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MESTRADO INTEGRADO
ARQUITECTURA

Maputo. O interior de quarteirão


Aprender de uma apropriação informal
Leandro González

M
2021
2
3

Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto

Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura

Orientada pelo Professor Doutor João Rodrigo Parreira Coelho


com co-orientação pela Professora Doutora Ana Luísa da Silva
Fernandes

Leandro Alcibiades de Jesus González

Novembro 2021
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5

Agradecimentos

Aos professores João Rodrigo Parreira Coelho e Ana Luísa da Silva


Fernandes pela disponibilidade, entusiasmo e crítica assertiva.

A todos entrevistados que me permitiram fotografar e desenhar abrindo


por vezes, as portas de suas casas.

À minha família, que apesar da distância, fez-se sempre sentir presente


com apoio e amor sem o qual não teria sido possível chegar tão longe;
Ao meu pai, pela amizade e orientação constante ao longo do trabalho;
À minha mãe, pelo contributo profissional durante a visita à cidade; Às
minhas irmãs por me inspirarem todos os dias.

À Raquel, a minha família no Porto, pelo companheirismo e amizade


constantes. À Paula, pela ajuda incondicional, sem a qual, certamente
teria sido impossível concretizar tantos dos objetivos que havia traçado.

Ao Camões- Instituto da cooperação e da língua, em especial a Ana


Maria Santos, responsáveis por dar-me a oportunidade de ingressar e
progredir no percurso académico universitário.

A todos aqueles que me acompanharam nos últimos seis anos que


culminam neste trabalho, pela amizade e pelos momentos partilhados.
Resumo
6

Passados 46 anos da independência de Moçambique (25 de junho de


1975) as dificuldades em lidar com o rápido fenómeno de crescimento
das cidades são evidentes. Num contexto onde a expansão urbana se
caracteriza pelo aparecimento de assentamentos informais, a capital,
cidade de Maputo, vê-se dividida entre uma “cidade de cimento”,
central, construída no período pré-independência, e uma “cidade
de caniço”, periférica, que se intensificou com êxodo rural do pós-
-independência. Em reação a esta realidade, assiste-se a uma crescente
preocupação com os problemas levantados pela periferia informal,
que se reflete numa panóplia de investigações onde se estudam as
suas necessidades, procurando apresentar estratégias para o seu
melhoramento.

Esta dissertação procura, contudo, efetuar uma aproximação contrária


e voltar o olhar sobre a cidade de cimento, também ela em rápida
transformação. Um interesse motivado pelo elevado valor patrimonial,
não apenas do seu desenho urbano e arquitetura moderna, mas também
das apropriações informais dos mesmos, que se verificaram desde
a independência do país. Aqui, assistiu-se a um semi-abandono da
cidade, por parte do colono, e a sua subsequente ocupação pelos locais,
provenientes da periferia. Estes foram responsáveis por uma redefinição
do uso original de diversas peças da estrutura urbana, que caracterizam a
atmosfera da cidade, tendo em si um papel importante na consolidação
da mesma na memória coletiva, como cidade de todos e não apenas do
colono.

Verifica-se, contudo, nos projetos atuais que vão surgindo na capital,


uma desconsideração pelo potencial de algumas destas apropriações,
adotando-se modelos urbanos e arquitectónicos que em nada refletem
a complexidade e riqueza das funções adquiridas aos diferentes espaços
da cidade desde a chegada dos novos habitantes.

É então, no sentido de fomentar o estudo e a discussão do valor


patrimonial dos fenómenos acima descritos, que a seguinte dissertação
se concentra na identificação e análise dos artefactos e apropriações
do quotidiano informal, procurando entender o seu contributo para
a vitalidade do espaço público, bem como de espaços originalmente
privados. Focando-se numa área de estudo representativa da
totalidade da zona central da capital, procura-se mapear a diversidade
de apropriações existentes e refletir sobre a pertinência de novos
paradigmas urbanos, mais adequados às dinâmicas urbanas
exclusivamente maputenses.
7

Abstract

After 46 years of Mozambique’s independence (June 25, 1975) the


difficulties in dealing with the rapid phenomenon of city growth are
evident. In a context where urban expansion is characterised by the
appearance of informal settlements, the capital, Maputo City, is divided
between a central “cement city”, built in the pre-independence period,
and a peripheral “reed city”, which grew exponentially with the post-
-independence rural exodus. In reaction to this reality, there is a growing
concern with the problems raised by the informal periphery, which is
reflected in a panoply of researches that study its needs, seeking to
present strategies for its improvement.

However, this dissertation tries to take the opposite approach and gaze
at the cement city, which is also undergoing rapid transformation. This
interest is motivated by the high patrimonial value, not only of its urban
design and modern architecture, but also of the informal appropriations
that have taken place since the country’s independence. Here we have
seen a semi-abandonment of the city by the settlers, and its subsequent
occupation by locals coming from the periphery. These were responsible
for a redefinition of the original use of several parts of the urban structure,
which characterise the atmosphere of the city, having in itself an important
role in consolidating it in the collective memory, as a city for all and not
only for the colonial settler.

Nonetheless, in the current projects that are appearing in the capital,


there is a disregard for the potential of some of these appropriations,
adopting urban and architectural models that in no way reflect the
complexity and richness of the functions acquired by the different spaces
of the city since the arrival of the new inhabitants.

It is then, in order to foster the study and discussion of the patrimonial


value of the phenomena described above, that the following dissertation
focuses on the identification and analysis of the informal artefacts and
appropriations of everyday life, seeking to understand their contribution
to the vitality of public space, as well as of originally private spaces.
Focusing on a study area representative of the entire central zone of the
capital, we seek to map the diversity of existing appropriations while
reflecting on the relevance of new urban paradigms, perhaps better
suited to the urban dynamics of Maputo.
8
9

[notas prévias]
Por motivos de coerência de leitura, optou-se por
traduzir as citações cujo idioma original não era o
português.
Algumas das imagens apresentadas foram recortadas
e editadas relativamente às originais.
10
11 Índice

Ato introdutório 012

I Contexto Do dual ao plural

Pré-independência, uma cidade dual 018

Pós-independência, uma cidade plural 025

Para além da dicotomia

Entre o formal e o informal 042

II Objeto Forma

Tipos de quarteirão 052

Densificação formal do quarteirão 059

O interior do quarteirão 060

Usos | Apropriacões

Artefatos urbanos do quotidiano 076

Mercados 104

Habitação 107

Mapa da diversidade 119

Maputo. Planta de Nolli 120

Ameaças e Potencialidades

Ação do Estado 124

Novos investimentos privados 129

Patologias estruturais e infra-estruturais 132

Paradigmas do urbanismo 137

Considerações Finais 143

Notas bibliográficas 146

Créditos de imagem 148


Ato introdutório 12

O estudo das apropriações informais do quotidiano, tem como objetivo


refletir sobre o papel e potencial destes elementos na cidade.
A partir do caso de estudo de Maputo, onde ditos usos são responsáveis
pela redefinição de diversos espaços urbanos, que passam a conter
construções informais com os mais variados programas- desde o
comércio a habitação- procura-se refletir sobre a pertinência de se
encontrar estratégias para dar forma à vontade de transformar certos
espaços urbanos, como o interior do quarteirão, em peças ativas da
cidade, pondo em questão as noções de público e privado, do lote, e
dos seus usos planeados.
Para tal, o trabalho procura investigar de que maneira a informalidade
se apresenta nos diferentes bairros da chamada cidade de cimento,
procurando entender os seus impactos físicos e sociais no espaço
urbano. Identifica-se, numa segunda fase, os aspetos positivos destas
apropriações, refletindo sobre estratégias arquitetónicas que, tendo-
-as como inspiração, apontem a uma possível redefinição de certos
paradigmas urbanos.
Num contexto onde uma nova burguesia aplica modelos arquitetónicos
e urbanos que em nada se conectam com o local, parecendo procurar
apenas alcançar uma imagem representativa de evolução e prosperidade,
o trabalho tem o intuito de despertar uma reflexão sobre as formas de
intervir neste território, dando ênfase à importância de se aprender do
contexto preservando e potencializando dinâmicas nele já presentes.
Para tal, procura-se documentar de forma rigorosa as apropriações de
uma área de estudo representativa da totalidade da zona central da
capital, organizando-as pelo seu programa ao mesmo tempo que são
caracterizadas segundo a sua localização e forma.
Sem deixar de salientar problemáticas ligadas a verdadeira
exequibilidade de possíveis intervenções nestes espaços, como os
entraves económicos, políticos, infra-estruturais, estruturais e legais, quer-
se pensar nas potenciais noções de comunidade, cooperação e de direito
à cidade, como alternativa ao individualismo, privatização e segregação
perpetuados pelas construções da classe média e alta. Idealmente, a
partir do estudo compreensivo de uma porção do território, pretende-se
pensar sobre a aplicabilidade desta forma de aproximação ao problema,
para uma escala maior da cidade de Maputo.
O surgimento do setor informal e sua relação com o formal no
contexto de Maputo e de outras cidades da África sub-sahariana foram
estudadas por autores como Mendonça (2015), Viana (2015), Melo (2013),
Oppenheimer e Raposo (2002), entre outros, que se apresentaram como
imprescindíveis para o entendimento do contexto histórico do país bem
como para a explicação das dinâmicas do seu funcionamento atual. No
que diz respeito às apropriações do quotidiano e o seu potencial papel
na criação de novos paradigmas urbanos, a investigação apoia-se em
grande parte no livro everyday urbanism de Crawford et al. (2008), com
importantes reflexões quanto ao papel do arquiteto e urbanista na
inclusão do estudo do espaço do quotidiano na sua prática.
Para além do apoio bibliográfico, a investigação tem como base principal,
a informação recolhida durante a visita à capital Moçambicana no mês
de Abril do ano 2021. Neste período, recolheu-se informação gráfica
e fotográfica sobre os 84 quarteirões que formam a área de estudo.
Dois destes foram escolhidos como casos de estudo mais detalhados,
onde se chegou a entrevistar trabalhadores, consumidores e habitantes
das construções informais estudadas. Dada a inexistência de um
levantamento deste tipo para Maputo e de um possível desconhecimento
generalizado dos artefactos estudados, o registo fotográfico é tido como
meio principal de comunicação, acompanhado de plantas e axonometrias
que auxiliam a leitura das relações espaciais com o contexto.
13

O documento está dividido em 2 partes, e cada uma em capítulos. A


divisão é feita segundo a ordem natural da aproximação ao problema em
estudo, organizando-se do geral para o particular.
I. Contexto - A primeira parte servirá para contextualizar a história da
cidade, desde o inicio do séc. XX aos dias de hoje. A partir deste primeiro
momento pretende-se entender a transformação da estrutura urbana e
edificada, identificando momentos chave para a caracterização do seu
estado atual.
Para tal, fazendo uso de estudos prévios sobre a cidade, procurou-
se efetuar uma descrição dos momentos chave da sua história, numa
narrativa que se concentra no ponto de vista do habitante local.
Assim, estudou-se a transição de uma cidade dual para uma plural,
evidenciando as lógicas de funcionamento da capital nos períodos pré
e pós-independência no que diz respeito a sua relação entre as esferas
formais e informais. De seguida, reflete-se sobre o desaparecimento
desta dicotomia para dar lugar a dinâmicas mistas e hibridizadas dos dois
setores.
O objetivo último neste capitulo passa por identificar os acontecimentos
na génese das dinâmicas urbanas que fazem a cidade, desde as
alterações económicas, políticas e sociais aos diversos planos urbanos e
sua forma de intervir no território.
II. Objeto- A segunda parte concentra-se apenas na cidade de cimento,
tendo como foco o estudo do quarteirão e as suas propriedades, e o
trabalho de campo como fonte principal de informação. Esta é dividida
em três momentos:
Forma. Onde se pretende distinguir os diferentes tipos de quarteirão que
fazem a cidade, apontando as tipologias e programas dos seus edifícios,
bem como o estatuto económico dos bairros em que se inserem, com
vista a perceber a relação destes fatores com a forma e uso do seus
logradouros.
Uso. Tendo o fenómeno de ocupação informal dos espaços da cidade
em mente, neste sub-capítulo aprofunda-se sobre a vida, uso e utilizador
da cidade e do interior de quarteirão. Tem-se como objetivo descobrir,
em alguns quarteirões, o modo como a informalidade se manifesta,
identificando os seus utilizadores e finalmente procurando chegar a
uma caracterização da atmosfera do quotidiano “maputense”, desde o
espaço da rua às coberturas apropriadas, passando pelo logradouro no
caminho.
Ameaças e Potencialidades. São apontados fatores que ameaçam
a existência destas dinâmicas urbanas, ou que de alguma forma
constituem um retrocesso na qualidade espacial e democratização da
cidade. Assim, assinala-se a ação do Estado, os novos investimentos
privados, as patologias estruturais e infra-estruturais bem como os
paradigmas do urbanismo de modo a compreender o cenário atual da
intervenção nos elementos estudados. Neste capítulo, após a reflexão
sobre os pontos negativos e positivos do setor, mencionam-se algumas
estratégias hipotéticas de intervenção que, apesar de descomprometidas
da totalidade de fatores necessários para um projeto de arquitetura,
procuram questionar o modus operandi atual através da reflexão sobre
modelos alternativos.
14
15

I Contexto
16

Fig 1. Pintura com o título História de um casal


que acreditou no amor. João Timane. 2016
17

Do dual ao plural
Pré-independência 18

Uma cidade dual

De modo a melhor compreender o estado atual da cidade de Maputo,


as suas dinâmicas de funcionamento tal como as forças que continuam 1 Bautista Cecilia, Fondeur Mario,
Gucmén Elif, Mounari Beatrice,
a dar-lhe forma, é imperativo voltar o olhar para o seu passado colonial Nercollini Enzo. Economics, Analysis
de ocupação Portuguesa, uma vez que as “(…) desigualdades criadas on formal and informal economic
pelos Portugueses continuam a determinar o desenvolvimento urbano da environments shaping Maputo.
Trabalho académico. Arquitetura e
capital, décadas depois da independência do país, em 1975”1. Urbanismo Universidade de Milão.
2018. p. 11
De facto, durante o domínio português, apenas a cidade de cimento fazia
parte dos limites administrativos de Maputo (então Lourenço Marques).
Segundo Viana (2015) os subúrbios, caniços, não eram considerados
como setor integrante da estrutura espacial, pois havia a expectativa
que, com o tempo, fossem englobados e substituídos pela expansão
da cidade de cimento. Os locais, maioritariamente “indígenas”, que os
habitavam, eram sujeitos a trabalhos parcamente remunerados e tinham
o seu direito à terra muito controlado, políticas que se ajustaram nos
anos 50, mas que em grande parte se fizeram sentir até a independência.
(Jenkins, 2004)

A natureza dual do regime em Moçambique, com diferentes níveis de


acesso a vida formal, dependendo do estatuto como cidadão Português
ou Indígena, levou a que maior parte da população, durante a era
colonial, fizesse parte de uma dinâmica informal, principalmente nos
campos urbanos, do uso da terra e económicos. De acordo com Bautista
et al. (2018) citando DESA (2001), mais de 96% da população antes da
independência estava sujeita a algum tipo de limitação no acesso ao
uso formal da Terra, dado crucial para compreender o processo de
urbanização que viria a caracterizar a cidade de Maputo. 2 Melo, Vanessa de Pacheco.
Urbanismo Português na Cidade de
Maputo: passado, presente e futuro.
“(…) Numa baía abrigada a sul, com boas condições de porto natural Revista Brasileira de Gestão Urbana.
e protegida por um promontório (…) “2 Lourenço Marques teve o seu Lisboa. 2013. p.73
assentamento fundacional na atual Baixa de Maputo. Viu a sua estrutura,
“(…) de matriz regular, composta por largas avenidas arborizadas,
delimitada em parte pelo arco da Circunvalação (…)” 3, desenvolver-se ao 3 de Mendonça, Lisandra
longo dos anos para norte e oeste. Ângela Franco. Conservação da
Arquitetura e do Ambiente Urbano
Modernos: a Baixa de Maputo.
Nos anos do colonialismo assistiu-se ao aparecimento de uma série Orientadores Professores Doutores
de planos que visavam modernizar e melhorar a cidade capital. Para o Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
caso de estudo desta dissertação interessa analisar e ressaltar o papel Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
de Doutoramento. Arquitetura
dos diversos planos urbanos na reação ao crescimento urbano do séc. e Urbanismo Universidade de
XX, colocando uma atenção especial no ponto de vista dos habitantes Coimbra. 2015. p. 47
"indígenas", como forma de compreender a génese das dinâmicas de
apropriação informal que caracterizam a cidade nos dias de hoje.
19

Aparecendo no seguimento dos planos de desenvolvimento urbano


que surgiam em cidades europeias para dar resposta às situações
criadas pela Revolução Industrial, propôs-se em 1887 o primeiro plano
de desenvolvimento urbano para a cidade de Lourenço Marques.
Influenciado pelas transformações de Haussman em Paris, o plano
procurava modernizar o território, através de uma política de obras
públicas ao nível de infraestruturas, baseando-se na engenharia militar
Fig 2. Lourenço Marques em 1876. para seu desenho (Morais, 2001). Deste modo, a partir de uma geometria
A cidade muralhada cercada é ortogonal, propôs-se a abertura de ruas largas, bem como a introdução
por pantados, e para lá destes
encontram-se as palhotas da de uma série de parques e jardins.
população indigena. Richard
Thomas Hall. 1876 Segundo Pacheco de Melo, apesar de se prever a criação de um
pequeno bairro indígena, que neste período acabou por não ser
Fig 3. Planta de Lourenço Marques, construído, os planos de urbanização de cidades coloniais geralmente
ca. 1887-1888, com o traçado
esquemático do projeto de ignoravam essa porção da população, que habitava de forma marginal,
ampliação da cidade de 1887. em assentamentos periféricos, junto à vias principais com falta de infra-
Lisandra de Mendonça. 2015 -estruturas e de carácter semi-rural.
20

Entre os anos de 1900 e 1940, a cidade expande-se em direção a norte


e oeste, seguindo projetos de ampliação que refletem os princípios
urbanísticos do plano de 1887, assistindo-se também ao surgimento de
novos equipamentos públicos, como o Hospital Central. (Melo, 2013).

A consolidação das comunidades semi-urbanizadas acontece nesse


mesmo período de expansão. Chamadas de caniços devido ao material
usado na maioria das suas habitações, estas áreas contrastavam com
o centro urbanizado e planeado, a cidade de cimento. De facto, os
primeiros assentamentos informais da capital já se tinham começado a
formar no fim do século XIX, através de populações nativas, provenientes
do interior, que se instalaram nos subúrbios atraídos pela crescente
procura de mão-de-obra na cidade.

Esta expansão, maioritariamente a norte da circunvalação, foi por sua


vez tida com apreensão pelo Município, pois aparecia como ameaça
ao desenvolvimento ordenado da cidade. Deste modo, na década de
1930, proibiu-se a edificação de construções de caráter permanente nos
subúrbios (Mendonça, 2015).

Ainda segundo Melo (2013) citando Morais (2001), num esforço para
controlar o crescimento destes assentamentos informais, criaram-se dois
bairros planeados, marcados por um traçado regular que trariam uma
nova ordem aos subúrbios - Xipamanine e Munhuana (fig. 5).

Esforços subsequentes, em 1952, para implementar um plano urbano


mais compreensivo, como o Plano Geral de Urbanização de Lourenço
Marques de João Aguiar, continuaram a falhar no reconhecimento
da realidade sócio-económica da cidade, definida por uma crescente
densificação das áreas sub-urbanas. Apesar da colónia, em pleno
período do Estado Novo, ter iniciado uma política marcada por iniciativas
que procuravam atenuar as tensōes sociais existentes como a abolição do
indigenato e do trabalho forçado, o plano continuava a perpetuar uma
política de segregação, que separava a cidade de cimento e a cidade de
caniço, física e culturalmente. (Melo, 2013)

De facto, o plano de 1952, parecia ignorar a existência da cidade de


caniço, limitando-se a delimitar uma série de vazios urbanos previstos
para a construção de unidades residenciais “indígenas”, detalhando
apenas a expansão do Bairro Munhuana e a organização das residências
para “assimilados” e “eventuais”(Mendonça, 2015).
21

Fig 4. Planta da cidade e Porto de


Lourenço Marques. Autor desconhecido.
1926.
Fig 5. Planta da cidade de Lourenço
Marques. 1940. Com inclusão do traçado
dos assentamentos informais e destaque
para os bairros do Xipamanine (vermelho)
e Munhuana (azul). David Viana e Ana
Natálio. 2013.
22

Fig 6. Av. Joaquim José Machado


(atual Guerra Popular) . À esquerda,
o Prédio Abreu, Santos e Rocha e à
direita, o Prédio Spence e Lemos,
ambos pelo arq. Pancho Guedes.
Autor desconhecido. s.d.

Ainda com o plano de 1952 em vigor, começa-se a ocupar a área de


Sommerschield, bairro caracterizado pelo modelo de moradia unifamiliar,
onde se concentra, nos dias de hoje, o pequeno grupo de cidadãos de
classe média-alta. Em contraste, foi também na década de 1960 que
se regista a fixação da população nos bairros de Chamanculo, Jardim,
Chinhambanine, Benfica, Mahotas e nos bairros litorais de Xaiase, Lichase
e Laulane.

A inadequação do plano de 1952 no que dizia respeito à realidade dos


subúrbios da cidade, veio a ser criticada por Amâncio ‘Pancho’ Guedes
em 1963, arquiteto português que habitava em Moçambique, membro
dos Team X, e com uma extensa e importante obra para a cidade de
Maputo e para o País. Para Pancho, “(…) o caniço representava já
outra cidade, com uma dinâmica própria e um número de habitantes
desconhecido, com notória ausência de infraestruturas e equipamentos,
de organização espacial irregular, baseada num esquema funcional de
vias, caminhos e atalhos, que se transformavam geralmente em ruas cul-
-de-sac, onde se formava um grande pátio irregular”4. 4 Melo, Vanessa de Pacheco.
Urbanismo Português na Cidade de
Maputo: passado, presente e futuro.
No ano de 1969 elabora-se o Plano Diretor de Urbanização para Lourenço Revista Brasileira de Gestão Urbana.
Marques, que veio a ser aprovado em 1972. Mais flexível e adaptável do Lisboa. 2013. p.78
que o anterior, este plano procurava integrar as comunidades plurirraciais
pela distribuição do espaço (Morais, 2001). Assim, o plano propunha a
criação de espaços antecipados para a expansão urbana, procurando
também servir os caniços de melhores acessos, infra-estruturas e
equipamentos (Melo, 2013). Estas medidas nunca chegaram a ser
devidamente implementadas de forma significativa e a cidade de cimento
continuou a beneficiar da maioria dos recursos. Neste período verificou-
se também a densificação vertical do centro da cidade, com o surgimento
de tipologias importadas dos E.U.A e da Europa.
23

Fig 7. Vista geral da Escola Clandestina


no Caniço, de Pancho Guedes, L.M. Autor
desconhecido. 1969.

5 Fernandes, Ana Silva. Durante este período de crescimento da cidade de Maputo, ainda
Nascimento, Augusto. O “Direito como Lourenço Marques, verificou-se a criação de um fosso entre
à Cidade” nos PALOP: Quatro
décadas de expansão urbana, de as cidade de cimento e de caniço, e não se conseguiu fazer frente a
políticas e de mutações sociais. esta disparidade nem acompanhar o crescimento urbano através dos
Notas para uma investigação. diversos planos anteriormente descritos. Os planos urbanos “(…) só
Cadernos de Estudos Africanos
[Online], 35 | 2018, posto online no tinham sentido em função de um crescimento lento ou contido(…)”5,
dia 02 outubro 2018, consultado o cenário que era contrariado pelas dinâmicas subsequentes (Fernandes e
08 novembro 2018. p.117 Nascimento, 2018). Pelo contrário, perpetuaram-se esquemas e medidas
de intervenção que culminaram numa cidade dual herdada pelo povo
Moçambicano após a independência.
6 Forjaz, José; José Forjaz: a
paixão do tangível, uma poética “O urbanismo colonial revelava a natureza dualista da sociedade colonial.
do espaço. 1.a ed. Maputo: Escola Uma cidade organizada, e por vezes bem organizada, para os brancos e
Portuguesa de Moçambique,
Centro de Ensino de Língua outros ‘assimilados’, e um território urbano caótico ocupado pelos negros
Portuguesa (EPM – CELP); 2012 p.13 e outros descriminados.”6
24

Fig 8. Cartaz do IV Congresso do Partido


Frelimo. Autor desconhecido. 1983
25
Pós-independência
Uma cidade plural

Em 1975, no seguimento da guerra de libertação conduzida pela


FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), o País conseguiu
a independência. De pendor socialista - com apoio da URSS, num
momento em que o sistema de bipolarização ideológica mundial,
movido pela Guerra Fria, se fazia sentir - o partido foi responsável pela
implementação de políticas de desenvolvimento como a centralização
do poder politico-administrativo, a nacionalização dos prédios de
rendimento, da educação e da terra.

