dias de aula no módulo, haja vista que, tem conteúdos
totalmente fora da realidade das comunidades indígenas, então acrescento
os conteúdos voltados para a diversidade ecológica da terra indígena
Wajãpi que encontro nos livros produzidos pelos Wajãpi organizados pelo
Iepé. Também nos primeiros dias de aula, pergunto para os alunos o que
eles gostariam de aprender na nossa disciplina. (Profª. Judite).

A inexistência de uma proposta curricular a partir do 6º ano do ensino


fundamental faz com que os professores trabalhem com a elaborada pela SEED
para as escolas não indígenas. Pelos depoimentos, fica evidente que os três
professores não utilizam exclusivamente esta proposta por vários motivos “esses
conteúdos não foram pensados para os alunos indígenas e sim para alunos no qual
a Língua Portuguesa é a primeira língua”, “não tem sentido para a realidade dos
indígenas”, “tem conteúdos totalmente fora da realidade das comunidades
indígenas”, assim, fica evidente a necessidade de construção de uma proposta
curricular voltada para a realidade dos Wajãpi, e que contemple os conhecimentos
das diversas áreas que compõem a matriz curricular e os saberes indígenas,
segundo Moreira (1995, p. 10) “[...] o currículo como forma de política cultural
demanda alçar categorias sociais, culturais, políticas e econômicas à condição de
129

categorias primárias para compreensão da escolarização contemporânea e de suas


possibilidades emancipatórias”. A reivindicação de uma nova proposta se configura
como reação a imposição de modelos de educação que, historicamente vem se
perpetuando, e contrários aos interesses políticos dos povos indígenas.
A imposição do modelo de educação colonizadora visa estabelecer a
supremacia étnica e cognitiva do colonizador sobre os colonizados, por meio de um
currículo considerado “neutro”, tal neutralidade é contestada por Apple (2006, p. 59),
para o qual:
O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos [...] Ele é
sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da
visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto
de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que
organizam e desorganizam um povo.

Como parte de uma tradição seletiva, o currículo vai naturalizando as


situações de opressão e discriminação, mas também, pode contestar, desvelar e dar
visibilidade aos conhecimentos dos grupos subalternizados. Os professores, ao
incluírem os saberes indígenas no planejamento das aulas, dão visibilidade e
reconhecimento a esses saberes como parte do universo sociocultural dos
educandos e sua importância para aprendizagem significativa e contextualizada.
Nesse sentido, Sacristán (1995, p. 83) destaca a importância do currículo que
atenda aos interesses dos grupos que foram marginalizados:
[...] exige um contexto democrático de decisões sobre os conteúdos do
ensino, no qual os interesses de todos sejam representados. Mas para
torná-lo possível é necessária uma estrutura curricular diferente da
dominante e uma mentalidade diferente por parte dos professores, pais,
alunos, administradores e agentes que confeccionam os materiais
escolares.

Para romper com o paradigma da integração e assimilação, o autor propõe


uma estrutura curricular diferente da escola dominante, ancorada nos saberes e
práticas indígenas para o acesso ao conhecimento escolar, valorizando as maneiras
de conhecer, investigar e sistematizar de cada povo indígena. A professora de
Língua Portuguesa, ao incluir as narrativas no planejamento, valoriza a oralidade e a
história dos educandos, pois discorre sobre a memória tendo como base a oralidade
que é a principal forma de transmissão cultural.
É principalmente através da linguagem oral, que são expressas as
experiências diárias com a finalidade de socializar os saberes necessários a
subsistência da comunidade. Por intermédio das narrativas orais emerge a memória
130

coletiva e consequentemente a construção da memória social, resiguinificando o


tempo e as relações de pertencimento, segundo Moita Lopes (2002, p. 64) “ao
historiarmos a vida social para o outro, estamos construindo nossas identidades
sociais ao nos posicionarmos diante de nossos interlocutores e diante dos
personagens que povoam as nossas narrativas”. Desta maneira, as narrativas são
elementos que contribuem na construção de quem somos, portanto, a atitude de
ouvir ou contar historias é fundamental no nosso processo de formação indenitária,
outro ponto positivo das narrativas é que elas fazem parte da história da
humanidade, como afirma Barthes (2009, p. 19),
[...] não há, nunca houve em lugar algum povo algum sem narrativa; todas
as classes, todos os grupos humanos têm as suas narrativas, muitas vezes
essas narrativas são apreciadas em comum por homens de culturas
diferentes, até mesmo opostas: a narrativa zomba da boa e da má literatura:
internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está sempre
presente, como a vida.

No casso dos Wajãpi, as narrativas variam de comunidade para comunidade,


de wanã para wanã, a mesma história tem versões diferentes contadas pelos mais
velhos nas aldeias, como afirma o autor, tem algumas que são apreciadas em
comum e outras que são opostas, mas sempre estão presentes no universo cultural
dos diversos povos.
O professor de História, também inclui no planejamento a história de luta dos
Wajãpi para continuar existindo enquanto etnia, “seleciono os conteúdos que
considero necessário para os alunos compreenderem o mundo dos não índios e o
seu”. Temas importantes como: o desenvolvimento econômico, agronegócio,
construção de hidrelétricas e outros projetos do mundo dos não índios, que tem
ameaçado os seus direitos, estão presentes no planejamento do professor “os
alunos precisam entender como funciona a sociedade capitalista, para poder
elaborar estratégias de resistência aos projetos que vem de encontro a sua
existência”. (Profº. Roberto).
Um exemplo dado pelo citado professor, de inclusão de conteúdo no
planejamento foi quando aconteceu o rompimento da barragem de Brumadinho no
estado de Minas Gerais, em que alguns alunos ficaram preocupados com a
possibilidade de que isso possa vir acontecer nas terras indígenas espalhadas pelo
Brasil, então, disse o referido professor: “inclui no planejamento a Convenção 169
sobre povos indígenas e tribais da Organização Internacional do Trabalho que foi
131

normatizado no nosso país pelo Decreto Presidencial nº 5051 no ano de 2004.” Vale
ressaltar que, neste documento, todos os projetos que envolvem os povos indígenas
devem passar pelo protocolo de consulta para o seu consentimento.
Os Wajãpi, desde 2014, possuem um protocolo de Consulta e Consentimento,
nele, consta os procedimentos que os governos federal, municipal e estadual
precisam seguir para o desenvolvimento de projetos, dentro ou fora da Terra
Indígena Wajãpi que possam ferir seus direitos. Segundo o documento, o momento
certo para consultá-los deve ser antes da definição do que se pretende fazer.
Nós queremos escolher nossas prioridades e participar da elaboração dos
planos de trabalho do governo antes que as decisões fiquem prontas. A
consulta tem que ser feita quando a decisão de fazer um projeto ainda pode
ser mudada. O governo não pode vir com um projeto já decidido e depois
querer consultar os Wajãpi. (PROTOCOLO DE CONSULTA E
CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 17).

Portanto, o tema é de fundamental importância para ser discutido com os


alunos, pois se trata de conhecimentos relacionados aos seus direitos de participar
das decisões que podem impactar na qualidade de vida e na subsistência do seu
povo. O planejamento, nesta ótica, está voltado para a realidade social e politica dos
educandos, abordando temas que são relevantes e que precisam ser
problematizados pela escola indígena, nesse sentido que Freire nos diz que “é
preciso fazer desta conscientização o primeiro objetivo de toda a educação: antes de
tudo provocar uma atitude crítica, de reflexão, que comprometa a ação”. (1980, p.
90). Para o professor de História “Os Wajãpi, por meio de suas organizações (Apina,
Apiwata e Awatac) participam ativamente das lutas pela efetivação dos direitos
indígenas, e a escola precisa contribuir para a formação desses sujeitos.”
Nesta mesma perspectiva, caminha a professora de Ciências, ao ser
questionada sobre como seleciona os conteúdos da sua disciplina “tem conteúdos
totalmente fora da realidade das comunidades indígenas, então acrescento os
conteúdos voltados para a diversidade ecológica da terra indígena Wajãpi”. Santos
(2010) destaca que os indígenas desenvolveram conhecimentos de preservação da
natureza, que possibilitaram a manutenção da fauna e da flora e foram transmitidos
de geração a geração por meio da oralidade “e não deverá espantar-nos a riqueza
dos conhecimentos que conseguiram preservar modos de vida, universos simbólicos
e informações vitais para a sobrevivência em ambientes hostis com base
exclusivamente na tradição oral” (SANTOS, 2010, p. 58). A professora usa como
132

referencia para planejar suas aulas o Referencial Curricular para as Escolas


Indígenas (RECENEI), no qual o,
O estudo das ciências nas escolas indígenas justifica-se pela necessidade
que essas sociedades têm de compreender a lógica, os conceitos e os
princípios da ciência ocidental, para poderem dialogar em melhores
condições com a sociedade nacional e, ao mesmo tempo, apropriarem-se
dos instrumentos e recursos tecnológicos ocidentais importantes para a
garantia de sua sobrevivência física e cultural. (BRASIL, 1998, p.254).

Nesse entendimento, a disciplina ciências visa fornecer subsídios para a


compreensão das transformações do mundo por meio da lógica, dos conceitos e dos
princípios da ciência ocidental. A partir desta compreensão, a professora procura
estabelecer diálogo com os saberes dos indígenas Wajãpi.
Os Wajãpi construíram um plano de gestão socioambiental, publicado em
2017, nele, constam os motivos que os levaram a elaboração do documento:
[...] para valorizar os nossos jeitos de viver, nossos jeitos de ocupar a terra,
de mudar de aldeias, de fazer festas, de fazer casamentos, de criar os filhos
e de pintar nosso corpo. Por isso demos esse título para nosso Plano:
Como estamos organizados para continuar vivendo bem na nossa
terra. Cuidar da nossa terra, para nosso povo, não é separado de cuidar da
nossa saúde, da nossa educação e dos nossos conhecimentos. Nós
fizemos acordos entre nós para cuidar da nossa terra. Esses acordos são
jeitos de organizar as aldeias para vivermos bem, como, por exemplo, a
reserva de algumas áreas para a conservação de caças e peixes, o
fortalecimento dos fundos de vigilância que criamos para continuarmos a
fazer a limpeza das picadas de demarcação da Terra Indígena Wajãpi, ou a
criação de fundos de ocupação, para ajudar as famílias que moram nos
limites da nossa terra. Mas esses acordos não funcionam sozinhos - eles
têm que andar junto com os trabalhos para fortalecer a nossa saúde e
educação, nossas narrativas e conhecimentos. (PLANO DE GESTÃO
SOCIOAMBIENTAL, 2017, p. 13).

