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MESTRADO INTEGRADO
ARQUITECTURA
M
2021
2
3
Novembro 2021
4
5
Agradecimentos
Abstract
However, this dissertation tries to take the opposite approach and gaze
at the cement city, which is also undergoing rapid transformation. This
interest is motivated by the high patrimonial value, not only of its urban
design and modern architecture, but also of the informal appropriations
that have taken place since the country’s independence. Here we have
seen a semi-abandonment of the city by the settlers, and its subsequent
occupation by locals coming from the periphery. These were responsible
for a redefinition of the original use of several parts of the urban structure,
which characterise the atmosphere of the city, having in itself an important
role in consolidating it in the collective memory, as a city for all and not
only for the colonial settler.
[notas prévias]
Por motivos de coerência de leitura, optou-se por
traduzir as citações cujo idioma original não era o
português.
Algumas das imagens apresentadas foram recortadas
e editadas relativamente às originais.
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11 Índice
II Objeto Forma
Usos | Apropriacões
Mercados 104
Habitação 107
Ameaças e Potencialidades
I Contexto
16
Do dual ao plural
Pré-independência 18
Ainda segundo Melo (2013) citando Morais (2001), num esforço para
controlar o crescimento destes assentamentos informais, criaram-se dois
bairros planeados, marcados por um traçado regular que trariam uma
nova ordem aos subúrbios - Xipamanine e Munhuana (fig. 5).
5 Fernandes, Ana Silva. Durante este período de crescimento da cidade de Maputo, ainda
Nascimento, Augusto. O “Direito como Lourenço Marques, verificou-se a criação de um fosso entre
à Cidade” nos PALOP: Quatro
décadas de expansão urbana, de as cidade de cimento e de caniço, e não se conseguiu fazer frente a
políticas e de mutações sociais. esta disparidade nem acompanhar o crescimento urbano através dos
Notas para uma investigação. diversos planos anteriormente descritos. Os planos urbanos “(…) só
Cadernos de Estudos Africanos
[Online], 35 | 2018, posto online no tinham sentido em função de um crescimento lento ou contido(…)”5,
dia 02 outubro 2018, consultado o cenário que era contrariado pelas dinâmicas subsequentes (Fernandes e
08 novembro 2018. p.117 Nascimento, 2018). Pelo contrário, perpetuaram-se esquemas e medidas
de intervenção que culminaram numa cidade dual herdada pelo povo
Moçambicano após a independência.
6 Forjaz, José; José Forjaz: a
paixão do tangível, uma poética “O urbanismo colonial revelava a natureza dualista da sociedade colonial.
do espaço. 1.a ed. Maputo: Escola Uma cidade organizada, e por vezes bem organizada, para os brancos e
Portuguesa de Moçambique,
Centro de Ensino de Língua outros ‘assimilados’, e um território urbano caótico ocupado pelos negros
Portuguesa (EPM – CELP); 2012 p.13 e outros descriminados.”6
24
Malhangalene B
Xipamanine Minkadjuine Sommerchield
Mafalala
Malhangalene A
Cham.B
Chamanculo A Alto-Maé A Central A
Central C
C.F.M
0 500
Ocupação
Aculturação da cidade
Início da recuperação
Datam desta altura algumas medidas que procuravam fazer frente aos
problemas do ambiente urbano. Segundo Viana (2015), procurou-se
criar uma legislação para liberalizar a atividade imobiliária, investiu-se no
desenvolvimento da indústria de materiais de construção e estruturou-se
um Fundo de Fomento de Habitação que pretendia dinamizar o setor.
Contudo as medidas foram pouco incisivas, uma vez que o número
de casas disponibilizadas e de talhões com acesso a infra-estruturas
básicas, ficavam muito aquém das necessidades da crescente população.