Apesar de apresentar um projeto de sociedade arracial, assistiu-se a um


“êxodo em massa dos colonos brancos, trabalhadores especializados e
7 Newitt, Malyn. História de profissionais negros e indianos”7. Segundo Mendonça (2015) o ataque
Moçambique. [ed.?] Mem Martins: à propriedade privada, a transição rápida de mudança de poder e a
Publicações Europa-América. 1.a
ed. 1997. Tradução por Lucília instituição do regime socialista formam as principais causas para o mal-
Rodrigues e Maria Georgina -estar dos antigos proprietários, forçando a sua saída e abandono de
Segurado do original em inglês casas e apartamentos. Dado o passado colonial anteriormente descrito,
de 1995 (History of Mozambique,
London: C. Hurst & Co. (Publishers) isto significava que a maioria da população formada abandonava o país
Ltd.). 2012. p.473 num espaço de tempo extremamente curto.

Este primeiro momento da independência do país viu-se seguido de


uma Guerra de desestabilização, a partir de 1976 , fomentada pela
RENAMO - partido pertencente ao lado oposto no espectro da Guerra
Fria - que, com o apoio da Rodésia e África do Sul em pleno apartheid,
foi responsável por começar uma contra-revolução, caracterizada pela
matança, destruição e enfraquecimento da infraestrutura nacional. O
conflito acabou por culminar numa Guerra Civil, que durou 16 anos,
tendo o seu fim em 1992. Desastrosa para a estrutura social e económica
do país, a guerra viu os valores que a justificavam serem alterados ao
longo desses anos, e as suas consequências ainda se fazem sentir nos
dias de hoje.

Neste contexto, as cidades tornaram-se em pólos aglutinadores


das migrações internas, pois para além de conterem em si maiores
oportunidades de emprego, elas representavam o destino de fuga
ao cenário instável e desprotegido do meio rural. Assistindo-se a um
crescimento urbano, mesmo em contexto de fragilidade económica e
independentemente das cidades oferecerem, ou não, as oportunidades
prometidas. Face à escassez de espaço e infraestruturas disponibilizadas
pelas entidades públicas, a apropriação do solo e a auto-construção,
que já se verificavam durante o colonialismo, apresentavam-se como
alternativas para obtenção de um lugar junto às cidades, na busca por
uma melhor qualidade de vida (Fernandes e Nascimento, 2018). De facto,
segundo Viana (2015) os subúrbios avançaram no sentido do núcleo,
ruralizando a cidade, ao mesmo tempo que de forma geral entre os anos
de 1973 e1982 estes se expandiram significativamente, marcados pelas
frágeis condições de habitabilidade.
Fig 9. Ilustração, apreensão de um improdutivo urbano. 26
Domingos Macassa (publicado pelo jornal Domingo no
dia 7 de Agosto de 1983, p.3)
27

Apesar do contexto de instabilidade anteriormente descrito, procurou-


se implementar, nesta altura, uma série de medidas que procuravam
fazer frente aos problemas urbanos. Em 1976, as entidades oficiais
redefiniram administrativamente o limite urbano de Maputo, incluindo
agora os caniços, com o intuito de melhorar as suas condições urbanas
( Viana, 2015). Procurou-se melhorar as infra-estruturas das áreas semi-
-urbanizadas, fornecer habitação estatal e disponibilizar talhões para
auto-construção. Em antítese, são deste período também medidas,
mais agressivas com fortes impactos negativos, como a “operação
produção” de 1983 que, almejando travar o crescimento urbano,
8 “Os improdutivos urbanos eram consistia na evacuação forçada da cidade para o campo dos chamados
politicamente percebidos como “improdutivos”8 (Melo, 2013).
causadores de criminalidade,
prostituição, vadiagem nas cidades
no geral e em particular nas Segundo o estudo realizado pelo Centro de Estudos e Desenvolvimento
principais cidades do país (com do Habitat (CEDH) 9, pode-se organizar o período do pós-
maior destaque para a cidade de -independência da cidade de Maputo em 3 fases distintas, a saber: 1975-
Maputo.”
-77, ocupação da cidade; 1977-1987, começo da deterioração urbana
Quembo, Carlos Domingos.
O Poder do poder: Operação e ambiental da cidade; 1987- princípios da década de 2000, etapa de
Produção e a invenção dos deterioração e início da recuperação.
“improdutivos”urbanos no
Moçambique socialista, 1983-1988. Acrescenta-se a estas uma quarta fase, 2000-atualidade, descrita por
Alcance editores. Maputo. 2015.
p.13 Viana (2015) como sendo marcada pelo incremento de investimentos
privados nas áreas centrais da Cidade.
9 CEDH - Centro De Estudos e
Desenvolvimento do Habitat. Ao longo destas fases procurou-se identificar alguns acontecimentos
Melhoramento dos Assentamentos
Informais, Análise da Situação chave, para compreender os fenómenos a serem estudados no próximo
e Proposta de Estratégias de capítulo desta dissertação. Assim, procurou-se olhar especificamente
Intervenção [em linha]. Maputo: para as dinâmicas de apropriação, auto-produção e de ocupação informal
Direcção Nacional de Planeamento
e Ordenamento Territorial na cidade de cimento e seus arredores próximos uma vez que, apesar de
(DINAPOT); Ministério para a terem a sua génese no período colonial, foi após a independência que se
Coordenação da Acção Ambiental começou a verificar efetivamente uma suburbanização ou ruralização da
(MICOA); UN-HABITAT. 2013].
Moçambique. 2006. p.16-17 retícula colonial, e consequentemente de novas dinâmicas no interior dos
seus quarteirões, objeto de estudo do trabalho.
N
28
Coop

Malhangalene B
Xipamanine Minkadjuine Sommerchield
Mafalala

Malhangalene A

Cham.B
Chamanculo A Alto-Maé A Central A

Malanga Polana Cimento B


Central B

Alto-Maé B Polana Cimento A

Central C
C.F.M

0 500

Fig 10. Morfologia da cidade de


Maputo. Desenho de autor com
base em Lacharte, 2004-2005.
As designações adoptadas para
Área rica Área desenvolvida Área central degradada categorizar as diferentes áreas da
cidade são também da autoria de
Área de caniços Limite do bairro Limite do distrito Lacharte.
29

Ocupação

Entre 1975 e 77, como mencionado anteriormente, assistiu-se a


um abandono em massa por parte dos colonos, e as habitações
abandonadas, agora nacionalizadas pelo governo, passaram a ser
alugadas a moçambicanos, fixando-se, deste modo, uma nova população
na cidade de cimento, proveniente na sua maioria dos subúrbios ou
de outras cidades (Oppenheimer e Raposo, 2002). Neste processo,
aparecem novas áreas habitacionais, acompanhadas por equipamentos
de apoio como postos de saúde, escolas e mercados. Contudo viria a
verificar-se um agravamento das condições de vida na cidade, dada a sua
rápida expansão, ao que se somavam os novos usos dos seus habitantes
e a instabilidade política (Viana, 2015).

As maiores alterações causadas pela ocupação deram-se sobretudo


nos bairros limítrofes com os subúrbios. Bairros como Alto-Maé e a
Malhangalene tinham ficado vazios após a independência, e foram
rapidamente ocupados pela população dos subúrbios (Mendes, 1985).
Antagonicamente, no lado Este da cidade, bairros como a Polana e
a Sommerschield mantiveram-se como zonas para a população com
maiores recursos económicos, situação que se verifica ainda nos dias de
hoje.

Simultaneamente, as periferias da cidade de cimento cresciam. De facto,


os problemas nelas identificados não deixam de existir. Pelo contrário,
movido pela guerra, o seu crescimento acelera. Estes espaços são
ocupados por residências precárias, em setores com fácil acessibilidade
aos postos de trabalho, maioritariamente localizados no centro da cidade.
Assim, os bairros autoproduzidos tendiam a priorizar a sua proximidade
com as vias de acesso ao centro, colocando-se várias vezes em espaços
impróprios para habitação, com formas irregulares, sem infraestruturas
básicas e debilitadas condições de vida (Viana, 2015). A auto-construção
Fig 11. Desalojados de Angola.
Empresa Pública Jornal O Século. e apropriação viriam a marcar a capital, como único meio de obtenção de
1975 um lugar na cidade para a maior parte da população.
30
Fig 12. Mercado do Museu. Maputo. 2021
31

Começo da deterioração urbana

Os esforços para organizar recursos começam a debilitar-se no período


entre 1977 e 87. Por consequência, os edifícios, ruas e parques da cidade
começam a perder a sua qualidade. Como refere Lisandra Mendonça,
esta deterioração estava associada às dificuldades em consolidar as
novas políticas socialistas, à guerra que conduziu a uma crise financeira
e económica, aos baixos salários que não permitiam contribuição fiscal
para manutenção dos prédios e serviços e a uma fraca tradição urbana
da maioria da população. Foi também nesta época que se assistiu ao
surgimento do setor informal na cidade.

Surgimento do setor informal


Segundo Oppenheimer e Raposo (2002), o setor informal surgiu no
início dos anos 1980, traduzindo-se de várias formas, de entre as quais
o mercado clandestino de produtos alimentícios, o mais repetido e
presente na paisagem urbana. Devido à escassez de oferta de emprego
no sector formal, os habitantes da cidade passavam a recorrer ao
mercado informal de prestação de serviços ou venda de produtos, como
modo de subsistência.

Estas atividades, já existentes nos subúrbios até 1980, mas difíceis de


encontrar na cidade de cimento dada a presença das autoridades,
aparecem em força a partir de 1990, aquando das mudanças de
orientação política e económica do Estado consistentes com uma
abertura à privatização dos serviços e atividades comerciais, passando
a constituir um elemento crucial na reticula colonial. Forma-se deste
modo, uma espécie de mercado paralelo de pequenos comerciantes e
prestadores de serviço que atuavam num mundo informal (Mendonça
2015).
32

Fig 13. Terraço habitado, Maputo. 2021


33

Aculturação da cidade

Com início na independência, mas tendo o seu pico na década de 1990,


assistiu-se a um adensamento e crescimento populacional na cidade de
cimento. Grande parte desta ocupação da cidade dos colonos verificou-
-se sob forma de construções informais, que “(…) causaram rupturas
nos usos e costumes urbanos, ou por outras palavras a ruralização da
10 de Mendonça, Lisandra cidade”10. A capital foi-se transformando, ficando cada vez mais ocupada,
Ângela Franco. Conservação da apropriada e adulterada, hibridizando lógicas de coexistência entre o
Arquitetura e do Ambiente Urbano
Modernos: a Baixa de Maputo. formal e o informal, citadinas e rurais, e principalmente de aculturação
Orientadores Professores Doutores informal do formal (Viana, 2015).
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
de Doutoramento. Arquitetura Nos Bairros mais ocupados pela nova população notava-se que os
e Urbanismo Universidade de residentes procuravam viver como nos subúrbios. Assim, em sítios como
Coimbra. 2015. p.162 o Alto-Maé e a Malhangalene, os edifícios de carácter moderno tinham
agora os seus usos originais completamente redefinidos, havendo relatos
como o da realização de fogueiras em banheiras, ou como a pilagem e
peneira de alimentos nos terraços dos prédios de rendimento.

Nestes primeiros tempos, os novos locatários pagavam uma renda


simbólica, mas passados poucos anos a mesma deixou de ser
comportável. Seguiu-se um momento de imigração dos residentes “(…)
para os seus bairros de proveniência (maioritariamente na periferia), por
dificuldades em pagar despesas correntes ou, depois das privatizações,
para melhorar os seus rendimentos, fornecendo para aluguer os seus
11 de Mendonça, Lisandra flats ou moradias dentro da cidade de cimento”11. Em outras instâncias,
Ângela Franco. Conservação da abandonavam-se apartamentos, passando a habitar em pequenas
Arquitetura e do Ambiente Urbano
Modernos: a Baixa de Maputo. construções simples auto-produzidas, de carácter informal, normalmente
Orientadores Professores Doutores localizadas no logradouro do edifício ou na sua cobertura.
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
de Doutoramento. Arquitetura Os fenómenos descritos, associados ao crescimento contínuo da
e Urbanismo Universidade de população, contribuíram para a deterioração da cidade. A cidade de
Coimbra. 2015. p.180 cimento tinha deficiências em todos os aspetos da gestão urbana,
desde o acesso à água canalizada, à recolha e tratamento de lixos. Ao
mesmo tempo, os subúrbios continuavam a crescer em direção a Norte,
compreendendo em si os mesmos problemas, mas de forma muito mais
preocupante e intensificada.
34

Fig 14. Centro urbanzidado e evolução das áreas semiurbanizadas de Maputo


Legenda: A-Centro urbanizado, B-Áreas semiurbanizadas, C-Áreas de atividade
económica, D-Áreas húmidas e inundáveis, E-Outras áreas naturais, seminaturais,
de lazer e vazios. Cristina Delgado Henriques. 2008
35

Início da recuperação

O retorno da população para os subúrbios veio a acontecer em grande


parte influenciado pelas modificações ocorridas a nível económico e pelo
fim do conflito interno, na época entre 1987 e 2000. Com o objetivo de
melhorar as condições do país, Moçambique tinha-se aberto à economia
de mercado, aderindo ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao
Banco Mundial (BM). Estes, apesar de fomentarem a recuperação urbana,
tiveram, num primeiro momento, consequências graves na economia do
país. Medidas como a concentração da produção e os cortes na despesa
pública, contribuiram para a fragilização da produção de pequena
escala, promovendo um crescimento irregular e desigual que aumentou
a polarização social e agravou as condições de vida das populações
(Melo, 2013). É também nesta altura que se abandonam os programas de
planeamento físico criados na década socialista, e se inicia um processo
de democratização, implementando-se um regime multipartidário.

Datam desta altura algumas medidas que procuravam fazer frente aos
problemas do ambiente urbano. Segundo Viana (2015), procurou-se
criar uma legislação para liberalizar a atividade imobiliária, investiu-se no
desenvolvimento da indústria de materiais de construção e estruturou-se
um Fundo de Fomento de Habitação que pretendia dinamizar o setor.
Contudo as medidas foram pouco incisivas, uma vez que o número
de casas disponibilizadas e de talhões com acesso a infra-estruturas
básicas, ficavam muito aquém das necessidades da crescente população.
Destaca-se ainda a Lei de Terras, onde se acordava que, apesar de aberta
para investimentos privados, a terra permaneceria propriedade do Estado
(Melo, 2013). Uma última iniciativa no fim deste período, em 1999, foi o
“(…)Plano de Estrutura da Área Metropolitana de Maputo, financiado
pelo BM, executado numa perspectiva top-down, gerando discussão e
polémica na Assembleia Municipal de Maputo, que acabou por não o
12 Melo, Vanessa de Pacheco. aprovar”12.
Urbanismo Português na Cidade
de Maputo: passado, presente e
futuro. Revista Brasileira de Gestão Gentrificação
Urbana;.Lisboa. 2013. p.80
Maputo expandia-se fisicamente muito rapidamente e sem controlo, ao
mesmo tempo que o fenómeno de gentrificação começava a absorver a
cidade de cimento. Os espaços disponíveis nas melhores áreas da cidade
foram procurados para a construção de condomínios privados para a
população com maior poder de compra. Deste modo, acentuava-se o
abandono gradual das áreas centrais pelos habitantes mais pobres que,
dada a pressão imobiliária, acabavam por alugar ou vender os imóveis
previamente disponibilizadas pelo Estado.

Com a adopção do modelo de cidade neoliberal, recuava-se para as


dinâmicas do tempo colonial: os mais pobres eram empurrados para as
periferias, para dar lugar na cidade a uma elite que se começava a formar
no país. Os subúrbios cresciam, tendo a maior parte dos residentes de
recorrer a medidas informais, como a auto-construcão individual e a
ocupação de espaços impróprios para habitação. De acordo com Viana
(2015), citando Raposo e Salvador (2007), os subúrbios já não continham
13 Lage, Luís. Carrilho, Júlio
(coord.). Inventário do Património em si apenas dinâmicas rurais, mas também não seguiam dinâmicas
Edificado da Cidade de Maputo: totalmente citadinas dos bairros centrais. Criavam-se, deste modo, “(…)
Catálogo de Edifícios e Conjuntos novas concepções urbanísticas e estilos arquitectónicos próprios, formas
Urbanos Propostos para
Classificação. 1.a ed. Edições FAPF de socialização e de exercício de solidariedade característicos e, também,
Maputo. 2010. p.9 uma verdadeira cultura urbana”13 .
36

Fig 15. Pintura com o título Machimbombo. Pancho Guedes.s.d.


37

Codependência cidade - subúrbio

Não obstante o seu carácter de segunda cidade com dinâmicas próprias,


os subúrbios continuavam dependentes do centro, e o centro manteve
em si resquícios de informalidades provenientes da periferia. Desta
correlação nasceu um fluxo diário de população entre o subúrbio e o
centro. O habitante pobre da periferia embarcava todos os dias numa
viagem para os bairros centrais, onde se concentravam os locais de
emprego e equipamentos públicos, tal como melhores oportunidades de
sobrevivência através dos mercados informais. Estes movimentos estão
na génese da emergência do mercado de transportes coletivos privados
(chapas ou machimbombos), que possibilitavam a conexão entre os
diferentes bairros, tal como dos vendedores ambulantes (tchovas), que
caminham com pequenas barracas móveis improvisadas ao longo das
vias principais (Viana, 2008).

Apesar de passar o dia na cidade, à semelhança do período pré-


-independência, a maioria da população não a conhecia devidamente,
tinham em si o peso de não passar de visitantes, que à noite deviam
retirar-se para os subúrbios.

Atualidade

Para além das três fases apresentadas anteriormente, Viana identifica


uma quarta, desde o ano 2000 até à atualidade. Esta fase caracteriza-se
pelo aumento de investimentos privados nas áreas centrais da cidade,
tal como pela especulação imobiliária nos subúrbios. No entanto, estes
investimentos pouco ou nada melhoram as condições da maior parte
da população da cidade. Efetivamente, acabam por contribuir para
a continuação da deslocação forçada dos habitantes para áreas cada
vez mais longínquas, tal como para a eliminação do sector informal
presente na cidade de cimento, contribuindo, desta forma, para uma
descaracterização e alienação da cidade para a população com menor
poder de compra, a maioria.
38
39

PEUMM

Cristina Delgado Henriques ilustra, numa série de mapas, a evolução e


crescimento da estrutura da cidade de Maputo (fig.14), que multiplicou
várias vezes o seu tamanho original. Entre 1964 e 2008 fica claro que
as áreas periféricas suburbanizadas ocupam agora a maior área da
cidade e caracterizam o principal tipo de ambiente urbano. Contudo, de
acordo com o PEUMM (2008), estas áreas continuam na categoria “por
urbanizar”.

Aprovado em 2008, o Plano de Estrutura Urbana do Município de


Maputo (PEUMM), não garante o estatuto de urbano às áreas periféricas,
apesar do seu número populacional, atividades económicas e dinâmicas
próprias que fariam destes espaços cidades. Isto deve-se à falta de
alguns elementos chave: infra-estruturas e equipamentos. Deste modo, o
PEUMM reforça a noção que, para que se trate de cidade, devem existir
equipamentos e planeamento disponibilizado pelo Estado (Bautista et
al. 2018). Apesar de certas medidas como a ponte de Katembe e a via
circular se terem implementado, a maioria acaba por ser ultrapassada
pelo real crescimento da cidade. Jenkins (2012) associa essa situação ao
facto do PEUMM continuar a adotar uma abordagem top-down, muito
14 Melo, Vanessa de Pacheco. centrada no papel do Estado ao nível do desenvolvimento urbano,
Urbanismo Português na Cidade de privilegiando ambiciosas aspirações físicas e pouco considerando
Maputo: passado, presente e futuro. necessidades sociais, tendências demográficas, a real base económica
Revista Brasileira de Gestão Urbana.
Lisboa. 2013. p.80 para a sua implementação e questões de natureza metropolitana.”14

Fig 17. Mapa de usos de Maputo.


PEUMM. Município de Maputo.2008
40

Fig 18. Pintura com o título Uma selfie. João Timane. s.d.
41

Para além da dicotomia


Entre formal e informal 42

Analisando os diferentes períodos da história da cidade, é possível


identificar um fator que se manteve constante ao longo dos anos: a
posição da população indígena, e mais tarde das classes pobres, num
mundo paralelo informal, desligado do controlo e organização legal
do Estado. Lê-se, desta maneira, o território como um espaço dual
organizado entre a cidade oficial planeada e os subúrbios - o cimento
e o caniço. Apesar de inúmeras tentativas pelas entidades responsáveis
de englobar as periferias no sistema formal de organização, os caniços
desenvolveram-se e contêm nos dias de hoje a maioria da população da
cidade. Esta permanece, contudo, dependente do centro urbanizado
para subsistência, verificando-se um pêndulo diário de deslocações entre
as duas.

Contudo não se pode sintetizar todo o processo de crescimento da


cidade como algo que culminou no binómio formal/informal. A partir
da independência do país, verificou-se que a dicotomia foi extravasada:
as lógicas de funcionamento da população dos subúrbios invadiram a
cidade do colono, e vice-versa, e percebeu-se o surgimento de novas
centralidades, abalando a visão redutora de centro-periferia. Estes vários
mundos informam-se e influenciam-se fortemente. Durante muitos anos,
e até os dias de hoje, o que se verifica nos diferentes bairros da cidade é
uma pluralidade de dinâmicas, que nela coexistem. Apesar de à primeira
vista a cidade de cimento se ter mantido quase inalterada, verificou-se de
facto a apropriação da mesma por parte do Moçambicano. Com ênfase
na década imediatamente após a independência, a cidade sofreu uma
aculturação, uma estrutura idealizada pelo antigo regime tomava agora
novas fácies informadas pela interpretação dos locais de seus usos. A
metamorfose entre estes dois mundos, apresentou na cidade de cimento
( parte focal desta invetigação) dinâmicas urbanas novas que contribuíram
para uma identidade cultural do espaço urbano, importante para a
memória coletiva dos habitantes da cidade.

Raposo (2012) divide o período pós colonial em dois momentos: “(…) 10


anos de transição visando à criação de uma cidade socialista africana e 25
anos de construção de uma cidade neoliberal que se consolida no novo
milénio.”15. Em ambos, a cidade foi-se transformando num cenário plural 15 de Mendonça, Lisandra
de coexistência entre artefactos urbanos e dinâmicas formais e informais. Ângela Franco. Conservação da
Contudo, no último, os novos investimentos ameaçam erradicar esta Arquitetura e do Ambiente Urbano
Modernos: a Baixa de Maputo.
condição, acentuando a segregação e vincando dualidades na Capital. Orientadores Professores Doutores
O interesse por investigar e documentar as informalidades na cidade de Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
cimento, surge assim, neste trabalho, como forma de debater e refletir Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
de Doutoramento. Arquitetura
sobre a pertinência dos mesmos como elementos urbanos dos quais se e Urbanismo Universidade de
deve tentar aprender, manter ou até reproduzir. Coimbra. 2015. p.174
43

34

Fig 19. Dynamic Maputo: Where formal meets informal. W.


Wambecq, A. Beja da Costa. 2009
Legenda: Preto- traçado categorizado como formal, Verde-
traçado categorizado como informal.
44

”(...) it is critical that the binaries that have come to define the terms for this
debate (the rich and the poor, the formal and the informal, the center and
periphery, the third and first worlds) be dissolved. Instead, the discussion
should be positioned in different terms such as questions of the hybrid,
simultaneity, notions of coexistence and other ways of framing the issue.
(...) It is with this shift that the informal city would perhaps be seen not as a
condition that needs to be re-made but rather as a contagious phenomenon
that actually remakes and humanizes cities.”

Mehrotra, Rahul. Re-thinking the informal city, Informal community – area 128. 2013. p.12
45

Fig 20. Mercado da Malanga. Maputo. 2021


46
47

II Objeto
48

0 500

Fig 21. Planta parcial da cidade de Maputo.


Área em estudo destacada a preto.
49

Forma
N
50

0 500

Fig 22. Morfologia da cidade de Maputo.


Área em estudo destacada a preto.
Desenho de autor com base em Lacharte,
2004-2005. As designações adoptadas
para categorizar as diferentes áreas Área rica Área desenvolvida Área central degradada
da cidade são também da autoria de
Lacharte. Área de caniços Limite do bairro Limite do distrito
51

O estudo das apropriações informais na cidade de Maputo concentrar-


-se-á numa área escolhida pela sua capacidade de refletir a totalidade
da cidade de cimento. Trata-se de quatro faixas de quarteirões
compreendidos entre a Av. da Maguiguana a norte e a Av. Ho Chi Min
a sul, que se estendem de este para oeste entre a Av. Julius Nyerere
e o antigo arco da circunvalação. Os 84 quarteirões que encontramos
nesta zona, destacados a preto na Fig. 22, correspondem a uma porção
da cidade de cimento capaz de exemplificar a variedade de estratégias
urbanas, morfologias, usos e apropriações existentes na cidade. Tal é
a razão de se ter orientado a faixa na direção este-oeste, obrigando a
área de estudo a atravessar bairros com diferentes níveis económicos,
fator fulcral para a determinação das dinâmicas de funcionamento do
quotidiano.

