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REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

& práticas pedagógicas nas


ciências ambientais
Organizadores
Maria do Socorro Ferreira da Silva
Marcia Eliane Silva Carvalho
Núbia Dias dos Santos
Jailton de Jesus Costa
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

REITOR
Angelo Roberto Antoniolli

VICE-REITORA
Iara Maria Campelo Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

COORDENADORA DO PROGRAMA EDITORIAL


Péricles Morais de Andrade Júnior

COORDENADORA GRÁFICA
Germana Gonçalves de Araújo

CONSELHO EDITORIAL
Antônio Martins de Oliveira Junior
Aurélia Santos Faroni
Fabiana Oliveira da Silva
Germana Gonçalves de Araujo
Luís Américo Bonfim
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Martha Suzana Nunes
Péricles Morais de Andrade Júnior (Presidente)
Rodrigo Dornelas do Carmo
Samuel Barros de Medeiros Albuquerque
Sueli Maria da Silva Pereira

PROJETO GRÁFICO, CAPA E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA


Jeane de Santana

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

Reflexões teórico-metodológicas & práticas pedagógicas


nas ciências ambientais / organizadores: Maria do
R332r Socorro Ferreira da Silva ... [et al.]. – São Cristóvão :
Editora UFS, 2018.

474 f. : il.

ISBN 978-85-7822-612-1
1. Ciências ambientais. 2. Ciências ambientais
- Metodologia. 3. Prática de ensino. I. Silva, Maria do
Socorro Ferreira da.
CDU 502/504

Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos


CEP 49.100 - 000 – São Cristóvão - SE.
Telefone: 3194 - 6922/6923.
E-mail: editora.ufs@gmail.com
Site:www.editora.ufs.br
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora.
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

& práticas pedagógicas nas


ciências ambientais
Organizadores
Maria do Socorro Ferreira da Silva
Marcia Eliane Silva Carvalho
Núbia Dias dos Santos
Jailton de Jesus Costa

São Cristóvão|SE-2018
SUMÁRIO
Apresentação

08
Prefacio

17
EIXO 1
REFLEXÕES TEÓRICAS NO CAMPO DAS
CIÊNCIAS AMBIENTAIS

29
Natureza e pensamento complexo nas ciências
ambientais: dimensões e desafios
Rosana de Oliveira Santos Batista
Florisvaldo Silva Rocha

30
Desafios às ciências ambientais:
diálogos com a saúde ambiental
Márcia Eliane Silva Carvalho
Francisco de Assis Mendonça

49
Discursos sobre natureza na publicidade:
uma reflexão sobre a construção de sentidos
Florisvaldo Silva Rocha
Rosana de Oliveira Santos Batista

66
Ciência moderna e saberes tradicionais: um diálogo possível
na construção do saber ambiental?
Odirley Batista Andrade Moreira
Márcia Eliane Silva Carvalho

91
O mestrado profissional em ciências ambientais e a prática docente:
o professor reflexivo na perspectiva de diferentes estudiosos
Tainan Amorim Santana
Maria Inêz Oliveira Araujo

101
EIXO 2
PROPOSIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS NAS
PESQUISAS EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS

127
Biodiversidade e paisagem:
modelo de ocupação espacial no Cerrado Piauiense
Anézia Maria Fonsêca Barbosa
Rosemeri Melo e Souza

128
Do ambiente natural ao espaço construído:
a fisiologia da paisagem e o GTP como método de análise geográfica
Jailton de Jesus Costa
Rosemeri Melo e Souza
Francisco de Assis Mendonça

150
A aplicação do SIG na análise da fragmentação florestal
na APA do litoral sul de Sergipe, Brasil
Maria do Socorro Ferreira da Silva
Rosemeri Melo e Souza

176
O papel das ciências ambientais no processo de gestão dos
recursos hídricos em Sergipe
Luiz Carlos Sousa Silva

203
Recursos hídricos e saneamento: um elo para a saúde pública
Diego Silva Souza
Jefferson Arlen de Freitas

230
Açude da Marcela em Itabaiana/SE:
uma análise sobre o risco da degradação ambiental
Michelle Fraga Lima
Rosana de Oliveira Santos Batista

241
As áreas estuarinas e o papel das Ciências Ambientais
como mediadora na condição de sustentabilidade local
Mariana Morais Azevêdo
Anézia Maria Fonsêca Barbosa

260
EIXO 3
ENSINO DAS CIÊNCIAS AMBIENTAIS: TEORIA E PRÁTICA

283
As práticas pedagógicas e a construção do conhecimento:
a educação ambiental no contexto escolar
Claudionete Candia Araújo
Núbia Dias dos Santos
Maria do Socorro Ferreira da Silva

284
Práticas pedagógicas de educação ambiental e o exame nacional do
ensino médio: implicações curriculares
Luiz Ricardo Oliveira Santos
Jailton de Jesus Costa
Rosemeri Melo e Souza

308
O laboratório virtual de aprendizagem como estratégia metodológica
para o ensino das ciências ambientais no ensino fundamentall
Geane Magalhães Monte Salustiano
Maria do Socorro Ferreira da Silva

328
Práticas educativas de cidadania ambiental para gestão das águas
Laysa da Hora Santos
Rosana de Oliveira Santos Batista

350
Ciências ambientais no ensino fundamental: diálogos sobre a água
Felipe da Fonseca Souza
Núbia Dias dos Santos

371
Nas águas do rio pitanga: o estudo integrado do ambiente e
da relação sociedade natureza no ensino fundamental
Valtenisson Correa de Oliveira
Núbia Dias dos Santos

395
Educação ambiental: uma contribuição para
(re) significação do saber ambiental
Gilmara de Souza Neto
Genésio José dos Santos

416
A educação ambiental no projeto político pedagógico
do projovem campo saberes da terra
Maria José da Silva Souza
Núbia Dias dos Santos

438
Sobre os autores

461
Apresentação

O Mestrado Profissional em Rede Nacional para o Ensino de Ciências


Ambientais (PROFCIAMB), apresenta uma proposta que se destaca
por ser uma ação focada na formação de professores que atuam no
ensino fundamental, médio e na educação de jovens e adultos. Visa
o aprimoramento das atividades dos referidos professores na educa-
ção de cidadãos sensíveis ao seu papel no contexto socioambiental.
O desafio na sua elaboração se inicia a partir do segundo semestre
de 2013, em uma jornada permeada de diálogos, debates e reuniões,
para construção dos documentos e aprimoramento do pensar cole-
tivo e sua sintetização de maneira a agregar as distintas modalida-
des de conhecimento que integram a REDE, mas dentro de uma con-
cepção holística de organização sócioespacial. Além do acúmulo de
conhecimentos e experiências desse coletivo, tomou-se, também,
como base, os conhecimentos acumulados de outros programas
profissionais direcionados aos professores da rede de ensino básico.
Nessa linha de raciocínio o PROFCIAMB foi concebido contemplan-
do duas importantes características/desafios no cenário brasileiro
das instituições de ensino superior: a concepção de um Mestrado
Profissional, elaborado, inicialmente, para profissionais da rede bá-
sica de ensino e, na área das Ciências Ambientais. São duas modali-