Destaca-se ainda a Lei de Terras, onde se acordava que, apesar de aberta
para investimentos privados, a terra permaneceria propriedade do Estado
(Melo, 2013). Uma última iniciativa no fim deste período, em 1999, foi o
“(…)Plano de Estrutura da Área Metropolitana de Maputo, financiado
pelo BM, executado numa perspectiva top-down, gerando discussão e
polémica na Assembleia Municipal de Maputo, que acabou por não o
12 Melo, Vanessa de Pacheco. aprovar”12.
Urbanismo Português na Cidade
de Maputo: passado, presente e
futuro. Revista Brasileira de Gestão Gentrificação
Urbana;.Lisboa. 2013. p.80
Maputo expandia-se fisicamente muito rapidamente e sem controlo, ao
mesmo tempo que o fenómeno de gentrificação começava a absorver a
cidade de cimento. Os espaços disponíveis nas melhores áreas da cidade
foram procurados para a construção de condomínios privados para a
população com maior poder de compra. Deste modo, acentuava-se o
abandono gradual das áreas centrais pelos habitantes mais pobres que,
dada a pressão imobiliária, acabavam por alugar ou vender os imóveis
previamente disponibilizadas pelo Estado.
Atualidade
PEUMM
Fig 18. Pintura com o título Uma selfie. João Timane. s.d.
41
34
”(...) it is critical that the binaries that have come to define the terms for this
debate (the rich and the poor, the formal and the informal, the center and
periphery, the third and first worlds) be dissolved. Instead, the discussion
should be positioned in different terms such as questions of the hybrid,
simultaneity, notions of coexistence and other ways of framing the issue.
(...) It is with this shift that the informal city would perhaps be seen not as a
condition that needs to be re-made but rather as a contagious phenomenon
that actually remakes and humanizes cities.”
Mehrotra, Rahul. Re-thinking the informal city, Informal community – area 128. 2013. p.12
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II Objeto
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0 500
Forma
N
50
0 500
0 500
Perímetro
Formado a partir do posicionamento dos edifícios junto às ruas que
definem o quarteirão, essa configuração é, talvez, o tipo de quarteirão
mais comum e expectável em cidades de malha regular como o caso de
Maputo. As construções principais de cada lote constituem, neste caso,
o perímetro completo do quarteirão, respeitando uma linha limite de
extensão dos edifícios na direcção do logradouro.
No caso do quarteirão perímetro de Maputo, a grande maioria dos
lotes contém nos seus espaços de logradouro construções secundárias,
normalmente de cércea mais baixa e com carácter de anexo. Posto
isto, apesar deste tipo de quarteirão não ter, em Maputo, o seu
interior desocupado, dada a altura das construções que o preenchem,
recorrentemente beneficia de uma desobstrução visual no seu espaço
interior.
Uma das características mais importantes deste quarteirão é o tamanho
da sua área de logradouro: generosa, dado o posicionamento de edifícios
junto aos limites exteriores da quadrícula. O quarteirão perímetro oferece
uma vasta área para as apropriações a estudar neste trabalho.
Ocupação
Como se pode verificar na fig. 27, o quarteirão forma-se por um processo
de ocupação de uma grande percentagem de seu espaço disponível,
por parte de um ou mais edifícios. Na figura, entendemos que, apesar da
grande maioria dos edifícios principais se localizarem junto ao perímetro,
o edifício da antiga padaria Saipal, pelo celebre Arquiteto Pancho
Guedes, se afasta do mesmo. Deste modo, passa a ocupar a zona central
do quarteirão, sendo o seu lote e edifício visivelmente maiores que os
adjacentes.
Este tipo de quarteirão tende a existir ligado à presença de uma
construção de carácter especial, seja pelo seu programa ou dimensão
(escolas, instituições públicas, estacionamento ou armazéns). Não
obstante, verificam-se situações onde o edifício que ocupa é de
habitação, localizado no interior, mas com entrada e acesso ao lote desde
a rua.
A monopolização de uma área maior do espaço do interior do quarteirão,
por parte de um só edifício, tem por consequência a diminuição da
área de logradouro deste tipo de quarteirão. O logradouro perde,
também, algum do seu carácter de traseira, uma vez que contém em si
um edifício principal, que confunde as noções de frente de rua e tardoz,
distinguindo-se das construções típicas de logradouro.
Corte
O terceiro tipo de quarteirão, o mais comum na área que nos
propusemos estudar, consiste naquele formado a partir de um ou mais
cortes na forma original proporcionada pelo traçado da cidade. Estes
cortes são efetuados por vias secundárias para automóveis e peões que o Fig 24. Exemplo de quarteirão
subdividem em “sub- quarteirões”. perímetro. Maputo
À semelhança do quarteirão anteriormente descrito, este processo tem Fig 25. Mapa de Maputo com o
quarteirão perímetro destacado
como característica mais forte uma densificação deste elemento urbano. a vermelho.