Neste capítulo concentramo-nos no estudo da forma deste território.


Com forma, referimo-nos às características morfológicas da cidade
do colono, sem considerar a inclusão dos elementos surgidos após a
independência, maioritariamente ligados ao universo informal. Estuda-
-se desta maneira os diferentes tipos de quarteirão que fazem a cidade, a
relação entre a tipologia dos edifícios com o domínio público, bem como
a condição dos espaços de logradouro na sua relação com o tipo de
quarteirão e o tipo de edifício.

A necessidade de entender a forma da cidade surgiu aquando da visita


à mesma, onde se compreendeu a importância de certos elementos
particulares do urbanismo colonial, para o modo como se efetuou a
apropriação da mesma após a revolução. De facto, alguns espaços
parecem ter sido desenhados para albergar os usos que se verificam
nos dias de hoje. De modo a compreender em que medida esta
ideia é real, ou se a naturalidade com que as apropriações aparecem
resulta de uma possível genialidade de quem as faz ou apenas da sua
presença já assente na memória coletiva, propusemo-nos a analisar as
contribuições do urbanismo do colono neste capitulo, e do urbanismo
das informalidades, no próximo.

O estudo da forma não pretende contudo ser uma análise exaustiva do


urbanismo colonial português. São escolhidos certos temas e elementos
urbanos que de alguma forma diferenciem este território da grande
maioria das cidades, ou que se inter-relacionem com as apropriações
informais do espaço, tema principal da investigação.
52
Tipos de quarteirão

O primeiro elemento a analisar na cidade é o quarteirão: a base da malha


quadricular que caracteriza a zona de cimento. Este varia de acordo
com a implantação dos edifícios no espaço diponibilizado pela métrica
do traçado geral, sendo responsável pela definição dos espaços que
constituem a cidade. Apesar de ter uma malha regular, em Maputo não
encontramos a repetição ou homogeneidade tipológica do quarteirão,
que verificaríamos em cidades como Barcelona. Há aqui uma grande
variedade de estratégias de composição deste espaço, encontrando-se
diferentes modos de implantar os edifícios, de dimensionar os lotes, ou
de definir o limite entre espaço público e privado.

Deste modo, entendendo-se que as diferenças podem influenciar


possíveis apropriações dos seus espaços, procura-se identificar tipologias
de quarteirão, analisando as características que os diferenciam, bem
como as consequências para a sua vivência no quotidiano.
Para tal, através da análise cartográfica e da informação recolhida durante
a visita à cidade, identificaram-se 6 tipos de quarteirão em Maputo. Com
nomenclaturas que procuram descrever o seu processo de formação, os
quarteirões - perímetro, ocupação, corte, cul de sac, praceta e bloco - são
descritos individualmente. Interessa contudo mencionar que, em alguns
casos, o quarteirão contém elementos de duas ou mais tipologias, tendo-
-se optado nestes casos por considerar o processo que se revelasse mais
marcante na sua organização.

De todo o modo, na figura 23 percebemos a grande variedade


e heterogeneidade de quarteirões na cidade, onde se verificam
apenas certas zonas onde se repete uma tipologia, normalmente
caracterizadas pelo programa mais habitacional, como é o caso do bairro
Sommerschield (na faixa nascente), por exemplo. Ao observar a zona de
estudo, verificamos que se trata de uma fatia extremamente heterogénea
da cidade. Este fenómeno interliga-se com a variedade de programas
nela presente, apresentando-se como uma das razões da sua escolha, já
que se procuram analisar as apropriações informais no seu maior número
de vertentes e condicionantes possível.
53 N

0 500

Perímetro Ocupação Corte Cul de sac Praceta Bloco Zona de estudo

Fig 23. Tipos de quarteirão.Maputo


54

Perímetro
Formado a partir do posicionamento dos edifícios junto às ruas que
definem o quarteirão, essa configuração é, talvez, o tipo de quarteirão
mais comum e expectável em cidades de malha regular como o caso de
Maputo. As construções principais de cada lote constituem, neste caso,
o perímetro completo do quarteirão, respeitando uma linha limite de
extensão dos edifícios na direcção do logradouro.
No caso do quarteirão perímetro de Maputo, a grande maioria dos
lotes contém nos seus espaços de logradouro construções secundárias,
normalmente de cércea mais baixa e com carácter de anexo. Posto
isto, apesar deste tipo de quarteirão não ter, em Maputo, o seu
interior desocupado, dada a altura das construções que o preenchem,
recorrentemente beneficia de uma desobstrução visual no seu espaço
interior.
Uma das características mais importantes deste quarteirão é o tamanho
da sua área de logradouro: generosa, dado o posicionamento de edifícios
junto aos limites exteriores da quadrícula. O quarteirão perímetro oferece
uma vasta área para as apropriações a estudar neste trabalho.

Ocupação
Como se pode verificar na fig. 27, o quarteirão forma-se por um processo
de ocupação de uma grande percentagem de seu espaço disponível,
por parte de um ou mais edifícios. Na figura, entendemos que, apesar da
grande maioria dos edifícios principais se localizarem junto ao perímetro,
o edifício da antiga padaria Saipal, pelo celebre Arquiteto Pancho
Guedes, se afasta do mesmo. Deste modo, passa a ocupar a zona central
do quarteirão, sendo o seu lote e edifício visivelmente maiores que os
adjacentes.
Este tipo de quarteirão tende a existir ligado à presença de uma
construção de carácter especial, seja pelo seu programa ou dimensão
(escolas, instituições públicas, estacionamento ou armazéns). Não
obstante, verificam-se situações onde o edifício que ocupa é de
habitação, localizado no interior, mas com entrada e acesso ao lote desde
a rua.
A monopolização de uma área maior do espaço do interior do quarteirão,
por parte de um só edifício, tem por consequência a diminuição da
área de logradouro deste tipo de quarteirão. O logradouro perde,
também, algum do seu carácter de traseira, uma vez que contém em si
um edifício principal, que confunde as noções de frente de rua e tardoz,
distinguindo-se das construções típicas de logradouro.
Corte
O terceiro tipo de quarteirão, o mais comum na área que nos
propusemos estudar, consiste naquele formado a partir de um ou mais
cortes na forma original proporcionada pelo traçado da cidade. Estes
cortes são efetuados por vias secundárias para automóveis e peões que o Fig 24. Exemplo de quarteirão
subdividem em “sub- quarteirões”. perímetro. Maputo

À semelhança do quarteirão anteriormente descrito, este processo tem Fig 25. Mapa de Maputo com o
quarteirão perímetro destacado
como característica mais forte uma densificação deste elemento urbano. a vermelho.
Através das novas vias criadas, multiplica-se a frente de rua, formando-se
uma segunda quadrícula de menor dimensão. Desta forma, os edifícios Fig 26. Exemplo de quarteirão
principais, posicionados junto à rua, aumentam em quantidade. ocupação. Maputo

O processo de densificação é responsável pela diminuição do tamanho Fig 27. Mapa de Maputo com o
quarteirão ocupação destacado
de cada lote, e por sua vez dos espaços de logradouro e quintal. a bege.
Simultaneamente, as novas ruas, principais espaços públicos na cidade
de Maputo, aparecem quase sempre desalinhadas com o traçado Fig 28. Exemplo de quarteirão
principal, tratando-se de gestos locais, que no máximo criam relações corte. Maputo
com os quarteirões adjacentes. Estas vias proporcionam um ambiente Fig 29. Mapa de Maputo com
mais calmo e de comunidade para os habitantes, uma vez que contêm o quarteirão corte destacado a
um fluxo viário muito menor que as principais. amarelo.
N
55 0 50

0 1000

0 1000

0 1000
56

Cul de sac
À semelhança do quarteirão corte, o quarteirão cul de sac surge a partir
da implementação de uma nova rua, contudo sem saída.
Há, na zona de estudo, uma série de quarteirões deste tipo, inúmeras
vezes associados a projetos de habitação que formam as duas frentes da
nova rua. O cul de sac aparece também como um meio para densificar
o quarteirão original, através do aumento da área de frente de rua.
Contudo, a rua, por ser sem saída, acaba por se restringir muito mais
aos moradores dos edifícios que a formam. Este fenómeno dá-se devido
ao facto da nova via ter um carácter de ponto final e não de passagem,
diminuindo as possibilidades de utilização por um transeunte não
habitante.
O cul de sac pode então aparecer na cidade como simples espaço
de acesso aos edifícios: calmo, servindo de estacionamento para
os automóveis da zona, bem como um espaço vivo e habitado pela
vizinhança, que usufrui das suas qualidades de segurança e pouco
movimento exterior.

Praceta
Praceta é a denominação escolhida para os quarteirões que criam, junto
ao seu centro geométrico, um espaço público com carácter de praça,
acessível desde a rua.
Nestes casos, uma rua secundária conecta-se com a malha viária
principal, levando o transeunte para o interior do quarteirão onde um
pequeno largo é definido pelos edifícios. A disponibilização deste espaço
para a cidade vem ligada, por um lado, a uma densificação do quarteirão
através da multiplicação da frente de rua, e por outro à abdicação da área
disponível de cada lote.
Este modelo de quarteirão incentiva fortemente a criação de um sentido
de comunidade e vizinhança, virando-se para dentro com um espaço
partilhado que, ao contrário dos anteriormente estudados, não se limita
ao acesso, explorando as possibilidades de permanência e uso destes
espaços no seu desenho.
Bloco Fig 30. Exemplo de quarteirão
cul de sac. Maputo
O tipo de quarteirão menos comum na malha regular da cidade de
cimento é aquele criado a partir do posicionamento dos edifícios Fig 31. Mapa de Maputo com o
quarteirão cul de sac destacado
principais em blocos paralelos. a azul.
Baseando-se no urbanismo do Movimento Moderno, este tipo explora a Fig 32. Exemplo de quarteirão
ocupação e densificação do quarteirão através de blocos que se desligam praceta. Maputo
da orientação da grelha urbana, posicionando-se segundo a orientação
Fig 33. Mapa de Maputo com o
solar. O quarteirão bloco varia entre edifícios livres, acessíveis de todos os quarteirão praceta destacado a
lados, e barras paralelas que formam entre si pequenos pátios privados, castanho.
assumindo frente e traseira.
Fig 34. Exemplo de quarteirão
Com uma maior concentração no Bairro da Coop na zona norte da bloco. Maputo
cidade, este quarteirão difere dos anteriormente estudados, desafiando Fig 35. Mapa de Maputo com
as noções de rua, lote, frente, logradouro e de espaços públicos e o quarteirão bloco destacado a
privados. cor-de-rosa.
57
N 0 50

0 1000

0 1000

0 1000
58

Fig 36. Tipos de quarteirão com área de 0 50


logradouro destacada a vermelho
59
Densificação formal do quarteirão

Os seis tipos de quarteirão identificados segundo a sua lógica de


formação variam nos seus espaços de rua, frente, tardoz, logradouro
e lote. Com grande parte das apropriações informais estudadas nesta
investigação a ocorrer nos espaço do logradouro, destacou-se a maneira
como estes espaços variavam de acordo com o tipo de quarteirão.

Em grande parte, as apropriações de espaços no logradouro aparecem


de uma necessidade de densificação habitacional, recorrendo a auto-
-construção como meio de obtenção de um espaço na cidade. Da mesma
forma, e podendo refletir a intemporalidade da cidade de cimento como
maior ponto de interesse para o cidadão, verifica-se que uma boa parte
das estratégias de organização do quarteirão têm como consequência
uma densificação do mesmo. Com exceção do quarteirão perímetro,
mais conservador na sua forma, as restantes morfologias realizadas pelo
colono pareciam ser movidos pela necessidade de multiplicar o número
de lotes de cada quarteirão, encaixando um maior número de habitantes
simultaneamente.

Como fica patente na figura 36, onde a vermelho se representa a área


de logradouro, uma das consequências das diferentes tipologias de
quarteirão é a diminuição destas áreas, para construção dos edifícios
principais ou, em alguns casos para a criação de espaços públicos. Este
fenómeno pode condicionar a possibilidade de apropriações deste
espaço, tanto pela variação da área disponibilizada como da sua nova
geometria.

Para além disto, como foi indicado na descrição de cada tipo, a atmosfera
dos espaços proporcionados varia imensamente de acordo com a
estratégia de cada quarteirão, e a mesma não deixa de ser um fator
importante para a génese de usos informais que procuram potencializar
as qualidades dos espaços existentes na cidade.

A densificação formal do quarteirão deixou antever a densificação


informal que se viria a verificar após a independência do país, com
estratégias de implantação que em muito se viriam a assemelhar às
aplicadas pelo urbanismo colonial.
O interior do quarteirão 60

O interior do quarteirão, já várias vezes mencionado neste capítulo, é


distintivo na capital, pelo fenómeno de redefinição de seus usos originais
a que se assiste desde a independência. De modo a melhor compreender
as apropriações do mesmo, é necessário defini-lo no seu estado inicial,
procurando compreender os seus programas e propósitos originais.

O logradouro consiste num espaço maioritariamente privado, partilhado


entre os habitantes do lote. Nele tende-se a encontrar construções
secundárias de apoio ao edifício principal, que contribuem para
a constituição de uma atmosfera com carácter de traseiras. A sua
condição de espaço privado reflete-se, na maioria das cidades, numa
inacessibilidade ou até num certo desconhecimento da sua existência
para a maioria do habitantes, que raramente têm a oportunidade de o
experienciar.

Em Maputo, tal não se verifica. O centro geométrico do quarteirão


é várias vezes acessível e público como vimos nos quarteirões corte,
praceta ou cul de sac. Contudo, nestes exemplos criam-se novos
logradouros, menores, que em teoria deviam manter-se privados. A razão
para a diferenciação do logradouro maputense é a possibilidade de o
experienciar física e visualmente mesmo quando o mesmo é privado. A
cidade é aberta, ao andar pelas ruas temos consciência do espaço nas
suas costas, podendo visitá-lo em vários casos.

Esta abertura apresentou-se como elemento intrigante durante a visita


de estudo, pelo que se decidiu identificar as decisões urbanísticas na sua
génese. Para tal, foram analisados, em dois quarteirões selecionados, os
tipos de acesso ao logradouro, por um lado, e os elementos aos quais se
acede, do outro, passando por uma descrição do papel da implantação e
tipologia do edifício principal no desenho destes elementos.
61 Fig 37. Rua secundária atravessa
quarteirão corte. Maputo. 2021
62

CASOS DE ESTUDO

QII

QI

0 500

De modo a melhor compreender como os elementos que vão sendo identificados


ao longo deste estudo da cidade e do seu quarteirão se apresentam, optou-se pela
selecção de dois quarteirões como casos de estudo específicos a analisar numa escala
mais aproximada. Estes serão identificados ao longo do trabalho como QI e QII,
aparecendo como elementos que interrompem a dissertação sempre que necessário,
para uma exemplificação mais pormenorizada dos temas a apontar.
O critério para a escolha dos quarteirões foi, para além de uma maior facilidade para o
acesso e estudo aquando da visita a Maputo, a sua localização em bairros de diferentes
níveis económicos da cidade de cimento, permitindo uma análise comparativa. Foi
também considerada a grande variedade de apropriações de espaço que neles
encontramos, visto tratar-se do tema principal da investigação.
O quarteirão QI localiza-se no bairro Polana Cimento B e é definido, a sul,
pela importante Av. 24 de Julho, pela paralela Av. Ahmed Sekou Touré e pelas
perpendiculares de carácter mais secundário Av. Tomás Nduda e Rua Comandante
Augusto Cardoso. Com a universidade S. Tomás, o conservatório dos registos centrais,
o hospital central, tal como três importantes escolas primárias e secundárias nas
proximidades, o quarteirão encontra-se numa zona extremamente movimentada
durante o dia. É também caracterizado pela presença maioritária de edifícios de
habitação de cércea baixa, com uma concentração de serviços, comércio e prédios altos
junto à movimentada Avenida.
No Bairro Central A, menos desenvolvido e com edifícios mais degradados,
encontramos o quarteirão QII. Definido, a norte, pela importante Av. Eduardo
Mondlane, pela paralela Av. Ahmed Sekou Touré e pelas perpendiculares Av. Amilcar
Cabral e Rua Gabriel Simbine. Trata-se de um quarteirão formado a partir do processo
de corte, pelo que é atravessado segundo o eixo Norte e Sul pela Rua Simões da Silva.
À semelhança do anterior, este consiste maioritariamente em edifícios de habitação
de cércea baixa, com uma concentração de serviços e prédios mais altos junto à Av.
Eduardo Mondlane. Tem a particularidade de conter em si uma escola primária privada,
e localizar-se na proximidade de outra escola secundária, bem como de uma série de
serviços importantes como é o caso do edifício da Eletricidade de Moçambique.
63

QI QII

R. Av.
Co A mi
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Av. Ahmed Sekou Touré

Av. Ahmed Sekou Touré

N
0 50
64

Tipos de acesso ao interior do quarteirão

Na cidade de cimento podem-se identificar dois tipos de acesso ao


interior do quarteirão: um efetuado pelas laterais do edifício, nos
casos onde este se liberta dos limites do seu lote tendo três ou quatro
fachadas livres; e outro através de uma passagem por baixo do edifício,
normalmente efetuado quando o mesmo se encosta aos limites laterais
do lote tendo apenas fachada de rua e tardoz.

O acesso lateral foi o mais comum na área estudada durante a visita à


cidade. A maioria dos edifícios dos quarteirões observados tende a soltar-
se dos limites do lote em todos os seus lados, criando um afastamento
generoso o suficiente para usufruir de quatro fachadas que permitem
a iluminação e a ventilação. Também, mais raramente, se encontram
construções que se libertam apenas de três lados do lote, compartindo
a parede de meação com um dos vizinhos. Esta implantação tem como
consequência a criação de uma ou duas passagens que conectam a rua
ao interior do quarteirão, não apenas como forma de acesso de viaturas
a lugares de estacionamento, mas pelo habitante a possíveis entradas
laterais (fig.39) ou nas traseiras.

Normalmente encontrado junto às grandes Avenidas, o segundo tipo


de acesso ao logradouro acontece quando os edifícios se encostam
aos limites laterais de seus lotes, obrigando ao atravessando do mesmo
através de uma passagem que o perfura. Esta conexão, ao contrário da
anterior, é adquirida de uma qualidade de vão aberto que, apesar de
normalmente se caracterizar pelas suas dimensões grandiosas, acaba
indicando um maior nível de privacidade ao mundo do logradouro.

De qualquer modo, a existência destas passagens consiste num ponto


importante para a diferenciação do quarteirão “maputense” das demais
cidades do mundo. Tome-se como exemplo o Porto, onde ao transitar
pelas ruas, raramente se tem a oportunidade de experienciar o interior
do quarteirão. Em antítese, na cidade de Maputo, dada a presença
das passagens, maioritariamente dotadas de uma desobstrução visual
garantida por portões baixos, transparentes ou que se encontrem abertos
durante o dia, fazem-se sentir fortemente para o transeunte, seja por uma
abertura visual ou por uma corrente de ar. É garantida, deste modo, a
oportunidade de se estabelecer, no mínimo, uma conexão visual com o
mundo das “costas da cidade”.
65

Fig 38. Escadas de serviço. Maputo.


2021
Fig 39. Anexos e estacionamento.
Maputo. 2021
66

QI

C - passagem de acesso
a estacionamento

B - acesso lateral A
a anexos

A - acesso lateral a anexos

A maior parte dos acessos ao logradouro nos lotes do QI


efetuam-se de forma lateral, com cinco lotes acessíveis
através de uma passagem por baixo do edifício. Interessa
salientar que os acessos feitos por passagem se concentram
junto à Av. 24 de julho, onde se localizam os edifícios mais
altos que tratam, por sua vez, de usufruir da extensão C
máxima de frente de rua disponibilizada em cada lote,
partilhando paredes mediadoras.

Acesso por passagem Acesso lateral


67

QII

D - acesso unilateral
a anexos e E - acesso
estacionamento lateral a anexo e
estacionamento

F - acesso unilateral
a anexos e
estacionamento

No QII apenas um dos acessos se faz através de uma


passagem por baixo do edifício, pelo que o resto deles
permitem entradas laterais, quase sempre nos seus dois
lados. Importa salientar que o prédio mais alto junto à Av.
F Eduardo Mondlane não tem uma passagem de acesso
ao logradouro, porque este se encontra totalmente
preenchido por uma construção que funciona como
armazém.

N
0 50
68

A que se acede ?
Estacionamento e anexos
O uso original mais comum dos espaços de logradouro na cidade é
o estacionamento de viaturas. Muito presente na cidade de cimento,
o carro define fortemente a paisagem urbana da zona estudada, com
inúmeros carros estacionados nos passeios, obstruindo a passagem e
danificando-os. Há um problema claro de falta de estacionamento, de
modo que, sempre que possível, o logradouro tem os seus espaços
livres ocupados pelos automoveis dos moradores e utentes dos edifícios.
Originalmente a maioria das construções que se podiam encontrar nos
logradouros serviriam também o propósito de estacionamento fechado
ou armazém. Mais conhecidos em Maputo como dependências, os
anexos pertencem aos proprietários de cada apartamento do lote.
Contudo, aparecem hoje redefinidos e caracterizados por novos usos, a
estudar no próximo capítulo, que introduzem novos utilizadores no lote.
Caixas de escada de serviço
Em regra geral, os edifícios da área de estudo têm sempre duas caixas de
escada: uma de carácter principal conectada à entrada pela rua, planeada
para o uso por parte dos donos das casas e apartamentos; e outra
secundária, localizada junto à fachada tardoz, normalmente em contacto
com as áreas de serviço de cada fogo, como lavatórios e cozinhas,
direcionada ao uso pelos trabalhadores de cada habitação. Esta divisão,
enraizada nas dinâmicas da era colonial que colocava as escadas para os
indígenas separadas das do colono, foi responsável pela definição das
dinâmicas de funcionamento dos edifícios na sua relação com a rua até
aos dias de hoje. Atualmente, apesar da escada de serviço continuar a
ser usada por trabalhadores diários dos apartamentos, estas ganharam
um papel importante como principal momento de domesticidade nos
edifícios. É o espaço onde as crianças brincam, onde a roupa é lavada,
onde se cozinha e se interage, aparecendo como um elemento de
vivência menos rígido ou formal quando comparado com a escada de
acesso principal, reservada maioritariamente às visitas.
Galerias
Para além de se posicionarem no tardoz dos edifícios como escadas de
serviço, as escadas secundárias conectam-se numa série de quarteirões
com galerias exteriores de acesso aos fogos. Esta tipologia de acesso
é relativamente comum na área de estudo, mantendo-se sempre uma
relação entre as cozinhas e a galeria. Deste modo, nestes casos, a
domesticidade e vivências caracterizadas anteriormente nas escadas de
serviço, estendem-se para as galerias.
Coberturas
Em grande parte dos edifícios da cidade, as escadas de serviço culminam
em terraços comuns. O propósito original dos terraços varia, podendo
tratar-se apenas de um espaço vazio, como um local com construções
de suporte ao funcionamento do edifício. Quando construído, o terraço
seria utilizado como área complementar de serviço, podendo conter
lavandarias comuns, estendais para a roupa ou pequenos anexos com
lavatórios e por vezes habitação para os trabalhadores do edifício. Estes
espaços, à semelhança dos anexos de logradouro, tiveram os seus usos
originais redefinidos, mas continuam a ser caracterizados pelo acesso
efetuado, na maioria dos casos, apenas pela escada de serviço, acessível
por sua vez pelo interior do quarteirão.
69

Fig 40. Escadas de serviço. Maputo.


2021
Fig 41. Anexos e estacionamento.
Maputo. 2021
70

QI

B
A

O caso de estudo QI apresenta pelo menos um


exemplar de todos os elementos que justificam uma
passagem pelo logradouro. Com grande destaque
para as os anexos, muitos com os seus usos já
redefinidos, neste quarteirão percebemos que os
elementos mencionados aparecem relacionados com
habitação coletiva.

D
Anexos Terraços Escadas Galerias
71

QII

E
E

O quarteirão QII tem também todos os elementos


dependentes do logradouro. Trata-se de um
quarteirão extremamente denso no que diz respeito
à presença de anexos no logradouro. Nele temos
a possibilidade de aceder a várias coberturas,
maioritariamente usadas para a lavagem e secagem
de roupa (fig. F).