8
Apresentação

dades que se unem e formam um par dialético pela sua tênue valo-
rização no fazer acadêmico ainda engessado nas prerrogativas do
conhecimento cartesiano e da ciência pura concebida como ápice
do fazer científico-acadêmico.
Esse duplo desafio congregado em um só: o PROFCIAMB, que foi
possível mediante a intensa participação das instituições parceiras:
Universidade Federal do Paraná; Universidade Estadual de Maringá;
Universidade de São Paulo; Universidade de Brasília; Universidade
Federal de Pernambuco; Universidade Federal de Sergipe; Universi-
dade Estadual de Feira de Santana; Universidade Federal da Amazô-
nia e Universidade Federal do Pará.
Como resultado desse esforço coletivo o Programa foi aprovado
pela CAPES em 29 de outubro de 2015, com conceito 4. É coorde-
nado pela Escola de Engenharia de São Carlos/USP e visa possibili-
tar, segundo consta no documento oficial, a formação continuada
em nível de mestrado profissional de professores da educação bá-
sica,bem como de profissionais que atuem em espaços nãoformais
(museus, jardinsbotânicos, centros de ciências) e/ou não-escolares,
e aqueles envolvidos coma divulgação e a comunicação das ciências.
Seus objetivos específicos são: qualificar os mestrandos para contri-
buir no desenvolvimento de múltiplas competências e no aprimora-
mento de práticas pedagógicas utilizando-se do contexto ambien-
tal; favorecer entre os mestrandos maior proximidade com material
didático inovador que contemple os sistemas naturais e as relações
sociais com estes sistemas, de forma a alcançar abordagem educa-
cional que colabore na formação de cidadão sensibilizado da sua
função no contexto socioambiental; realizar pesquisas na área das

9
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ciências Ambientais no espaço da escola de ensino básico, sob pers-


pectiva inter e multidisciplinar, cooperando para que se fortaleça a
produção, difusão e aplicação de conhecimentos didático-metodoló-
gicos associados às questões socioambientais da atualidade nos con-
textos escolares, na possibilidade de auxiliar na promoção de aprendi-
zagens significativas para todo o processo pedagógico implementado
na educação básica; constituir a partir dos projetos de pesquisas, bem
como dos trabalhos finais resultantes do curso, uma base de dados
que possa servir deobservatório de ciências ambientais e educação,
possibilitando a difusão deboas práticas quanto à temática.
No âmbito da Universidade Federal de Sergipe, o programa é coor-
denado pela Professora Márcia Eliane Silva de Carvalho, que suce-
deu as Professoras Maria do Socorro Ferreira da Silva e Núbia Dias
dos Santos, lotadas no Departamento de Geografia/Campus de São
Cristóvão. O PROFCIAMB/UFS conta com a participação de 12 do-
centes, envolvendo os Departamentos de Geografia, Geologia, Bio-
logia, Educação e Engenharia Ambiental, do Colégio de Aplicação e
da Secretaria Estadual de Educação de Sergipe.
Na sua concepção em rede, o PROFCIAMB funciona com um conjun-
to integrado de Instituições Associadas, de modo que cada uma de-
las contribui para o funcionamento do Programa, desenvolvendo:
conteúdo integrado de apoio à capacitação dos professores do En-
sino Básico indispensável para alcançar resultados substantivos nos
educandos; estratégias e espaços de integração entre mestrandos
do programa; formação de banco de dados: do material de apoio e
dos produtos do programa, de textos, atividades e desdobramen-
tos implementados pelos formandos nas escolas. Assim, a infraes-

10
Apresentação

trutura necessária ao funcionamento do PROFCIAMB é garantida


por cada uma das Instituições parceiras que integram esta propos-
ta. As atividades de ensino são assumidas pelo corpo docente que
compõe o núcleo de cada Instituição.
Na UFS o primeiro processo seletivo ocorreu no mês de maio de
2016, com início das aulas no segundo semestre letivo do mesmo
ano. Foram inicialmente, ofertadas 09 vagas, posteriormente am-
pliadas para 13, face ao número deaprovados e a disposição dos
professores em orientar mais de um mestrando. Os Projetos de Pes-
quisa versam sobre “As Águas e suas interfaces” a partir dos Eixos
Temáticos: Recursos Hídricos e Ensino de Ciências Ambientais; Re-
cursos Hídricos e Inovações Tecnológicas; Recursos Hídricos e Políti-
cas Públicas; e Recursos Hídricos e Saúde Ambiental. O tema central
dos Projetos de Pesquisa condiz com a parceria firmada pela REDE,
no ano de 2016, com a Agência Nacional de Águas - ANA.
Podem participar do pleito portadores de diploma de nível superior
outorgados por instituição reconhecida pelo MEC. No primeiro pro-
cesso seletivo foram priorizados professores com vínculo institucio-
nal na rede pública (federal, estadual e municipal) e os que atuam na
rede privada de ensino com vínculo comprovado.
Assim, o programa tem como proposta a temática ambiental sob
a perspectiva do desenvolvimento sustentável associada a diferen-
tes ferramentas didático-pedagógicas conduzidas, essencialmente,
aosistema de ensino básico. Neste sentido, o foco dos projetos são
os processos educativos e a produção de estratégias metodológicas
que utilizem diferentes recursos didáticos pedagógicos, a exemplo-
dos projetos de pesquisa em ensino, de estudos do meio ambiente,

11
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de uso de mídia eletrônica, recursos tecnológicos ou computacio-


nais, dentre outros. Com isto, o programa pretende fomentardesen-
volvimento de instrumental que possibilite ao professor da rede bá-
sica de ensino inserir em suas práticas pedagógicas de sala de aula
motivação, informação, experimentação, demonstrações eprodu-
ção de conhecimentos no campo das ciências ambientais.
Atenção especial é dada também a outros desafios do processo de
ensino e aprendizagem em ciências ambientais na educação bási-
ca, como o diálogo da escola com outros atores (stakeholders),fun-
damentais no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes
da educação básica. Ou seja, as famílias dos estudantes, a comuni-
dade do bairro, empresas, governo nos seus diferentes âmbitos,for-
muladores de políticas e tomadores de decisão, incluirão o público
de abrangência dos estudos formulados por docentes e discentes
deste PROFCIAMB.
As premissas do PROFCIAMB encontram-se embasadas no contex-
to sociopolítico vivenciado pela sociedade contemporânea e tem
como marcos principais os primeiros eventos sobre meio ambiente,
os quais passam a partir de 1972 a eleger a educação como ferramen-
ta questão central para a promoção da proteção ambiental e para a
gestão dos esforços para reduzir impactos dasatividades sociais e
econômicas no ambiente. Marcos históricos da evolução da preocu-
pação com questões ambientais, estão sintetizadas na Conferência
das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente reali-
zada em Estocolmo (1972), na de Tbilisi (1977), na RIO-92 (1992) e na
RIO+20 (2012), que ratificaram esta centralidade da educação.