Através das novas vias criadas, multiplica-se a frente de rua, formando-se
uma segunda quadrícula de menor dimensão. Desta forma, os edifícios Fig 26. Exemplo de quarteirão
principais, posicionados junto à rua, aumentam em quantidade. ocupação. Maputo
O processo de densificação é responsável pela diminuição do tamanho Fig 27. Mapa de Maputo com o
quarteirão ocupação destacado
de cada lote, e por sua vez dos espaços de logradouro e quintal. a bege.
Simultaneamente, as novas ruas, principais espaços públicos na cidade
de Maputo, aparecem quase sempre desalinhadas com o traçado Fig 28. Exemplo de quarteirão
principal, tratando-se de gestos locais, que no máximo criam relações corte. Maputo
com os quarteirões adjacentes. Estas vias proporcionam um ambiente Fig 29. Mapa de Maputo com
mais calmo e de comunidade para os habitantes, uma vez que contêm o quarteirão corte destacado a
um fluxo viário muito menor que as principais. amarelo.
N
55 0 50
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0 1000
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56
Cul de sac
À semelhança do quarteirão corte, o quarteirão cul de sac surge a partir
da implementação de uma nova rua, contudo sem saída.
Há, na zona de estudo, uma série de quarteirões deste tipo, inúmeras
vezes associados a projetos de habitação que formam as duas frentes da
nova rua. O cul de sac aparece também como um meio para densificar
o quarteirão original, através do aumento da área de frente de rua.
Contudo, a rua, por ser sem saída, acaba por se restringir muito mais
aos moradores dos edifícios que a formam. Este fenómeno dá-se devido
ao facto da nova via ter um carácter de ponto final e não de passagem,
diminuindo as possibilidades de utilização por um transeunte não
habitante.
O cul de sac pode então aparecer na cidade como simples espaço
de acesso aos edifícios: calmo, servindo de estacionamento para
os automóveis da zona, bem como um espaço vivo e habitado pela
vizinhança, que usufrui das suas qualidades de segurança e pouco
movimento exterior.
Praceta
Praceta é a denominação escolhida para os quarteirões que criam, junto
ao seu centro geométrico, um espaço público com carácter de praça,
acessível desde a rua.
Nestes casos, uma rua secundária conecta-se com a malha viária
principal, levando o transeunte para o interior do quarteirão onde um
pequeno largo é definido pelos edifícios. A disponibilização deste espaço
para a cidade vem ligada, por um lado, a uma densificação do quarteirão
através da multiplicação da frente de rua, e por outro à abdicação da área
disponível de cada lote.
Este modelo de quarteirão incentiva fortemente a criação de um sentido
de comunidade e vizinhança, virando-se para dentro com um espaço
partilhado que, ao contrário dos anteriormente estudados, não se limita
ao acesso, explorando as possibilidades de permanência e uso destes
espaços no seu desenho.
Bloco Fig 30. Exemplo de quarteirão
cul de sac. Maputo
O tipo de quarteirão menos comum na malha regular da cidade de
cimento é aquele criado a partir do posicionamento dos edifícios Fig 31. Mapa de Maputo com o
quarteirão cul de sac destacado
principais em blocos paralelos. a azul.
Baseando-se no urbanismo do Movimento Moderno, este tipo explora a Fig 32. Exemplo de quarteirão
ocupação e densificação do quarteirão através de blocos que se desligam praceta. Maputo
da orientação da grelha urbana, posicionando-se segundo a orientação
Fig 33. Mapa de Maputo com o
solar. O quarteirão bloco varia entre edifícios livres, acessíveis de todos os quarteirão praceta destacado a
lados, e barras paralelas que formam entre si pequenos pátios privados, castanho.
assumindo frente e traseira.
Fig 34. Exemplo de quarteirão
Com uma maior concentração no Bairro da Coop na zona norte da bloco. Maputo
cidade, este quarteirão difere dos anteriormente estudados, desafiando Fig 35. Mapa de Maputo com
as noções de rua, lote, frente, logradouro e de espaços públicos e o quarteirão bloco destacado a
privados. cor-de-rosa.