H
N
0 50
72

Fig 48. Costureiro sob lona em quintal


privado. Maputo. 2021
73

Usos | Apropriações
N
74

0 500

Área residencial de Área de comércio e Verde arborizado de


Área multifuncional
média densidade serviço proteção
Área residencial de Área residencial de Área para equip. Área resid. n/ planificada
alta densidade baixa densidade sociais e serviços de alta densidade
Verde urbano de Área de industria, Área residencial não Estacionamento
parques e jardins armazém e reparação planificada de alta
Área para usos Área resid. planificada de densidade Fig 49. Mapa de usos do solo
especial média densidade segundo o PEUMM
75

Na análise da forma da cidade retrataram-se as componentes urbanas


formais da capital que condicionam e se interrelacionam com as
apropriações informais do espaço do quotidiano. Os usos adicionados
às diferentes configurações urbanas desenvolvidas pelo colono, serão o
foco desta investigação de agora em diante.
De modo a melhor compreender a nossa definição de uso ou
apropriação, comecemos com uma análise destes conceitos segundo o
Plano de Estrutura Urbana do Município de Maputo. Observando o mapa
de usos do solo (fig. 49) presente no PEUMM, verificamos que se procura
identificar na cidade os programas que mais se encontram nas diferentes
áreas. Para além da classificação segundo o seu programa, é comunicada,
através de diferentes intensidades de cor, a densidade populacional de
cada quarteirão.
Graças a este levantamento, visualiza-se a variedade de usos que
compõem a área de estudo, contrastante com as zonas tangentes a
norte e a sul, caracterizadas por uma mancha mais homogénea. Na zona,
destaca-se a predominância de áreas residenciais de média densidade
bem como de áreas para equipamentos sociais e serviços. A coexistência
de programas diversos torna-a num espaço movimentado e dinâmico,
que se transforma de acordo com a hora do dia.
O objetivo deste capitulo é também o de identificar os diferentes usos
alternativos que estão presentes na zona de estudo. Porém, no nosso
mapa pretendemos expor todos os programas não oficiais, regularmente
ocultados da cartografia histórica de Maputo. Um fenómeno criticável
dada a importância do setor informal que se foi verificando durante o
estudo da história do país.
Primeiramente movido pela escassez de oferta de emprego formal, desde
a década de 1990 que o setor se desenvolve na cidade de cimento,
caracterizado por um “(…) mercado paralelo de prestadores de serviços
e pequenos comerciantes, que encontraram na atividade informal a sua
1 de Mendonça, Lisandra (possível) estratégia de sobrevivência.”1. Tendo-se observado, com o
Ângela Franco. Conservação da passar do tempo, um fenómeno de “hibridização” das dinâmicas formais
Arquitetura e do Ambiente Urbano e informais, que culminaram na paisagem urbana que experienciamos
Modernos: a Baixa de Maputo.
Orientadores Professores Doutores nos dias de hoje. Como descrito por Viana e Sousa, “A generalidade
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni de elementos que conformam a expressão de Maputo, por pequenos e
Carbonara e Júlio Carrilho. Tese insignificantes que possam parecer num primeiro olhar mais superficial,
de Doutoramento. Arquitetura têm uma história e enquadramento concretos, possuem um significado
e Urbanismo Universidade de
Coimbra. 2015. p 161 específico para cada habitante e contribuem para a construção de
“memórias”. A respetiva urbanidade acumula disfunções, justaposições
e sobreposições de renovadas formas de “aculturação” dos espaços
2 Viana, David Leite e Sousa, Ana públicos urbanos“2.
Natálio. Maputo: Inter-relação
urbano-habitacional-social. Posto isto, a inclusão cartográfica de elementos considerados informais,
Congresso internacional da
Habitação no Espaço Lusófono. ilegais ou não oficiais, torna-se imperativa para a reflexão do verdadeiro
Lisboa, Portugal. 2013. p.7 espaço urbano da capital. Para tal, propomo-nos a identificar os tipos de
uso e apropriações do setor informal, organizando-os em três famílias:
Artefatos do quotidiano, Habitação e Mercados. Estes são definidos,
numa primeira fase, de forma individual, para depois tentar compreender
possíveis padrões, interrelações e codependências com a esfera formal.
Artefactos urbanos do quotidiano 76

Quando falamos de elementos informais na cidade de cimento, referimo-


-nos em grande parte a apropriações de pequena escala, ligadas ao
comércio informal, que vão ocupando o espaço público. Efetivamente, 3 de Mendonça, Lisandra
em Maputo não há rua onde não encontremos um vendedor de roupas, Ângela Franco. Conservação da
sapatos, livros ou comida. Contudo, para além da atividade comercial Arquitetura e do Ambiente Urbano
de rua, incluímos como artefactos urbanos do quotidiano, todos os Modernos: a Baixa de Maputo.
Orientadores Professores Doutores
elementos que efetuam uma ruptura nos usos e costumes urbanos, Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
“(…) microestratégias de auto-organização espacial que participam na Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
regeneração da cidade a partir de lógicas de coexistência entre o formal de Doutoramento. Arquitetura
e Urbanismo Universidade de
e o informal, e de ‘aculturação’ informal do formal”3 ou dispositivos que Coimbra. 2015. p 162
de alguma forma contribuam para a chamada “ruralização da cidade”.

Como explicam Viana e Sousa, “os usos e modos de apropriação dos


espaços públicos da cidade ocorrem tirando o máximo partido dos 4 Viana, David Leite e Sousa, Ana
seus constituintes mais elementares, procurando otimizar o mínimo Natálio. Maputo: Inter-relação
dispositivo, marcando os lugares com o essencial e preconizando novas urbano-habitacional-social.
Congresso internacional da
formas de interpretar e estar nos espaços públicos urbanos, adequando Habitação no Espaço Lusófono.
ao máximo a relação entre os âmbitos da urbanidade, da habitação e das Lisboa, Portugal. 2013. p.3
dinâmicas de sociabilização”4.
John Kaliski menciona que “apesar da cidade poder ser estudada,
mapeada e sondada a partir de diversas perspectivas profissionais, não 5 Crawford, M. [et al.] Everyday
há substituto para a experiência real do lugar”5. O autor dá o exemplo urbanism. New York: The Monacelli
Press. 2008. p.89
de um terreno industrial, não propriamente bonito ou agradável, mas
que após a sua hora de fecho é apropriado por um único vendedor
ambulante de comida, responsável por transformar o local num espaço
movimentado e com altos níveis de interação social. Kaliski realça
a importância de pequenos acontecimentos do quotidiano para o
urbanismo, explicando que “para maioria dos profissionais do design, 6 Crawford, M. [et al.] Everyday
estes espaços e sua apropriação mantêm-se invisíveis, ilegais ou feios.”6 urbanism. New York: The Monacelli
Press. 2008. p.89
Contudo este ritual quando multiplicado, abarca a cidade inteira.
Tomando a mesma posição que o autor, visitamos a cidade, tentando
observar e identificar os agentes responsáveis por fenómenos urbanos
semelhantes através do contacto direto com os seus proprietários e
utentes.

“Quando se percorre as praças, ruas, avenidas e estradas de Maputo


ganha-se consciência do desdobramento de usos e apropriações que se 7 Viana, David Leite e Sousa, Ana
desenrolam através da ação quotidiana dos citadinos”7, registando- Natálio. Maputo: Inter-relação
urbano-habitacional-social.
-se um paradoxo entre a cidade que não apresenta os níveis satisfatórios Congresso internacional da
de infra-estruturação e disponibilização de serviços urbanos e sociais, Habitação no Espaço Lusófono.
por um lado, e os processos relevantes de “humanização”dos espaços, Lisboa, Portugal. 2013. p.1
consequentes dos esforços por cobrir estas lacunas, do outro.

Neste sentido, identificamos os diferentes tipos de artefactos urbanos do


quotidiano de acordo com os produtos e serviços oferecidos. Produtos
alimentares, costureiros, sapateiros, floristas, cabeleireiros, reprografias,
eletrónicos e outros produtos e serviços foram caracterizados segundo as
suas possíveis localizações na cidade e pela sua forma física, tentando-se
entender até que ponto existiam padrões de comportamento para cada
um, ao mesmo tempo que se identificavam as principais influências dos
mesmos para as dinâmicas de funcionamento da capital.
77

Fig. 50. Vendedora de fruta na via pública. Maputo. 2021


Produtos alimentares 78

0 1000

No cenário descrito, a venda de bens alimentares é o tipo de negócio


informal com maior presença e importância na capital Moçambicana.
Como foi mencionado no enquadramento histórico, o comércio informal
de produtos alimentares consiste no principal meio de subsistência da
grande maioria da população, tanto para o comerciante, que o tem como
principal fonte de rendimento, como para o consumidor, que usufrui de
produtos a preços mais acessíveis.

O comércio de produtos alimentares tende a concentrar-se junto às


vias mais movimentadas, edifícios públicos, escolas e estações de
transportes viários. Todavia, verifica-se simultaneamente, a presença
destes comerciantes em vias de cariz secundário. Longe dos programas
acima mencionados, estes parecem ter como público-alvo os habitantes
da sua envolvente próxima, procurando funcionar com base numa rede
de clientes habituais.

Esta atividade reflete-se física e urbanisticamente de modo variado,


podendo ser feita por vendedores ambulantes (fig. 53), postos de venda
no pavimento (fig. 51) ou com suporte de uma mesa e dispositivo de
sombreamento (fig. 52), em barracas metálicas e até aparelhos móveis
concebidos para o transporte de mercadorias. Em todo caso, os locais
de venda de alimentos apresentam-se como essenciais para o grupo
demográfico constituído por trabalhadores e estudantes provenientes
dos subúrbios, habitantes diurnos de uma cidade de cimento com
restaurantes e supermercados de preço elevado, de outro modo
inacessível economicamente.

Assim, desde o nascer do sol, a presença dos comerciantes vai marcando


os vários bairros da cidade de cimento. O pequeno almoço é servido
pelo vendedor ambulante, com sandes ou ovos cozidos, que de seguida
se instala na sua esquina habitual tentando esgotar o que sobra de seu
inventário de bebidas e alimentos. Pela hora do almoço, estudantes e
trabalhadores juntam-se em fila à espera da sua vez para adquirir uma Fig. 51 e 52 Vendedores de
produtos alimentares variados
refeição, junto aos automóveis que, de mala aberta, emanam o cheiro na via pública. Maputo. 2021
a comida quente anunciando o seu programa aos transeuntes. Nas
restantes horas do dia, quem procura um snack ou ingredientes que lhe Fig. 53 Vendedoras ambulantes
de produtos alimentares na via
façam falta, dirige-se para uma das inúmeras bancas que vão pautando as pública. Maputo. 2021
vias da cidade.
79

O comércio informal de bens na via pública tem sido alvo de investidas


inspeções e restrições por parte do município. Uma vez que lidam
com produtos alimentares, que compelem importantes cuidados a
serem tomados para garantir o bem estar e segurança do consumidor,
os comerciantes acabam por ser os mais arduamente atingidos pelas
sanções. Embora sejam recorrentemente expulsos da via pública, dada
a inexistência de alternativas para sua localização, os pontos de venda
de rua voltam a formar-se rapidamente, pelo que as autoridades vêem-
-se obrigadas a tentar, como mínimo, impor uma série de regras no que
diz respeito ao manuseamento e tratamento dos alimentos, tal como à
posição das bancas no passeio.

Como resultado da presença abundante destes espaços, seja de modo


fixo ou ambulante, certas zonas da cidade de cimento são fortemente
caracterizadas pela comida, pelo seu odor e pela aglomeração de
pessoas. Os mesmos são grandes responsáveis pela caracterização da
paisagem urbana e por diminuir as distâncias necessárias para qualquer
habitante que procure adquirir um produto alimentar básico.
Produtos alimentares 80

Barraca metálica
Na área estudada, uma das mais recorrentes formas de venda de
alimentos é a barraca. Trata-se de pequenos quiosques de estrutura
metálica, normalmente revestidos por painéis de chapa ondulada de
zinco ou aço. Tais tendem a posicionar-se nos passeios (fig. 54) ou em
quintais privados (fig. 55 e 56), procurando manter, sempre que possível,
uma conexão direta com a via pública, seja ela física ou visual, de modo
a facilitar o contacto com os clientes. Apesar de servir maioritariamente
para venda de produtos alimentares, existem exemplos de barracas deste
tipo dedicadas à venda de outros produtos como roupas e sapatos, ou
até à prestação de serviços como costureiros e esteticistas.

No que diz respeito à forma, estes quiosques têm exemplares vários,


mantendo-se contudo dentro da mesma familia de materiais e métodos
construtivos. Foi possível identificar alguns fatores que caracterizam a
forma das barracas da cidade de Maputo de forma geral: a sua estrutura
é feita em ferro, e o restante perímetro por paredes de chapa ondulada
metálica, ou partes de contentores de transporte reaproveitadas. No
que concerne à geometria, dividem-se em: barracas quadrangulares, de
cobertura quase plana (fig. 55) ou abobadada (fig 54), com uma porta,
uma janela e pequeno balcão de atendimento; e barracas triangulares
(fig. 56), muito comuns na cidade, caracterizadas pela sua distintiva
cobertura inclinada, que se levanta durante o horário de funcionamento
de modo a permitir a visualização dos produtos, bem como o acesso ao
interior.

Permanecendo no espaço público durante a noite, estes dispositivos têm


como prioridade a eficiência na proteção contra roubos. Para tal, os vãos
são cobertos por portadas ou grades metálicas, asseguradas por barras e
fechaduras que ajudam a trancar o estabelecimento de forma segura.

A cidade vai ficando povoada pelos quiosques que, frequentemente


patrocinados pelas mais diversas marcas (fig. 54), exibem as suas vistosas
cores, junto a zonas com alto fluxo de potenciais clientes. Estes objetos
tornaram-se importantes componentes definidores da paisagem urbana
maputense, formando parte da vida quotidiana dos habitantes da capital.

Em conversa com determinados proprietários de barracas, percebeu-se


que, como resultado da pressão exercida pelo município, assiste-se a
um fenómeno de deslocação das mesmas desde o passeio para espaços Fig 54. Barraca metálica na via
em quintais privados ou no interior do quarteirão. Os comerciantes pública. Maputo. 2021
lamentam-se sobre o aluguer que passam a pagar ao se instalarem Fig 55 e 56. Barraca metálica
em espaços privados, bem como sobre a diminuição de seus lucros em quintal privado. Maputo.
consequente da inadequação das novas localizações. 2021
81
Produtos alimentares 82

Tchovas
O tchova é um dispositivo móvel de duas rodas, concebido para o
transporte de mercadorias e produtos à pé. Apesar do seu carácter
movível, quando destinados a venda de produtos alimentares, na sua
maioria frutas, os tchovas de Maputo tendem a posicionar-se de forma
fixa em lugares estratégicos da cidade. Estas localizações são escolhidas
de acordo com a sua visibilidade e movimento, tratando-se normalmente
de esquinas, podendo instalar-se no passeio, na rua ou eventualmente,
em quintais privados.

Estes aparelhos são fabricados através da assemblagem de peças de


ferro ou aço, constituídos por duas rodas, um tabuleiro horizontal e uma
barra para direção. Tais elementos são depois complementados pela
customização de cada proprietário, observando-se habitualmente o
acrescento de uma cobertura ou guarda sol. Como se pode ver na fig.
58, à semelhança das barracas metálicas, os tchovas podem também
ser patrocinados por marcas, que efetuam a alteração da sua forma e
imagem exterior.

Das visitas e entrevistas efetuadas durante a viagem de estudo,


entendeu-se que o espaço do interior do quarteirão também se relaciona
com este elemento urbano do quotidiano, na medida em que os tchovas
alugam pequenas áreas de logradouros privados para estacionarem
durante a noite (fig 59). Deste modo, todas as manhãs este carro de mão
é retirado da respetiva “garagem”, preenchido com frutas e vegetais,
e de seguida transportado para o seu local habitual de venda. Existem
contudo casos específicos de vendedores que optam por fazer uso das
qualidades de deslocação do tchova, fazendo o comércio de forma
ambulante durante o dia.

O tchova é um artefacto urbano muito presente na cidade, tanto em


movimento como parado, de acordo com a hora do dia, transportando Fig 57 e 58. Vendedor de fruta
frutas, outros produtos alimentares ou até produtos variados. Destes em tchova. Maputo. 2021
destaca-se o “ferro velho”, normalmente transportado por pessoas que
Fig 59. Tchova estacionameno
percorrem a cidade embalados pelo som dos seus altifalantes com o em logradouro privado.
característico slogan “compramos ferro velho e baterias estragadas“. Maputo. 2021
83
Costureiro 84

0 1000

Os costureiros são essenciais para o funcionamento dos bairros da cidade


que estudamos. Reconhecíveis pela sua cadeira e mesa de costura,
encontra-se nesta zona, pelo menos um exemplar de costureiro a cada
três quarteirões. Normalmente localizados em quintais privados que
usufruam de um contacto visual com o passeio, os costureiros priorizam
um local com boas condições de ventilação e sombra de modo a
garantirem o conforto do trabalhador. Neste sentido torna-se comum
encontrar-se alfaiates em entradas de edifícios ou passagens cobertas
para o logradouro, sendo também possível encontrá-los nos espaços de
interior de quarteirão, embora de forma menos recorrente.

Para além da sua localização, os alfaiates observados durante a visita


variam, na sua forma, tendo como componentes permanentes a mesa, a
máquina de costura e um assento. Dependendo do tamanho do posto
de trabalho, verificou-se que estes podiam limitar-se a mesa e cadeira
colocadas sob o abrigo de um edifício - como é o caso do Sr. Hilário (fig.
62), instalado junto às escadas principais na entrada do prédio onde em
tempos morou; num abrigo auto-construído, procurando proteção contra
os elementos (fig 62); ou, como no caso das figuras 60 e 61, num anexo
construído de maneira mais sólida que permita abrigar um número maior
de trabalhadores, localizado normalmente no seio do quarteirão.

Os alfaiates de rua funcionam graças a uma rede de clientes locais e


habituais, usualmente habitantes do quarteirão onde a banca se insere
ou das suas proximidades. Devido à multiplicidade de exemplares
deste artefacto, os costureiros acabam por participar fortemente na
caracterização das ruas de Maputo, munindo-as de personagens que se
instalam no domínio público de forma fixa durante o dia, contribuindo
assim para um maior sentido de vizinhança e segurança. Olhemos para o
Sr. Hilário (fig 62), com o seu posto instalado junto à entrada do edifício,
virado para a rua, passa todos os dias úteis neste local, conhece os Fig 60 e 61. Costureiro no
moradores, os pedestres habituais, bem como os comerciantes de rua interior do quarteirão. Maputo.
das proximidades. Conversando recorrentemente com quem passa, o 2021
alfaiate acaba por contribuir para a vida na via pública e simultaneamente Fig 62. Costureiro junto a
para a segurança e sentido de comunidade do bairro. Os benefícios da entrada do prédio. Maputo.
presença de costureiros fazem-se sentir de tal maneira que, de todos os 2021
alfaiates entrevistados durante a visita, apenas um pagava pelo aluguer Fig 63. Costureiro no acesso ao
do seu espaço de trabalho. logradouro. Maputo. 2021
85
Sapateiro 86

0 1000

À semelhança dos costureiros, os sapateiros têm como denominador


comum duas peças de mobiliário imprescindíveis para a prestação deste
serviço: um banco baixo de engraxador, e um banco alto para o cliente.
Com variações na sua forma, aparecem repetidamente na área de estudo,
localizando-se sobretudo nos passeios ou mais raramente em quintais
privados ligados à via pública. Os sapateiros de rua oferecem, para além
do serviço de reparação do calçado, a possibilidade de engraxá-los e de
comprar produtos e acessórios para os mesmos.

Para além dos dois bancos, os postos de sapateiros podem fazer-se


acompanhar de elementos de suporte para o serviço providenciado,
como cestos para o transporte das mercadorias, caixas para exposição
de produtos que estejam à venda ou móveis para armazenamento
dos sapatos. De fato, é raro verificar-se a utilização de estruturas com
carácter mais permanente, por parte destes trabalhadores, que optam
por colocar-se na via pública sob a sombra de um edifício ou árvore,
assumindo a natureza efémera e amovível de seus postos de trabalho.
Existem conjuntamente alguns dispositivos que se fazem acompanhar de
um guarda-sol.

Devido à natureza dos serviços prestados, os sapateiros procuram estar


junto às vias com um alto fluxo de movimento pedonal, colocando-se no
passeio de modo a terem uma maior visibilidade para o transeunte. Em
conversa com um dos diversos prestadores deste serviço, descobriu-
-se que, ao contrário dos artefactos urbanos anteriormente descritos, os
sapateiros, engraxadores e polidores de calçado não têm problemas com
o município, podendo trabalhar na via pública. Esta circunstância deve-
-se ao factode estes se encontrarem protegidos por organizações como
a Associação dos Sapateiros das Esquinas de Moçambique (ASEMO)
e a Associação dos Engraxadores e Polidores de Maputo (AEPM), que
procuram zelar pelos seus direitos.

Durante o dia, estes artefactos urbanos têm as mesmas qualidades que


os costureiros, pontuando as ruas de personagens que as habitam de
forma constante, contribuindo assim para um maior sentido de vizinhança Fig 64. Sapateiros sob arcada
e de segurança. Durante a noite as peças de mobiliário necessárias de edíficio. Maputo. 2021
para a prestação do serviço são usualmente guardadas em quintais ou Fig 65, 66 e 67 Sapateiros na via
logradouros privados. pública. Maputo. 2021
87
Florista 88

0 1000

A venda de flores e plantas ocorre quase unicamente nos passeios. Os


baldes que as suportam são colocados na via pública de lados opostos,
junto à rua e junto aos edifícios, de modo a criar um corredor central de
circulação que obrigue à contemplação do produto vendido. Estes locais
destacam-se pela qualidade visual proporcionada pela presença de flores
e plantas, assemelhando-se a canteiros urbanos.
Existem também postos de venda de plantas em quintais privados (fig.
69) ou no interior do quarteirão (fig. 68), embora estas localizações sejam
muito mais raras que a primeira. Para além de baldes e vasos, os floristas
podem-se fazer acompanhar de pequenos expositores improvisados para
uma melhor visualização do produto (fig 69).
De acordo com certos vendedores entrevistados, o município é mais
leve na imposição das medidas de proibição de venda de produtos na
via pública, pois a presença dos floristas nas ruas contribui para uma
maior qualidade estética dos espaços da cidade, dada a natureza de
seu produto. Deste modo, procuram-se impor apenas medidas de
dimensionamento do espaço de circulação a ser deixado desimpedido.
Na figura 70, pode-se verificar uma tentativa interessante de formalizar
este tipo de comércio de rua. Projetada pelo reconhecido arquiteto José
Forjaz como parte da reabilitação dos jardins da Feira de Artesanato,
Flores e Gastronomia (FEIMA), é criado um pequeno edifício com o
propósito de albergar vendedores de flores e plantas. Este tem sanitários, Fig 68. Anúncio de florista no
sistema de água para a rega dos produtos, e uma área coberta para interior do quarteirão. Maputo.
exposição das flores, concebida como um anfiteatro orientado para a 2021
rua de modo a garantir a visibilidade dos produtos, ao mesmo tempo
que se liberta o passeio. Porém, contrariamente ao que foi pretendido, Fig 69. Florista no acesso ao
logradouro. Maputo. 2021
os vendedores optaram por manter a disposição “tradicional” dos seus
vasos, mantendo-os no passeio e usando o espaço coberto para se Fig 70. FEIMA. Florista na via
sentarem abrigados do sol. pública. Maputo. 2021
89
Cabeleireiro 90

0 1000

Presente em quase metade dos quarteirões da área estudada, o


cabeleireiro apresenta-se como uma peça imprescindível para o habitante
da cidade, chegando a encontrar-se, por vezes, dois ou mais num só
quarteirão.

Também conhecidos como salões de beleza, estes apropriam-se de


espaços habitualmente no interior do quarteirão, junto ao limite posterior
do logradouro, ou mais raramente junto à rua, podendo-se apropriar de
pisos térreos livres originalmente concebidos para estacionamento (fig.
73).

No interior do quarteirão, este programa situa-se nos anexos do


edifício principal. Com o propósito original de servir como arrumo ou
estacionamento, são transformados para albergar o novo programa,
garantindo-se eletricidade, ventilação e água. Os estabelecimentos
alugam estes espaços aos proprietários que comummente residem no
apartamento ao qual o anexo pertence.
De modo a fazer-se sentir na rua, os cabeleireiros recorrem ao
posicionamento de placas publicitárias que os anunciam no encontro da
via pública com entrada do acesso ao logradouro (fig. 71). Desta maneira,
o transeunte é convidado a percorrer o caminho até ao tardoz do edifício
onde pode encontrar, para além do serviço publicitado, outros programas
desde o comércio à habitação.

Este elemento é responsável pelo carácter distintivo do interior de


quarteirão da cidade de cimento, visto que, ao localizar-se no logradouro,
consiste num dos catalisadores de utilização destes espaços, tornando-
-os públicos durante o horário de funcionamento do estabelecimento.
De facto, é graças à presença destes programas no interior do quarteirão
que o espaço de logradouro se apresenta tantas vezes como extensão do Fig 71 e 72. Anúncio de
espaço público, mantendo simultaneamente, qualidades características cabeleireiros localizados no
logradouro. Maputo. 2021
das “costas” da cidade, com menos ruído e movimento
Fig 73. Cabeleireiro em
Desta maneira, este dispositivo urbano, apesar de não ser sempre visível, espaço concebido para
permite a experienciação de inúmeros interiores de quarteirão, ao estacionamento. Maputo. 2021
mesmo tempo que caracteriza os passeios de Maputo com os cartazes Fig 74. Cabeleiro no interior do
que nos convidam a conhecer o espaço. quarteirão. Maputo. 2021
91
Reprografia 92

0 1000

O segundo programa que apresentou o espaço do interior do quarteirão


como localização mais comum, foi o centro de cópias e impressões, ou
reprografia. A totalidade de centros de cópia analisados a funcionar
em forma de apropriação espacial, encontram-se em dependências no
logradouro. Estes são, à semelhança dos cabeleireiros, resultado de
uma apropriação dos anexos alterados de modo a conter os elementos
essenciais para o funcionamento do novo programa.