12
Apresentação

Essa centralidade da educação também é plenamente contempla-


da na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, que em seu
artigo 32 coloca como um dos objetivos da educação básica a for-
mação cidadã que compreenda a importância do ambiente natural
e a relevância dos impactos dos sistemas sociais sobre este. Neste
sentido, é válido o esforço em priorizar a educação para se construir
sociedades sintonizadas com sua essência e que se auto reconhe-
çam como natureza para a partir de então, mudem sua concepção
e ação em relação ao ambiente físico, inicialmente alterando a vi-
são mercadológica do mesmo, e, em face dessa nova concepção de
vida, de mundo e de sociedade, se estabeleça um novo padrão de
consumo e uma produção de bens de consumo que respeitem os li-
mites de capacidade do meio ambiente e promovam oportunidades
para as gerações presentes e futuras, na medida em que o ambiente
assume uma outra concepção para além de celeiro da humanidade.
Este contexto apresenta relevância ímpar no cenário brasileiro, que
goza de grande diversidade e riqueza natural e cultural, bases para
um desenvolvimento humano sustentável. Desta forma, a integra-
ção dos princípios, valores e práticas do desenvolvimento humano
sustentável em todos os aspectos da educação e da aprendizagem
favorece processos de políticas públicas e ações mais alinhadas à
sustentabilidade, contribuindo para o protagonismo dos sujeitos so-
ciais e para a participação destes na gestão da vida e do território.
No entanto, há de se levar em consideração que o ensino das ques-
tões socioambientais no Brasil, sob o prisma da interdisciplinaridade
elucidada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), enfrenta
vários desafios, seja pela falta de infraestrutura adequada nas es-

13
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

colas, como pela necessidade de profissionais qualificados que pri-


mem pela inserção dos problemas socioambientais que permeiam o
cotidiano dos alunos. Os PCNs, reforçam a questão ambiental como
o conjunto de temáticas relativas não só a proteção da vida no pla-
neta, mas também à melhoria do ambiente e da qualidade de vida
das comunidades.
Nesse viés, a escola tem um papel fundamental de estimular a ci-
dadania ambiental do aluno. Todavia, considerando-se a formação
profissional, os professores se deparam com uma série de desafios e
situações que lhes impossibilitam contemplar determinadas temáti-
cas em sala de aula comumente vivenciadas pelos alunos, a exemplo
das questões socioambientais.
Na sociedade moderna tais conhecimentos são fundamentais para que
os professores consigam melhorar suas práxis pedagógica na perspec-
tiva de formar cidadãos críticos. No nosso percurso havia a experiência
de algumas modalidades de Mestrados Profissionais em Rede no Brasil
para Professores do Ensino Básico a exemplo do Mestrado Profissional
em Matemática, Letras, Física, História e Artes. No entanto, dos 19 pro-
gramas de mestrado profissional na Área de Ciências Ambientais, até
então, nenhum deles era específico para professores de ensino básico.
Cabe ressaltar, entretanto, que já há programas acadêmicos que estão
inovando quanto a políticas afirmativas para professores da rede públi-
ca em seu processo de seleção.
Tem-se claro que os mestrados profissionais ainda estão em proces-
so de aprendizagem e inovação, e neste sentido, enfrentam desa-
fios na sua organização, abordagem, especialmente considerando
as especificidades de cada público-alvo e a visão cartesiana de socie-

14
Apresentação

dade que permeia o saber fazer dentro e em ambientes externos as


Instituições de Ensino.
Para a consolidação do processo de formação dos Mestrandos, es-
tão previstas 4 disciplinas obrigatórias que serão ofertadas por todas
as Instituições Associadas, e disciplinas eletivas escolhidas por cada
Instituição, dentre as cadastradas na Matriz Curricular. As disciplinas
obrigatórias integram e garantem as bases pensadas para o PROF-
CIAMB e que as mesmas sejam adequadamente aplicadas em cada
instituição da REDE. Neste contexto, o Programa prevê, a título de
exemplo, a utilização de estruturas de video conferência, Plataforma
Moodle para diálogo entre os professores pelas disciplinas obrigató-
rias, o que favorece o monitoramento de resultados e a melhoria con-
tinuada na forma de abordagem no âmbito do PROFCIAMB.
Esta estrutura consolida o processo integrador para as diferentes
realidades do Brasil, um ambiente propício para que se avance rapi-
damente numa perspectiva de amadurecimento da abordagem da
temática das ciências ambientais pensada para e com os professores
do ensino básico e demais mestrandos integrantes dos Programas.
A coletânea de artigos que compõem a presente obra materializa o
resultado do processo de cooperação e do diálogo entre profissionais
da UFS, os quais imbuídos de uma concepção de ciência, de sociedade
e de mundo, se unem para contribuir na elaboração de uma proposta
de Mestrado Profissional em Rede Nacional de Ensino das Ciências
Ambientais para Professores de Ensino Básico (PROFCIAMB).
Assim o presente livro sintetiza o resultado do esforço e da coope-
ração coletiva do quadro de docentes e dos mestrandos (em fase

15
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de conclusão das disciplinas e preparação das qualificações) do


PROFCIAMB no âmbito da UFS, na perspectiva de aliar teoria, me-
todologia e aplicações, de maneira que a Ciência Aplicada, a práxis,
contribua de fato para a soma do diálogo de saberes, na consecu-
ção de um novo paradigma e uma abordagem socioambiental in-
serida nos princípios da recomposição da totalidade do SER e na
superação da concepção cartesiana e fragmentada da sociedade,
natureza, ambiente, homem, ciência, conhecimento, para a cons-
trução da inter, multi e transdisciplinaridade, na reconstrução dos
elos perdidos pelo mundo das mercadorias e da coisificação, para a
humanização das práticas sociais e gestão da vida, do espaço-terri-
tório do homem, e do bem comum. Convidamos aos que acreditam
na utopia de uma sociedade natureza cooperada e que dialogam
com a concepção holística de mundo, de sociedade, de ciência a se
somarem ao PROFCIAMB.
Cordialmente,
Comissão Organizadora

16
Prefácio

É com bastante satisfação que início o prefácio desta obra de notó-


ria contribuição para a comunidade acadêmica, científica e demais
profissionais que se dedicam aos aprendizados e ensinamentos ine-
rentes às Ciências Ambientais.
A crise ambiental, como reflexo dos sintomas de uma crise civiliza-
tória, também se manifesta pela fragmentação do conhecimento e
pela degradação ambiental. A complexidade referente aos proble-
mas ambientais é resultado da intervenção de processos e de dife-
rentes racionalidades nas mais variadas escalas geográficas numa
relação tempo-espaço.
Vivemos numa sociedade marcada pelos conflitos diversos, em vir-
tude do modo de apropriação, controle e uso dos recursos naturais,
que têm implicado no desmatamento das florestas, na perda da bio-
diversidade, na contaminação dos corpos hídricos, do solo e do ar e,
em função da distribuição desigual de renda, a ampliação da parcela
mais pauperizada da população. Essa complexidade torna a questão
ambiental um campo privilegiado para a compreensão das inter-re-
lações sociedade-natureza.
Para compreender as interfaces da integração e das contradições
emergidas nas Ciências Ambientais o exercício de análises profun-
das demanda para reflexões epistemológicas e metodológicas,

17
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

acerca da complexidade e da interdisciplinaridade nas relações


sociedade-natureza, como forma de reintegração e produção do
conhecimento da realidade complexa.
Nesse viés, o processo de (re)construção do conhecimento, no que
concerne as Ciências Ambientais, deve estar associado à visão holís-
tica da realidade e respaldado nos princípios da interdisciplinaridade.
Para aprofundar o debate acerca das questões ambientais pesquisa-
dores de diversas instituições trouxeram suas contribuições de ordem
teórico-metodológica para aprofundar o debate. O material também
contempla pesquisas que associam teoria-prática de professores da
Educação Básica, acadêmicos do Mestrado Profissional em Rede Na-
cional para Ensino das Ciências Ambientais, que se preocupam com o
saber fazer pedagógico e com a formação crítica de seus alunos.
Nesse sentido, a construção desta obra foi resultado de pesquisas cien-
tíficas realizadas por profissionais envolvidos em diversas instituições
e grupos de pesquisas, tais como: Grupo de Pesquisa Espaço e Saúde
(UFPR); Grupo de Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial
(GEOPLAN); Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacio-
nais e Interculturais (EDaPECI); Grupo de Pesquisa Território, Cultura e
Representações (GPTeC); Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Alimen-
tos e Manifestações Tradicionais (GRUPAM); Grupo de Estudos e Pes-
quisa de Educação Ambiental do Estado de Sergipe (GEPEASE); Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Geografia, Filosofia e Educação (NEPGFE); e,
Grupo de Pesquisa em Dinâmica Ambiental e Geomorfologia (DAGEO).
Para travar o diálogo e aprofundar o debate acerca das Reflexões
teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas Ciências Am-