57
N 0 50
0 1000
0 1000
0 1000
58
Para além disto, como foi indicado na descrição de cada tipo, a atmosfera
dos espaços proporcionados varia imensamente de acordo com a
estratégia de cada quarteirão, e a mesma não deixa de ser um fator
importante para a génese de usos informais que procuram potencializar
as qualidades dos espaços existentes na cidade.
CASOS DE ESTUDO
QII
QI
0 500
QI QII
R. Av.
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N
0 50
64
QI
C - passagem de acesso
a estacionamento
B - acesso lateral A
a anexos
QII
D - acesso unilateral
a anexos e E - acesso
estacionamento lateral a anexo e
estacionamento
F - acesso unilateral
a anexos e
estacionamento
N
0 50
68
A que se acede ?
Estacionamento e anexos
O uso original mais comum dos espaços de logradouro na cidade é
o estacionamento de viaturas. Muito presente na cidade de cimento,
o carro define fortemente a paisagem urbana da zona estudada, com
inúmeros carros estacionados nos passeios, obstruindo a passagem e
danificando-os. Há um problema claro de falta de estacionamento, de
modo que, sempre que possível, o logradouro tem os seus espaços
livres ocupados pelos automoveis dos moradores e utentes dos edifícios.
Originalmente a maioria das construções que se podiam encontrar nos
logradouros serviriam também o propósito de estacionamento fechado
ou armazém. Mais conhecidos em Maputo como dependências, os
anexos pertencem aos proprietários de cada apartamento do lote.
Contudo, aparecem hoje redefinidos e caracterizados por novos usos, a
estudar no próximo capítulo, que introduzem novos utilizadores no lote.
Caixas de escada de serviço
Em regra geral, os edifícios da área de estudo têm sempre duas caixas de
escada: uma de carácter principal conectada à entrada pela rua, planeada
para o uso por parte dos donos das casas e apartamentos; e outra
secundária, localizada junto à fachada tardoz, normalmente em contacto
com as áreas de serviço de cada fogo, como lavatórios e cozinhas,
direcionada ao uso pelos trabalhadores de cada habitação. Esta divisão,
enraizada nas dinâmicas da era colonial que colocava as escadas para os
indígenas separadas das do colono, foi responsável pela definição das
dinâmicas de funcionamento dos edifícios na sua relação com a rua até
aos dias de hoje. Atualmente, apesar da escada de serviço continuar a
ser usada por trabalhadores diários dos apartamentos, estas ganharam
um papel importante como principal momento de domesticidade nos
edifícios. É o espaço onde as crianças brincam, onde a roupa é lavada,
onde se cozinha e se interage, aparecendo como um elemento de
vivência menos rígido ou formal quando comparado com a escada de
acesso principal, reservada maioritariamente às visitas.
Galerias
Para além de se posicionarem no tardoz dos edifícios como escadas de
serviço, as escadas secundárias conectam-se numa série de quarteirões
com galerias exteriores de acesso aos fogos. Esta tipologia de acesso
é relativamente comum na área de estudo, mantendo-se sempre uma
relação entre as cozinhas e a galeria. Deste modo, nestes casos, a
domesticidade e vivências caracterizadas anteriormente nas escadas de
serviço, estendem-se para as galerias.
Coberturas
Em grande parte dos edifícios da cidade, as escadas de serviço culminam
em terraços comuns. O propósito original dos terraços varia, podendo
tratar-se apenas de um espaço vazio, como um local com construções
de suporte ao funcionamento do edifício. Quando construído, o terraço
seria utilizado como área complementar de serviço, podendo conter
lavandarias comuns, estendais para a roupa ou pequenos anexos com
lavatórios e por vezes habitação para os trabalhadores do edifício. Estes
espaços, à semelhança dos anexos de logradouro, tiveram os seus usos
originais redefinidos, mas continuam a ser caracterizados pelo acesso
efetuado, na maioria dos casos, apenas pela escada de serviço, acessível
por sua vez pelo interior do quarteirão.