Não parece haver uma razão específica para que este programa se
localize no interior do quarteirão, para além do diminuído valor do
aluguer das dependências que possibilita, por sua vez, um custo mais
baixo do serviço providenciado. Deste modo, na faixa de cidade
estudada percebe-se que as reprografias procuram instalar-se na
proximidade de escolas, universidades, escritórios, instituições do Estado
e notários, contando maioritariamente com a “passagem da palavra“
como meio de angariação de clientes.

Da mesma forma que os cabeleireiros, dada a sua localização, estes


dispositivos procuram fazer-se anunciar junto ao passeio por via de
cartazes informativos que conduzem o transeunte para o logradouro
(fig. 76 e 77). É comum, em horas com altos níveis de movimento,
encontrarem-se filas que se estendem desde a via pública em direção ao
interior do quarteirão, chegando a instalar-se, em inúmeros casos, bancos
corridos na passagem de acesso a este espaço, outrora direcionado
para a circulação automóvel. Tal fenómeno permite a experienciação do
espaço nas “costas” da cidade por parte dos habitantes, de forma mais
contemplativa, acentuando a extensão do sistema de espaços públicos
para o interior do quarteirão, onde nos encontramos em contacto com as
arquiteturas de logradouro, definidas pelos alçados tardoz dos edifícios
(Fig.75)

Naturalmente, este programa existe também em locais destinados ao


Fig 75. Reprografia em anexo
comércio formal, junto à rua no piso térreo. Contudo, a sua localização no interior do quarteirão.
em dependências é de tal forma historicamente comum, que chega a Maputo. 2021
ser mais conhecida e associada ao programa quando comparada à sua
Fig 76 e 77. Anúncio de
versão formal, mostrando-se mais importante na memória coletiva dos reprografias no logradouro.
habitantes da cidade. Maputo. 2021
93
Telemóveis e dispositivos eletrónicos 94

0 1000

Nos dias de hoje os telemóveis são objetos indispensáveis para o normal


funcionamento da vida na cidade de Maputo. À vista disso, a reparação
e venda dos mesmos apresenta-se como um serviço cada vez mais
procurado, sobretudo num contexto com população sem altos níveis de
poder de compra. Deste modo, ao caminhar-se pelas ruas da área de
estudo, nota-se a presença de várias bancas de venda e reparação de
telemóveis ou de outros dispositivos eletrónicos.
Maioritariamente localizados na via pública, ou nas passagens de acesso
ao logradouro, desde que visíveis desde a rua, estes postos de venda
e prestação de serviços tendem a materializar-se pela combinação de
uma mesa, cadeira, uma eventual estante para arrumo e um guarda-sol
ou outro elemento de sombreamento (fig. 78). Tornam-se facilmente
reconhecíveis pelos dispositivos eletrónicos exibidos de forma visível para
anunciar o serviço providenciado.

Uma curiosa e eficaz tentativa de formalização deste modo de comércio


de rua é a venda de crédito de chamadas e a prestação de outros
serviços variados, por parte de empresas de telecomunicações. Apesar
de terem lojas físicas formais, as mesmas apostaram sempre no comércio
de rua como forma de providenciarem os seus serviços, tendo numa
primeira fase munido os trabalhadores que já exerciam os seus ofícios na
via pública, de coletes pintados com a sua marca e de crédito para venda.
Deste modo, em todas as ruas da cidade pode-se encontrar e comprar
crédito de chamada das diversas empresas de telecomunicações.
Aquando da visita à Maputo, verificou-se contudo, uma evolução no Fig 78. Banca de reparaçao de
método baseado no comércio informal de rua, havendo agora novos telemóveis. Maputo. 2021
postos de venda das mesmas empresas, cuja morfologia se baseia nos
Fig 79. Posto de venda de
artefactos urbanos informais acima descritos. Em praticamente todas as serviços de telecomunicação.
esquinas encontramos agora um vendedor sob a sombra de um guarda- Maputo. 2021
-sol e com uma mesa fortemente caracterizada pelas cores da marca
Fig 80. Banca de venda e
(fig.79), mesclando-se com os demais artefactos urbanos informais que reparação de telemóveis.
montam a paisagem urbana do quotidiano. Maputo. 2021
95
Outros produtos e serviços 96

0 1000

Para além dos programas anteriormente descritos, foi possível identificar


uma série de outros usos que completam a paisagem urbana da cidade
no que diz respeito aos artefactos e apropriações de carácter informal.

Escolheu-se enumerar os que se fizeram sentir mais importantes e


numerosos na caracterização destes espaços, embora não deixe de
ser interessante mencionar outros exemplos que, apesar de menos
repetitivos ou mais difíceis de encaixar nas tipologias anteriores, não
deixam de apresentar engenhosas soluções arquitetónicas ou de
implantação afim de possibilitar a prestação de seus serviços, a saber:

-Fabrico e venda de cestos, esculturas e outros artesanatos (fig.82) -


usualmente expostos na via pública, seja no chão ou pendurados num
muro, encontram-se exemplos de artesãos que efetuam suas obras,
ora na rua, ora em quintais privados, expondo o seu trabalho junto ao
passeio. Apesar da grande maioria se ter mudado como resultado de
um esforço do Município por providenciar espaços para os artesãos,
em grande parte movido pelo potencial turístico do seu trabalho (como
é exemplo o anteriormente mencionado jardim do FEIMA, desenhado
pelo arq. Forjaz) não se deixam de encontrar, na área de estudo, alguns
exemplos de permanência na rua.

-Venda de livros usados (fig.83) - localizados no chão sobre a proteção de


pedaços de cartão, usualmente junto a escolas, universidades e avenidas
importantes, comercializam livros maioritariamente escolares ou políticos
de pendor socialista, deixando uma curiosa e evidente memória da
revolução do país.

-Venda de roupas e serviços diversos ligados à estética pessoal (fig.81)-


da familia dos salões de beleza, estes variam na sua localização desde a
via pública ao interior do quarteirão, podendo tratar-se da apropriação de
um anexo, barraca metálica ou como se pode ver na figura 81, barracas
Fig 81. Barraca com serviços de
improvisadas com outros materiais, no caso, esteiras de capim. esteticista. Maputo. 2021

Estes produtos, somados a uma panóplia de outros casos específicos, Fig 82. Venda de cestos na via
acabam por funcionar de maneira similar aos anteriormente descritos, pública. Maputo. 2021
tendo consequências parecidas para a definição do ambiente urbano do Fig 83. Venda de livros na via
quotidiano na cidade de cimento. pública. Maputo. 2021
97
98
Posição

Passeio Quintal
privado

Produto

Produtos
alimentares

Costureiro

Sapateiro

Florista

Cabeleireiro

Reprografia

Telemóveis e
eletrónicos
99

Acesso ao Logradouro
logradouro
100

QI- Apropriações

A - Habitante do lote, o costureiro


montou uma estrutura em madeira
que garante sombreamento do seu
B local de trabalho. A maioria dos
seus clientes são moradores do
quarteirão e proximidades.
G A
B - Na avenida 24 de julho,
partilhando a esquina com
floristas de rua, encontramos um
H ponto de vendas e serviços de
telecomunicação.
C - Junto à parede mediadora do
lote em frente à universidade S.
Tomás, podem-se encontrar três
construções com serviços de cópia
e impressão de documentos.
C
D - Cabeleireiro localizado no que
originalmente fora uma garagem,
ao fundo do lote, mas beneficiando
de uma conexão visual com a
F rua, graças ao alinhamento com
D caminho de acesso ao interior do
quarteirão.
E - De modo a fazer-se notar, o
E cabeleireiro mencionado, tal como
o centro de línguas com o qual
comparte logradouro, têm cartazes
na via pública.
F - Barraca metálica de venda de
refeições, anteriormente localizada
no passeio, transladada no ano da
investigação para o interior do lote,
por exigência do município.
G - Barraca metálica de
confecção e venda de refeições.
Anteriormente localizada no
passeio, foi também movida
para o logradouro. Abre-se para
o caminho de acesso ao interior
de quarteirão. O proprietário,
habitante do edifício no lote, refere
ter como principais clientes os
No quarteirão QI, existe um considerável número alunos da universidade S.Tomás,
de apropriações informais. Maioritariamente devido queixando-se da diminuição dos
ao carácter movimentado do bairro, observa-se a seus ganhos desde a mudança de
redefinição programática e formal dos espaços do localização.
quarteirão, com especial destaque para o lote oposto
à Universidade S. Tomás, marcado pela densidade e H - Tchova com côcos estacionado
variedade de usos no seu logradouro. no passeio de uma das vias
secundárias que definem o
quarteirão QI. Este não se mantém
no local de forma fixa, tomando
partido do carácter móvel do seu
dispositivo de venda.

produtos outros reprografia cabeleireiro florista telemóveis costureiro


alimentares produtos
101

Descrição referente ao dia 19 de Abril de 2021

A B C D

E F G H

N
0 50
102

QII- Apropriações

A - Numa das esquinas, um


vendedor de frutas posiciona o seu
tchova de forma fixa durante o dia,
sob a sombra do seu guarda-sol.
D
B - Na rua que divide o quarteirão
G|H em dois, a proprietária de uma
moradia vende frutas no seu
quintal. Para tal, faz uso de uma
barraca metálica, aberta para a rua
e coberta por uma lona plástica
que protege os produtos.
C - No quintal da mesma moradia,
encontram-se também dois
costureiros. Estes trabalham
virados para a via pública, tendo
no chão uma pequena “montra”
F improvisada para venda de frutas.
E D - Nesta vista aérea veem-se duas
dependências construídas sobre
B|C o estacionamento subterrâneo do
A
edifício, uma delas utilizada como
cabeleireiro e esteticista.
E - Tchova com cobertura metálica,
posicionado em quintal privado.
As caixas no seu interior foram
colocadas de modo a dispor os
produtos vendidos de forma visível.
F - Acesso ao interior do
quarteirão, com estacionamento
noturno de tchovas no logradouro.
Vários proprietários deste
dispositivo preparam as suas
bancas sobre rodas, colocando
a fruta e os vegetais antes de
partirem para os seus habituais
locais de venda.
O caso de estudo QII apresenta uma menor G - Vendedoras ambulantes junto
concentração de comércio informal de rua. Apesar de à janela de um automóvel recém-
se localizar na proximidade de escolas e serviços, o -estacionado.
bairro é consideravelmente mais habitacional tendo
H - Indivíduo oferece o serviço
um menor fluxo de pessoas quando comparado com de apoio ao estacionamento,
o QI. Esta ausência de vendedores pode-se justificar, guarda e limpeza dos automóveis
também, pela presença abundante de comércio estacionados.
formal na Av. Eduardo Mondlane.

produtos costureiro reprografia cabeleireiro florista telemóveis


alimentares
103
Descrição referente ao dia 28 de Abril de 2021

A B C D

E F G H

N
0 50
Mercados 104

0 1000

O setor informal evoluiu na sua morfologia, para espaços de aglomeração


de produtos e serviços, conhecidos como mercados informais. Aqui,
encontram-se produtos das mais variadas qualidades e quantidades,
como alimentos, roupa, livros, peças de automóvel e até materiais de
construção.
Na área de estudo existem dois mercados informais: o mercado do
museu e o mercado do povo. Localizados na proximidade de importantes
paragens de transportes coletivos, são resultado da apropriação de
vazios urbanos.
Situado no bairro Polana, o mercado do museu estende-se desde uma
das mais movimentadas estações de transporte coletivo, com a qual
partilha o nome, até à esquina da Av. Mártires da Machava com a R. José
Mateus, atravessando o quarteirão. Este espaço pertencia ao clube de
futebol Big White, que o tinha preenchido com campos desportivos.
À semelhança da maioria das construções informais moçambicanas, o
mercado do museu é reconhecível pelo uso de chapa ondulada metálica
nas pequenas coberturas que protegem as bancas e estreitas vielas de
circulação.
“À medida que estes mercados ganham legitimidade e permanência 8 Bautista Cecilia, Fondeur Mario,
na cidade, alguns deles se consolidaram na malha urbana e cultural, Gucmén Elif, Mounari Beatrice,
Nercollini Enzo. Economics, Analysis
ao mesmo tempo que outros cresceram para além dos seus lotes e on formal and informal economic
começaram a espalhar-se para as ruas e espaço público.(…) O governo environments shaping Maputo.
argumenta contra as obstruções de mobilidade e as condições pouco Trabalho académico. Arquitetura e
higiénicas presentes nestes mercados. De todo modo, nos anos recentes, Urbanismo Universidade de Milão.
2018. p.40
houve uma série de tentativas por parte do governo para regular os
vendedores, como a marcação dos seus locais de trabalho e cobrança
uma taxa fixa para que operem. “8
Contudo estas medidas nem sempre parecem funcionar: no caso do
mercado do museu, propôs-se a construção de um mercado temporário
nas suas proximidades, para que os vendedores pudessem prosseguir
com a atividade comercial enquanto se construía uma versão formal do
mercado no local original. Os comerciantes desconfiados opuseram-
se à mudança para o espaço temporário que acabou por ter que ser
demolido.
“Neste contexto de negócio informal, habitação informal e serviços 9 Bautista Cecilia, Fondeur Mario,
informais, os mercados aparecem como a manifestação final de uma Gucmén Elif, Mounari Beatrice,
Nercollini Enzo. Economics, Analysis
cadeia de dinâmicas económicas que começam num nível para lá da on formal and informal economic
fronteira (Corredor econômico Maputo - África do Sul) e progridem environments shaping Maputo.
através do território com diferentes níveis de formalidade. Mais Trabalho académico. Arquitetura e
importante ainda é o facto destes aparecerem como claros artefatos Urbanismo Universidade de Milão.
2018. p.46
urbanos primários no contexto da sociedade Moçambicana, catalisando
interações sociais e económicas entre os cidadãos. Com uma conexão
forte com as comunidades envolventes e com as infraestruturas de
transporte coletivo, os mercados asseguram a sua permanência como
artefactos simbólicos e funcionais num ambiente de instabilidade física e Fig 97,98 e 99. Mercado do
impermanência“9. museu . Maputo. 2021
105
106
107
Habitação

Logradouro

No que diz respeito às apropriações ocorridas no interior do quarteirão,


verificou-se que a grande maioria das construções localizadas nestes
espaços têm um programa habitacional.

De facto, regressando ao contexto histórico, sabemos que “em


Maputo, à ocupação do centro abandonado pelos colonos seguiu-se
um investimento recente através de uma renovada estratificação, que
expulsou os menos abonados para os anexos ou para áreas periurbanas”
e que “face à inexistência ou à desadequação da oferta disponibilizada
quer pelas entidades públicas, quer pelo mercado imobiliário formal, a
apropriação do solo e a auto-construção nalguns casos, consentida já no
caso do colonialismo têm-se apresentado como forma de obtenção de
um lugar e meio de satisfação das necessidades das famílias de menores
10 Fernandes, Ana Silva. rendimentos“10.
Nascimento, Augusto. O “Direito
à Cidade” nos PALOP: Quatro Conhecidos como dependências ou deps, os anexos de apoio aos
décadas de expansão urbana, de
políticas e de mutações sociais. apartamentos do lote são alterados de modo a reunir as condições
Notas para uma investigação. mínimas para habitabilidade. Verifica-se por vezes, a existência de
Cadernos de Estudos Africanos construções onde, para além do aproveitamento de uma estrutura
[Online], 35 | 2018, posto online no
dia 02 outubro 2018, consultado o existente, são construídos acrescentos ilegais que procuram densifcar
08 novembro 2018. p.118 e 119 adicionalmente os logradouros.

Apesar da dificuldade em visitar este tipo de construção, dado o carácter


mais privado do seu programa, foi possível ver o interior de algumas
habitações, bem como conversar com os seus moradores. Deste processo
conseguiu-se identificar um conjunto de cenários que tendem a repetir-
-se quando se fala do fenómeno das deps de Maputo: os donos do
apartamento alugam a sua propriedade e mudam-se para o anexo; os
filhos dos proprietários de um apartamento no edifício principal mudam-
-se para a dependência, ironicamente à procura de se tornarem mais
independentes; ou os proprietários do edifício principal alteram os seus
anexos de modo a rentabilizá-los devido à grande procura de espaços na
cidade de cimento.

O fenómeno de transformação de anexos em espaços habitacionais


apresenta-se como meio de obtenção de uma vida no centro da cidade a
preços mais acessíveis, ao mesmo tempo que contribui para a redefinição
urbana dos espaços do interior do quarteirão. Contudo, grande parte
destas construções não apresentam as condições estruturais e infra-
-estruturais necessárias para uma habitabilidade de qualidade. Para
além da falta de espaço, problemas de ventilação e isolamento acústico
nos próprios acrescentos, estas construções levantam questões sobre
os elementos partilhados do lote, podendo levar a conflitos entre os
moradores do condomínio.
Fig 85. Habitação em anexos de
logradouro. Maputo. 2021 Estas construções apresentam-se como apropriações interessantes do
ponto de vista arquitetónico e urbanístico, uma vez que redefinem o
Fig 86. Interior de quarteirão
preenchido por habitação uso mais comum dos espaços de logradouro, mudando o seu papel na
informal. Maputo. 2021 cidade e até podendo ter em si várias qualidades. No entanto, durante
a visita, percebeu--se que existe um perigo de romantização destes
Fig 87. Habitação auto-
produzida no interior do elementos, se a falta de qualidade espacial e infra-estrutural que as
quarteirão. Maputo. 2021 acompanha não for mencionada.
108
109

Coberturas

À semelhança das apropriações dos anexos de logradouro, cidadãos


movidos pela procura de um lugar na cidade de cimento, em vez dos
bairros periféricos da capital, optam por habitar espaços localizados na
cobertura ou terraço dos edifícios da cidade.

Em certos casos o edifício tem já incluídos no seu desenho original


anexos de cobertura, usualmente acessíveis pelas escadas secundárias,
com o propósito original de servir de arrumo, lavandaria ou quarto
para os serventes. Aqui a ocupação dá-se de maneira mais natural, com
pequenas alterações efetuadas para possibilitar a vivência dos espaços.

Contudo, também nos casos em que as coberturas não se encontram


desenhadas para receber pessoas, assistimos à construção de
acrescentos nos telhados dos edifícios (fig. 88-90) que, para além
de adulterarem a imagem original dos mesmos, põem em risco a
sua estabilidade estrutural e eficiência infra-estrutural. A maioria das
consequências negativas são sentidas pelos moradores do edifício
principal, seja sob forma de fissuras, infiltrações ou danificação do
sistema sanitário, causados pela sobrecarga destes elementos. Posto isto,
as dependências na cobertura tendem a criar conflitos entre os vizinhos,
Fig 88. Acrescento habitacional que acabam por involver o município, resultando eventualmente na
na cobertura de edifício. demolição destas construções.
Maputo. 2021
Dada a procura incessante por um lugar na cidade, estas construções
Fig 89. Apropriação de anexos
de cobertura para habitação. dos vulgarmente denominados “terrenos aéreos“, fazem-se sentir de
Maputo. 2021 forma significativa na paisagem urbana da zona de estudo. Ao visitá-las,
é-se atingido pela percepção do alto contraste entre a sua localização
Fig 90. Acrescento habitacional
na cobertura de edifício. privilegiada, no ponto mais alto com vistas alargadas sobre a cidade, com
Maputo. 2021 o baixo nível de condições de vida que costumam oferecer.
110

Fig. 91, 92 e 93. Memes


e publicações ligadas ao
movimento “não saimos da
tawen”. Capturas de ecrã
retiradas da rede social
instagram. Maputo. 2021
111
“Não saímos da TAWEN”

Justamente no mês em que visitava a cidade de Maputo, um movimento


satírico ganhava força nas redes sociais. “Memes” e piadas sobre
cidadãos que se negavam a sair do centro da cidade, optando por
viver em construções ilegais, circulavam nas diferentes plataformas,
sendo o assunto do momento no país. De modo a contribuir para o
jocoso movimento online, o habitante da cidade passava a documentar
exemplos de habitação auto-produzida, acompanhado sempre pelo
slogan “Nós os jovens não vamos sair da tawen”. Deste modo, “(...) com
o advento da exposição gratuita oferecida por fotógrafos amadores
e profissionais através das lentes de telefones celulares e com a
popularização do uso das redes sociais, o fenómeno de ocupação dos
espaços comuns em prédios de habitação plurifamiliar veio ao de cima
e ganhou expressão nos últimos meses com o baptismo TAWEN (...)”11,
11 Nhanzimo, Manuel. “Não vamos proveniente da palavra inglesa town, e usado para se referir ao centro da
sair da TAWEN”. Dossier e Factos. cidade.
Maputo. 2021. Disponível em:
https://stpc.co.mz/nao-vamos-sair-
da-tawen/ Aparentemente inofensivo e de intuito unicamente satírico, “não saímos
da TAWEN” rapidamente ganhou um enorme alcance, despertando um
debate sério sobre o tema que acabou por culminar no envolvimento do
Município da cidade de Maputo. De entre as várias questões levantadas
neste debate social, o arquiteto e urbanista Manuel Nhanzimo menciona
as seguintes como mais relevantes:
-Legalidade e conivência - O fenómeno põe em causa as noções
de condomínio, espaço privado e espaço comum. Visto que as
“dependências” são unidades pertencentes ao apartamento e que
os terraços, logradouro, cobertura, estacionamento e outros espaços
comuns pertencem a cada proprietário de acordo com a sua fração do
condomínio, qualquer apropriação ou privatização destes espaços põe
em causa a sua condição de propriedade. Neste cenário, ao conhecer
e aceitar a existência de construções ilegais, todos os moradores são
de certa forma coniventes com a danificação silenciosa dos edifícios da
cidade.
-Necessidade de habitação e aspetos técnicos - Como foi exposto na
análise histórica da cidade, o centro concentra a grande maioria de
serviços, comércio e habitação, constituindo-se como área atrativa e de
grande interesse socioeconómico. Tal condição está na génese da grande
procura de casas na área, que acaba por ficar sobrecarregada. Da mesma
maneira, os edifícios ocupados estão em perigo de ficar sobrecarregados,
já que são pré-dimensionados para um determinado número de pisos,
habitantes e carga, na sua estrutura e infra-estrutura. O acrescento de
habitações nos terraços desafia a eficácia destes elementos, podendo por
em perigo a saúde ou até a própria vida dos moradores.
-Poder de fiscalização e responsabilização - O cenário descrito tem-se
verificado desde o abandono da cidade por parte do colono, e volta a
ganhar visibilidade pública com o movimento online. Neste contexto
aparecem questões sobre a falta de ação do município e outros órgãos
fiscalizadores. Preocupa, também, a possibilidade de ações repentinas
de expulsão e demolição de construções ilegais, que escapam à
responsabilização, prejudicando apenas o habitante quando a situação
resulta de uma cadeia complexa de conivência de diferentes partes.
-Politica nacional de habitação e gestão de terra - Por último, é
imperativo tomar o movimento pelo que ele é, “um grito de desespero
12 Nhanzimo, Manuel. “Não vamos por parte da juventude no que toca a promoção da habitação por parte
sair da TAWEN”. Dossier e Factos. do Estado”12. Critica-se a centralização das condições na cidade, o
Maputo. 2021. Disponível em: crescimento em sprawl dos subúrbios, bem como a segregação classista
https://stpc.co.mz/nao-vamos-sair-
da-tawen/ da cidade e sociedade moçambicana. Os novos investimentos que
supostamente procuram travar a degradação da cidade, acabam por
afastar o habitante de classe baixa para os subúrbios. Apesar de ter
nascido como sátira, o movimento aparece como um grito explícito por
parte dos jovens da cidade pelo direito à mesma.
112

Fig 94, 95 e 96. Memes e


publicações ligados ao
movimento “nao saimos da
tawen”. Capturas de ecrã
retiradas da rede social
instagram. Maputo. 2021
113

Durante o mês de maio de 2021, as primeiras reações governamentais


começaram a fazer-se sentir. O Edil da cidade pronunciou-se
publicamente sobre o assunto, efetuando uma análise da situação
onde realçou o carácter informal, ilegal, estruturalmente perigoso e
esteticamente desprezível destas construções. Demostrando uma
especial preocupação com a integridade estrutural dos edifícios,
identificou os bairros do Alto Maé e da Malhangalene, primeiros a ser
ocupados após a independência, como pontos com um grande número
de construções deste tipo, prometendo agir prontamente.