Neste documento, consta a maneira como este povo se relaciona com a


natureza para dela tirar o sustento de suas famílias. Assim como, os direcionados ao
manejo da terra para fazer as roças, as práticas de caça e pesca apreendidas de
seus antepassados, o conhecimento referente as plantas e sua utilidade na
alimentação e na cura das doenças, entre outros que, segundo a professora, fazem
parte dos conteúdos de Ciências.
Assim, no planejamento de suas aulas, o professor seleciona o que será
trabalhado, nesta seleção, define o que os alunos devem saber, qual conhecimento
é considerado importante ou válido. Nesse sentido, o currículo é sempre resultado
de uma seleção, de uma gama de conhecimentos e saberes, seleciona-se aquela
parte que vai constituir, precisamente, o currículo (SILVA, 2009).
133

Nessa seleção, privilegiam-se determinados conteúdos e se excluem outros. Nas


práticas interculturais, os professores, ao escolherem os conteúdos, priorizam também os
saberes indígenas oriundos do universo sociocultural da comunidade na qual a escola está
inserida, fortalecendo as identidades dos educandos. Ao agir desta maneira, o professor
rompe com a diferença colonial e faz emergir a gnose liminar ao criar espaço, na sua prática
pedagógica, para a razão subalterna dialogar com a hegemônica, sem hierarquia.

5.3.2 As Metodologias
No planejamento o professor seleciona as metodologias para o alcance dos
objetivos propostos para aprendizagem dos educandos que consiste nos métodos,
procedimentos e técnicas de ensino que irão se materializar nas práticas
pedagógicas. Nesta escolha, está explicita a concepção pedagógica docente, que
poderá estar alicerçada numa visão bancária, baseada na reprodução do
conhecimento, na qual a relação professor e aluno é verticalizada, quem sabe é o
professor e o aluno está na escola para se apropriar deste conhecimento, não tendo
nada a ensinar, apenas a aprender.
O diálogo ocorre de maneira vertical e autoritária, porque “o educador é o que
diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que
disciplina; os educandos, os disciplinados” (FREIRE, 2009, p. 68). Nesta
perspectiva, o conhecimento é apresentado como verdade absoluta, inquestionável
e a sociedade é idealizada como imutável e estática, assim, a educação tem como
finalidade de educar o indivíduo para que aceite passivamente a sua condição de
oprimido.
Metodologias baseadas na concepção bancária de educação, são
opressoras, não objetivam a conscientização, mas sim a alienação, com práticas
onde prevalecem o autoritarismo, na qual os educandos são instruídos sobre o que
e o como fazer, desta forma, o ensino “é puro treino, é pura transferência de
conteúdo, é quase adestramento, é puro exercício de adaptação ao mundo”
(FREIRE, 2000, p. 101). São práticas pedagógicas colonizadoras, herança dos
nossos primeiros professores, os padres Jesuítas, caracterizada pela violência física
e simbólica, repetição e memorização sem criticidade, com o objetivo de adaptar os
indígenas ao mundo do colonizador. Nessa ótica, as metodologias estão voltadas
para a reprodução dos valores da cultura eurocêntrica como única e universal, o
134

educando é ensinado a reproduzir, não pensar de forma crítica, apenas se adaptar


aos padrões estabelecidos pela cultura dominante. Assim, não ocorre o diálogo:
[...] entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se
acham negados deste direito. É preciso, primeiro, que os que assim se
encontram negados no direito primordial de dizer a palavra reconquistem
esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue. (FREIRE,
2014, p. 81).

As concepções pedagógicas que balizam as práticas docentes também


podem estar embasadas numa perspectiva dialógica, na qual as metodologias
possibilitam o diálogo entre o educador e os educandos a partir do contexto
sociocultural onde eles vivem. O educador não só ensina como também aprende
com os educandos. As metodologias estão voltadas para despertar a curiosidade
dos alunos, baseado na sua leitura de mundo, de onde emerge as dúvidas e
sugestões que trazem de sua aldeia, da sua etnia, das relações que estabelece com
outros povos. Nesse prisma, o homem se faz histórico quando dialoga com outro
homem e com o mundo, sobre seus problemas e seus desafios. (FREIRE, 2009).
Os problemas e desafios adentram o currículo escolar e são mediatizados por
meio de metodologias participativas, na qual os alunos são sujeitos ativos no
processo de busca das respostas. O professor, em constante diálogo com os alunos,
problematiza a realidade, numa relação dialógico-dialética onde ambos aprendem
juntos. (FREIRE, 2004).
Nesta perspectiva, relatamos as práticas pedagógicas que consideramos
interculturais numa vertente crítica e descolonizadora, para Santos (2010), as ações
descolonizadoras estão fundamentadas nas práticas e discursos que objetivam
mostrar as visões do colonizado sobre as narrativas escritas pelo colonizador, desta
maneira, essas narrativas são paulatinamente desconstruídas pelos colonizados. O
processo de desconstrução dar-se-ia pela sociologia das ausências, por meio da
qual tornamos presente o que está ausente. Na pesquisa de campo, observamos
algumas práticas, nas quais, por meio de metodologias dialógicas, educador e
educandos problematizaram o contexto no qual vivem.
Iniciamos com a narrativa de uma atividade desenvolvida pelos professores
de História e Língua Portuguesa para alunos do 6º ano do ensino fundamental, que
consistiu em trazer, para dentro da escola, o narrador das histórias tradicionais da
135

Aldeia Ytuwasu 28 , para dialogar com os professores e os vinte e um educandos


indígenas.
Como já abordamos anteriormente, o povo Wajãpi é composto por grupos
chamados de wanã caracterizado como um grupo de pessoas que não moram todas
juntas, mas em diferentes aldeias. Cada wanã tem seus conhecimentos e suas
histórias. Como professores na escola indígena Ytuwasu, resolvemos partir da
seguinte questão problema na aula de Língua Portuguesa: Como surgiu o mundo?
Para ajudar responder a questão, foi discutido com os alunos as estratégias, como
os Wajãpi tem uma explicação para a criação do mundo, então resolveram convidar
o cacique da aldeia para contar a história da criação.
Na conversa com os alunos, resolvemos convidar o cacique, que é o mais
velho indígena morador na aldeia, para vim até a escola contar as histórias.
Como o cacique não fala fluentemente a língua portuguesa, convidamos um
interprete ambos aceitaram e escolheram a data de preferência para
comparecerem a escola. No dia combinado, o cacique narrou, na língua
Tupi-Guarani, para os alunos “A história da criação do mundo” na visão
Wajãpi, o interprete foi traduzindo a narração para a professora. Em
seguida, os alunos organizaram a história em forma de texto escrito,
seguindo as regras gramaticais da Língua Portuguesa que foram ensinadas
na sala de aula e, fizeram o mesmo trabalho na língua Tupi-Guarani.
Posteriormente, foram realizadas pesquisas, pelos alunos, de outras
histórias na aldeia Ytuwasu e comparadas com relatos de outros narradores
das demais aldeias. (Profª. Lídia).

O interessante foi que o interprete traduzia a fala do Cacique para a


professora, que era a única que não falava a língua nativa. Vale destacar que em
todas as disciplinas a presença do interprete é fundamental, ele participa ativamente
do processo de ensino, durante as aulas o professor explica o assunto em
Português e o interprete explica em Tupi-guarani para os alunos, geralmente este
papel cabe à pessoa, na aldeia, que tem o maior domínio da oralidade.
Por meio da narrativa contada oralmente, a professora abordou a narração
como um dos tipos de textos mais conhecidos, que possui uma estrutura própria
(apresentação, desenvolvimento, clímax e desfecho). Usando como exemplo a
narrativa contada, explicou que a narração possui um narrador (pessoa que conta
historia), os personagens (que podem ser principais e secundários), o tempo
(cronológico ou psicológico) e o espaço (local que se desenvolve a história). Em
seguida pediu para que os alunos organizassem o texto de acordo com estas

28
Prática pedagógica desenvolvida na Escola Indígena Estadual Ytuwasu, situada na aldeia com o mesmo
nome, na qual moram aproximadamente doze famílias da etnia Wajãpi.
136

características. A versão sobre as historias diferem de wanã para wanã, como


atividade avaliativa, foram realizadas pesquisas, pelos alunos, de outras narrativas
na aldeia Ytuwasu e comparadas com relatos de outros narradores das demais
aldeias.
Nas aulas de História as narrativas foram trabalhadas de acordo com os
seguintes procedimentos metodológicos:
Após o cacique ter contado a história da criação do mundo na visão Wajãpi,
formamos grupos com a tarefa de pesquisar, nos livros que trouxe de
Macapá, outras versões referentes a criação do mundo. Posteriormente, os
alunos apresentaram as pesquisas realizadas e, em seguida, foi realizado
um debate referente às diversas maneiras de explicar o mundo, na qual não
existe conhecimento maior ou menor, como afirma Paulo Freire, mas sim
conhecimentos diferentes que explicam as coisas do mundo. As teorias
referentes a criação do mundo: da ciência, da teologia e dos Wajãpi foram
concebidas como outras formas de olhar a realidade. Em parceria com a
professora de Língua Portuguesa, os alunos apresentaram em diferentes
linguagens, a referida narrativa contada pelo Cacique. (Profº. Roberto).

A prática pedagógica desenvolvida pelos dois professores partiu do


reconhecimento dos saberes indígenas da aldeia Ytuwasu, bem como, do cacique
como agente sociocultural responsável pela socialização deste saber. As
metodologias que balizaram esta prática levaram em consideração os modos
próprios de conhecer e ensinar dos Wajãpi, no qual o mais velho ensina os jovens,
por meio da oralidade e da prática das atividades culturais e econômicas.
Por meio da interdisciplinaridade e da contextualização na articulação entre a
disciplina Língua Portuguesa e História, mediados pelo diálogo transversal, foi
abordado temas da realidade dos estudantes e de sua aldeia; o material didático,
neste caso, os textos produzidos na língua indígena e em português, serviram de
referencia para abordar os conteúdos escolares. A metodologia baseada na
pesquisa e no diálogo partiu do principio de que “não há ignorantes absolutos, nem
sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais [...] A
educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B”.
(FREIRE, 2005, p. 82).
No decorrer do trabalho foi possível observar a participação e compromisso
do cacique e do interprete em socializar os saberes indígenas, destacando a sua
importância para o fortalecimento da cultura e da identidade Wajãpi, bem como o
empenho da turma em discutir as várias versões referentes a criação do mundo,
concebendo a versão Wajãpi como uma das formas de explicar a realidade,
rompendo com a prevalência da geopolítica dominante do conhecimento. A
137

professora destaca a importância do registro escrito das narrativas para cultura do


povo indígena:
Outro ponto importante é a escrita na escola indígena que cumpre um
objetivo importante, pois é através dos registros escritos que as tradições
orais sobrevivem no tempo. No que se refere ao registro da narrativa oral, é
que a permanência do texto repousa unicamente na memória do Cacique
que contou a história, enquanto que, no registro escrito de tal narrativa, o
conteúdo é fixado pela prática da escrita. (Profª. Lídia).