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QI
B
A
D
Anexos Terraços Escadas Galerias
71
QII
E
E
H
N
0 50
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Usos | Apropriações
N
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0 1000
Barraca metálica
Na área estudada, uma das mais recorrentes formas de venda de
alimentos é a barraca. Trata-se de pequenos quiosques de estrutura
metálica, normalmente revestidos por painéis de chapa ondulada de
zinco ou aço. Tais tendem a posicionar-se nos passeios (fig. 54) ou em
quintais privados (fig. 55 e 56), procurando manter, sempre que possível,
uma conexão direta com a via pública, seja ela física ou visual, de modo
a facilitar o contacto com os clientes. Apesar de servir maioritariamente
para venda de produtos alimentares, existem exemplos de barracas deste
tipo dedicadas à venda de outros produtos como roupas e sapatos, ou
até à prestação de serviços como costureiros e esteticistas.
Tchovas
O tchova é um dispositivo móvel de duas rodas, concebido para o
transporte de mercadorias e produtos à pé. Apesar do seu carácter
movível, quando destinados a venda de produtos alimentares, na sua
maioria frutas, os tchovas de Maputo tendem a posicionar-se de forma
fixa em lugares estratégicos da cidade. Estas localizações são escolhidas
de acordo com a sua visibilidade e movimento, tratando-se normalmente
de esquinas, podendo instalar-se no passeio, na rua ou eventualmente,
em quintais privados.
0 1000
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0 1000
0 1000
Não parece haver uma razão específica para que este programa se
localize no interior do quarteirão, para além do diminuído valor do
aluguer das dependências que possibilita, por sua vez, um custo mais
baixo do serviço providenciado. Deste modo, na faixa de cidade
estudada percebe-se que as reprografias procuram instalar-se na
proximidade de escolas, universidades, escritórios, instituições do Estado
e notários, contando maioritariamente com a “passagem da palavra“
como meio de angariação de clientes.
0 1000
0 1000
Estes produtos, somados a uma panóplia de outros casos específicos, Fig 82. Venda de cestos na via
acabam por funcionar de maneira similar aos anteriormente descritos, pública. Maputo. 2021
tendo consequências parecidas para a definição do ambiente urbano do Fig 83. Venda de livros na via
quotidiano na cidade de cimento. pública. Maputo. 2021
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Posição
Passeio Quintal
privado
Produto
Produtos
alimentares
Costureiro
Sapateiro
Florista
Cabeleireiro
Reprografia
Telemóveis e
eletrónicos
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Acesso ao Logradouro
logradouro
100
QI- Apropriações
A B C D
E F G H
N
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QII- Apropriações
A B C D
E F G H
N
0 50
Mercados 104
0 1000
Logradouro
Coberturas
A B C D
E F G H
N
0 50
116
A - A densidade habitacional no
QII-Habitação interior do quarteirão é tal, que
os lotes chegam a ser talhados,
de modo a delimitar novos
terrenos com acesso individual
desde a rua. A chapa metálica
comumente usada como cobertura,
é imperativa para a imagem das
“costas”da cidade.
B - Tratando-se do bairro central,
zona de maior densidade
E habitacional, é muito mais
F
comum verificar-se o uso das
coberturas dos edifícios para fins
habitacionais.
A|G
C - Alguns lotes encontram-se
de tal forma ocupados que não
se chega a ver o chão. Pequenas
C coberturas criam uma sucessão
de espaços interiores e exteriores
cobertos.
D - Volume originalmente
concebido como estacionamento
automóvel, encontra-se agora
alterado de modo a conter
8 moradias estreitas que se
estendem até ao limite do lote.
D|H
O novo programa faz-se sentir,
em parte, pela presença dos
tanques de água e caixas de ar
B condicionado, indispensáveis para
o seu funcionamento.
E - Localizados sobre o
estacionamento subterrâneo,
surgem dois volumes no interior do
quarteirão, alterados de modo a
conter espaços habitacionais e de
prestação de serviços.
F - Vista do corredor exterior de
distribuição e acesso a moradias
localizadas na cobertura.
G - A natureza rural do interior
do quarteirão QII, garantida
pelos materiais usados nas suas
construções informais, acentuam
a coexistência de dois mundos,
com o “skyline” da envolvente
Apesar de não conter muitos exemplares de caracterizado pelos edifícios
apropriações de carácter comercial, o quarteirão QII modernos de grande cércea.
encontra-se densamente preenchido por construções H - As moradias formadas nos
secundária, auto-produzidas, com programa anexos apresentam grandes
habitacional. Maioritariamente no espaço do interior problemas de ventilação e
do quarteirão, pode-se verificar pela mancha de iluminação, sendo as janelas na
ocupação deste espaço, em planta, como os lotes imagem as únicas da casa toda.