O presidente do município assinou uma parceria com a associação de


moradores, sobre a qual declarou: “Ao firmarmos esta parceria, conforta-
nos o facto de estarmos juntos a trabalhar, cumprindo a nossa visão de
tornar a cidade de Maputo mais bela, limpa, empreendedora e próspera.
(…) Devemos dizer basta a tudo isto e trabalharmos para que este tipo de
comportamento deixe de existir. Não devemos transformar a nossa urbe
num assentamento informal, nem os nossos jardins e espaços verdes em
13 Comiche, Eneas in “Município zonas de venda dos mais diversos artigos de consumo”13.
quer fim de ‘assentamentos
informais’ no centro da cidade”.
Jornal Noticias. Maputo. 20/11/2020 O município começou assim a fiscalização em massa destas situações
notificando qualquer uma em caso de ilegalidade com um prazo de 15
dias para o seu abandono. Com o esforço, foram embargadas 30 obras
clandestinas e inspecionadas outras 60. Sobre o processo acelerado
de fiscalização, o vereador de Ordenamento Territorial, Urbanização
e Ambiente no Conselho Municipal de Maputo explica: “A nossa
expectativa é repor a situação original dos edifícios, mas também não
queremos fechar os olhos à história, às nossas responsabilidades e aos
direitos dos cidadãos. Nós queremos agir dentro das balizas legais e, se
se comprovar que há uma ilegalidade, a pena tem que ser equitativa.
Não podemos ser injustos, remover uma porque é de ontem (no sentido
do passado) e deixar outra porque é recente” (…) “ o município fixa um
prazo de 15 dias para a remoção de qualquer obra ilegal. A pessoa é
notificada sobre um aspecto considerado irregular e usa o mesmo meio
para justificar o que lhe faz não cumprir esta ordem dos 15 dias. Esse vai
ser um processo interactivo. Nós não vamos limpar a cidade da noite
para o dia, ao contrário do que eles fazem, nós vamos trabalhar com as
pessoas para que sejam elas a corrigir e, caso não aconteça, a autoridade
tem de se fazer sentir” 14. Para além da possível penalização dos
proprietários de construções ilegais, o vereador Silva Magaia revelou que
a responsabilização poderia ser extensiva aos empreiteiros e engenheiros
encarregados destas estruturas.

A repentina atenção e ação do Conselho Municipal, coincidente com


o mês da visita de estudo desta investigação, acabou por condicionar
imensamente a normal recolha de dados. Os habitantes deste tipo
de construção apresentavam-se muito reticentes na autorização de
fotografias ou entrevistas, temendo uma possível associação com as
autoridades.
114

QII-Habitação A - Verifica-se que o interior


do quarteirão se encontra
preenchido por construções de
carácter secundário, reconhecíveis
pela chapa ondulada das suas
coberturas. Identificou-se que,
quando apropriados, estes anexos
servem na sua maioria como
habitação
B - Segundo os moradores deste
lote junto à Av. 24 de julho, durante
D a reabilitação do edifício, foram
construídas vivendas temporárias
G no logradouro de modo a acolher
parte dos habitantes do edifício.
Após a finalização das obras
de renovação, algumas destas
construções foram mantidas,
servindo atualmente como
B
moradia mais acessível para novos
habitantes.
C - Na imagem observa-se um
morador do edifício no terraço
em conversa com um vizinho
situado no logradouro. De facto,
este jovem morador, habita uma
das 8 vivendas tipo 0, que se
encontram nesta cobertura. Com
aproximadamente 15 m2 de área
F cada, os quartos são equipados
com pequenos utensílios de
cozinha e têm a sua zona sanitária,
no exterior, partilhada com mais
uma unidade.
C|E
H
D - Localizado num logradouro
de esquina, atípico pela presença
de um pequeno quiosque e uma
banca de costureiro, esta pequena
moradia na dependência vem
contribuir para a vivência deste
espaço no lote. O proprietário
recorre a garrafões de plástico para
delimitar o que considera ser o seu
espaço exterior privado.
E - Num dos terraços habitados do
quarteirão, duas bacias pousadas
sobre um banco servem para lavar
a loiça ao ar livre. Os moradores
recorrem a garrafões para efetuar o
transporte e o armazenamento de
água.
F - No logradouro mais
movimentado do quarteirão, junto
à universidade S.Tomás, verificamos
que, para além dos vários serviços
oferecidos, existem três moradias
No que diz respeito à habitação, o quarteirão QI auto-produzidas.
apresenta uma série de exemplares de apropriação,
G - Originalmente concebido
redefinição ou acrescento de espaços para este como anexo de apoio à utilização
propósito. Localizado numa zona nobre da cidade, as do terraço pelos moradores, a
construções habitacionais informais são de um nível construção encontra-se agora
alterada de modo a lá habitarem
económico mais alto do que o usual. 3 famílias. Duas destas pertencem
aos seguranças do edifício.
H - Dois vizinhos à conversa no
logradouro comum, junto às
habitações auto-produzidas.
Repare-se na delimitação do
espaço exterior privado, como se
de uma subcategoria de lote se
tratasse.
Habitação no Logradouro Habitação na Cobertura
115

A B C D

E F G H

N
0 50
116
A - A densidade habitacional no
QII-Habitação interior do quarteirão é tal, que
os lotes chegam a ser talhados,
de modo a delimitar novos
terrenos com acesso individual
desde a rua. A chapa metálica
comumente usada como cobertura,
é imperativa para a imagem das
“costas”da cidade.
B - Tratando-se do bairro central,
zona de maior densidade
E habitacional, é muito mais
F
comum verificar-se o uso das
coberturas dos edifícios para fins
habitacionais.

A|G
C - Alguns lotes encontram-se
de tal forma ocupados que não
se chega a ver o chão. Pequenas
C coberturas criam uma sucessão
de espaços interiores e exteriores
cobertos.
D - Volume originalmente
concebido como estacionamento
automóvel, encontra-se agora
alterado de modo a conter
8 moradias estreitas que se
estendem até ao limite do lote.
D|H
O novo programa faz-se sentir,
em parte, pela presença dos
tanques de água e caixas de ar
B condicionado, indispensáveis para
o seu funcionamento.
E - Localizados sobre o
estacionamento subterrâneo,
surgem dois volumes no interior do
quarteirão, alterados de modo a
conter espaços habitacionais e de
prestação de serviços.
F - Vista do corredor exterior de
distribuição e acesso a moradias
localizadas na cobertura.
G - A natureza rural do interior
do quarteirão QII, garantida
pelos materiais usados nas suas
construções informais, acentuam
a coexistência de dois mundos,
com o “skyline” da envolvente
Apesar de não conter muitos exemplares de caracterizado pelos edifícios
apropriações de carácter comercial, o quarteirão QII modernos de grande cércea.
encontra-se densamente preenchido por construções H - As moradias formadas nos
secundária, auto-produzidas, com programa anexos apresentam grandes
habitacional. Maioritariamente no espaço do interior problemas de ventilação e
do quarteirão, pode-se verificar pela mancha de iluminação, sendo as janelas na
ocupação deste espaço, em planta, como os lotes imagem as únicas da casa toda.
Deste modo, a iluminação e a
têm muito pouco espaço de solo desocupado. ventilação artificial são essenciais
para o funcionamento das
mesmas. Por outro lado, o alçado
caracterizado pela presença de
elementos domésticos, transforma
o mundo das costas da cidade
numa nova frente, fugindo da
Habitação no Logradouro Habitação na Cobertura imagem de serviço que teria
originalmente.
117

A B C D

E F G H

N
0 50
N
118

0 500

Produtos alimentares Cabeleireiro Repografia Sapateiro


Outros produtos e Telemóveis e
Costureiro Florista Fig.100. Mapa de usos informais
serviços eletrónicos
da cidade de Maputo. 2021
Mercado
119
Mapa da diversidade

Da análise dos artefactos informais do quotidiano da capital, foi possível


retirar uma série de conclusões sobre a relação entre os seus programas,
localizações e formas. Sem incluir a habitação, vemos na figura 100,
o resultado gráfico do levantamento efetuado ao setor de comércio
informal.

Os dispositivos estudados dividem-se entre os comerciantes e os


prestadores de serviços. De todos, a venda de produtos alimentares
destacou-se como programa mais abundante nesta zona da cidade,
sendo um dos setores mais essenciais, mas também com maior
competitividade.

Apesar da grande maioria de usos procurar colocar-se em localizações


com boas condições de visibilidade, normalmente junto a vias públicas
movimentadas, estes elementos acabam por variar na sua posição
de acordo com o programa. Por um lado, toda a comercialização de
produtos, de carácter mais efémero, tende a posicionar-se em locais com
maior fluxo de potenciais compradores (ruas e passeios), enquanto do
outro, prestadores de serviços com maiores necessidades de área e infra-
-estruturas, acabam por optar por locais permanentes, normalmente mais
afastados das vias principais. Contudo, e em grande parte num processo
causado pela ação das autoridades, tem-se assistido ao progressivo
desaparecimento destes dispositivos da via pública, verificando-se cada
vez mais implantações em espaços de menor visibilidade, que em nada
refletem a natureza do seu programa.

No que diz respeito à forma, os proprietários procuram construir ou


apropriar-se de espaços que respondam às necessidades do seu
programa. Como se tentou sintetizar nas axonometrias, cada programa
tem certos elementos essenciais para o seu funcionamento, variando
depois nos seus acessórios ou tratamento estético. Podendo ser fixos,
desmontáveis ou móveis, os artefactos com o mesmo programa não
variam muito no seu aspecto, de modo a não perder o seu carácter já
reconhecível na memória coletiva da população.

“Deambulando pela cidade de Maputo percebe-se que a crescente


extensão daquela capital tem outorgado uma outra dimensão aos
seus espaços públicos urbanos. (…) complementa esta situação o
desdobramento de atividades que gravitam muitos dos eixos viários
estruturantes da malha urbana, tornando-os em vastíssimos “mercados”
lineares, de uma grande variedade de produtos. A multiplicidade de
“fenómenos” geradores de renovados usos adstritos aos espaços
públicos urbanos potencia uma constante atualização e upgrade
14 Viana, David Leite e Sousa, multifuncional à estrutura desses mesmos elementos morfológicos“14.
Ana Natálio. Maputo: Inter-
relação urbano-habitacional-
social. Congresso internacional da O habitante diurno desta cidade quase nunca dorme nela. Proveniente
Habitação no Espaço Lusófono. dos subúrbios ou da sua dep vai transitando entre as esferas formais,
Lisboa, Portugal. 2013. p.4 informais e ambíguas durante o dia de trabalho ou estudo. Desde o
transporte coletivo pela manhã, à barraca na qual almoça, mostra-se
dependente de uma sub-cidade economicamente mais acessível para
garantir a sua subsistência. De facto, pela sua abundância e localização, o
setor informal beneficia pessoas de todas as classes, sendo parte da vida
15 Massarongo, Fernanda in de todo o cidadão. Por outro lado, apesar de não ter o peso dos grandes
Henriques, Joana Gorjão e Batista, negócios “estima-se que a economia informal empregue entre 70 a 85 %
Frederico. A economia informal
é um dos principais pilares da população”15.
da economia moçambicana.
Público. Lisboa. 2015. Disponível Dada a importância dos elementos estudados para a dinâmica de
em: https://www.publico. funcionamento urbano da cidade, temos como objetivo identificar as
pt/2015/06/25/mundo/video/
mocambique-40-anos-economia- potenciais ameaças às qualidades da mesma, ao mesmo tempo que se
informal-20150624-163310 reflete sobre as suas potencialidades.
Maputo. Planta de Nolli 120

Em 1748 o arquiteto italiano Giambattista Nolli completava a sua planta


de Roma que ficaria na história como peça importante para o estudo e
representação de cidades. Nela representa-se o piso térreo da cidade,
pintando-se de preto todos os espaços privados, e deixando a branco os
espaços públicos. Deste modo, ficam visíveis as ruas, caminhos, praças,
largos, e todos os espaços verdadeiramente públicos e acessíveis para
qualquer habitante. Para além das arcadas, mercados e termas, salta à
vista o facto das igrejas terem sido deixadas a branco. Estes espaços
interiores são efetivamente abertos para o público dotando a planta de
Roma de um carácter muito mais poroso do que expectável, como que se
de praças cobertas se tratasse.

Voltando o olhar sobre a área de estudo, constatamos que o universo de


apropriações informais é responsável por desafiar e redefinir as noções
de público e privado. Consequentemente, a técnica usada por Nolli
adequa-se como meio para entender a profundidade da influência destes
artefactos urbanos na cidade.

Em Maputo há uma planta de Nolli formal, de linhas claras, formada pelas


vias, culs de sac, praças e pracetas que definem os quarteirões regulares.
Interessa-nos, contudo, efetuar uma planta mais compreensível e realista
do território, que acarrete a complexidade de espaços não oficialmente
públicos, semi-públicos, ou de carácter ambíguo, refletindo a verdadeira
acessibilidade da cidade. Para tal, através da visita à pé, recolheu-se
informação sobre o estatuto das ruas e logradouros dos 84 quarteirões
que formam a área de estudo. Em cada um, tentou-se aceder ao maior
número de espaços possível, e no caso de expulsão ou questionamento,
usualmente a pedido de guardas e moradores, considerou-se que se
trataria de uma zona privada. Esta análise empírica foi efetuada durante
os dias úteis de modo a refletir a cidade na sua versão mais movimentada
do quotidiano.

Ficou claro que a presença de certos programas comerciais em espaços


originalmente privados tornava-os automaticamente de uso público
durante os horários de funcionamento. Verificou-se também que a
existência habitual de caixas de escadas e galerias na parte posterior dos
edifícios levava a que os acessos ao interior do quarteirão estivessem
abertos, apesar do espaço não se tornar efetivamente público. De facto,
em certos casos, mesmo com a presença de um programa comercial,
alguns espaços mantinham-se privados, sendo necessário indicar para
onde se ia antes de se aceder ao mesmo.

O resultado gráfico desta pesquisa (fig. 101) certifica que as estratégias


informais de apropriação do espaço, combinadas com a inventividade
formal dos quarteirões, bem como com as tipologias de acesso aos
edifícios da cidade, resultam num Maputo distintivamente mais aberto
e acessível. Enquanto na Nolli de Roma, as igrejas e pallazzos são as
responsáveis por este fenómeno, em Maputo destacam-se os interiores
de quarteirão, deixados a branco frequentemente, diferenciando-o de
outras cidades. É importante referir que, contrariamente a Roma, nesta
planta apenas se representam os espaços públicos exteriores.

Deste modo, e sem querer efetuar uma comparação romântica, se em


Roma foi a religião a proporcionar mais espaço público para o cidadão,
em Maputo, o cabeleireiro, o sapateiro, a reprografia ou o costureiro
informais são os responsáveis pelo branco da composição.
N

0 500

Fig.101. Mapa de Nolli de


Maputo. 2021
Fig.101. Mapa de Nolli de
Maputo. 2021- Desdobrável Fig 102. Lote privado abre-se para o mercado do Museu. Maputo. 2021
123

Ameaças e
Potencialidades
Ação do Estado 124

Tanto no estudo do contexto histórico do país como na análise das


apropriações do quotidiano, a importância do Estado para a existência
do setor informal ficou clara. Efetivamente, a viagem de estudo ficou
marcada por medidas de intervenção recentes em reação ao setor, como
a expulsão de vendedores de rua do espaço público e a demolição de
habitações auto-produzidas.

O seu papel tem sido complexo e por vezes contraditório em


Moçambique, ora com medidas sensíveis às qualidades do setor
informal ou com ações repressivas do mesmo. De todo o modo, a
partir da observação das medidas implementadas desde o período
pré-independência, entende-se que estas se revelaram quase sempre
insuficientes para reverter a situação de precariedade associada ao 1 Freire, A. Oliveira, L. L. Capítulos
universo informal. Em inúmeros casos, as ações do Estado ou a falta da memória do urbanismo carioca.
delas, parecem estar na génese dos processos de auto-ajuda das Folha Seca. Rio de Janeiro. 2002.
p.109 in: Fernandes, Ana Silva.
populações, que se vêem obrigadas a dar resposta às suas próprias Nascimento, Augusto. O “Direito
necessidades. “Testemunhando esse desfasamento, John Turner proferiu à Cidade” nos PALOP: Quatro
em uma frase que ficou célebre nos debates académicos em torno de décadas de expansão urbana, de
políticas e de mutações sociais.
políticas habitacionais: mostraram-me soluções que são problemas e Notas para uma investigação.
problemas que são soluções”1. Cadernos de Estudos Africanos
[Online], 35 | 2018, posto online no
Tome-se como exemplo os projetos de habitação económica, dia 02 outubro 2018, consultado o
08 novembro 2018. p.120 e 121
investimentos públicos de maior dimensão dado o cenário de grande
carência deste programa. Independentemente da sua concretização, a
oferta acaba por ser insuficiente e os projetos surgem “(…) envoltos em
grande indefinição, sendo criticados pela localização e dificuldade de
transporte, pela ausência de infra-estruturas e equipamentos sociais, por
baixos padrões construtivos e, amiúde, por constituírem soluções não
acessíveis aos mais carenciados e até por gerarem dificuldades adicionais
no acesso a oportunidades laborais”2. 2 Melo, Vanessa de Pacheco.
Urbanismo Português na Cidade de
Desde a época colonial foi-se observando a implementação de planos Maputo: passado, presente e futuro.
Revista Brasileira de Gestão Urbana.
inadequados na resposta ao crescimento populacional da capital e Lisboa. 2013. p.81
ao surgimento do setor informal. Com estratégias de planeamento
centralizadas e de abordagem top-down, verificou-se que as entidades
governamentais mantiveram sempre o setor informal como algo a
desconsiderar ou erradicar, acreditando na sua futura inclusão numa
lógica de funcionamento formal através da regulamentação estatal do
desenvolvimento urbano, “(…) privilegiando ambiciosas aspirações físicas
e pouco considerando necessidades sociais, tendências demográficas,
a real base económica para a sua implementação e questões de
natureza metropolitana”3. Este tipo de abordagem permaneceu após a 3 Melo, Vanessa de Pacheco.
independência nos planos elaborados, como o PEUMM, onde se afirma Urbanismo Português na Cidade de
Maputo: passado, presente e futuro.
querer “(…) motivar, tão cedo quanto possível, a promoção de novos Revista Brasileira de Gestão Urbana.
modelos de ocupação do espaço urbano e de formas de habitar que Lisboa. 2013. p.80
provem aos cidadãos as vantagens que traz, para todos, uma forma
de viver mais distanciada dos estereótipos rurais que, ainda hoje são,
defendidos como um traço cultural incontornável da nossa população
urbana”4. 4 (PEUMM, 2008: vol. II, 23).
in de Mendonça, Lisandra
A desconsideração pelos artefactos estudados dá lugar a medidas Ângela Franco. Conservação da
Arquitetura e do Ambiente Urbano
de intervenção severas, aplicadas sobre o pretexto de preocupações Modernos: a Baixa de Maputo.
técnicas, como foi visto na reação ao movimento “não saímos Orientadores Professores Doutores
da TAWEN”, onde grande parte das demolições almejavam, Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
verdadeiramente, a estetização da cidade. Conecta-se deste modo, de Doutoramento. Arquitetura
a precariedade dos espaços estudados ao caos e falta de estética, e Urbanismo Universidade de
mesmo que um não dependa do outro, havendo também no quotidiano Coimbra. 2015. p.162
qualidade espacial e beleza. Este modo de ver as informalidades
fica patente na chegada a cidade onde, junto ao aeroporto, o bairro
Mavalane A foi vedado por um muro de 2 metros. Batizado como “muro
da vergonha” foi construído durante a cimeira da União Africana de
2003 por não se querer ter a precariedade do bairro como imagem
representativa da cidade (fig.103).
125

Fig 103. “Muro da vergonha”. Maputo. 2009

5 Como foi descrito no subcapítulo Por outro lado, quando as entidades estatais procuram fazer frente aos
“mercados”, tentou-se formalizar problemas da esfera informal, tendem a tentar formalizar os elementos
o mercado do museu construindo
um espaço provisório nas suas pré-existentes, correndo o risco de falhar, como no caso do mercado do
proximidades. Os vendedores museu5. No contexto de assentamentos informais, Ananya Roy (2005)
não aceitaram a trasladação e o afirma que o processo de formalização nunca é tão direto como uma
investimento foi feito em vão.
simples conversão de documentação informal para títulos formais e
6 Roy, Ananya. Urban Informality: um dos maiores desafios deste processo é a invasão destes espaços
Toward an Epistemology of regularizados por parte de grupos com maior poder de compra, que
Planning. Journal of the American deslocam os residentes originais 6. Outro grande problema é que a
Planning Association, Vol. 71, N. 2.
Chicago. 2005. p.152 formalização vem acompanhada de um processo de regularização do
pagamento de impostos. “Sem trabalhos formais, ditos pagamentos
7 Roy, Ananya. Urban Informality: regulares ou taxas de juro são difíceis de sustentar”7. Face a medidas
Toward an Epistemology of deste tipo, os habitantes com menos recursos procuram evitar fazer parte
Planning. Journal of the American
Planning Association, Vol. 71, N. 2. de um sistema onde a falha de um pagamento regular pode resultar em
Chicago. 2005. p.153 despejo ou perda de seu lugar de trabalho.
126

“Os cidadãos (…) estão a construir a sua cidade “de baixo para cima”,
visto que nem o Estado, nem o sector formal privado consegue dar 8 de Mendonça, Lisandra
Ângela Franco. Conservação da
resposta à sua demanda por infraestruturas e serviços adequados”8. Arquitetura e do Ambiente Urbano
Este ato de auto-organização dá lugar a estratégias de utilização do Modernos: a Baixa de Maputo.
espaço público com muitas potencialidades, que carecem apenas de Orientadores Professores Doutores
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
infra-estruturas básicas para se consolidarem. Deste modo, é essencial Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
reconhecer o valor do setor na caracterização da cidade e procurar adotar de Doutoramento. Arquitetura
uma abordagem bottom-up, apontando para o aumento da qualidade de e Urbanismo Universidade de
Coimbra. 2015. p.177
vida da maioria da população. Neste sentido, e com o Estado a trabalhar
com alguma flexibilidade legal no que diz respeito às apropriações
estudadas, pode-se almejar uma maior democratização da cidade.

Ao reconhecer o valor da esfera informal para a dinâmica do espaço


público, o Estado vê-se obrigado a questionar certos paradigmas
urbanos e a trabalhar para a criação de novos modelos mais ajustados
à realidade do país. Observe-se a demolição do mercado da Malanga
aquando da construção da ponte Maputo-Katembe: já consolidado no
tecido urbano, o mercado tinha todas as condições para voltar ao seu
local original onde agora se encontra a chegada da ponte a Maputo.
Questiona-se, assim, se o projeto poderia ter associado a construção
desta estrutura ao desenho de um espaço munido com os elementos
necessários para uma reapropriação mais qualitativa do programa
original.

Apontando para a consolidação de áreas já ocupadas, pode-se recorrer


a medidas públicas como: “(…) demarcação e disponibilização de
talhões com ou sem infra-estruturas básicas, fornecimento de habitações
evolutivas e de baixo custo e programas de fomento à auto-construção“9. 9 Melo, Vanessa de Pacheco.
Urbanismo Português na Cidade de
Esta lógica de intervenção, mais aplicada nos subúrbios, pode também Maputo: passado, presente e futuro.
ser pertinente para a área de estudo, com medidas que explorem as Revista Brasileira de Gestão Urbana.
potencialidades dos espaços já ocupados por habitação. Deste modo, Lisboa. 2013. p.81
seria plausível pensar-se na construção de edifícios de baixo custo
nos logradouros ou na criação de novos “sub-lotes” nesses espaços,
assumindo a sua redefinição urbana e facilitando a auto-construção sem
gerar conflitos. Apesar da falta de fundos para intervenções de grande
magnitude, o Estado tem na legislação uma ferramenta forte: poderia
usá-la, por exemplo, para exigir que os privados façam parte da solução
para a falta de habitação, através da garantia, nos seus investimentos, de
uma percentagem mínima de moradias acessíveis à classe baixa.

As políticas de intervenção podem focar-se na melhoria dos espaços


urbanos já existentes que não impliquem a deslocação da população.
Contudo, Ananya Roy aponta a importância de manter o investimento
na componente física dos espaços informais do quotidiano, ligado ao
objetivo de melhorar a qualidade de vida, económica e a inclusão política
dos cidadãos que deles dependem. Há um grande risco, caso tal não se
verifique, das intervenções se limitarem a um processo de “estetização da
pobreza”10. Para que tal se evite, urge incluir o cidadão numa discussão 10 Roy, Ananya. Urban Informality:
pública de decisões sobre as políticas urbanas, ajudando na identificação Toward an Epistemology of
Planning. Journal of the American
de problemas prioritários. Com medidas pontuais e mais acertadas, o Planning Association, Vol. 71, N. 2.
Estado pode baixar os custos das intervenções e possibilitar a maior Chicago. 2005. p.150
abrangência das mesmas.
127

Fig 104. FEIMA. Maputo. 2017

Apesar de se defender uma lógica de pequenas intervenções


concentradas nos espaços já apropriados, verificamos alguns exemplos
de deslocação e formalização de programas informais na cidade, como
o Mercado do Peixe e a Feira de Artesanato, Flores e Gastronómica
de Maputo, FEIMA (fig. 104). Ambos, apesar de construirem novos
espaços destinados a programas previamente informais, são bem
sucedidos, em grande parte, por terem conseguido identificar e manter
importantes características espaciais e modos de funcionamento das suas
versões auto-produzidas. Todavia, são mais os exemplos de medidas
de formalização que não tiveram sucesso, principalmente, devido à
11 Roy, Ananya. Urban Informality: instabilidade económica dos trabalhadores do setor, deixando em
Toward an Epistemology of aberto a questão: “Como podem os políticos proceder com a tarefa de
Planning. Journal of the American
Planning Association, Vol. 71, N. 2. formalização, ao mesmo tempo que se mantêm atentos à acessibilidade
Chicago. 2005. p.153 e previnem a gentrificação e despejos?”11.
128

Fig 106. Hotel Radisson Blu. Maputo.