O professor da disciplina História enfatizou as narrativas como parte da


memória coletiva de um grupo que precisa ser trabalhada nas aulas de Historia.
Vejo as narrativas como elementos significativos da memória coletiva de um
grupo, elas são expressas por meio da tradição oral e resultam das
vivencias individuais e coletivas, sendo formadas principalmente pelas
experiências dos nossos ancestrais, construindo desta forma, a história e o
cotidiano dos povos e a sua maneira particular de estar e ler o mundo.
Nelas estão presentes as histórias dos seus antepassados, dos fatos e
guerras recentes ou antigas e são fundamentais para a reconstrução do
passado e das identidades que se observa no processo de reafirmação
étnica. (Profº Roberto).

A “história da criação do mundo dos Wajãpi” é o que Mignolo (2003)


denomina de gnose liminar, por ser o conhecimento dos excluídos e está fora dos
parâmetros da ciência eurocêntrica, foi historicamente subalternizado, e se constitui
na razão dos oprimidos em contraposição ao processo de colonização opressora. É
construída no diálogo com a epistemologia hegemônica.
A Importância de ver o mundo pela lente de sua cultura é fundamental para os
educandos, pois é pelo conhecimento que passamos a elaborar nossas
representações da realidade na qual vivemos. Os indígenas fazem essa
representação a partir dos seus saberes, os que têm acesso a educação formal o
fazem também a partir do conhecimento escolar.
A Pedagogia vivenciada pelos professores e os alunos indígenas numa
perspectiva intercultural crítica, possibilitou o diálogo entre as diferentes formas de
ler o mundo, como afirma Walsh (2013, p. 11) umas das bases da interculturalidade
crítica está na comunicação entre as culturas alicerçadas no “respeito, legitimidade,
simetria e igualdade”. No processo de aprendizagem, os saberes não foram
considerados como superior ou inferior, mas como formas de expressões
epistemológicas, sustentados pelo respeito e a legitimidade.
Para Santos (2002) existem outros saberes denominados alternativos, que
possuem estrutura e lógica própria que os difere do hegemônico. Nesse sentido,
existem outras epistemologias além da eurocêntrica, pois há diversas formas de
138

conhecimento, dentre eles os relativos a criação do mundo contada pelos Wajãpi.


Assim, cabe ao professor como educador, ao refletir criticamente sobre sua prática
pedagógica, conceber estratégias que possibilite a relação dos diversos tipos de
conhecimentos presentes e que se entrecruzam no currículo escolar, dentre eles, os
considerados universais, a que todo estudante, indígena ou não, deve ter acesso; e
os étnicos, próprios de cada povo indígena.
Foi o que observamos na aula do professor Roberto em uma turma do 6º ano
na aldeia Aramirã, o conteúdo trabalhado foi “história da Amazônia”, a seguir
relatamos como foi discutido o tema de acordo com o diário de campo.
Professor: vamos estudar a historia da Amazônia (o professor fixa o
mapa da Região Norte no quadro). Aponta para o mapa e diz que
eles vivem na Terra Indígena Wajãpi, na aldeia Aramirã, no município
de Macapá que pertence ao estado do Amapá que faz parte da
Amazônia Brasileira.
Sebastião29: professor se é a terra onde agente vive, então vamos
estudar a historia da nossa aldeia ?
Professor: bem não foi exatamente isso que quis dizer, mas gostei da
ideia, até porque a aldeia está localizada na Amazônia.
Carlos: como vamos estudar se não tem nada aqui no livro que fale
da nossa aldeia?
Professor: então vamos escrever essa história, primeiro temos que
saber quais foram as primeiras famílias que chegaram aqui, porque
eles sabem como tudo começou.
Nesse momento os alunos começaram a falar o nome de quem
saberia como começou a aldeia.
Professor: então vamos formar pequenos grupos, elaborar as
perguntas para fazer as pessoas que vocês falaram. Cada grupo faz
as perguntas que gostaria de saber sobre a história da aldeia.
Após a elaboração do roteiro de perguntas, cada grupo foi apresentar
o que elaborou, e o professor foi escrevendo no quadro.
Professor: Tem muitas perguntas iguais, então vamos escolher quais
vão fazer parte do nosso roteiro.
E assim foi sendo construído o roteiro de entrevista. E os grupos
decidiram como seria feita a pesquisa orientada pelo professor.

A presença do interprete para traduzir aos alunos o que não era


compreendido foi muito importante. O professor tinha planejado um conteúdo, mas
pela sugestão dos alunos, flexibilizou o planejamento e, a aula partiu da curiosidade
dos educandos, para Freire (2014, p. 32) a curiosidade é vista “como inquietação
indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada
ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta
faz parte integrante do fenômeno vital”. A inquietação dos alunos em conhecer como

29
Os nomes dos alunos e alunas são fictícios para preservar o anonimato dos indígenas.
139

surgiu a aldeia, os levou a pergunta verbalizada para encontrar os esclarecimentos,


que são as respostas dos mais velhos moradores da aldeia.
A curiosidade em conhecer a historia da aldeia e, principalmente, serem os
pesquisadores desta historia, por meio da pesquisa de campo, já que não estava
escrito no livro didático; levou os alunos a elaborarem as perguntas que despertaram
sua curiosidade epistemológica, como afirma Freire (2009) ela é construída a partir
da capacidade de aprender criticamente a realidade que é problematizada tanto pelo
educador quanto pelos educandos. Neste caso, foram os próprios indígenas que
pesquisaram e escreveram sobre a historia do seu povo.
Após a realização da pesquisa de campo, os grupos apresentaram os
resultados: uns desenharam a aldeia como era no inicio e como está atualmente,
outros trouxeram as lideranças para falar dos principais problemas que tem na
aldeia hoje e que não tinha anteriormente, tiveram grupos que contaram as historias
de luta e resistência para a demarcação das TIW e a importância da aldeia neste
processo.
Cada grupo escolheu um membro para fazer o registro do estava sendo
apresentado. Assim, a aula sobre a História da Amazônia começou pelo
conhecimento da historia local (aldeia onde vivem os alunos), em seguida foi
discutida a historia da luta pela demarcação das TIW (território conquistado pelos
Wajãpi), ou seja, para compreender a Amazônia, partiu-se de onde se
vive/convive/sobrevive, e chegaram a conclusão de que não existe somente uma
Amazônia e sim várias Amazônias, dentre elas a indígena, que tem a sua história
construída pelo seu povo, contrariando o discurso de que:
Durante muito tempo, a sociedade ocidental considerou os povos indígenas
como povos sem História. Não os reconhecia como sujeitos históricos
atuantes na transformação da realidade e nem valorizava suas narrativas
sobre o passado. Os estudos tenderam a desconsiderar as mudanças
históricas que cada sociedade vive com o passar do tempo. Difundiu-se,
assim, nos manuais didáticos e no ensino de História, a ideia de que o
modo de vida indígena não sofre transformações com o tempo. (BRASIL,
1998, p. 187).

Esta prática pedagógica transgrediu a colonialidade do saber ao desconstruir


a imagem de uma Amazônia monocultural e ao dar visibilidade a Amazônia
indígena, bem como as lutas pela conquista e permanência neste território contada
pelos mais velhos, é a sociologia da emergência como propõe Santos (2009), na
qual outras epistemologias emergem, são reconhecidas e visibilizadas. A
emergência da epistemologia indígena foi possibilitada pela prática dialógica e a
140

pesquisa, mediados pelo professor que reconheceu “os indígenas como sujeitos que
tem sua historia e, as fontes de informação desta história, estão presentes no que foi
produzido no passado, dentre os documentos sobre a vida social, econômica e
politica podemos verificar nos relatos orais, objetos, desenhos, músicas, entre
outros.” (Prof. Roberto).
Outra prática pedagógica em que houve o diálogo numa perspectiva
intercultural foi desenvolvida pela Prof.ª de Língua Portuguesa, com alunos do 7º
ano na aldeia Manilha que fica na Perimetral Norte.
Professora: hoje vamos estudar o texto DESCRITIVO, com a ajuda
do interprete, explicou o que é um texto descritivo, além da estrutura
do texto (parágrafo, títulos, pontuação, etc.); deu exemplos utilizando
uma produção textual sobre a “onça” produzido pelos alunos
indígenas do ensino médio. Em seguida, pediu para escolherem um
animal nativo e elaborar um texto descritivo sobre ele. Após a
elaboração dos textos, cada aluno leu o seu para a turma, alguns
textos retrataram historias envolvendo os animais, que fazem parte
da tradição mítica deste povo.
Posteriormente, os alunos explicaram para a professora a presença
dos animais nas pinturas que fizeram no próprio corpo para a
apresentação dos textos descritivos, tais pinturas fazem parte da arte
kusiwa composta por representações de diversos animais como
onças, peixes, cobras, borboletas, rãs e outros.
Nas explicações, os alunos iam descrevendo os desenhos/traçados
nos braços, pernas, barriga, rosto, costas relacionado a cada um dos
animais. No final das apresentações, foi realizada uma oficina de
pintura corporal, com o material que os alunos trouxeram (suco de
jenipapo verde e tinta vermelha de urucum).