Deste modo, a iluminação e a
têm muito pouco espaço de solo desocupado. ventilação artificial são essenciais
para o funcionamento das
mesmas. Por outro lado, o alçado
caracterizado pela presença de
elementos domésticos, transforma
o mundo das costas da cidade
numa nova frente, fugindo da
Habitação no Logradouro Habitação na Cobertura imagem de serviço que teria
originalmente.
117
A B C D
E F G H
N
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N
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Ameaças e
Potencialidades
Ação do Estado 124
5 Como foi descrito no subcapítulo Por outro lado, quando as entidades estatais procuram fazer frente aos
“mercados”, tentou-se formalizar problemas da esfera informal, tendem a tentar formalizar os elementos
o mercado do museu construindo
um espaço provisório nas suas pré-existentes, correndo o risco de falhar, como no caso do mercado do
proximidades. Os vendedores museu5. No contexto de assentamentos informais, Ananya Roy (2005)
não aceitaram a trasladação e o afirma que o processo de formalização nunca é tão direto como uma
investimento foi feito em vão.
simples conversão de documentação informal para títulos formais e
6 Roy, Ananya. Urban Informality: um dos maiores desafios deste processo é a invasão destes espaços
Toward an Epistemology of regularizados por parte de grupos com maior poder de compra, que
Planning. Journal of the American deslocam os residentes originais 6. Outro grande problema é que a
Planning Association, Vol. 71, N. 2.
Chicago. 2005. p.152 formalização vem acompanhada de um processo de regularização do
pagamento de impostos. “Sem trabalhos formais, ditos pagamentos
7 Roy, Ananya. Urban Informality: regulares ou taxas de juro são difíceis de sustentar”7. Face a medidas
Toward an Epistemology of deste tipo, os habitantes com menos recursos procuram evitar fazer parte
Planning. Journal of the American
Planning Association, Vol. 71, N. 2. de um sistema onde a falha de um pagamento regular pode resultar em
Chicago. 2005. p.153 despejo ou perda de seu lugar de trabalho.
126
“Os cidadãos (…) estão a construir a sua cidade “de baixo para cima”,
visto que nem o Estado, nem o sector formal privado consegue dar 8 de Mendonça, Lisandra
Ângela Franco. Conservação da
resposta à sua demanda por infraestruturas e serviços adequados”8. Arquitetura e do Ambiente Urbano
Este ato de auto-organização dá lugar a estratégias de utilização do Modernos: a Baixa de Maputo.
espaço público com muitas potencialidades, que carecem apenas de Orientadores Professores Doutores
Arquitetos Walter Rossa, Giovanni
infra-estruturas básicas para se consolidarem. Deste modo, é essencial Carbonara e Júlio Carrilho. Tese
reconhecer o valor do setor na caracterização da cidade e procurar adotar de Doutoramento. Arquitetura
uma abordagem bottom-up, apontando para o aumento da qualidade de e Urbanismo Universidade de
Coimbra. 2015. p.177
vida da maioria da população. Neste sentido, e com o Estado a trabalhar
com alguma flexibilidade legal no que diz respeito às apropriações
estudadas, pode-se almejar uma maior democratização da cidade.
Fig. 109. Colagem. Mercado com aquedutos estuturais, com água e iluminação. Maputo.