18
Prefácio

bientais, a luz de múltiplos olhares de profissionais que se debruçam


nas pesquisas nesse campo de saber, esse livro está organizado em
três grandes eixos: Reflexões no campo das Ciências Ambientais;
Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Am-
bientais; e, Ensino das Ciências Ambientais: teoria e prática.
O primeiro eixo, Reflexões no campo das Ciências Ambientais, com-
posto por cinco capítulos, os autores nos brindam com análises sobre:
a complexidade das Ciências Ambientais no que concerne à fragmen-
tação do conhecimento; o diálogo e desafios nas Ciências Ambientais
com foco para a saúde ambiental e de sua intrínseca relação com os
aspectos socioambientais, especialmente da questão hídrica; os dis-
cursos que concernem a natureza a partir da publicidade; as relações
entre os saberes tracionais e o saber ambiental a luz da ciência moder-
na; e, o processo de formação continuada e a interação entre a teoria
e a prática docente a partir do Mestrado Profissional.
No Capítulo 1, intitulado “Natureza e pensamento complexo nas
Ciências Ambientais: dimensões e desafios’’, os autores Rosana de
Oliveira Santos Batista e Florisvaldo Silva Rocha, Professores da Uni-
versidade Federal de Sergipe, analisam as várias formas de pensar a
relação sociedade-natureza, principalmente no que condiz as Ciên-
cias Ambientais e o conhecimento fragmentado. Os autores ressal-
tam que a nova racionalidade ambiental nos convoca a decifrar as
significações e a aprender a realidade como sentidos construídos,
de modo a que compreensão não se reduza apenas do pensamento
científico paradigmático.
No Capitulo 2, Márcia Eliane Silva Carvalho e Francisco de Assis Men-
donça Professores da Universidade Federal de Sergipe e da Univer-

19
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

sidade Federal do Paraná, respectivamente, analisam os “Desafios


às Ciências Ambientais: diálogos com a Saúde Ambiental”, com vis-
tas para as alterações no ambiente em diferentes esferas - global,
regional e/ou local, em termos econômicos, sociais, culturais e de
qualidade de vida, sobretudo associando a questão hídrica. O capí-
tulo é enriquecido com reflexões sobre o campo multidisciplinar da
saúde ambiental nos estudos do impacto do ambiente sobre a saú-
de das populações. Ademais, chamam a atenção para a construção
de esforços integrados para almejar a saúde ambiental das popula-
ções associada com disponibilidade hídrica e a necessidade de uma
efetiva alteração do cenário de injustiças ambientais.
Florisvaldo Silva Rocha e Rosana de Oliveira Santos Batista, Profes-
sores da Universidade Federal de Sergipe, apresentam no Capítulo
3, “Discursos sobre natureza na publicidade: uma reflexão sobre a
construção de sentidos”, contribuições acerca das representações
da natureza a partir dos discursos e narrativas enquanto referência
sobre a relação sociedade-natureza-meio ambiente com o olhar para
os estudos acadêmicos desenvolvidos no Brasil cujos focos concen-
tram-se nas categorias ‘animais’ e ‘higiene’, dentro da publicidade
brasileira. Os pesquisadores buscaram respostas, na perspectiva da
pesquisa qualitativa sobre: o que dizem os estudos acadêmicos que
investigam as representações de natureza a partir da publicidade
no Brasil? E, quais questões centrais nesses estudos podem revelar
as estratégias de legitimação discursiva dessas representações? As
análises permitem dialogar sobre jogo publicitário, representações,
significações e linguagem, as quais se fundem na cultura e pelo po-
der da mídia criando sentidos de (des) natureza.

20
Prefácio

Os autores Odirley Batista Andrade Moreira e Márcia Eliane Silva


Carvalho nos brindam com o Capítulo 4, questionando sobre “Ciên-
cia moderna e saberes tradicionais: um diálogo possível na constru-
ção do Saber Ambiental?” Os pesquisadores propõem uma reflexão
sobre o Saber Ambiental e sua atuação como campo discursivo a
partir dos diversos saberes que se articulam, dialogam e produzem
um conhecimento. Os autores trazem reflexões acerca do saber am-
biental no contexto atual e da importância dos saberes tradicionais
sem hierarquizá-los, numa relação horizontal como forma para en-
tender os fenômenos em sua totalidade.
No último Capítulo do eixo, “O Mestrado Profissional em Ciências Am-
bientais e a prática docente: o professor reflexivo na perspectiva de
diferentes estudiosos”, Tainan Amorim Santana, Universidade Federal
Rural da Amazônia, e Maria Inêz Oliveira Araujo, Universidade Federal
de Sergipe, discorrem sobre a formação continuada do aluno-profes-
sor com base num olhar reflexivo sobre a relação teoria e prática no
processo educativo, cuja fusão torna-se fundamental para a construção
de uma Educação Ambiental construtiva. Respaldadas nas obras de es-
tudiosos como John Dewey, Donald Schön e Paulo Freire as autoras
reforçam a relevância do Mestrado Profissional em Ciências Ambientais
que prioriza a formação continuada com visas para a formação de um
professor reflexivo e de modo que o estímulo ao “saber fazer docente’’
seja pautado na real interação entre teoria e prática.
No Eixo 2 os pesquisadores trazem contribuições sobre as “Proposi-
ções teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais”,
com estudos que contemplam diferentes cenários e realidades, tais
como: a biodiversidade do cerrado, a fisiologia da paisagem, ao uso

21
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

do SIG no planejamento, a gestão dos recursos hídricos, ao sanea-


mento básico relacionado com saúde pública, e, as áreas estuarinas,
considerando diferentes cenários e realidades pesquisadas.
As professoras, Anézia Maria Fonsêca Barbosa e Rosemeri Melo e
Souza, ambas da Universidade Federal de Sergipe, introduzem o eixo
com um tema de singular relevância no cenário nacional a “Biodiver-
sidade e Paisagem: modelo de ocupação espacial no Cerrado Piauien-
se” que visa analisar a biodiversidade existente no cerrado piauiense
e o processo de uso e ocupação que tem levado a incompatibilidade
da manutenção dos recursos naturais nos municípios: Baixa Grande
do Ribeiro, Bom Jesus e Uruçuí. A pesquisa foi desenvolvida a partir
do modelo sistêmico com base na avaliação do espaço local e suporte
teórico o modelo de Berthand (1971), o GTP (Geossistema-Território-
-Paisagem). E, evidenciou o forte adensamento populacional nas cida-
des e no campo, o surgimento de impactos ambientais negativos, que
comprometem a conservação da biodiversidade da região.
O Capítulo 2, “Do ambiente natural ao espaço construído: a fisiolo-
gia da paisagem e o GTP como método de análise geográfica”, de
autoria de Jailton de Jesus Costa, Rosemeri Melo e Souza, ambos
da Universidade Federal de Sergipe, e Francisco de Assis Mendon-
ça (UFPR), foi organizado em duas partes. Na primeira, os autores
apresentam uma discussão sobre a fisiologia da paisagem enquanto
proposta metodológica para a Ciência Geográfica e para a Ciência
Geomorfológica. Na segunda, discorrem sobre eficiência do sistema
GTP enquanto método aplicável e eficiente para o planejamento das
atividades que visam à preservação, conservação e a recuperação
dos recursos naturais existentes na planície costeira. Para os pes-