Nesta prática pedagógica, os animais, que fazem parte da tradição mítica


Wajãpi, foram as diretrizes para a explicação e elaboração dos textos descritivos.
Além dos textos, a arte indígena também esteve presente na aula, quem escreveu
sobre a cobra Sucuri fez o desenho da cobra no papel e, traços da pele do referido
animal na pintura do corpo, explicou que ela tem uma importância significativa para
a arte Wajãpi, pois ela está presente na maioria das pinturas e em outros artefatos.
A arte kusiwa, foi reconhecida como obra prima do patrimônio oral e imaterial
da humanidade pela Unesco, em 2003. Tal obra é concebida como:
um repertório definido de padrões gráficos que representam, de forma
sintética e abstrata, partes do corpo ou da ornamentação de animais e de
objetos. Em seu conjunto, esse sistema de representação gráfica é
chamado kusiwa. Cada padrão tem uma denominação específica e é
reconhecido por qualquer adulto, independentemente de sua aldeia de
origem. Trata-se de um acervo cultural que se transforma de forma
dinâmica, com a inclusão de novos elementos, enquanto outros podem
entrar em desuso ou se modificar através de suas variantes. (GALLOIS,
2002, p. 14).
141

A arte Wajãpi adentrando o currículo escolar em ação, dialogando com a


Língua Portuguesa, servindo como recurso didático para aprendizagem dos jovens
que produziram seus próprios textos e, por meio deles, expressaram sua arte e sua
maneira de ler e interpretar o mundo. Segundo a professora “As interpretações me
ajudam a compreender como os alunos pensam e concebem o universo”, mas para
isso, faz-se necessário descolonizar a visão eurocêntrica de arte e concebê-la a
partir dos contextos em que tais manifestações são criadas, interligadas as demais
expressões humanas e compartilhadas, vivenciadas e representadas pelos Wajãpi.
Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),
A tradição gráfica que os Wajãpi do Amapá denominam kusiwa aplica-se à
decoração de corpos e objetos, envolvendo técnicas e habilidades
diversificadas, como o desenho, o entalhe, o trançado, a tecelagem etc. Sua
função principal, no entanto, vai muito além deste uso decorativo, pois o
manejo do repertório de padrões gráficos é um prisma que reflete, de forma
sintética e eficaz, a cosmologia deste grupo, suas crenças religiosas e
práticas xamanísticas. (IPHAN, 2002, p. 12).

Segundo Van Velthem (1994) não se deve separar os métodos e os


sentimentos que balizam uma determinada arte, bem como, interpretar os objetos
estéticos como uma sequencia de delineamentos “mas sim como mecanismo
cognitivo que reflete a visão e o sentido conferido pelos membros de uma sociedade
específica”. (p. 85). A sociedade específica na qual a arte está sendo visibilizada na
escola é dos alunos Wajãpi. Esta ação pedagógica descontrói a visão de que os
povos indígenas não falam de arte.
É a incapacidade de compreender essa variedade [de manifestações de
artes] que leva muitos dos estudiosos da arte não ocidental,
principalmente daquela a que chamamos de “arte primitiva”, a expressar
um tipo de comentário que ouvimos com frequência: que os povos dessas
culturas não falam, ou falam pouco sobre arte. O que esses comentários,
na verdade, querem dizer, é que, a não ser de forma lacônica, ou críptica,
como se tivessem pouca esperança de serem compreendidos, os povos
que esses estudiosos observam não falam de arte como eles, estudiosos,
falam, ou como gostariam que os objetos de seus estudos falassem: em
termos de suas propriedades formais, de seu conteúdo simbólico, de seus
valores afetivos, e de seus elementos estilísticos (GEERTZ, 2002, p. 146-
147).

Nesse sentido, a arte como construção cultural e também simbólica,


transmitida pelos mais velhos aos jovens e crianças, adentra o currículo para
fortalecer a cultura dos alunos e o combate ao preconceito gerado pelos não índios
como afirma um aluno no ato da oficina “tem muitos jovens Wajãpi que tem
vergonha de se pintar, vergonha da nossa maneira de fazer pintura”.
142

Esta postura também foi registrada por Gallois (2006, p. 69) “foi e continua
sendo um estímulo para retomar a discussão, nas aldeias, de todo um conjunto de
problemas relacionados ao desinteresse das jovens gerações e de muitos adultos
pelos saberes e práticas tradicionais, desvalorizados”. Motivo para que a escola
inclua em todas as disciplinas, temas voltados a arte Wajãpi, para que os jovens
possam reconhecê-la como patrimônio cultural de seu povo, que precisa ser
apreendido pelas novas gerações. Nessa perspectiva, a educação escolar visa à
libertação da ignorância, da dependência, da submissão e de vários meios de
opressão geradas pelo preconceito e a discriminação, reflexo da colonialidade do
poder. (FREIRE, 2014).
A seguir, outra prática pedagógica que observamos desenvolvida pela Profª
de Ciências que trabalhou o assunto “os animais e o ecossistema”, com alunos do 6º
ano do ensino fundamental.
A professora: iniciou a aula perguntando aos alunos sobre os animais
que são criados na aldeia e os que vivem na floresta. Os alunos
foram descrevendo os animais de acordo com o que foi solicitado.
Em seguida, a professora explicou que os animais que vivem na
aldeia podem ser chamados de domésticos porque foram
domesticados pelas pessoas para viverem em casa, perto da gente e
os que vivem na floresta são chamados de selvagens, alguns deles
vocês caçam para a alimentação.
Aluno: professora nós chamamos as caças que vivem na floresta de
Mijarã; nós não comemos todas as caças, nós comemos macaco,
veado, queixada, cutia, anta e, nós não comemos cobra, mucura,
garça e quandu. E os demais alunos foram enriquecendo a lista de
animais que comem e dos que não comem. Falaram também que a
caça tem Dono, e que quando fica bravo ele pode não deixar a caça
aparecer para o caçador, isso acontece quando o caçador mata e
não leva para comer deixando o animal morto na floresta e, quando
mata muitos animais.
Os alunos foram dialogando com a professora sobre as suas
experiências com os animais domésticos e selvagens envolvendo a
caça, a pesca e as festas que fazem para eles. Posteriormente, a
professora falou dos cuidados que precisamos ter com os animais
domésticos para evitar doenças, assim como com os selvagens para
evitar riscos à saúde. E solicitou aos alunos que escrevessem os
relatos e outros que considerasse importante.

A professora começou a aula com uma pergunta, pois tinha observado que na
aldeia os indígenas criam alguns animais, tais questionamentos despertaram o
interesse dos alunos, pois se tratou de assunto que faz parte do seu cotidiano,
dessa maneira, eles participaram ativamente da aula, socializando conhecimentos
referentes aos animais domésticos e os selvagens que são caçados para fazerem
143

parte de sua alimentação. A professora gosta de ouvir os alunos: “Gosto de iniciar as


aulas de ciências fazendo perguntas, desta maneira, vou sabendo o que eles já
conhecem sobre o assunto que vamos estudar e, eu também aprendo muito sobre
os conhecimentos da cultura deles, às vezes eu mais aprendo a ciências deles do
que ensino a nossa.” A reflexão da professora nos remete a afirmação de Freire
(1992, p. 45) em relação ao processo de aprendizagem “quem ensina aprende ao
ensinar. E quem aprende ensina ao aprender.” A professora ensina o conhecimento
escolar aos alunos que ensinam a ela os saberes indígenas, ambos aprendem
mediatizados pela cosmologia indígena e não indígena. A seguir apresentamos
algumas atividades desenvolvidas pelos alunos na referida aula.
Fotografia 4 – Caçador caçando uma anta.

Fonte: Acervo da professora de Ciências, 2019.

No desenho o aluno representa a caça de uma anta e explica oralmente que a


caça aparece quando o caçador é bom, para isso, precisa acordar cedo, tomar umas
ferroadas de formiga tapija‟i ou se aranhar com unha de gavião quando não tiver
pegando nada, assim como, ficar longe das mulheres quando elas estiverem
menstruadas. Quando Wajãpi começa a caçar, não pode comer muito do que caçou
e a sua mãe não deve dividir com os outros o que ele matou na caçada. Os ossos e
144

os pelos dos animais caçados por ele precisam ser jogados longe da aldeia para que
os cachorros não comam, isto deve ser feito pela família do caçador.
Fotografia 5 – Texto referente a Anta

Fonte: Acervo da professora de Ciências, 2019.

No texto, o aluno demonstra seus saberes em relação aos hábitos da Anta,


importante conhecimento para poder ter êxito na caçada, sendo um animal noturno,
para ter sucesso, a caça tem que ser realizada a noite. Vale ressaltar, que a carne
de anta é um dos alimentos preferidos pelos Wajãpi.
Outra história, envolvendo os animais, relatada por um aluno foi sobre a festa
do Jabuti:
Então pra gente fazer a festa de jabuti, a gente tem que caçar e achar um
jabuti, depois a gente tem que amarrar as mãos e os pés do jabuti com a
corda de fio de algodão. Depois as mulheres preparam caxiri e os homens
preparam também aquela flauta pequena, não muito comprida, que eles
tocam e dançam durante a festa segurando a corda que eles amarraram na
mão e no pé do jabuti, a dança começa a partir das 6 horas da manhã e vai
até as 6 horas da tarde. Os homens dançam, cantam várias músicas de
jabuti, nós temos quinze cantos de jabuti que a gente faz e canta, mais tem
regra para fazer essa festa: os jovens não podem dançar, só os mais velhos
que podem dançar, cantar. Os mais novos só ficam observando e olhando e
aprendendo junto com os mais velhos. Então, pra quem vai morrer cedo,
esse jabuti dá também aviso quando dançam, cada um pega um fio de
algodão que eles amarram e passam pra outros pegarem nesse fio, quando
arrebentar na mão de uma pessoa, a gente sabe que ele vai morrer e não
145

vai viver muito tempo. Então nós temos essa regra de fazer a festa, também
os meninos crianças não podem dançar junto com a mãe, só as mulheres
mesmo que podem dançar.

Assim como a festa do jaboti, todas as festas tem seu dono, com cantos
próprios que são ensinados e aprendidos pelos participantes. Nas festas, os
indígenas bebem caxiri preparado somente pelas mulheres, além de beber, cantam,
dançam e tocam flauta. Há festas do dia e da noite, com suas músicas e regras. Os
jovens aprendem a fazer as festas com os chefes. Vale destacar, entre os Wajãi,
cada wanã tem suas próprias histórias e seu jeito de fazer festas. A seguir, o
desenho feito para representar a festa do jaboti.
Fotografia 6 – Representação da festa do Jaboti.

Fonte: Acervo da professora de Ciências, 2019.