O quotidiano “ (…) tem o seu próprio tipo de beleza, que clama espaço,
resolve restrições da localização e programa com soluções inteligentes,
aspira por um presente melhor trabalhando sobre um contexto de
condicionantes e histórias. A evidência acumulada da cidade está à
nossa volta e conta uma impressionante história humana. Tem a energia
que arquitetos, arquitetos paisagistas e urbanistas repetidamente
tentam captar. Infelizmente, apesar de substanciais e variados esforços
profissionais, apenas uma simulação desta vitalidade do quotidiano é
usualmente alcançada em práticas e projetos planeados. Porque é que
desenhar uma verdadeira cidade é tão difícil? Como pode o desenho
urbano de modo geral, e os urbanistas em particular, criar práticas que
27 Crawford, M. [et al.] Everyday promovem a vida da cidade presente?“ 27.
urbanism. The Monacelli Press. New
York. 2008. p.90
Neste capítulo identificámos as apropriações do quotidiano como
um reflexo das verdadeiras necessidades do cidadão, acreditando
na potencialidade das mesmas como ponto de partida quando se
intervém na cidade. Neste sentido, foi-se apresentando uma série de
soluções hipotéticas para as ameaças identificadas que, apesar de pouco
aprofundadas, procuram demostrar as possibilidades de uma abordagem
mais compreensiva para com as dinâmicas urbanas existentes. Estas
intervenções diferem dos inúmeros planos estudados, em grande parte,
pela aceitação da cidade como uma bricolage de elementos planeados e
não planeados, identificando aspetos positivos em ambos, na procura de
soluções arquitectónicas benéficas para uma maior número de cidadãos.
Neste processo, para além do arquiteto, urbanista, do governo ou do
investidor, o cidadão surge como ator importante no desenho da cidade.
As suas ações e apropriações dão forma à capital, pelo que é necessário
diminuir a distância entre profissionais e utilizadores. “Trabalhando para
desenhar a cidade desta forma, as ações do arquiteto ou urbanista não
podem existir sem a contribuição do habitante da cidade”28 exigindo
28 e 29 Crawford, M. [et al.] que o “(…) arquiteto como designer contribua com a sua habilidade em
Everyday urbanism. The Monacelli primeiro lugar, e de seguida com conhecimento, para um público que
Press. New York. 2008. p.106 efetivamente faz cidade”29.
Tal abordagem leva a que não existam soluções universais, mas sim
uma multiplicidade de estratégias para contextos físicos e temporais
específicos. Neste sentido, e tendo em conta a situação económica
do caso de estudo, as soluções podem ser modestas e pequenas,
assentes na identificação acertada de problemáticas e utilizadores para
sua efetividade. Afastando-se da escala tradicional de planeamento,
dependente da abstracção dos usos e utilizadores, o arquiteto tem
um papel mais preponderante na intervenção palpável no espaço
fisico (Kaliski, 2008). O quotidiano da capital é marcado pela presença
de elementos físicos num espaço público vivido pelos cidadãos
diariamente. Como arquitetos podemos limitar-nos a trabalhar na escala
destes elementos, reorganizando-os de modo a intensificar as suas
potencialidades, ao mesmo tempo que se intervém para melhoria das
suas condições? E, sendo imperativo trabalhar numa macro escala de
intervenção, como podem estes pequenos artefactos do quotidiano
informar as nossas soluções? Estas questões interligam-se com o debate
complexo e intemporal sobre o alcance da intervenção do arquiteto
no desenho do espaço público, dada a importância da apropriação do
mesmo para sua validação.
Contundo, esta investigação deixa esta questão em aberto, procurando
apenas contribuir para um maior equilíbrio, no contexto de Maputo, entre
o valor dado às realidades planeadas e aquele dado às não planeadas.
No contexto de rápida transformação observada, a reflexão sobre os
paradigmas do urbanismo e a sua relação com as potencialidades das
dinâmicas existentes é urgente. E, dadas as injustiças provenientes
do desequilíbrio descrito, a identificação e análise dos elementos do
quotidiano da capital apresentam-se como primeiro passo para a procura
de soluções aos problemas físicos da cidade.
140
Novos investimentos
Ação do Estado privados
Considerações finais
144
Bautista, Cecilia. Fondeur, Mario. Gucmén, Elif. Henriques, Joana Gorjão e Batista, Frederico. A
Mounari, Beatrice. Nercollini, Enzo. Economics, economia informal é um dos principais pilares da
Analysis on formal and informal economic economia moçambicana. Público. Lisboa. 2015.
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Leandro González
MESTRADO INTEGRADO
ARQUITECTURA
M
2021
Leandro González.
Maputo. O interior de quarteirão M.FAUP 2021
Aprender de uma apropriacão informal
Maputo. O interior de quarteirão
Aprender de uma apropriacão informal
Leandro González
FACULDADE DE ARQUITETURA