22
Prefácio

quisadores o GTP traduz-se enquanto proposta essencial para a for-


mulação de critérios de ordenamento territorial e gestão do sistema
ambiental da planície costeira, pois a partir dele pode se visualizar
todas as inter-relações entre a natureza e a sociedade.
Para a abordagem do Capítulo 3, “A aplicação do SIG na análise da
fragmentação florestal na APA do Litoral Sul de Sergipe”, Maria do
Socorro Ferreira da Silva e Rosemeri Melo e Souza, da Universidade
Federal de Sergipe, utilizaram as métricas da paisagem: Tamanho do
Fragmento, Área Core, Forma e Isolamento para análise da paisagem.
O aporte teórico-metodológico da Ecologia da Paisagem e o uso do SIG
para elaboração dos mosaicos e das métricas da paisagem permitiram
uma análise da fragmentação florestal na Área de Proteção Ambien-
tal. As análises dos resultados da pesquisa possibilitaram verificação de
manchas que correm o risco de extinção da paisagem e a indicação de
fragmentos prioritários para a conservação ambiental, os quais pode-
rão fazer parte de futuros corredores ecológicos de Mata Atlântica.
Luiz Carlos Sousa Silva, professor colaborador do Mestrado Pro-
fissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais
(PROFCIAMB) e da Rede Estadual de Ensino do Estado de Sergipe,
apresenta relevantes considerações, no Capítulo 4, sobre a “Nor-
matização e Gestão dos Recursos Hídricos em Sergipe”. O artigo
faz referência ao processo de gestão e do uso consciente da água
potável e os conflitos frequentes, pois água se apresenta escassa
em várias regiões do Planeta, do Brasil e quiçá, em Sergipe. O texto
traz reflexões sobre a legislação federal e estadual sobre o modelo
de gestão dos recursos hídricos adotado no Estado de Sergipe e sua
aplicação mediante a realidade local e atual.

23
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

No Capitulo 5, Diego Silva Souza e Jefferson Arlen de Freitas, da Uni-


versidade Federal de Sergipe, fazem uma abordagem teórica, sobre
os “Recursos Hídricos e Saneamento: um elo para a saúde pública”,
a partir de um panorama histórico acerca da evolução da legislação
brasileira relacionada às questões sanitárias. Os autores enfatiza-
ram a relação dos recursos hídricos com o saneamento levando-se
em consideração as ações de preservação dos corpos hídricos com
o esgotamento sanitário, com base na Lei Nacional de Saneamento,
e à convergência para a saúde pública.
De autoria de Michelle Fraga Lima e Rosana de Oliveira Santos Batista,
o Capitulo 7, intitulado “Açude da Marcela em Itabaiana/SE: uma aná-
lise sobre o risco da degradação ambiental”, tem por objetivo anali-
sar o processo de degradação ambiental e degeneração humana no
açude da Marcela, para o entendimento das práticas de gestão am-
biental, na especificidade da relação educação, recursos hídricos e éti-
ca ambiental. As autoras reforçam a necessidade de gestão ambiental
eficaz, capaz de minimizar ou mitigar os efeitos negativos que dete-
rioram o ambiente e apontam a Educação Ambiental no processo de
sensibilização dos sujeitos em busca da sustentabilidade ambiental.
Para finalizar o Eixo 2, Mariana Morais Azevêdo e Anézia Maria Fonsêca
Barbosa centraram-se na discussão sobre “As áreas estuarinas e o pa-
pel das Ciências Ambientais como mediadora na condição de susten-
tabilidade local”, Capítulo 7, que apresenta um recorte do ecossiste-
ma de estuário em Taiçoca de Fora, município de Nossa Senhora do
Socorro em Sergipe, com a finalidade de analisar o ambiente para o
desenvolvimento de práticas educacionais em Ciências Ambientais e
para a conservação do meio local. As autoras reforçam que apesar da

24
Prefácio

grande quantidade de produção científica sobre os estuários, poucos


trabalhos são direcionados para o ensino e a aprendizagem. Nessa
ótica, o recorte do estuário é ressaltado como um ecossistema que
pode ser usado com objetivos educacionais relacionados com a Eco-
logia e Biologia da Conservação na zona costeira.
O Eixo 3, “Ensino das Ciências Ambientais: teoria e prática”, é compos-
to por oito capítulos acerca de reflexões sobre a construção do conhe-
cimento no contexto escolar e as práticas pedagógicas que priorizem o
lugar de vivência do aluno da educação básica. Ademais, com base no en-
sino das Ciências Ambientais, respaldado nos princípios da Educação Am-
biental crítica, os profissionais estimulam o desenvolvimento de ações
educativas que possam contribuir para a gestão participativa das águas.
No Capítulo 1, Claudionete Candia Araujo, Núbia Dias dos Santos e
Maria do Socorro Ferreira da Silva, fazem uma reflexão sobre “As
práticas pedagógicas e a construção do conhecimento: a Educação
Ambiental no contexto escolar” a partir da relação sociedade e na-
tureza no bairro Jabotiana em Aracaju/Sergipe. Com base na relação
teoria e prática as pesquisadoras acreditam que a sensibilização dos
sujeitos envolvidos, inclusive a comunidade, no ambiente afetado
perpassa pela escola, local de construção do conhecimento. Para o
diálogo interdisciplinar foi fundamental priorizar ações práticas ca-
pazes de despertar no aluno sentimento de pertencimento com o
local de morada e envolver a comunidade.
Luiz Ricardo Oliveira Santos, Jailton de Jesus Costa e Rosemeri Melo
e Souza, abordaram as “Práticas pedagógicas de Educação Ambien-
tal e o Melo Exame Nacional do Ensino Médio: implicações curri-
culares”, no Capítulo 2. Os professores ressaltam que apesar das

25
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

reformulações, o exame cria obstáculos que podem implicar na au-


tonomia docente e no ensino, comprometendo a abordagem local
e integrada de temas ambientais. Os autores observaram nas pro-
vas pesquisadas que o ENEM raramente abordou questões locais,
devendo a escola utilizar de outros instrumentos pedagógicos para
melhor efetivação do ensino das Ciências Ambientais.
Para discutir sobre “O Laboratório Virtual de Aprendizagem como
estratégia metodológica para o ensino das Ciências Ambientais no
Ensino Fundamental” as pesquisadoras Geane Magalhães Monte
Salustiano e Maria do Socorro Ferreira da Silva, no Capítulo 3, in-
vestigaram o uso do Laboratório Virtual de Aprendizagem (LVA), suas
vantagens e desvantagens para o ensino aprendizagem das Ciências
Ambientais e apresentam o recurso como uma ferramenta lúdica ca-
paz de contribuir para a reflexão dos conhecimentos adquiridos e sua
relação com a realidade local.
Laysa da Hora Santos e Rosana de Oliveira Santos Batista apresentam
no Capítulo 4 considerações sobre as “Práticas educativas de cidadania
ambiental para gestão das águas” que teve como escopo construir um
diálogo acerca da problemática socioambiental com ênfase nos corpos
hídricos e sua conexão com a promoção da sustentabilidade. As autoras
consideram a relevância na mediação de discussões que permeiam a rela-
ção sociedade-ambiente no processo de construção da ética e cidadania
ambiental a fim de fomentar a formação educacional dos alunos.
No Capítulo 5, intitulado “Ciências Ambientais no Ensino Fundamen-
tal: diálogos sobre a água” Felipe da Fonseca Souza e Núbia Dias
dos Santos, da Universidade Federal de Sergipe, destacam como
a prática de ensino das Ciências Ambientais, a partir da interdisci-