Outra atividade desenvolvida pelos alunos foi a pesquisa com os moradores


da aldeia referente aos cuidados que eles tem com os animais domésticos para
evitar doenças. Para esta atividade, cada aluno ficou responsável de fazer um
levantamento com sua família. Também foi realizada a pesquisa em relação aos
cuidados que os chefes tomam para não serem atacados pelos animais selvagens
na aldeia e os caçadores durante a caçada. Durante as aulas a professora foi
orientando os alunos referente a organização das informações que estavam sendo
146

coletadas nas pesquisas e tirando dúvidas sobre algumas doenças causadas pelo
animais. Assim, a dialogicidade, como afirma Freire (2014, p. 86):
[...] não nega a validade de momentos explicativos, narrativos, em que o
professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que professor e alunos
saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta,
curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.

Ao abordar o assunto a partir dos conhecimentos e da importância dos


animais na cosmologia dos Wajãpi, a professora reconhece e valoriza esse saber
como fundamental para o fortalecimento da cultura dos educandos, e confirma a
visão de Santos (2007) de que o mundo é um arco-íris policromático repleto de uma
diversidade cognitiva, que não deve ser reduzido à epistemologia hegemônica
sustentada pela razão indolente, na qual o único conhecimento válido é o que passa
pelos rigores do método científico e atende aos interesses dominantes.
Como afirma Brandão (2006) o acesso ao saber escolar tem uma importância
política para as classes populares, no nosso caso para os povos indígenas, mas
este saber necessita estar articulado com o saber por ela produzido, pois “o respeito
ao saber popular implica necessariamente o respeito ao contexto cultural” (FREIRE,
1993, p. 86).
Nesta prática pedagógica, a professora partiu do contexto cultural dos
educandos, por meio da valorização dos saberes indígenas dos moradores da
aldeia, foi abordado o conhecimento escolar da disciplina Ciências. A professora e
os alunos, com saberes diferentes, pelo diálogo, ensinaram e aprenderam juntos.
Os professores não são iguais aos alunos por “n” razões entre elas porque
a diferença entre eles os faz ser como estão sendo. [...] O diálogo tem
significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas
conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o
outro ( FREIRE, 2009, p. 118).

Crescimento que só foi possível na medida em que educadora e educandos


dialogaram com humildade, reconhecendo o outro como um ser humano dotado de
experiências que podem contribuir para o crescimento emocional, afetivo e cognitivo.
Desta maneira, rompe-se com a colonialidade do saber, a partir do momento em que
outras epistemologias estão sendo reconhecidas, é a sociologia da emergência
como propõe Santos (2009).
A professora pediu que as histórias fossem registradas em forma de texto e
desenhos, para servirem de fonte de pesquisa para outros estudantes, assim como,
exercitar a escrita para socializar os conhecimentos. A apresentação oral serviu para
147

praticar a linguagem oral e os desenhos a linguagem artística. No final da aula foi


feita uma exposição dos trabalhos produzidos.
O professor Roberto, incluiu na relação de conteúdos, a demarcação das
TIW, para trabalhar o assunto, levou a xerox para todos os alunos do capitulo
“Histórico da demarcação e situação atual da TIW” do livro “Terra Indígena Wajãpi:
da demarcação as experiências de gestão territorial”.
O professor deu bom dia para os alunos na língua Wajãpi, os alunos
responderam e, em seguida perguntou se alguém sabia como ocorreu a
demarcação das TIW, dois alunos responderam que sim que começou com
a briga com garimpeiros e caçadores que invadiam as terras e também
transmitiram doenças, morreram muitos velhos e crianças. Em seguida o
professor falou que a história da demarcação das TIW faz parte das suas
lutas pela terra e pela sobrevivência enquanto indígena e que esta luta tem
que ser constante para que consigam valer os seus direitos, para isso, é
importante que todos conheçam a história do seu povo. Em seguida o
professor distribuiu o texto e pediu para que fosse feita a leitura, deu um
tempo para que todos pudessem fazer a leitura. Após a leitura, solicitou que
formassem grupos para fazer a discussão e escolher uma maneira de
apresentar a compreensão do grupo em relação ao texto lido.

Nesta prática, o professor abriu espaço para questionar a colonialidade


explícita ou implícita na sociedade em relação aos povos indígenas por meio da
negação dos seus direitos, dentre eles o direito a posse da Terra. Ao dar visibilidade
a luta travada pelas lideranças indígenas pela posse do seu Território, deixa claro
que existe uma história de resistência contra a sua subalternização e inferiorização.
Acompanhei as discussões nos grupos e as falas de alguns alunos retrataram a
importância da escrita para o registro da história do seu povo, para não cair no
esquecimento, pois quem tem o conhecimento são velhos que transmitem para os
mais novos, mas muitas dessas histórias já foram esquecidas ou morreram junto
com os falecidos que as conheciam. O trecho abaixo do texto foi bastante discutido
em um dos grupos que acompanhei:
Na década de 80, gradativamente, todos os diferentes grupos locais que
estavam concentrados em torno dos postos de assistência da Funai
(Aramirã, Yymitiku e depois Mariry), decidiram voltar para suas áreas de
ocupação. Estavam cansados de esperar o apoio que a Funai prometia para
expulsar os invasores. Sob o comando de seus chefes, tomaram a iniciativa
de enfrentar os pequenos grupos de invasores, que trabalhavam
escondidos tanto na região do Aimã, como do Karavõvõ, e posteriormente
também no igarapé Visagem (ou Ari) e na região hoje conhecida como
Okakai. Nesse movimento, para controlar os lugares antes ocupados por
invasores, os Wajãpi assumiram gradativamente o controle das áreas
invadidas, aprendendo com os garimpeiros a extrair manualmente ouro
aluvionar. Até o início dos anos 1990, todos os invasores foram expulsos.
(GALLOIS, 2011, p. 34).
148

Uma das razões para a escolha do trecho acima, foi o protagonismo dos
indígenas em tomar a iniciativa para expulsar os invasores de suas terras, o que
encheu de orgulho os alunos, denotando que Wajãpi é um povo guerreiro e sempre
lutou para garantir a posse de suas terras e continua lutando contra os projetos do
Governo Federal que venham de encontro aos interesses do seu povo, um dos
alunos lembrou da participação dos Wajãpi na campanha contra a extinção da
Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) 30 por meio de um decreto
emanado pelo presidente Michel Temer. O decreto permitia a entrada de empresas
de mineração nas terras indígenas para exploração dos minérios, o que acarretaria
danos irreparáveis não só ao meio ambiente, mas a sobrevivência dos indígenas.
Os Wajãpi tiveram participação ativa, por meio das suas lideranças, nas
assembleias, audiências públicas, passeatas e outras formas de manifestações
realizadas em Macapá e em Brasília.
Nas apresentações, os grupos fizeram cartazes e mapas da TIW, e
explicaram para a turma e o professor.
Fotografia 7 – Mapa da TIW feito pelos alunos do ensino fundamental.

Fonte: Acervo do professor de História, 2019.

30
A Renca é uma área de preservação mineral de 46.450 km2 no nordeste da Amazônia, na fronteira entre o
Pará e o Amapá, criada em 1984 por um decreto do general João Baptista Figueiredo. Os minerais ali
encontrados têm grande valor no mercado internacional, pois as jazidas são ricas em cobre, ouro, titânio,
tântalo e tungstênio, considerados minerais nobres. A Reserva ainda engloba nove áreas protegidas: o Parque
Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de
Maicuru, a estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento
Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d`Este. (https://www.pt.org.br/entenda-
o-que-e-a-renca-e-os-impactos-da-sua-extincao-por-temer/. Acesso em: 14 de novembro de 2018.
149

O mapa demonstra o conhecimento que os alunos têm da TIW, na fotografia


são nominados os rios que são fundamentais para a sua sobrevivência; dos rios são
retirados os peixes para o alimento e a água para o consumo. Os rios servem como
meios de transporte, neles vivem também os seres encantados.
150

6 CONCLUSÃO

De acordo com a pesquisa realizada, que teve como objeto de estudo


investigar as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores não indígenas
que atuam do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, no Sistema de Organização
Modular de Ensino Indígena (SOMEI) Wajãpi, baseadas no diálogo entre os saberes
indígenas e o conhecimento escolar a partir da perspectiva intercultural crítica,
chegamos a conclusão de que, mesmo atuando em um contexto de dominação que
caracteriza a educação colonizadora alicerçada, principalmente, na imposição
cultural e epistemológica dominante, os professores investigados conseguiram
desenvolver práticas pedagógicas baseadas no diálogo e no reconhecimento dos
saberes indígenas que adentraram o currículo das disciplinas, ora de forma
disciplinar, outras de maneira interdisciplinar, com a participação ativa dos alunos no
processo de ensino e de aprendizagem.
Em tais práticas pedagógicas, o conhecimento escolar dialogou
horizontalmente, como afirma Paulo Freire, com os saberes indígenas, e foram
visibilizados, valorizados e reconhecidos como conhecimento que norteia a vida dos
Wajãpi nas atividades sociais, religiosas, culturais e produtivas. Nela, o
planejamento, em determinados momentos, partiu das necessidades e da
cosmovisão de mundos dos educandos em termos de conhecimentos para enfrentar
os desafios do cotidiano, daí a valorização tanto do conhecimento escolar quanto
dos saberes locais, como nos orienta Boaventura de Souza Santos, o que denota
também a emergência de uma gnose liminar de acordo com Walter Mignolo, por
meio da presença, na sala de aula, dos conhecimentos dos povos que foram e ainda
são marginalizados.
Ao analisar as práticas de planejamento, concebido como um ato politico, no
sentido de que é, por meio dele, que o professor define o que será ensinado, ou
seja, os conteúdos que os alunos irão ter acesso, haja vista que, nas instituições
educacionais na TIW não existe biblioteca, então o único espaço para o acesso ao
conhecimento é a escola. Neste sentido, ao selecionar os conteúdos que farão parte
do planejamento, o professor que trabalha numa perspectiva intercultural crítica
parte da premissa de que o conhecimento escolar não é a única maneira de explicar
a realidade, que existem outras cosmologias, dentre elas a indígena que norteia a
visão de mundo dos seus educandos, razão pela qual são incluídas como parte do
151