Desde a sua construção, tem se tornado o cartão postal da cidade,
com as suas imagens partilhadas com orgulho como símbolo do
desenvolvimento da capital.
129
Novos investimentos privados

Desde o fim da guerra civil tem-se assistido a uma recuperação


progressiva da zona central da capital, movida pela maior procura
e valorização desta área, embora simultaneamente se observe o
agravamento da estratificação sócio-espacial, com os habitantes de
menores recursos a serem empurrados para os subúrbios. Esta ocupação
tem sido efetuada maioritariamente por estrangeiros, grandes empresas
privadas ou pela nova elite local. Neste processo, já desde a década de
1990 que verificamos o surgimento de condomínios privados, modelo
de ocupação ligado à população mais rica, responsável por acentuar
fisicamente o contraste entre as diferentes classes sociais.
De facto, de entre as quatro fases de desenvolvimento identificadas
no período pós-independência, a atual, com início no ano 2000,
foi caracterizada pelo “incremento de investimentos privados em
áreas centrais da capital moçambicana e da especulação imobiliária
12 Viana, David Leite. (Auto) sobre setores pericentrais da Cidade”12. Contudo, os novos edifícios
organização e forma urbana: administrativos, de serviços e residências para a classe média e alta,
combinando diferentes abordagens pouco beneficiam a grande maioria da população.
morfológicas na análise de Maputo.
Relatório de Pós-doutoramento.
Faculdade de Engenharia da Os investimentos privados fogem tanto às lógicas do urbanismo colonial
Universidade do Porto. 2015. p.48 como às novas dinâmicas moldadas pelo sector informal, adotando por
sua vez, modelos “(…) arquitetónicos e urbanísticos de cariz internacional
sob influências várias, pouco atentos às exigências do clima, às limitações
das infra-estruturas existentes, à capacidade de manutenção corrente,
13, 14 e 15 de Mendonça, Lisandra à segurança contra incêndios(…)”13, bem como ao valor patrimonial
Ângela Franco. Conservação da de certos edifícios. Este fenómeno dá-se associado “(…) às novas
Arquitetura e do Ambiente Urbano
Modernos: a Baixa de Maputo. aspirações socioeconómicas e culturais de um segmento preciso da
Orientadores Professores Doutores sociedade moçambicana (a classe média-alta), veiculadas em contexto
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni de globalização”14. Efetivamente, grande parte da classe média do país
Carbonara e Júlio Carrilho. Tese parece evidenciar um complexo de inferioridade onde todo o modelo
de Doutoramento. Arquitetura arquitetónico que se possa identificar como local é representativo de
e Urbanismo Universidade de
Coimbra. 2015. p.378 pobreza, ao passo que a estética ocidental remete ao imaginário de
um estatuto social mais alto, ainda que de forma recorrentemente
desadequada às verdadeiras necessidades do contexto. No centro, estes
modelos fazem-se sentir de forma mais contrastante, visto que os novos
investimentos se fazem “(…) sobretudo pela substituição de moradias de
poucos pisos em bairros residenciais, ou em lotes desocupados(…)”15.
Contudo a pressão imobiliária ameaça também os subúrbios, onde a
falta de consolidação do tecido urbano pode dar lugar a rupturas de
grande escala: “(…) a lógica dos quarteirões desaparece, a rua deixa
de assumir um papel preponderante e introduzem-se novas tipologias,
16 Melo, Vanessa de Pacheco. como os condomínios fechados(…)”16, extensas superfícies comerciais ou
Urbanismo Português na Cidade de conjuntos residenciais.
Maputo: passado, presente e futuro.
Revista Brasileira de Gestão Urbana.
Lisboa. 2013. p.81 “Os grandes investimentos respaldam-se no afastamento e liberalização
das responsabilidades sociais dos Estados, deixando lugar para que seja
essencialmente a iniciativa privada a propor a modificação das cidades,
incidindo em áreas especulativamente mais atrativas, negligenciando
17 Viana, David Leite. (Auto) os assentamentos informais”17. Deste modo, vai-se assistindo a
organização e forma urbana: sobrevivência da essência dualista introduzida pelo colonialismo, onde
combinando diferentes abordagens os investimentos visam as elites que vão tomando a cidade movidos por
morfológicas na análise de Maputo.
Relatório de Pós-doutoramento. uma ânsia de modernização, ao mesmo tempo que o enfraquecimento
Faculdade de Engenharia da do intervencionismo estatal reduz as oportunidades das populações
Universidade do Porto. 2015. p.23 beneficiarem ou até de se inserirem neste processo ( Mendonça,
2015). Estes acontecimentos demonstram uma falta de capacidade de
coordenação equilibrada dos diferentes atores no que diz respeito aos
princípios ideológicos e práticos na busca por uma solução aos vários
problemas urbanos da capital.
130

Fig 107. Hammerstrasse. Diener & Diener. Basileia, Suiça.1981


131

Apesar dos grandes investimentos contribuirem progressivamente para


a segregação, existem ocasiões onde estes oferecem um contributo
positivo para o espaço público. Para além da reabilitação de edifícios
existentes que resolve problemas estruturais e infra-estruturais, são os
privados que têm recuperado os passeios da cidade, reconstruindo-os,
garantindo que não se possa estacionar sobre eles, iluminando-os no
piso térreo, e providenciando, por vezes, mobiliário urbano de lazer.
Lote a lote vão-se recuperando desta maneira qualidades perdidas dos
espaços públicos da cidade.
Contudo, de modo a verdadeiramente intervir de forma positiva no
espaço de todos, os privados devem reconhecer a existência e as
potencialidades urbanas dos artefactos informais, podendo ser um ator
importante no caminho conciliatório da dicotomia formal e informal. Para
tal, é necessário ultrapassar a ânsia por um imaginário ligado apenas
a um estatuto social alto, reconhecendo a existência de qualidade de
vida no quotidiano das outras classes sociais, que podem constituir-se,
também, como público-alvo das iniciativas privadas.
A procura por modelos ocidentais acaba por ser paradoxal no contexto
da cidade. Por um lado, os privados ignoram as apropriações dos
diferentes espaços, restituindo na maioria dos casos, os seus usos
originais- o passeio, embora reabilitado, já não tem quiosques nem
vendedores, o logradouro volta a servir apenas para estacionamento de
automóveis e o costureiro previamente localizado na entrada do lote vê-
-se obrigado a encontrar um novo lugar. Em contrapartida, no ocidente
trabalha-se para incentivar a apropriação dos espaços públicos, através
de estratégias espaciais por vezes baseadas em contextos de países em
desenvolvimento. Este fenómeno deixa patente o caráter qualitativo
da vida na rua, dos elementos urbanos do quotidiano, do sentido de
18 -O edifcio de habitação comunidade e do uso inventivo dos espaços públicos da cidade, que
Hammerstrasse é caracteristico
pela sua implantação. Com metade em Maputo surgem de forma natural, embora inúmeras vezes em
de um querteirão como terreno, o lugares com condições precárias, enquanto em muitos outros países são
edificio quebra a continuidade com trabalhados modelos urbanos que incentivem o seu aparecimento.
o perimetro construido, criando
uma via secundária que atravessa o Tome-se o interior do quarteirão como exemplo- apesar de se tratar de
quarteirão. Esta é definida por um um espaço originalmente privado, foi-se abrindo para a cidade devido
bloco de dois pisos, formado por
habitação e ateliês em duplex. à presença de novos programas, estendendo desta forma o sistema de
espaços públicos da capital. Mesmo sendo normalmente caracterizados
Apesar de se tratar de um pela presença de infra-estruturas defeituosas, pavimento danificado,
contexto absolutamente diferente falta de vegetação, ou pelo forte ruído das bombas de água, acaba
do moçambicano, o edifcio em por se tornar num espaço intensamente habitado, dada a presença dos
questão esteve parcialmente na
génese da corrente investigação: programas comerciais e habitacionais que catalisam o seu uso. Este
Tendo vivido em Basileia, foi a mesmo espaço tem sido fruto de uma investigação urbanística contínua,
partir da observação diária desta com modelos que procuram incentivar a sua maior utilização, ora a partir
rua e do caráter público ganho pelo de uma maior abertura para a cidade ou da densificação edificada.
espaço do interior do quarteirão
(contrastando com os da envolvente Projetos como o edifício habitacional Hammerstrasse dos arquitetos
próxima) que se iniciou a reflexão Diener & Diener (fig.107) questionam este espaço urbano, na busca pela
sobre a condição naturalmente mais sua revitalização18.
pública deste espaço no contexto
de Maputo. Posto isto, questiona-se: poderão os privados ultrapassar certos
paradigmas urbanos e através da observação das apropriações, explorar
a criação de novas estratégias de tratamento da rua, do edifício, do
logradouro e até de seus anexos? Será possivel manter o carácter semi--
público do quarteirão maputense, procurando garantir estruturas e infra--
estruturas que possibilitem o funcionamento dos seus programas usuais?
E se os espaços do interior do quarteirão pudessem ser repensados
de modo a fazer frente ao problema de falta de habitação? Será difícil
providenciar os elementos necessários para uma apropriação controlada
dos passeios?
Com estas questões não se procura afirmar que os investidores devem
acatar com a responsabilidade total de compreensão do contexto e
questionamento dos paradigmas urbanos. Pelo contrário, e aceitando o
poder económico deste setor, procura-se refletir sobre o seu potencial
contributo para a construção de um melhor espaço público, sempre
que associado aos demais atores responsáveis. Com a inclusão de
19 Melo, Vanessa de Pacheco. uma legislação acertada, e tendo em conta as verdadeiras vontades
Urbanismo Português na Cidade de
Maputo: passado, presente e futuro. dos cidadãos de diferentes classes, os fundos do setor privado podem
Revista Brasileira de Gestão Urbana. contribuir para iniciativas com um “(…) objetivo definido de conjunto e
Lisboa. 2013. p.81 uma linha clara entre princípios ideológicos”19.
Patologias estruturais e infra-estruturais 132

Apesar de ao longo da investigação nos termos concentrado em apontar


as qualidades positivas da esfera informal da capital, é uma realidade que
esta comporta em si inúmeros problemas, dos quais se destacaram as
patologias estruturais e infra-estruturais. Estes apoiam grande parte dos
argumentos que defendem a demolição dos artefactos estudados.

De fato, “no final da década de 1990, o inquérito à situação do parque


imobiliário da cidade de cimento averiguava que uma parte considerável
desse parque encontrava-se num estado contínuo de degradação,
situação que continuou a agravar-se na década seguinte”20. Em grande 20 e 21 de Mendonça, Lisandra
Ângela Franco. Conservação da
parte por consequência do fenómeno de ruralização da cidade, verificou- Arquitetura e do Ambiente Urbano
-se que a cidade apresentava “(…) problemas sérios de renovação das Modernos: a Baixa de Maputo.
áreas e dos serviços comuns das unidades de habitação coletiva”21, Orientadores Professores Doutores
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
resultantes de anos de falta de manutenção e uso incorreto dos espaços. Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
Ao longo da visita de estudo, o mau estado das estruturas e infra- de Doutoramento. Arquitetura
-estruturas da grande maioria dos elementos estudados fez-se notar e Urbanismo Universidade de
Coimbra. 2015. p.181
como característica negativa, responsável por pôr em risco a qualidade
de vida, e por vezes a própria vida do cidadão nos espaços urbanos do
quotidiano.

“Atendendo a dados do Instituto Nacional de Estatísticas de


Moçambique (1999), pode-se indicar que apenas 27,5% do total da
população de Maputo vivia em tipologias habitacionais apoiadas
por equipamentos locais e servidas por infraestruturas (luz, água,
saneamento). A restante percentagem tinha dificuldades em encontrar
respostas adequadas às suas necessidades residenciais nas dinâmicas
formais da oferta residencial”22. Durante a viagem de estudo as 22 Viana, David Leite. (Auto)
apropriações com programa habitacional apresentaram-se como as mais organização e forma urbana:
combinando diferentes abordagens
problemáticas no que diz respeito às suas patologias. Os espaços auto- morfológicas na análise de Maputo.
-construídos em anexos e coberturas da cidade têm graves lacunas na Relatório de Pós-doutoramento.
sua qualidade espacial, de ventilação, de iluminação e de infra-estruturas Faculdade de Engenharia da
Universidade do Porto. 2015. p.47
sanitárias. Mas, para além de condicionarem a qualidade de vida de
quem as habita, acabam por afetar o bom funcionamento de edifícios
pré-existentes e dos seus espaços comuns, uma vez que sobrecarregam
os sistemas para os quais foram inicialmente projetados. Foi com estes
pontos que o Estado justificou as suas ações face ao movimento “não
saímos da TAWEN”, sob uma perspetiva de salvaguarda da cidade e do
bem-estar comum, mesmo que os verdadeiros motivos possam ter sido
mais complexos ou difíceis de justificar.
Os artefactos urbanos comerciais também apresentaram problemas
semelhantes, principalmente no que diz respeito a falta de espaços
adequados e de infra-estruturas sanitárias. Esta condição, para além de
dificultar a vida dos proprietários que se vêem obrigados a criar acordos
com moradores ou estabelecimentos nas proximidades (de modo a
ter acesso a água e eletricidade) acabam por impedir o cumprimento
de boas práticas higiénicas necessárias para muitos dos programas
identificados, com especial destaque para a venda de produtos
alimentares. Apesar de nos mercados o município normalmente garantir
um pequeno balneário com instalações sanitárias, os postos de venda de
rua ainda não têm solução formal para as suas necessidades.

O acesso desigual às infra-estruturas agrava as desigualdades sociais na


capital. Mesmo estando localizados na cidade de cimento, os artefactos
estudados parecem ter um nível diferente de cidadania derivado dos
espaços que ocupam: a rua, o passeio, o logradouro ou as coberturas.
Essa desigualdade no acesso à urbanidade reflete também a dinâmica
de segregação que se verifica num contexto mais abrangente, na relação
centro e subúrbio.
133

Fig 108. Canalização e eletricidade no logradouro. Maputo. 2021


134

Reconhecendo o cenário descrito, a disponibilização de infra-estruturas


para a esfera informal torna-se num dos pontos primários na busca por
um espaço do quotidiano mais qualificado. Ao invés de procurar soluções
globais para todos os problemas do espaço informal, começar por estas
patologias permite fazer frente à degradação da cidade, ao mesmo
tempo que se garante mais dignidade e conforto para os trabalhadores
do setor. Através de soluções que se adaptem à fragmentação e
incompletude do quotidiano, pode-se almejar a um máximo de eficácia
com o mínimo de elementos necessários. Isto é, munindo-se apenas
de elementos estruturais e infra-estruturais, apontar também para a
resolução de problemas espaciais. Para tal, será necessário explorar o
potencial arquitetónico destas componentes na organização dos espaços
apropriados, procurando torná-los presentes fisicamente, opondo-
-se assim à sua instalação usual: de modo oculto. Para além do caráter
espacial, o destaque físico destes elementos pode ser importante para
que o cidadão reconheça de forma visível a implementação de medidas
para o melhoramento da esfera pública, ganhando também um peso
representativo e simbólico de mudança.
Olhemos para o caso da habitação: as deps acrescentadas sobre
estruturas existentes trazem consigo novas instalações elétricas e de
água. Às mesmas acrescentam-se os tubos, bombas e tanques do edifício
principal, posicionados no exterior, visto que a maioria dos sistemas
originais se encontra obsoleto. Quando se efetuam reabilitações,
ao invés de se tentarem restituir as coretes originais, não se poderá
desenhar um sistema infra-estrutural externo e com expressão como se
de um aqueduto se tratasse? Poderá este elemento ajudar a delimitar
os espaços de anexo, ao mesmo tempo que os prepara para receber
apropriações de caráter comercial ou habitacional, dotando-os assim de
uma maior flexibilidade? Nos casos em que as estruturas dos edifícios
principais estão sobrecarregadas, a demolição aparenta ser a única
solução. Contudo, existirá a possibilidade de criar estruturas seguras e
vazias no logradouro, destinadas à apropriação livre, que possam dar um
espaço aos habitantes que tiveram as suas moradias demolidas?
No caso dos programas comerciais de rua: seria a demarcação de
espaços no passeio associada à colocação de elementos infra-estruturais
expressivos, como as bocas de incêndio, uma estratégia para resolução
de necessidades técnicas com impacto na forma como os artefactos
se implantam no espaço público?(fig.110) À semelhança do que foi
efetuado pelos serviços de telecomunicação, seria possível disponibilizar
elementos de sombreamento para todos, ou até aplicar um código de
cor ao mobiliário urbano dos vendedores de acordo com os produtos
de modo a facilitar o seu reconhecimento? E, no caso dos mercados,
onde se tem assistido a custosas tentativas falhadas de demolição ou
de reconstrução total, não seria suficiente apenas a implementação de
um sistema de iluminação e canalização que de alguma forma ajudasse
a delimitar as bancas de venda bem como os espaços de circulação,
podendo ajudar até com o apoio das coberturas em chapa, garantindo a
estabilidade e segurança?(fig.109)
135

Fig. 109. Colagem. Mercado com aquedutos estuturais, com água e iluminação. Maputo.

Com estas estratégias hipotéticas de intervenção, apesar de


descomprometidos da totalidade de fatores determinantes para a sua
realização, procura-se destacar o poder de intervenções mais pontuais
que, de forma economicamente mais sustentável, possam fazer frente
a uma série de problemas. Estas estariam também preparadas para a
volatilidade da cidade e dos usos do quotidiano, com instalações que
permitam que, por exemplo, um espaço que tenha comerciantes durante
o dia, possa servir de estacionamento durante a noite e vice-versa. Ao
refletir sobre estas possibilidades de intervenção, procura-se apelar para
uma abordagem bottom-up, que tenha como prioridade distribuir os
recursos e, com pouco, poder beneficiar um maior número de habitantes,
atualmente ignorados quando se intervém na cidade de cimento.
136

Fig 110. Colagem. O passeio habitado como parte do paradigma


urbano maputense. Zona delimitada proposta para ocupação
comercial, com elementos infra-estruturais que providenciariam o
acesso a água. Maputo
137
Paradigmas do urbanismo

Os três tópicos a partir dos quais se analisaram as ameaças e


potencialidades dos artefactos urbanos informais (acção do Estado,
novos investimentos privados e patologias estruturais e infra-estruturais)
implicam sempre o questionamento dos paradigmas do urbanismo, tanto
do existente na capital como dos modelos usados como referência. Esta
situação deve-se ao fato destas estratégias, aceites como corretas, se
colocarem várias vezes como barreira para o desenho de novas soluções
urbanas mais ajustadas ao contexto local. Estas obrigam-nos, assim, a
refletir sobre os paradigmas arquitetónicos e urbanísticos na sua relação
com o espaço do quotidiano de Maputo. De facto, Jenkins menciona
23 Jenkins, Paul. Urbanization, que “o que existe nas áreas urbanas da África sub-sahariana é uma forma
Urbanism, and Urbanity in an
African City: Home Spaces and de urbanidade no seu próprio direito, que necessita ser compreendida
House Cultures. 1.a ed. Palgrave como tal, e não vista como anormal, deficiente, exótica e caótica, como é
Macmillan New York. 2013. p. 240 frequentemente percebida e retratada”23.
Segundo Crawford“(…) o quotidiano descreve as experiências partilhadas
por residentes urbanos, as rotinas banais e ordinárias que todos
conhecemos muito bem- viajar diariamente, trabalhar, relaxar, mover-
se pelas ruas e passeios da cidade, comprar e consumir alimentos,
24 Crawford, M. [et al.] Everyday realizar tarefas, entre outros (…)”24 que se foi tentando descrever,
urbanism. The Monacelli Press. New nesta investigação, para Maputo. Apesar da grande riqueza social,
York. 2008. p.11 espacial e estética demonstrada por estas atividades, raramente têm
sido o foco de arquitetos e urbanistas que, apesar de fazerem parte do
quotidiano, parecem considerá-lo trivial e colocam-se fora do mesmo.
Contudo reconhecer o espaço do quotidiano na sua complexidade é
equivalente a compreender a geografia social da cidade. Como vimos,
o vendedor de rua tem uma vida diferente do morador do condomínio
e o espaço onde estes se cruzam é o espaço público do quotidiano,
com uma multiplicidade de transações económicas e sociais (Crawford,
2008). Retirar ou ignorar o informal da equação é deixar de estudar
verdadeiramente este espaço de forma completa, diminuindo as
possibilidades de encontrar soluções arquitectónicas e urbanísticas para
os verdadeiros problemas da cidade.
O interesse pela inclusão das forças do quotidiano no urbanismo ganhou
força com os Team X após a segunda Guerra Mundial, onde, em reação
ao urbanismo ordenado e controlado da arquitetura moderna, se
defendia a observação de rotinas diárias e perceção de padrões urbanos
existentes na procura do desenho da cidade. Paralelamente, assistiu-se
ao aumento do interesse no regionalismo, nas técnicas de construção
vernáculas e na história, temas suprimidos pelo modernismo da geração
anterior (Kaliski, 2008).
No contexto de Maputo, interessa questionar o papel do arquiteto e do
urbanista no desenho da cidade, uma vez que se identificaram vários
atores responsáveis pelas intervenções urbanas. O arquiteto e urbanista
devem contribuir com projetos que tenham em conta os fluxos sociais,
políticos e económicos que dão forma à cidade. Sem se comprometer
a fazer o planeamento “(…) no contexto de palpabilidade e surpresa da
cidade, qualquer tipo de design torna-se numa curiosidade intelectual
distanciada do seu sujeito. Simultaneamente, com a ausência de meios
para incorporar a vida urbana do quotidiano na cidade, a arquitetura
torna-se marginalizada, privada de propósito para lá do funcional
ou puramente estético. Dada esta situação, a prática do desenho da
cidade que reconcilia a abstracto do desenho urbano e o formalismo
da arquitetura com as forças plurais da cidade do quotidiano é
25 Crawford, M. [et al.] Everyday insistentemente exigida”25.
urbanism. The Monacelli Press. New
York. 2008. p.90 A busca pela transformação das potencialidades da vida na cidade
diretamente para princípios de desenho tem sido um tema presente
na arquitetura desde os finais do séc. XIX. Apesar de se inspirarem em
realidades complexas e múltiplas de modo a criar novas formas, a maioria
das ideias de desenho continuam a ser materializadas como verdades
arquitectónicas. Esta abordagem baseada em modelos absolutos acaba
por ir contra a vitalidade urbana que inspira a arquitetura em primeiro
lugar (Kaliski, 2003).
138

Fig. 111. Colagem. O logradouro como espaço assumidamente habitável com a


possibilidade legal de ser ocupado com novas construções. Maputo

Kaliski aponta o exemplo do centro comercial americano como invenção


que, apesar de procurar replicar a relação complexa entre a rua, as praças
e os largos com as frentes de loja (incluindo relações visuais e espaciais
destinadas a promover a espontaneidade do quotidiano) acaba por não
conseguir ultrapassar a realidade das restrições sociais, económicas e
políticas do programa do edifício. Também autores como Christopher
Alexander, conhecido por defender um processo de construção
democrático, apelando para o papel do cidadão como designer, acabam
por ter como base parâmetros predefinidos fundados em tipologias 26 Crawford, M. [et al.] Everyday
arquitectónicas tradicionais refletindo acima de tudo o gosto e controle urbanism. The Monacelli Press. New
do arquiteto 26. York. 2008. p.97
139

O quotidiano “ (…) tem o seu próprio tipo de beleza, que clama espaço,
resolve restrições da localização e programa com soluções inteligentes,
aspira por um presente melhor trabalhando sobre um contexto de
condicionantes e histórias. A evidência acumulada da cidade está à
nossa volta e conta uma impressionante história humana. Tem a energia
que arquitetos, arquitetos paisagistas e urbanistas repetidamente
tentam captar. Infelizmente, apesar de substanciais e variados esforços
profissionais, apenas uma simulação desta vitalidade do quotidiano é
usualmente alcançada em práticas e projetos planeados. Porque é que
desenhar uma verdadeira cidade é tão difícil? Como pode o desenho
urbano de modo geral, e os urbanistas em particular, criar práticas que
27 Crawford, M. [et al.] Everyday promovem a vida da cidade presente?“ 27.
urbanism. The Monacelli Press. New
York. 2008. p.90
Neste capítulo identificámos as apropriações do quotidiano como
um reflexo das verdadeiras necessidades do cidadão, acreditando
na potencialidade das mesmas como ponto de partida quando se
intervém na cidade. Neste sentido, foi-se apresentando uma série de
soluções hipotéticas para as ameaças identificadas que, apesar de pouco
aprofundadas, procuram demostrar as possibilidades de uma abordagem
mais compreensiva para com as dinâmicas urbanas existentes. Estas
intervenções diferem dos inúmeros planos estudados, em grande parte,
pela aceitação da cidade como uma bricolage de elementos planeados e
não planeados, identificando aspetos positivos em ambos, na procura de
soluções arquitectónicas benéficas para uma maior número de cidadãos.
Neste processo, para além do arquiteto, urbanista, do governo ou do
investidor, o cidadão surge como ator importante no desenho da cidade.
As suas ações e apropriações dão forma à capital, pelo que é necessário
diminuir a distância entre profissionais e utilizadores. “Trabalhando para
desenhar a cidade desta forma, as ações do arquiteto ou urbanista não
podem existir sem a contribuição do habitante da cidade”28 exigindo
28 e 29 Crawford, M. [et al.] que o “(…) arquiteto como designer contribua com a sua habilidade em
Everyday urbanism. The Monacelli primeiro lugar, e de seguida com conhecimento, para um público que
Press. New York. 2008. p.106 efetivamente faz cidade”29.
Tal abordagem leva a que não existam soluções universais, mas sim
uma multiplicidade de estratégias para contextos físicos e temporais
específicos. Neste sentido, e tendo em conta a situação económica
do caso de estudo, as soluções podem ser modestas e pequenas,
assentes na identificação acertada de problemáticas e utilizadores para
sua efetividade. Afastando-se da escala tradicional de planeamento,
dependente da abstracção dos usos e utilizadores, o arquiteto tem
um papel mais preponderante na intervenção palpável no espaço
fisico (Kaliski, 2008). O quotidiano da capital é marcado pela presença
de elementos físicos num espaço público vivido pelos cidadãos
diariamente. Como arquitetos podemos limitar-nos a trabalhar na escala
destes elementos, reorganizando-os de modo a intensificar as suas
potencialidades, ao mesmo tempo que se intervém para melhoria das
suas condições? E, sendo imperativo trabalhar numa macro escala de
intervenção, como podem estes pequenos artefactos do quotidiano
informar as nossas soluções? Estas questões interligam-se com o debate
complexo e intemporal sobre o alcance da intervenção do arquiteto
no desenho do espaço público, dada a importância da apropriação do
mesmo para sua validação.
Contundo, esta investigação deixa esta questão em aberto, procurando
apenas contribuir para um maior equilíbrio, no contexto de Maputo, entre
o valor dado às realidades planeadas e aquele dado às não planeadas.
No contexto de rápida transformação observada, a reflexão sobre os
paradigmas do urbanismo e a sua relação com as potencialidades das
dinâmicas existentes é urgente. E, dadas as injustiças provenientes
do desequilíbrio descrito, a identificação e análise dos elementos do
quotidiano da capital apresentam-se como primeiro passo para a procura
de soluções aos problemas físicos da cidade.
140
Novos investimentos
Ação do Estado privados

Ameaça Potencialidade Ameaça Potencialidade

-Ação e inação do -Inclusão das -Novos investimentos -Benéficos quando


Estado na génese das potencialidades do que contribuem para intervêm no
informalidades. Planos setor informal nas a segregação socio- espaço público e
demasiado ambiciosos intervenções de espacial. contribuem para o seu
desconsideram o setor caráter bottom-up. melhoramento.
informal. Democratização
da cidade e
questionamento de
paradigmas urbanos.