26
Prefácio

plinaridade, pode contribuir para a ressignificação de conceitos da


ampliação da natureza para além da apropriação, discutindo consu-
mo e sustentabilidade da água a partir da realização de uma oficina
pedagógica aplicada com alunos do 6° ano do Ensino Fundamental
no município de Lagarto em Sergipe.
No Capítulo 6, “Nas águas do Rio Pitanga: o estudo integrado do
ambiente e da relação sociedade natureza no ensino fundamen-
tal”, Valtenisson Correa de Oliveira e Núbia Dias dos Santos apresen-
tam uma experiência vivenciada junto aos alunos do 6º Ano da Es-
cola Estadual professor Benedito de Oliveira, localizada na Bacia do
Rio Pitanga em Aracaju/Sergipe, na perspectiva de contribuir para,
inicialmente, recompor o olhar do espaço e da natureza enquanto
totalidade e, assim, restaurar o olhar e a ação-reflexão-ação sobre o
ambiente e a nossa casa comum.
Para os docentes Gilmara de Souza Neto e Genésio José dos Santos,
no Capítulo 7, “Educação Ambiental: uma contribuição para (re)
significação do saber ambiental”, a elaboração de projetos e de
práticas educativas de modo interdisciplinar, pode promover a inte-
gração entre as “ilhas” conteudísticas, envolvendo debates, ativida-
des pedagógicas e pesquisas direcionadas à proposta. As ações em-
preendidas possibilitaram uma ressignificação do saber ambiental
a partir da efetivação do projeto Sergipe: nossas paisagens, nossas
memórias, que possibilitou a análise das questões socioambientais
do Estado, articulada com outras escalas geográficas, resgatando,
assim, o sentido de pertencimento.
Para finalizar Maria José da Silva Souza e Núbia Dias dos Santos
analisam “A Educação Ambiental no Projeto Político Pedagógico

27
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

do PROJOVEM Campo Saberes da Terra”, no Capítulo 7. O trabalho


tem como objetivo compreender a relação do PPP com temática da
Educação Ambiental ressaltando a que sujeitos educativos o PPP
pretende atender e qual a proposta curricular utilizada no projeto
e no Estado de Sergipe. As professoram abordam sobre a importância
da proposta interdisciplinar a partir da reflexão para o fortalecimento
de políticas públicas de educação do campo e da temática ambiental.
A publicação desta coletânea certamente contribuirá para preencher
uma relevante lacuna sobre as questões ambientais. Assim, diante da
prévia apresentação dos capítulos que compõem esta obra, em nome
da comissão organizadora, desejo a todos e a todas uma excelente lei-
tura, dotada de profícuas reflexões, acerca dos desafios travados no
que concerne as reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógi-
cas nas Ciências Ambientais.
Ademais, para ampliar o acesso às discussões o livro também será dis-
ponibilizado em formato de Ebook. Sintam-se convidados a mergulhar
no universo das pesquisas e resultados produzidos por 26 profissionais
que estiveram engajados na construção desta obra.

Professora Dra Maria do Socorro Ferreira da Silva


Departamento de Geografia (DGE/UFS)
26 de agosto de 2017.

28
EIXO 1

REFLEXÕES TEÓRICAS NO
CAMPO DAS CIÊNCIAS AMBIENTAIS
Natureza e pensamento complexo nas
ciências ambientais: dimensões e desafios

Rosana de Oliveira Santos Batista1


Florisvaldo Silva Rocha2

INTRODUÇÃO

Iniciamos esse texto com um convite à reflexão sobre as dimensões


e desafios acerca da visão da natureza e sua relação com o pensa-
mento complexo. É a partir do ponto de vista conceitual da ciência
moderna, que objetivamos atender às inquietações dos diversos sig-
nificados e significantes que compõem a realidade do fazer científi-
co acerca do conceito de natureza desde a modernidade.
A visão de natureza agrega várias acepções interpretadas nas mais
variadas relações de ambiguidade, universalidade, multiplicidade e

1 Profª Drªdo Programa de Pós-Graduação do Mestrado Profissional em Rede Nacional Para


Ensino das Ciências Ambientais-MPROF-CIAMB e do Departamento de Geografia da Uni-
versidade Federal de Sergipe DGE/UFS. E-mail: rostosgeo@hotmail.com
2 Prof.Dr. do Programa de Pós-Graduação do Curso Profissional em Rede Nacional Para Ensi-
no das Ciências Ambientais-MPROF-CIAMB e Departamento de Educação da Universidade
Federal de Sergipe DED/UFS. E-mail: flory_rocha@hotmail.com
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

interdisciplinaridade na relação homem-natureza. É na concepção


Grega da natureza que observamos a associação entre ética, natura-
lismo e humanismo, o que nos conduz à necessidade de determinar
novas relações com a natureza no fazer e pensar científico.
No paradigma Moderno, a concepção de natureza foi estabelecida
a partir da relação natureza-objeto, que inseriu a exterioridade hu-
mana frente à natureza da qual ele se separou ao instrumentalizá-
-la (LARRÈRE, 1997). Foi no século XVIII que o filósofo Jean-Jacques
Rousseau, em seu célebre Discours Sur Les Scienses et les Arts (1750),
iniciou várias reflexões que tenderam a responder a questão máster
anunciada pela Academia de Dijonao questionar se o aprimoramento
das ciências e das artes degenerou ou aprimorou o ser humano.
Com brilhantes argumentos, Rousseau ganha o primeiro prêmio ao
discursar sobre o caminho percorrido pelos homens para dominar a
natureza e o próprio homem, mediante o progresso da técnica, ciên-
cia e artes. Em seus certames, J.-J. Rousseau não escreve sobre o de-
sencanto da ciência e das artes e conjeturou sobre o utilitarismo do
progresso na ciência, que não sanou o processo das desigualdades
entre os homens já que o modelo científico cartesiano privilegiou
a pesquisa analítica com base na separação sujeito-objeto. Larrère
(1997) reflete sobre essa questão ao afirmar que
[...] a filosofia natural precedeu sempre, e modelou, a nossa filoso-
fia moral, Se há uma ligação tão íntima entre a nossa visão (essen-
cialmente informada pela ciência) da natureza e a relação ética que
mantemos com ela, isso acontece porque conhecer a natureza é
antes de mais nada situar-se relativamente com ela. Esquematica-
mente, pode estar dentro ou fora. (LARRÉRE, 1997.p. 19).