conteúdo a ser discutido nas aulas. Para o professor não indígena, esta nova visão
de mundo com estrutura, métodos e lógicas difere do que aprendeu no seu processo
de formação profissional, para ser compreendida, necessita de um “mergulho” nesta
teia de significados tecida pelos seus educandos e demais moradores da aldeia.
Motivo pelo qual ao mesmo tempo em que ensina, também aprende, como ouvi na
fala dos entrevistados.
A quebra da hegemonia epistemológica com a inclusão dos saberes dos
educandos na práxis pedagógica indica um dos caminhos para o diálogo intercultural
numa perspectiva crítica, desmistificando as relações de poder que estavam
subjacentes no conhecimento escolar, abordando-os de acordo com o contexto
social, histórico e cultural no qual se desenvolve o processo educativo. No
planejamento, o reconhecimento do “outro” e o diálogo com ele, no qual as
diferenças não são negadas, mas sim questionadas e dialeticamente integradas,
como nos diz Vera Maria Candau, para a construção de projetos comuns a todos,
que rompa com os estigmas e preconceitos colaborando com a mudança estrutural
da sociedade e promova o empoderamento dos povos indígenas.
Na disciplina Ciências o conhecimento escolar e os saberes indígenas foram
selecionados para abordar questões ambientais, sociais e culturais que fazem parte
da realidade da comunidade local, e que estão relacionados com a ausência de
políticas públicas a nível Estadual e Nacional. Conteúdos que não são transmitidos
numa relação verticalizada, na qual somente o professor tem o direito à palavra,
porque é o dono da “verdade”; mas sim problematizados por meio de metodologias
dialógicas.
Em Língua Portuguesa, que é trabalhada como segunda língua, a presença
das narrativas como conteúdo, serve não somente para ensinar as normas
gramaticais, como também, colocar em evidencia as visões de mundo presentes nas
narrativas que fazem parte da memoria coletiva deste povo. A abordagem ocorre no
sentido de fortalecer o sentimento de identidade e pertencimento a um grupo de
passado comum cujas memórias, por meio das narrativas orais, são compartilhadas
na escola pelos mais velhos da aldeia mediante a linguagem oral, um instrumento
socializador da memória, pois a tradição oral ainda prevalece no processo de
socialização entre os povos indígenas. Vale frisar que o ato de narrar: é repleto de
subjetividade, pois está imbuído dos anseios e crenças compartilhados pelo
narrador; e trás para o presente as crenças, objetos, linguagem, maneiras de agir,
152

vestuário entre outros elementos que fazem parte da cultura do seu povo. As
narrativas orais também fortalece a língua nativa dos Wajãpi, que para se manter
viva faz-se necessário o seu uso, de forma social, pela comunidade. Quando o
cacique contou a história da criação do mundo, narrou em Wajãpi, não em
Português, a escrita pelos alunos ocorreu também na língua nativa.
Em relação a disciplina História, a seleção dos conteúdos levou em
consideração os problemas socioambientais, dentre eles os causados pelo
rompimento de barragens das mineradoras, a preocupação dos alunos levou o
professor a discutir tal problema e as maneiras legais de evitar que, fato como este,
ocorra nas TIW “inclui no planejamento a Convenção 169 sobre povos indígenas e
tribais da Organização Internacional do Trabalho que foi normatizado no nosso país
pelo Decreto Presidencial nº 5051 no ano de 2004.” e o material didático utilizado
para esta prática foi o Protocolo de Consulta e Consentimento produzido pelas
lideranças Wajãpi em 2014, no qual consta os procedimentos que o governo precisa
seguir para a realização de qualquer projeto nas TIW, como muito bem descreve o
referido documento.
Quando o governo quer fazer alguma coisa sem nos consultar, na nossa
terra, no entorno da nossa terra ou mesmo fora da nossa terra, pode afetar
diretamente a nossa vida, os lugares importantes da história de criação do
mundo, a vida dos animais, os rios, os peixes e a floresta. Nós achamos
que o governo deve escutar nossas preocupações, ouvindo nossas
prioridades e nossas opiniões antes de fazer o seu planejamento.
(PROTOCOLO DE CONSULTA E CONSENTIMENTO WAJÃPI, 2014, p. 5).

As práticas interculturais, na visão crítica, trabalham questões voltadas para a


formação política, no sentido de luta contra a opressão oriunda de projetos que
venham ameaçar a nossa sobrevivência social, cultural e econômica entre outras
questões. Uma das funções da educação escolar é trazer essas questões para
serem discutidas no currículo. O conhecimento das leis e do Protocolo de Consulta e
Consentimento para o desenvolvimento de qualquer ação oriunda do Estado é
fundamental para que os alunos possam estar cientes dos seus direitos enquanto
cidadãos e poder cobrar quando não forem cumpridos.
O apagamento histórico da luta dos seus antepassados para a demarcação
da TIW é visibilizado na aula de História, o percurso percorrido para esta conquista
mostrou que sempre existiu uma história indígena repleta de batalhas travadas
contra o Estado, que nega a efetivação dos seus direitos; e as empresas de
mineração, garimpeiros, mateiros, madeireiras e o agronegócio. A concepção de
153

“terra” é abrangente, vai além do território físico, abarcam as reivindicações por


educação intercultural bilíngue/multilíngue, saúde diferenciada, respeito e
reconhecimento das culturas, desenvolvimento de projetos socioeconômicos e
ambientais voltados para a sustentabilidade, efetivação de leis e demarcações.
Outro fator importante, no desenvolvimento de práticas interculturais numa
visão crítica, que observamos nesta pesquisa, foi a concepção de que os
conhecimentos e saberes que foram selecionados pelos professores para trabalhar
nas suas disciplinas não são neutros e absolutos, estão ligados a universos culturais
e sociais plurais e permeados por relações de poder, daí a importância de dar
visibilidade aos diversos saberes e conhecimentos que estão presentes no cotidiano
escolar estimulando o diálogo entre eles, assumindo os conflitos que emergem desta
interação. (CANDAU, 2012).
Nas metodologias, tais saberes foram problematizados, o direito a palavra foi
garantido a todos os envolvidos na relação pedagógica, os educandos indígenas,
assim como os demais moradores das aldeias, detentores dos saberes, foram os
protagonistas. O diálogo permeou os momentos de reflexão coletiva sobre a
realidade e a cosmologia do povo Wajãpi. Por meio da palavra, os educandos,
educadores e os moradores das aldeias tiveram espaço e voz para socializar suas
visões de mundo e questionar a realidade atual dos povos indígenas.
Os moradores tiveram seus saberes validados pela escola no momento em
que os professores abriram espaço para que participassem ativamente do processo
de ensino e aprendizagem, por meio de práticas dialógicas baseadas na
amorosidade e respeito à sua dignidade. Desta maneira, o combate ao epistemicídio
é uma estratégia contra a colonialidade do saber, que nega outras racionalidades
que não atendem aos critérios de validade da ciência eurocêntrica.
A sala de aula de Língua Portuguesa, tornou-se um espaço de diversas
narrativas que fazem parte do universo sociocultural dos educandos, os velhos, que
as dominam, participaram ativamente como mediadores. Nesta aula, predominou o
diálogo e a troca de saberes, por meio da valorização da oralidade, bem como das
experiências dos alunos. Assim a comunicação entre as culturas consolidada no
respeito, legitimidade, simetria e igualdade, como defende Walsh (2013), foram os
alicerces para o desenvolvimento das práticas interculturais críticas.
As aulas de História foram regadas pela curiosidade epistemológica dos
alunos em conhecer a sua própria historia a partir da Amazônia abordada no plural,
154

como espaço multicultural, no qual habitam diversidades de povos, dentre eles os


indígenas. É a sociologia da emergência, proposta por Boaventura de Souza Santos,
que parte da emergência das epistemologias que historicamente foram
invisibilizadas, negadas como saber, pela consagração da ciência moderna ocidental
que se naturalizou como único conhecimento verdadeiro e universal, o que gerou a
negação e o silenciamento de povos e culturas.
A saída do silenciamento ocorreu por meio do desenvolvimento de ações
direcionadas para dar visibilidade as vozes que foram silenciadas, neste estudo, as
dos Wajãpi; as fontes de pesquisa sobre a sua própria história estão como afirma o
professor, “no que foi produzido no passado e no que está sendo resignificado no
presente, dentre os documentos sobre a vida social, religiosa, econômica e politica
dos Wajãpi podemos verificar nos relatos orais, objetos, desenhos, músicas, entre
outros, que utilizamos como instrumentos para produção dos dados.”
Nas práticas pedagógicas interculturais críticas, a historia registrada pelo
colonizador é questionada porque é contada a partir da visão do dominador, nesta,
os povos que resistiram e resistem ao processo de dominação politica, econômica,
cultural e religiosa não são contempladas. Daí a importância, que em tais práticas,
os próprios indígenas sejam os pesquisadores e escritores da historia de seu povo.
Neste processo de construção os alunos vão registrando as lutas e conquistas dos
Wajãpi desde a chegada aos dias atuais na TIW. Nas aulas de História, percebemos
o envolvimento dos alunos, a reflexão dos seus valores e práticas do dia a dia na
aldeia e suas experiências na TIW e na cidade, discutidas a partir de problemáticas
relacionadas com o contexto local, regional, nacional e global.
Nas aulas de Ciências, os conteúdos foram abordados tendo como referencia
o contexto cultural dos educandos, por meio da valorização dos saberes, sobre os
animais, dos moradores da aldeia. A professora e os alunos, com saberes
diferentes, pelo diálogo, ensinaram e aprenderam juntos. Os alunos contaram e
registraram em diversas formas de linguagem o que foi aprendido e, posteriormente,
socializaram para a turma oralmente e por meio de uma exposição o que foi
produzido.
O saber escolar, função da escola que precisa garantir o acesso a todos, no
caso dos indígenas, tem importância politica, pois o conhecimento contribuirá para a
sua emancipação e emponderamento, mas precisa estar articulado com contexto
cultural no qual é ensinado.
155