-Ineficácia da habitação -Medidas de -Busca por -Reconhecimento


económica pela sua consolidação de um imaginário das qualidades
insuficiencia, má espaços já habitados. representativo de um no quotidiano das
localização e falta de Talhões, habitação estatuto social alto. outras classes sociais,
qualidade. evolutiva e programas que justificam um
de fomento a auto- investimento.
construção.

-Medidas de - Melhorias urbanas -Ruptura com os -Possibilidade de um


estetização da pobreza através da intervenção modelos locais, papel importante
e vergonha dos infra-estrutural. Inclusão sejam eles formais ou no desenvolvimento
artefactos informais. do cidadão no processo informais. de novos modelos
de decisão. representativos das
dinâmicas locais.

- Formalização -Formalização -Diminuição da -Colaboração entre um


arquitetónica e legal arquitetónica com responsabilidade grupo diverso de atores
desadequada da forte inspiração social do estado, no desenho da cidade,
realidade económica nas características dada a supremacia onde os privados
local, fomenta a espaciais do informal. dos privados nas aportam capital.
gentrificação. Formalização intervenções na capital.
legal flexível dada
a instabilidade
económica do setor.
141
Patologias estruturais
e infra-estruturais Paradigmas do urbanismo

Ameaça Potencialidade Ameaça Potencialidade

-Os problemas -Afastar-se da ambição -Abordagens que -Um urbanismo


estruturais e infra- de intervenções totais ignoram os usos do que parta do
estruturais como e explorar o potencial quotidiano local. reconhecimento dos
justificação para arquitetónico das infra- espaços do quotidiano.
a erradicação dos estruturas na melhoria
artefactos informais. do setor informal.

-Cenário de grande -Soluções estruturais -A disciplina do -Diversidade de atores


deficiência infra- e infra-estruturais, urbanismo como no desenho da cidade,
estrutural, e perigo preparadas para processo intelectual e o encurtamento
estrutural nas a apropriação e abstrato, com das distâncias entre
apropriações com habitacional, numa o designer como profissionais e
programa habitacional. lógica evolutiva, tendo entidade desligada do utilizadores neste
um papel central na quotidiano. processo.
procura por novos
paradigmas urbanos.

-Falta de infra- -Soluções pontuais -Intervenções absolutas, -Estratégias pontuais,


estruturas no comércio adaptáveis à centralizadas e de menor escala
de rua põe em perigo volatibilidade da rua, demasiado ambiciosas, e concentradas
a saúde do consumidor que garantem os dependentes na melhoria e
e o conforto do elementos técnicos da abstração do potencialização do
trabalhador. e espaciais para um quotidiano para sua espaço físico de
melhor funcionamento efetuação. maneira palpável.
destes programas
efémeros.

-A falta de acesso a -Máximo de eficácia


infra-estrutura perpetua com poucos elementos
a lógica segregacional, na procura pela
com certos democratização da
habitantes colocados cidade, garantindo
numa categoria conforto e dignidade
secundária apesar para os trabalhadores
de compartilharem o do setor informal.
mesmo espaço.
142
143

Considerações finais
144

Esta investigação incidiu sobre a problemática da inter-atuação entre


elementos urbanos informais do quotidiano e o espaço formal do qual se
apropriam.
Na análise do contexto histórico ficou patente que “(…) as desigualdades
criadas pelos Portugueses continuam a determinar o desenvolvimento
urbano da capital, décadas depois da independência do país, em
1975”1. “O urbanismo colonial revelava a natureza dualista da sociedade
colonial(…)”1 estando dessa forma na génese do surgimento do setor 1 Bautista Cecilia, Fondeur Mario,
informal. A independência ficou marcada pela aculturação da cidade do Gucmén Elif, Mounari Beatrice,
colono por parte dos cidadãos provenientes dos subúrbios, dando inicio Nercollini Enzo. Economics, Analysis
on formal and informal economic
ao aparecimento mesclado de lógicas citadinas e rurais, que viriam a environments shaping Maputo.
marcar a capital. Trabalho académico. Arquitetura e
Urbanismo Universidade de Milão.
A persistência histórica de informalidades no espaço central de Maputo 2018. p. 11
obriga-nos a ultrapassar a dicotomia formal/informal, uma vez que
na cidade existe uma condição de simultaneidade e coexistência
desenvolvida ao longo de anos, que se foi hibridizando chegando até
a um estado de co-dependência. Neste cenário, e dada a percepção
generalizada dos elementos não planeados como algo a ignonar ou
erradicar, a corrente investigação apresentou-se no sentido de obrigar
ao reconhecimento dos elementos urbanos informais resultantes
deste processo histórico, procurando indicar a sua importância para a
qualidade de vida do cidadão, bem como para uma vitalidade urbana
insubstituível.
Os espaços públicos formais do urbanismo planeado apresentaram-
-se como dispositivo “ligante do mosaico morfológico que conforma a
extensão da capital de Moçambique, consubstanciando-se em sistemas
e redes capazes de estabelecer os links necessários entre os diversos
fragmentos e as distintas partes da estrutura urbana de Maputo”2. Alguns 2 Viana, David Leite e Sousa, Ana
destes apresentaram-se como importantes contributos para o surgimento Natálio. Maputo: Inter-relação
urbano-habitacional-social.
de dinâmicas e vivências auto-produzidas na cidade, parecendo ter sido Congresso internacional da
de facto desenhadas para a sua futura apropriação. Este processo dá-se Habitação no Espaço Lusófono.
em grande parte pela acessibilidade física e visual dos quarteirões que Lisboa, Portugal. 2013. p.12
formam a cidade, havendo uma abertura tal, garantida pelas estratégias
de implantação dos edifícios, que certos espaços originalmente privados,
como o interior do quarteirão, se tornaram facilmente transformáveis em
espaços públicos.
As apropriações do quotidiano localizadas em passeios, passagens de
acesso ao logradouro, interiores de quarteirão e coberturas dos edifícios,
têm um papel importante na caracterização da paisagem urbana da zona
de estudo, constituindo-se como componente urbano não oficialmente
representativo da cidade. Os dispositivos informais que povoam a
capital são também responsáveis por garantir serviços e produtos
económicamnete mais acessíveis para a maioria dos cidadãos diurnos da
cidade de cimento, provenientes dos subúrbios e de classe económica
mais baixa, servindo simultaneamente de fonte de rendimento para os
seus proprietários e trabalhadores. Desde o comercial à habitação “os
citadinos respondem assim a constrangimentos sentidos no respetivo dia-
a-dia, ajustando os espaços da capital às suas reais solicitações através de
microestratégias pragmáticas e criativas.”3 3 Viana, David Leite e Sousa, Ana
Natálio. Maputo: Inter-relação
A sua existência culmina num espaço urbano bastante diferente do urbano-habitacional-social.
oficial- os novos usos são responsáveis pela multiplicação dos espaços Congresso internacional da
Habitação no Espaço Lusófono.
públicos diurnos, fazendo da cidade muito mais porosa e acessível do Lisboa, Portugal. 2013. p.12
que seria originalmente, como se constatou na “planta de Nolli” da zona
estudada (fig.101).
145

Dada a importância dos artefactos estudados, urge discutir o seu papel


na cidade, envolvendo os vários intervenientes responsáveis na tomada
de decisões sobre as políticas urbanas.
Foram identificadas algumas ameaças e potencialidades ao bom
funcionamento e à democratização do setor descrito ao longo da
investigação. Desde os residentes, ao Estado, aos investidores privados
e ao urbanista ou arquiteto, todos se apresentam como fulcrais na
exploração das qualidades do cenário descrito e devem colaborar na
mobilização de esforços para encontrar soluções equitativas para os
problemas da cidade.
O Estado como entidade reguladora tem “(...) obrigação de limitar as
acções profundamente predatórias e de negociar mais-valias sociais
4 Fernandes, Ana Silva. Nascimento, dos grandes investimentos”4. Usando a legislação como um elemento
Augusto. O “Direito à Cidade” de desenho urbano, deve resguardar o bem estar da população como
nos PALOP: Quatro décadas de
expansão urbana, de políticas e de interesse principal, começando pela aceitação da esfera informal numa
mutações sociais. Notas para uma busca pela desconstrução da narrativa que o associa sistematicamente
investigação. Cadernos de Estudos a pobreza e falta de qualidade de vida. Só após este processo, tanto os
Africanos [Online], 35 | 2018, posto investidores privados como os arquitetos e urbanistas poderão também
online no dia 02 outubro 2018, contribuir para a procura de soluções estruturais, infra-estruturais e
consultado o 08 novembro 2018.
p.128 urbanísticas aos problemas que ameaçam o setor.
Finalmente, verificando o confronto entre lógicas planeadas e não
planeadas, a dimensão do setor informal e da auto-produção, defende-
-se o questionamento dos paradigmas urbanos tidos como referência
na capital. A requalificação dos espaços públicos deve incluir um estudo
exaustivo dos dispositivos complexos e irregulares do quotidiano, tendo-
-os como fonte de inspiração e auxiliares na identificação dos verdadeiros
problemas da cidade. Simultaneamente, o arquiteto e urbanista contribui
com as suas capacidades espaciais e técnicas para dar forma a soluções
acertadas, num processo de desenho inclusivo, com diversidade de
intervenientes. Aceitando o nível económico do contexto, recomenda-se
que as intervenções sejam menos ambiciosas e mais pontuais, apontando
para a sua flexibilidade e adaptabilidade como forma de garantir a sua
maior durabilidade e alcance.
Apesar do trabalho se ter concentrado na cidade de cimento, a
abordagem abrangente das potencialidades do quotidiano, na
busca por uma cidade para todos, pode ser concretizada de forma
extensiva, inspirando o processo de desenho e resolução de problemas
nos subúrbios. Projetos de intervenção abertos à criação de novos
paradigmas na consolidação das áreas semi-urbanizadas poderão
munir-se das informações disponibilizadas nesta pesquisa para a
criação de modelos urbanos representativos dos verdadeiros modos de
funcionamento do contexto.
A pesquisa pode também ser pertinente para as cidades com as quais
partilhamos a herança urbanística portuguesa ligada à existência de um
importante setor informal, bem como para outras cidades da África sub-
-sahariana que, podendo ter morfologias diferentes, deparam-se com
problemas resultantes da coexistência de um urbanismo colonial com
elementos urbanos do setor informal. Apesar de não existirem soluções
ideais para lidar com os desafios identificados nas necessidades das
populações com menores rendimentos, a investigação pode inspirar a
reflexão sobre problemáticas parecidas nestes contextos similares.
Notas bibliográficas
146

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Créditos de imagem
148

de Agosto de 1983, p.3) Fig 24. Exemplo de quarteirão perímetro.


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casal que acreditou no amor. João Timane. Fonte: Quembo, Carlos Domingos. O
2016 Poder do poder: Operação Produção e a
invenção dos “improdutivos”urbanos no Fig 25. Mapa de Maputo com o quarteirão
Fonte: https://www.deviantart.com/ perímetro destacado a vermelho. Imagem
joaotimaneart/art/Casal-Pintura-de-Joo- Moçambique socialista, 1983-1988. Alcance
editores. Maputo. 2015. p.1 de autor
Timane-648195350w
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Fonte: Bautista Cecilia, Fondeur Mario, 2004-2005. Imagem de autor
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Gucmén Elif, Mounari Beatrice, Nercollini ocupação destacado a bege. Imagem de
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e Urbanismo Universidade de Milão. 2018. Maputo. Imagem de autor
p. 13 metropole-memoria-dificil-do-fim-do-
imperio/63808
Fig 29. Mapa de Maputo com o quarteirão
Fig 3. Planta de Lourenço Marques, ca. corte destacado a amarelo. Imagem de
1887-1888, com o traçado esquemático do Fig 12. Mercado do Museu. Maputo. 2021
Imagem do autor autor
projeto de ampliação da cidade de 1887.
Lisandra de Mendonça. 2015 Fig 30. Exemplo de quarteirão cul de sac.
Fonte: de Mendonça, Lisandra Ângela Fig 13. Terraço habitado, Maputo. 2021
Imagem de autor Maputo. Imagem de autor
Franco. Conservação da Arquitetura e
do Ambiente Urbano Modernos: a Baixa Fig 31. Mapa de Maputo com o quarteirão
de Maputo; Orientadores Professores Fig 14. Centro urbanzidado e evolução das cul de sac destacado a azul.Imagem de
Doutores Arquitetos Walter Rossa, áreas semiurbanizadas de Maputo. Cristina autor
Giovanni Carbonara e Júlio Carrilho. Delgado Henriques. 2008
Tese de Doutoramento. Arquitetura e Fonte: Melo, Vanessa de Pacheco. Fig 32. Exemplo de quarteirão praceta.
Urbanismo Universidade de Coimbra. 2015. Urbanismo Português na Cidade de Maputo. Imagem de autor
p. 76 Maputo: passado, presente e futuro.
Revista Brasileira de Gestão Urbana;. Fig 33. Mapa de Maputo com o quarteirão
Fig 4. Planta da cidade e Porto de Lisboa. 2013. p.82 praceta destacado a castanho.
Lourenço Marques. Autor desconhecido. Imagem de autor
1926 Fig 15. Pintura com o título Machimbombo.
Fonte: Bautista Cecilia, Fondeur Mario, Pancho Guedes. s.d. Fig 34. Exemplo de quarteirão bloco.
Gucmén Elif, Mounari Beatrice, Nercollini Fonte: Maputo. Imagem de autor
Enzo. Economics, Analysis on formal and
informal economic environments shaping Fig 17. Mapa de usos de Maputo. PEUMM. Fig 35. Mapa de Maputo com o quarteirão
Maputo. Trabalho académico. Arquitetura Município de Maputo.2008 bloco destacado a cor-de-rosa.
e Urbanismo Universidade de Milão. 2018. Imagem de autor
p. 14 Fig 18. Pintura com o título Uma selfie.
João Timane. s.d. Fig 36. Tipos de quarteirão com área de
Fig 5. Planta da cidade de Lourenço Fonte: https://i.pinimg. logradouro destacada a vermelho
Marques. 1940. Com inclusão do traçado com/originals/f1/b8/74/ Imagem de autor
dos assentamentos informais e destaque f1b87461fad924212e4aef523d88bc0d.jpg
para os bairros do Xipamanine (vermelho) e Fig 37. Rua secundária atravessa quarteirão
Munhuana (azul). David Viana. 2015. Fig 19. Dynamic Maputo: Where formal corte. Maputo. 2021
Fonte: Viana, D. L., Rivas, J. L. & Natálio, meets informal. W. Wambecq, A. Beja da Imagem de autor
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Gucmén Elif, Mounari Beatrice, Nercollini 2021. Imagem de autor
Fig 6. Av. Joaquim José Machado (atual Enzo. Economics, Analysis on formal and Fig 40. Escadas de serviço. Maputo. 2021
Guerra Popular) . À esquerda, o Prédio informal economic environments shaping Imagem de autor
Abreu, Santos e Rocha e à direita, o Prédio Maputo. Trabalho académico. Arquitetura
Spence e Lemos, ambos pelo arq. Pancho e Urbanismo Universidade de Milão. 2018. Fig 41. Anexos e estacionamento. Maputo.
Guedes. Autor desconhecido. s.d. p. 35 2021. Imagem de autor
Fonte: https://actd.iict.pt/view/
actd:AHUD17742 Fig 20. Mercado da Malanga. Maputo. 2021 Fig 48. Costureiro sob lona em quintal
Imagem de autor privado. Maputo. 2021. Imagem de autor
Fig 7. Vista geral da Escola Clandestina
no Caniço, de Pancho Guedes, L.M. Autor Fig 21. Planta parcial da cidade de Maputo. Fig 49. Mapa de usos do solo segundo o
desconhecido. 1969. Imagem de autor. 2021 PEUMM. Imagem de autor
Fonte:
Fig 22. Morfologia da cidade de Maputo. Fig. 50. Vendedora de fruta na via pública.
Fig 8. Cartaz do IV Congresso do Partido Área em estudo destacada a preto. Maputo. 2021. Imagem de autor
Frelimo. Autor desconhecido. 1983 Desenho de autor com base em Lacharte,
2004-2005. Imagem de autor Fig. 51 e 52 Vendedores de produtos
Fig 9. Ilustração, apreensão de um alimentares variados na via pública.
improdutivo urbano.Domingos Macassa Fig 23. Tipos de quarteirão.Maputo Maputo. 2021. Imagem de autor
(publicado pelo jornal Domingo no dia 7 Imagem de autor
149

Fig. 53 Vendedoras ambulantes de


produtos alimentares na via pública. Fig 81. Barraca com serviços de esteticista. Fig 108. Canalização e eletricidade no
Maputo. 2021. Imagem de autor Maputo. 2021. Imagem de autor logradouro. Maputo. 2021
Imagem de autor
Fig 54. Barraca metálica na via pública. Fig 82. Venda de cestos na via pública.
Maputo. 2021. Imagem de autor Maputo. 2021. Imagem de autor Fig. 109. Colagem. Mercado com
aquedutos estuturais, com água e
Fig 55 e 56. Barraca metálica em quintal Fig 83. Venda de livros na via pública. iluminação. Maputo. Imagem de autor
privado. Maputo. 2021. Imagem de autor Maputo. 2021. Imagem de autor
Fig 110. Colagem. O passeio habitado
Fig 57 e 58. Vendedor de fruta em tchova. Fig 97,98 e 99. Mercado do museu. como parte do paradigma urbano
Maputo. 2021. Imagem de autor Maputo. 2021. Imagem de autor maputense. Maputo. Imagem de autor
Fig 59. Tchova estacionameno em Fig 85. Habitação em anexos de Fig. 111.Colagem. O logradouro como
logradouro privado. Maputo. 2021 logradouro. Maputo. 2021. Imagem de espaço assumidamente habitável com a
Imagem de autor autor possibilidade legal de ser ocupado com
novas construções. Maputo.
Fig 60 e 61. Costureiro no interior do Fig 86. Interior de quarteirão preenchido Imagem de autor
quarteirão. Maputo. 2021. Imagem de autor por habitação informal. Maputo. 2021.
Imagem de autor
Fig 62. Costureiro junto a entrada do
prédio. Maputo. 2021. Imagem de autor Fig 87. Habitação auto-produzida no
interior do quarteirão. Maputo. 2021.
Fig 63. Costureiro no acesso ao logradouro. Imagem de autor
Maputo. 2021. Imagem de autor
Fig 88. Acrescento habitacional na
Fig 64. Sapateiros sob arcada de edíficio. cobertura de edifício. Maputo. 2021.
Maputo. 2021. Imagem de autor Imagem de autor

Fig 65, 66 e 67 Sapateiros na via pública. Fig 89. Apropriação de anexos de


Maputo. 2021. Imagem de autor cobertura para habitação. Maputo. 2021.
Imagem de autor
Fig 68. Anúncio de florista no interior do
Fig 90. Acrescento habitacional na
quarteirão. Maputo. 2021. Imagem de autor cobertura de edifício. Maputo. 2021.
Imagem de autor
Fig 69. Florista no acesso ao logradouro.
Maputo. 2021. Imagem de autor Fig. 91, 92 e 93. Memes e publicações
ligadas ao movimento “não saimos da
Fig 70. FEIMA. Florista na via pública. tawen”. Capturas de ecrã retiradas da rede
Maputo. 2021. Imagem de autor social instagram. Maputo. 2021
Fig 71 e 72. Anúncio de cabeleireiros Fig 94, 95 e 96. Memes e publicações
localizados no logradouro. Maputo. 2021 ligados ao movimento “nao saimos da
Imagem de autor tawen”. Capturas de ecrã retiradas da rede
social instagram. Maputo. 2021
Fig 73. Cabeleireiro em espaço concebido
para estacionamento. Maputo. 2021 Fig.100. Mapa de usos informais da cidade
Imagem de autor de Maputo. 2021. Imagem de autor
Fig 74. Cabeleiro no interior do quarteirão. Fig.101. Mapa de Nolli de Maputo. 2021
Maputo. 2021 Imagem de autor
Imagem de autor
Fig 102. Lote privado abre-se para o
Fig 75. Reprografia em anexo mercado do Museu. Maputo. 2021
no interior do quarteirão. Maputo. 2021 Imagem de autor
Imagem de autor
Fig 103. “Muro da vergonha”. Maputo.
Fig 76 e 77. Anúncio de reprografias no 2009. Fonte: http://odiariode1princesa.
logradouro. Maputo. 2021. Imagem de blogspot.com/2011/10/impressoes-de-
autor maputo-e-arredores-post.html
Fig 78. Banca de reparaçao de telemóveis. Fig 104. FEIMA. Maputo. 2017.
Maputo. 2021. Imagem de autor Fonte: https://www.viajecomigo.
com/2017/01/13/feima-feira-de-artesanato-
Fig 79. Posto de venda de serviços de flores-e-gastronomia-de-maputo/
telecomunicação. Maputo. 2021. Imagem
de autor Fig 106. Hotel Radisson Blu. Maputo.
Fig 80. Banca de venda e reparação de Fig 107. Hammerstrasse. Diener & Diener.
telemóveis. Maputo. 2021. Imagem de Basileia, Suiça.1981
autor Fonte: https://caruso.arch.ethz.ch/
project/443
Aprender de uma apropriação informal
Maputo. O interior de quarteirão

Leandro González
MESTRADO INTEGRADO
ARQUITECTURA

M
2021

Leandro González.
Maputo. O interior de quarteirão M.FAUP 2021
Aprender de uma apropriacão informal
Maputo. O interior de quarteirão
Aprender de uma apropriacão informal
Leandro González
FACULDADE DE ARQUITETURA

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