31
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Nessa direção, observa-se que a Ciência Moderna não se apoia na


experiência imediata. A partir da revolução científica com Copér-
nico, Descartes, Kant, Rousseau, Galileu, Kepler e Newton, que se
põe fim à natureza da ordem finita. Abandona-se a procura dos por-
quês na regularidade das elucubrações fenomênicas, para assumir a
tarefa de medir a amplidão dos fenômenos naturais induzidas pela
mecânica clássica.
Nos séculos seguintes ciência e técnica vão sendo desenvolvidos em
prol da ideia de progresso Iluminista. Uma das principais características
dessa ciência cartesiana é a exterioridade humana na natureza promo-
vendo a divisão, declinam nas dimensões científicas, sociais e éticas.
Com efeito, é com A. Einstein que o Universo vai ser pensado para além
de nossas expectativas na jurisdição da teoria da relatividade. Logo, sur-
gem as dissonâncias entre o espaço euclidiano e newtoniano, na base
da física clássica. É na introdução de um elemento de descontinuidade,
numa ciência que postulava que todas as suas grandezas fundamentais
eram contínuas, que vão ser originadas novas formas e modelos de ler
a representação complexa da natureza. A ciência vai se desenvolver no
sentido da compreensão da diversidade como chave de compreensão
dos sistemas da natureza (LARRÈRE, 1997).
Capra (1996) corrobora nessa discussão ao afirmar que a natureza é
uma complexa teia de relações entre várias partes de um todo unifi-
cado. A “teia da vida” é uma ideia antiga, que tem sido utilizada ao
longo do tempo para transmitir o sentido de entrelaçamento de in-
terdependência de todos os fenômenos. Surge no cenário mundial
contemporâneo a chamada crise ambiental, enquanto forte sintoma
do limite da racionalidade moderna.

32
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

A crise ambiental é, no fundo, a manifestação dos modos dominantes


e hegemônicos de realização do mundo moderno. Nesse sentido radi-
cal, a questão ambiental conclama a uma reconstituição das ciências e
a uma refundamentação dos modos de habitar o mundo (LEFF, 2016).
O pensamento complexo surge como uma forma de perceber que
não se reduz, nem simplifica, mas une, fazendo uma nova tessitura
entre o conhecido e o desconhecido, entre o convencional e o ino-
vador, entre a ordem e a desordem. Estese manifesta como uma
nova forma racional do modo de conceber e pensar o mundo, em
que se articula a relação homem-natureza, técnica e cultura.
Tal complexidade foi criada pelo próprio desenvolvimento cientí-
fico, a partir da teoria dos sistemas, introduzindo uma turbulência
nos conceitos aplicados na hegemonia da Ciência Moderna. Assim,
a nova racionalidade ambiental surge como modo de compreensão
social, a qual adquire uma radicalidade maior ao reconhecer uma
pluralidade de modos de compreensão, ao instaurar um princípio
ético que confronta toda a hierarquia entre diferentes ordens axio-
lógicas no meio ambiente (LEFF, 2016).
A visão socioambiental é orientada pela racionalidade complexa e
interdisciplinar, por pensar o meio ambiente não como sinônimo de
natureza, mas como campo de interações entre cultura, a sociedade
e a física da natureza, no qual todos os termos dessa relação intera-
gem de formadinâmica e mútua. “Tal perspectiva considera o meio
ambiente como espaço relacional, em que a presença humana [...]
aparece como agente que pertence à teia de relações da vida social,
natural e cultural e interage com ela” (CARVALHO, 2012).

33
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Nessa direção, buscamos trazer, nesse texto, reflexões das formas


de pensar a relação sociedade-natureza, levando em consideração
as demandas das ciências ambientais na necessidade de reformular
o pensamento que vai além de um conhecimento fragmentado, que
tornou invisíveis as interações da natureza entre o todo e suas par-
tes, sem perder o contato do singular e do concreto. Acima de tudo,
observamos que existem caminhos que elevam o pensamento cien-
tífico sem dissociar o elo natureza-cultura no processo de retroali-
mentação entre o mundo e a vida.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este texto, bibliográfico, tem como propósito discutir o conceito de


natureza na transição do pensamento moderno cartesiano à teoria
da complexidade desde o século XX. Nesse movimento, compreen-
de-se que a pesquisa bibliográfica é essencial como base explorató-
ria para discutir a relação sociedade-natureza, mediante o paradig-
ma moderno e a teoria da complexidade nas ciências ambientais.
Com efeito, esse estudo foi desenvolvido a partir de uma perspec-
tiva bibliográfica, que, segundo Marconi e Lakatos (2010, p. 12),
consistem em “um apanhado geral sobre os principais trabalhos já
realizados, revestidos de importância, por serem capazes de forne-
cer dados atuais e relevantes relacionados com o tema”. Dessa for-
ma, no primeiro momento foi feito um levantamento bibliográfico
de informações em teses, dissertações, artigos, anais e livros que
possibilitou compreender a problemática teoricamente, além de se
configurar como aporte para as indagações do pesquisador.

34
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Num segundo momento, houve a seleção dos materiais para a aná-


lise. Dentre as obras consultadas merecem destaque autores que
contribuíram com as discussões da relação sociedade-natureza e pen-
samento moderno e complexo da natureza, a saber: Boaventura de
Souza Santos, na discussão da ciência moderna e pós-moderna, Ca-
therine Larrére, numa filosofia do meio ambiente, Edgar Morin, com
a teoria da complexidade, Ivani Fazenda, na dimensão da interdiscipli-
naridade, num contraponto das reflexões disciplinares da ciência. O
terceiro momento, desse segmento, buscou-se a realização de uma
reflexão analítica das obras citadas, a fim de promover conexões dos
conteúdos norteadores da pesquisa (sociedade-natureza-complexi-
dade-ciências ambientais), numa proposta de fomentar reflexões ini-
ciais dos caminhos que vem sendo discutidos nas ciências ambientais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A problemática em tela reflete acerca das diversas definições da


natureza e, as teorias que fundamentaram o pensamento científico
desde a modernidade, elencam inúmeras possibilidades de se pen-
sar a relação sujeito-objeto. Uma dessas perspectivas separou o ho-
mem da natureza levando seus estudos à caracterização das partes,
numa herança da ciência cartesiana.
No entanto, é no século XX que o sujeito observador ressurge no
cenário, em que o objeto possui uma existência a partir do olhar re-
lativo do sujeito como produtor da história. A tendência a uma dis-
tinção dos discursos da natureza advém da predominância europeia
que pensou a natureza pela inter-relação da esfera material e espi-

35
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ritual na percepção integrada como entidade externa desenvolvida


na Europa renascentista.
Os discursos da natureza basearam-se na crença dominante da na-
tureza como entidade exterior, sujeita à regularidade regida por
leis mecânicas, desvendadas pela razão matemática. Assim, o de-
safio de descobrir as leis matemáticas pelas quais o mundo foi cria-
do, como uma máquina perfeita que funciona como leis mecânicas
enquanto objeto de domínio humano sobre a natureza, era tarefa
do conhecimento.
No discurso moderno, a natureza era composta de fenômenos ar-
ticulados por ligações necessárias, o ser humano estava sujeito aos
imperativos naturais, já que estaria ligado a outros elementos da
natureza, constituindo-se como causa e efeito dessa totalidade de-
terminante. Somos herdeiros do modelo cartesiano científico que
conceitua a natureza como uma máquina. Essa ciência cartesiana
promoveu o estudo analítico, que privilegiou a primazia dos estudos
das partes em detrimento da totalidade das relações.
A visão da natureza como domínio do selvagem do ameaçador
e do esteticamente desagradável estabeleceu-se sobre a crença
de que o progresso humano era medido por sua capacidade de
dominar e submeter o mundo natural (CARVALHO, 2012, p. 94).