A humildade dos professores ao admitirem que não são ignorantes e nem


sábios absolutos, mas seres inacabados em constante processo de aprendizagem,
possibilitou que abrissem espaço para os saberes locais adentrarem o currículo. No
diálogo na sala de aula, o professor aprendeu com os alunos os saberes locais e
ensinou, a partir desses saberes, os escolares, por meio da escuta da palavra e do
respeito às ideias e aos pensamentos do outro.
As práticas desses professores procuraram romper com a colonialidade como
um padrão de poder que atua: a) na reprodução das relações dominantes,
naturalizando as hierarquias; b) no silenciamento de histórias e memórias de
resistência dos povos indígenas; c) pela negação do direito dos indígenas de dizer
sua palavra para lutar contra a discriminação e o racismo social e epistemológico.
Nesse sentido, as práticas interculturais críticas, estão inseridas como
mecanismo de luta das pedagogias decoloniais, entendida como negação das
formas de opressão impostas pela colonialidade aos grupos sociais que foram e são
subalternizados, dentre eles estão os indígenas, que lutam para existir enquanto
povo; o que requer uma educação que tenha como fundamento o respeito a sua
cultura, as suas relações sociais e econômicas, os seus etnoconhecimentos que
mantem a biodiversidade da floresta Amazônica, entre outras formas de ser e existir.
Nesta perspectiva caminha a pedagogia freireana, que a partir da denuncia do
colonialismo e da colonialidade, constrói uma pedagogia da negação de todas as
formas de opressão que objetiva a descolonização, tal proposta não é somente
pedagógica, mas principalmente politica, alicerçada em uma utopia ético-política de
libertação da opressão.
É assim, consideramos que os professores, sujeitos desta pesquisa, incluíram
os saberes indígenas e desenvolveram metodologias que proporcionaram a
participação e a construção do conhecimento e das experiências dos alunos, nas
quais o diálogo, na perspectiva descolonizadora, ocorreu numa relação horizontal,
com amorosidade, humildade e esperança na construção de um mundo em que os
povos possam dialogar com outros povos sem preconceito, exclusão e dominação
sejam cultural, social, econômica e religiosa.
No decorrer da pesquisa, procuramos, a partir do referencial teórico adotado,
refletir criticamente sobre a educação que temos e pensar em uma nova educação
que integre toda a diversidade epistemológica e que possa atender às necessidades
e interesses das comunidades (vivemos numa sociedade multicultural com
156

manifestações culturais e epistemológicas próprias) e não somente do capital que


valoriza apenas as questões econômicas e menospreza as culturais, sociais e
religiosas.
157

REFERENCIAS

Acampamento Terra Livre. Disponível em:


http://apib.info/2018/04/12/programacao-do-acampamento-terra-livre-2018/. Acesso
em: 9 de janeiro de 2019.

ALMEIDA, Maria Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: FGV,


2010. p.14-28.

ALVES-MAZZOTTI, Alda Judith; GEWANDSZNAJDE, Fernando. O método nas


ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2. ed. São Paulo:
Pioneira, 2002.

ALTINI, Emília et al. Por uma Educação Descolonial e Libertadora: manifesto


sobre a educação escolar indígena no Brasil. Conselho Indigenista Missionário,
2010. Disponível em: https://cimi.org.br/wp-
content/uploads/2017/11/Manifesto_EducacaoEscolarIndigena.pdf. Acesso em: 23
de agosto de 2018.

ANDRE, Marli Eliza D. A. Etnografia da Prática Escolar. 3. ed. São Paulo: Papirus,
2003.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Ação civil pública, meio ambiente e terras


indígenas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

APINA. Conselho das Aldeias Wajãpi. Disponível em: http://www.apina.org.br/.


Acesso em: 10 de março de 2019.

APPLE, W. Michael. Ideologia e currículo. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BANIWA, Gersem. Educação escolar indígena no Brasil: avanços, limites e novas


perspectivas. Disponível em:
http://36reuniao.anped.org.br/pdfs_trabalhos_encomendados/gt21_trabalhoencomen
dado_gersem.pdf.. Acesso em: 23 janeiro de 2015.

BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 12. ed. Lisboa: Edições 7, 2004.

BARROS, Maria Cândida Drumond Mendes. Educação Bilíngue, linguística e


missionários. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Vol. 9 (2). Belém: 1993.

BODGAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. 3. ed. Porto:


Porto Editora, 1994.

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG,2004.

BOURDIEU, P; PASSERON, J. C. A reprodução. Elementos para uma teoria do


sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

BRASIL. II CONEI: Conferencia Nacional de Educação Escolar Indígena. Brasília.


Ministério da Educação, 2017.
158

BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 5, DE 22 DE JUNHO DE 2012. Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica.

BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 1, DE 7 DE JANEIRO DE 2015. Institui Diretrizes


Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas em cursos de
Educação Superior e de Ensino Médio e dá outras providências.

BRASIL. REFERENCIAL CURRICULAR NACIONAL PARA AS ESCOLAS


INDÍGENAS, 1998.

BRASIL. DOCUMENTO FINAL. I CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO


ESCOLAR INDÍGENA. Luziânia/GO, 16 a 20/11/2009.

BRASIL. DOCUMENTO FINAL. II CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO


ESCOLAR INDÍGENA. BRASILIA, 2018.

BRASIL. RESOLUÇÃO nº 05 de 2012. Estabelece as Diretrizes Curriculares


Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Brasília, 2009.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional


para as escolas indígenas. Brasília, DF, 1998.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Acultura do povo e a educação popular: sete canções


de militância pedagógica. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A questão política da
educação popular. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 2002.

BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Estado, Aparelho do Estado e Sociedade Civil.


Brasília: ENAP, 1995. 28 f. (Texto para discussão). 1. Estado. 2. Teoria do Estado.
3. Evolução do Estado. I. Título II. Sé.

BRIGHENTI, Clovis Antônio. O movimento indígena no Brasil. In: WITTMANN, Luisa


Tombini (Org.). Ensino de história indígena. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
(Coleção Práticas Docentes). p. 43-79.

CANDAU, Vera Maria Ferrão. Ideias-força do pensamento de Boaventura Sousa


Santos e a educação intercultural. Educação em Revista. Belo Horizonte, v.32,
n.01, 2016.

CANDAU. Vera Maria Ferrão. INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO NA


AMÉRICA LATINA: uma construção plural, original e complexa. Revista Diálogo
Educacional, vol. 10, núm. 29, janeiro-abril, 2010.

CARVALHO, E. de A. (org.). Godelier. São Paulo: Ática, 1981.

COLLET, Celia Letícia Gouvêa. Interculturalidade e educação escolar indígena: um


breve histórico. In: GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org). Formação de
professores indígenas: repensando trajetórias. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006.
159

COMISSÃO ORGANIZADORA NACIONAL DA II CONEEI. Ministério da Educação.


Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Brasília,
2016.

CRUZ, Teresa Almeida. Os processos de lutas e resistências dos povos


indígenas do Brasil. Revista Sures. ano: 2017, fev, Número: 9, pág.145-163.

CZARNY, Gabriela. Ressituando Debates Interculturais nas Américas. In:


PALADINO, Mariana; CZARNY, Gabriela (Orgs.). Povos Indígenas e
Escolarização: discussões para se repensar novas epistemes nas sociedades
latino-americanas. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.

CUNHA. Manoela Carneiro da Cunha da. Cultura com aspas e outros ensaios.
Editora Cosac Naify. S.P 2009.

CUNHA, Manuela C. da. (Org). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia da
Letra e Secretaria Municipal da cultura, Fapespe, 1992.

D‟Angelis, Wilmar R. Aprisionando sonhos: A educação escolar indígena no Brasil.


Campinas: Nimuendajú, 2012.

ESTADO DO AMAPÁ. Assembleia Legislativa. Lei 0984 de 19 de abril de 2006.


Cria o cargo de provimento efetivo de Professor de Ensino Indígena, no quadro de
pessoal civil do Estado do Amapá, e dá outras providências.

ESTÁCIO, Marcos André Ferreira. Direito a educação: o percurso histórico da


educação escolar e superior indígenas no amazonas. V Encontro Anual ANDHEP
Direitos Humanos, Democracia e Diversidade 17 a 19 de setembro de 2009 UFPA –
Belém/Pará. Disponível em
http://www.andhep.org.br/anais/arquivos/Vencontro/gt8/gt08p06.pdf. Acesso em:
janeiro de 2019.

ENZENSBERGER, H. M. Com raiva e paciência: ensaios sobre literatura, política e


colonialismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

FANON, F. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1979.

FAUSTINO, R. C. Política educacional nos anos de 1990: o multiculturalismo e a


interculturalidade na educação escolar indígena. 2006. Tese (Doutorado em
Educação) – Centro de Ciências da Educação, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2006.

FERREIRA, Mariana (Org.). Antropologia, história e educação: a questão


indígena e a escola. São Paulo: Global, 2001.

FERREIRA, Mariana Kawall Leal. E educação escolar indígena: um diagnóstico


crítico da situação no Brasil. In: SILVA, Aracy Lopes da; FERREIRA, Mariana Kawall
Leal (Org.). Antropologia, história e educação: a questão indígena na escola. 2.
Ed. São Paulo: Global, 2001.
160

FREIRE, José Ribamar Bessa. Trajetória de muitas perdas e poucos ganhos. In:
FREIRE, José Ribamar Bessa. Educação Escolar Indígena em Terra Brasilis -
tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro: Ibase, 2004.

FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Moraes, 1980.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos.


São Paulo: Editora UNESP, 2000.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 43. Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do


Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 16ª ed. 2009.

FREIRE, Paulo. Entrevista com Paulo Freire: a educação neste fim de século. In M.
Gadotti. Convite à leitura de Paulo Freire. São Paulo: Scipione, 2004.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e Ousadia: o Cotidiano do Professor. 15. Ed. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

FRANCO M. L. P. B. O que é análise de conteúdo. 4. ed. São Paulo: PUC, 2006.

GALLOIS, Dominique Tilkin. O movimento na cosmologia waiãpi: Criação,


expansão e transformação do universo. 1988. Tese (Doutorado em Antropologia
Social). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo: São
Paulo, 1988.

GALLOIS, Dominique Tilkin. Mairi revisitada. A reintegração da Fortaleza de


Macapá na tradição oral dos Waiãpi. São Paulo: NHII/USP/Fapesp, 1994.

GALLOIS, Dominique Tilkin. Migração, guerra e comércio: os Waiãpi na Guiana.


São Paulo: FFLCH/USP, 1986.

GALLOIS, Dominique Tilkin. Terra Indígena Wajãpi: da demarcação às


experiências de gestão territorial. São Paulo: Iepé, 2011.

GALLOIS, Dominique Tilkin.(Org.). Patrimônio cultural imaterial e povos


indígenas: exemplos no Amapá e norte do Pará. São Paulo: Iepé, 2006.

GEERTZ, Clifford. A arte como um sistema cultural. In: GEERTZ, Clifford. O saber
local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Tradução de Vera Mello
Joscelyne. 5. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1989.

GOMES, M. P. Os índios e o Brasil. Petrópolis: Vozes, 2011.


161

GROSFOGUEL, R. Para descolonizar os estudos de economia politica e os estudos


pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global.
Revista Crítica de Ciências Sociais, n 80, 2008, p. 115-147.

HENRIQUES, Ricardo. Educação Escolar Indígena: diversidade sociocultural


indígena ressignificando a escola. Disponivel em <
http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/bib_cad3_ed_indi_div_esc.pdf>. Acesso
em: 23/11/2015.

INDÍGENAS DENUNCIAM CORTES DE BOLSA E ABANDONO DA EDUCAÇÃO


DIFERENCIADA EM REUNIÃO COM MINISTRO DA EDUCAÇÃO. Disponível em:
https://mobilizacaonacionalindigena.wordpress.com/2018/04/. Acesso em janeiro de
2019.

INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Dossiê


Iphan 2: Wajãpi Expressão gráfica e oralidade entre os Wajãpi do Amapá. Brasilia,
2012.

IHERING, Hermann von. Antropologia do Estado de São Paulo. In: Revista do


Museu Paulista, v. 07, 1907. p. 215. Disponível na Biblioteca Digital Curt
Nimuendajú. Disponível em: http://biblio.wdfiles.com/local--files/ihering-1907.Acesso
dia 23 de junho de 2018.

LAVILLE, Christian; DIONE, Jean. A construção do saber: manual de metodologia


da pesquisa em ciências humanas. Porto Alegre: Artmed, 2010.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2004.

LUDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens


qualitativas. São Paulo: EPU, 2006.

MALDONADO-TORRES, Nelson. La descolonización y el giro des-colonial. Tabula


Rasa, Bogotá, n. 9, p. 61-72, julio-diciembre 2007.

MALINOWSKI, B. Argonautas do pacífico ocidental: um relato de


empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova Guiné em
Melanésia. 3. edição. São Paulo: Abril Cultural, 1986.

MONTEIRO, John. O desafio da história indígena no Brasil. In: SILVA, A. L. da;


GRUPIONI, L. D. (Orgs.) A temática indígena na escola: novos subsídios para
professores de 1º e 2º graus. Brasília: MEC/MA; Rio de Janeiro: Unesco, 1995.

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa. (Org.) Currículo: Políticas e Práticas.


Campinas, SP: Papirus Editora, 1997.

MIGNOLO, Walter D. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no


horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, Edgardo (Org.). A colonialidade
do saber: Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos
Aires: CLACSO, 2011.
162

MATTOS, Carmen L.G. A abordagem etnográfica na investigação científica.


UERJ. (2001). Disponível em: http://books.scielo.org/id/8fcfr/pdf/mattos-
9788578791902-03.pdf. Acesso dia 07 de maio de 2019.

MOREIRA, Antônio Flávio. O currículo como política cultural e a formação docente.


In. Tomaz Tadeu da Silva e Antônio Flávio Moreira (orgs.).Territórios Contestados:
O currículo e os novos mapas culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Identidades fragmentadas: a construção discursiva


de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas, SP: Mercado das Letras,
2002.

MISSÃO NOVAS TRIBOS DO BRASIL. Disponível em:


http://www.mntb.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=136&Itemid
=248. Acesso em: março de 2019.

MIGNOLO, Walter D. Desobediência epistêmica: A opção decolonial e o


significado de identidade em política. Tradução de ÂngelaLopes Norte. Cadernos
de Letras UFF – Dossiê: Literatura, Língua e Identidade, nº. 34, p. 287 – 324, 2010.

MIGNOLO, Walter D. Histórias locais, projetos globais: colonialidade, saberes


subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: UFMG, 2003.

OLIVEIRA, Cardoso de. Os diários e suas margens. Brasília: Editora Universidade


de Brasília, 2002.

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno. Paulo Freire: gênese da Interculturalidade no Brasil.


Curitiba: Vozes, 2015.

PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividade docente. 5. ed. São


Paulo: Cortez, 2007.

PROTOCOLO DE CONSULTA E CONSENTIMENTO WAJÃPI. Disponível em:


https://reporterbrasil.org.br/wp-tent/uploads/2016/07/wajapiprocolodeconsulta.pdf.
Acesso em: 10 de março de 2019.

PROGRAMA DE FORMAÇÃO DE PESQUISADORES WAJÃPI. Jane Reko


Mokasia: Organização Social Wajãpi. São Paulo: Iepé, s/d.

PLANO DE GESTÃO SOCIOAMBIENTAL WAJÃPI. Disponível em:


https://www.institutoiepe.org.br/media/livros/plano_de_gestao_wajapi.pdf. Acesso:
10 de janeiro de 2019.

PROPOSTA CURRICULAR DAS ESCOLAS WAJÃPI (PROCEW), 2013.


QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In:
LANDER, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. Colección Sur Sur, Clacso, Buenos Aires –
Argentina, setembro 2005.
163

QUIJANO, Aníbal. Colonialidad del poder y Clasificación Social. In: CASTRO-


GÓMEZ, Santiago; GROSFOGUEL, Ramón (Orgs.). El Giro Decolonial:
Reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá:
Siglo del Hombre Editores; Universidad Central, Instituto de Estudios Sociales
Contemporáneos, Pontificia Universidad Javeriana, Instituto Pensar, 2007.

RIBEIRO, Berta Gleizer. O índio na história do Brasil. 2. ed. São Paulo: Global,
1984.

RIBEIRO, Darcy. América latina: a pátria grande. 3. ed. Editora Global. S.P. 2017.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 21, f. 3978. Depoimento de


Hélio Jorge Bucker. Cuiabá, 12 de janeiro de 1966.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 26, f. 6246-6247. Carta de


Moacyr Ribeiro Coelho ao Ministro da Agricultura. Brasília, 25 de março de 1963.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 26, f. 4003-4004.


Depoimento de Ramis Bucair. Cuiabá, 21 de novembro de 1967.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 01, f. 14. Ata da instalação


dos Trabalhos da primeira Comissão de Inquérito do Ministério do Interior instaurada
pela Portaria nº 154 de 24 de julho de 1967.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 08, f. 1478. Ata da


instalação dos Trabalhos da segunda Comissão de Inquérito do Ministério do Interior
instaurada pela Portaria nº 239 de 29 de setembro de 1967.

RELATÓRIO FIGUEIREDO. Processo nº 4.483/1968. v. 21, f. 4978. Ata da


instalação dos Trabalhos da terceira Comissão de Inquérito do Ministério do Interior
instaurada pela Portaria nº 78 de 22 de março de 1968.

RODRIGUES, Cintia Régia. O positivismo, o estado nacional e as populações


fetichistas no Brasil. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São
Paulo, julho 2011.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e diversidade cultural. In. Tomaz Tadeu da Silva


e Antônio Flávio Moreira (orgs.).Territórios Contestados: O currículo e os novos
mapas culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.

SANTOS, B. S.; MENESES, M. P. (Org.). Epistemologias do Sul. 6. Ed. São Paulo:


Cortez, 2010.

SANTOS. B. de S. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da


experiência. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

SANTOS. B. de S. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal,


2002.
164

SANTOS. B. de S. A critica da razão indolente contra o desperdício da


experiência. 4. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.

SANTOS. B. de S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. 3 ed.


São Paulo: Cortez, 2010.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO AMAPÁ. Projeto SOMEI/Wajãpi,


2010.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade: uma introdução as teorias do


currículo. 3 ed. Belo Horizonte: 2009.

SILVA, Marcio Ferreira; AZEVEDO, Marta Maria. Pensando as escolas dos povos
indígenas no Brasil: o movimento dos professores indígenas do Amazonas, Roraima
e Acre. In: SILVA, Aracy Lopes da; GRUPIONI, Luiz Donizete Benzi (Org). A
temática Indígena na escola: novos subsídios para professor do 1º e 2º graus.
Brasília: MEC/Mari/UNESCO, 1995.

SOUZA LIMA, Antônio Carlos de. Um grande cerco de paz: poder tutelar,
indianidade e formação do Estado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1995.

SOUZA FILHO, Carlos F. Marés. A universalidade parcial dos direitos humanos. In:
GRUPIONI; VIDAL; FISCHMANN. Povos indígenas e tolerância: construindo
práticas de respeito e solidariedade. São Paulo: Edusp; Unesco, 2001.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 3. ed. Petrópolis:


Vozes, 2002.

TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Políticas públicas e educação para e


sobre indígenas. Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia,
realizada entre os dias 01 e 04 de junho, em Porto Seguro, Bahia, Brasil, 2008.

TAVARES, Marilze. Línguas Indígenas & Língua Portuguesa em Comunidades


Indígenas do Sul de Mato Grosso do Sul. SIGNUM: Estud. Ling., Londrina, n.
19/2, p. 368-390, dez. 2016.

TINOCO, S.L.M. Jõvinã, cacique, professor e presidente: as relações entre o


Conselho Apina e os Cursos de Formação de Professores. 2000. Dissertação (
Mestrado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.

TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa


qualitativa em educação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

TOMMASINO, Kimiye. A Educação Indígena no Paraná. 22 a REUNIÃO


BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA. Brasília, 15 a 19 de julho de 2000.

VAN VELTHEN, Lúcia Hussak. Arte indígena: referentes sociais e cosmológicos. In:
GRUPIONI, Luís Donisete Benzi (Org.). Índios no Brasil. Brasília: MEC, 1994.
165

VASCONCELOS, Celso dos S. Planejamento: projeto de ensino aprendizagem e


projeto político-pedagógico. 13. ed. São Paulo: Libertard, 2006.

VEIGA, I. P. A. (org.). Quem sabe faz a hora de construir o projeto político


pedagógico. Campinas, SP: Papirus, 2007.

WALSH, Catherine; SCHIWY, Freya; CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Indisciplinar as


ciências sociais. Quito: Universidade Sandina Simon Bolivar/AbyaYala, 2002.

WALSH, C. Pedagogías decoloniales: prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y


(re)vivir. Quito: Abya Yala, 2013.

WALSH, C. Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-


viver. In. CANDAU, Vera Maria (Org.). Educação intercultural na América
Latina: entre concepções, tensões e propostas. 3. Ed. Rio de Janeiro: 7 Letras,
2013.

ZELIC, Marcelo. Povos Indígenas e Ditadura Militar Subsídios à Comissão.


Disponivel em:
http://www.docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=MuseudoIndio&PagFis=
11255&Pesqhttp://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/36813/na+ditadura+esco
la+de+pm+formou+indios-soldados.shtml#. Acesso em: 14 de junho de 2018.

Você também pode gostar