A mudança cultural inaugurou a modernidade e está na base de


nossa experiência civilizatória, sendo protaginizada por padrões de
comportamentos que se baseiam nas bases ideológicas da moderni-
dade. O conceito de civilização passou a ser associado a valores ilus-
trados, como cultivo, polimento, aperfeiçoamento, progresso, razão.

36
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

De acordo com Elias (1994, p. 82), “o que estava em questão era a


domesticação da animalidade, a natureza das funções corporais”.
Assim, a repulsão à natureza expressava-se mediante o processo de
desqualificações dos ambientes naturais, numa nova disciplina de
controle da natureza associadas às funções biológicas do ser huma-
no. Dessa forma, “constrói-se historicamente a representação do
mundo natural como lugar de rusticidade, do inculto do selvagem,
dentre outros” (CARVALHO, 1990, p.95).
Tais reflexões passaram, no século XX, operando os mais variados
discursos nos centros acadêmicos, como produto de paradigmas
que não creditam mais à Ciência Moderna a capacidade de com-
preensão da complexidade das relações socioambientais. Nesse
sentido, novas formas de pensar a ciência começaram a ser coloca-
das enquanto necessidade de se fazer uma ciência que contemple
novos saberes e sujeitos ativos no conjunto de significados e sig-
nificantes que compõem a realidade. Surge no cenário científico a
denominada crise ambiental, que põe em cheque os discursos sobre
a natureza na relação com a sociedade e propõe novas formas de
saberes.
Leff (2011) considera que a crise ambiental é fruto da hegemonia to-
talizadora da ciência e do processo de mundialização do capital, que
trouxeram sérios problemas na relação sociedade-natureza. O autor
supracitado compreende que esta crise se apresenta como limite
do real, parte ainda da problemática ambiental para identificar um
dos sintomas do que vai se chamar de crise da civilização, crise his-
tórica, crise da razão. Crise que é definida por dois fatores centrais,
a saber: a coisificação do ser humano, além do processo de super

37
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

exploração da natureza. Limite esse que é descortinado pelos dese-


quilíbrios ecológicos, além da capacidade de sustentação a vida já
que é característica da crise atual gerar modificações profundas na
sociedade e nos indivíduos.
Camargo (2003, p. 41) corrobora com essa análise ao afirmar que,
“a forma pela qual a atual crise da nossa civilização for abordada
e conduzida pelos seres humanos é que determinará a sociedade
humana futura”. Considerando a questão ambiental na perspectiva
do crescimento econômico, observa-se que o natural e o social são
compreendidos enquanto possibilidade de apropriação dos homens
em suas práticas na natureza.
A crise ambiental é uma crise complexa, multidimensional, cujas
facetas afetam todos os aspectos da vida humana. Seu caráter ex-
pansivo e acumulativo levou ao princípio da escassez que funda a
economia, trazendo, como consequência, o processo de degrada-
ção global dos recursos naturais (LEFF, 2009). O fato que marcou
o discurso ambiental esteve atrelado ao movimento ecológico, que
emergiu no final da década de 1960 no século XX, que buscava con-
dições para sustentação da vida no planeta e contestava o modo de
vida industrial.
A procura de rever as atitudes ocasionadas pelo desenvolvimento
econômico que resultou na investigação de um desenvolvimen-
to harmônico, o qual consiste na transformação racional do meio
ambiente em benefício do ser humano e do meio em que habita.
Nesse movimento, a bióloga Rachel Carson em seu clássico livro
“Primavera Silenciosa”, em 1969, descortinou os problemas am-
bientais causados pelo uso intensivo de agrotóxico na agricultura.

38
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Demonstrou o alto grau de contaminação do ambiente, levando a


questão da problemática desde a saúde humana a natureza. O tema
da alta degradação dos recursos naturais surge com o intuito de in-
formar a sociedade e a ciência sobre os problemas causados pelos
avanços indiscriminados no processo agrícola de produção. Para
Carson (1969),
[...] a história da vida sobre a Terra tem sido uma história de inte-
ração entre as coisas vivas e seu meio ambiente. Em grande parte
e os seus hábitos da vegetação da Terra, bem como a sua vida ani-
mal, foram moldados pelo seu meio ambiente. Tomando-se em
consideração a duração toda do tempo terrenal, o efeito oposto,
em que a vida modifica, de fato, o seu meio ambiente, tem sido
relativamente breve. Apenas dentro de tempo representado pelo
século presente é que uma espécie – o homem – adquiriu capa-
cidade significativa para alterar a natureza de seu mundo. [...] o
mais alarmante de todos os assaltos contra o meio ambiente é
representado pela contaminação do ar, da terra, dos rios, por via
materiais perigosos e até letais (CARSON, 1969. p. 15-16).

Um dos fatores que contribuem para a consolidação do processo de


degradação ambiental e degeneração humana é a associação da ra-
cionalidade econômica e o conhecimento técnico-científico. Como
processo de mundialização dos processos capitalistas, observa-se
que essas instâncias refletem de maneira significativa nos conflitos
instaurados na sociedade pautados pela racionalidade econômico-
-utilitária e pela institucionalização do saber científico. Assim, infere-
-se que “o pensamento abissal moderno salienta-se pela capacidade
de produzir distinções” (SANTOS, 2007. p.2).
A problemática ambiental induz ao processo complexo do conheci-
mento e do saber, a fim de apreender os processos materiais que se

39
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

configuram no campo da relação sociedade-natureza. As distintas


percepções dessa problemática assolam a academia como crise de
recursos, das desigualdades sociais, do desenvolvimento econômi-
co, e da distribuição social dos custos ecológicos, além da nova ra-
cionalidade produtiva fundada no potencial ambiental no mundo,
geram demandas diferenciadas de conhecimentos teórico-práticos.
Assim, a questão ambiental mobiliza um amplo processo de produ-
ção, apropriação e utilização de conceitos ambientais que nos refle-
tem os mais variados discursos, enquanto proposta de aproveita-
mento sustentável dos elementos naturais.
A questão ambiental se apresenta, para Leff (2009), como uma das
marcas do “efeito do conhecimento sobre o mundo”. A racionalidade
econômica e científica é caracterizada como pilar de sustentação do
projeto positivista de modernidade, promovendo a redução da na-
tureza à ideia de recursos naturais, deixando de considerá-las como
uma fonte de riqueza para além de sua utilização material e imedia-
ta. Nesse sentido, a crise ambiental é, sobretudo, uma crise de com-
preensão de mundo que se agrava principalmente pelo alto grau de
intervenção da racionalidade moderna sobre a natureza.
A incorporação das questões ambientais demanda uma reestrutu-
ração mais profunda e, por essa razão, dever-se-ia pensar em uma
nova racionalidade produtiva que busque articulação equilibrada
entre os processos ecológicos, técnico-científicos e culturais que
promovam um desenvolvimento econômico compatível com a ca-
pacidade de renovação da natureza.
O paradigma hegemônico do saber ambiental está transitando no
desafio da abertura de diálogos científicos para produzir a aplicação

40
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

de certos conhecimentos, surgeme diante a apropriação coletiva


dos recursos naturais como uma produção sustentável e equitativa,
a fim de satisfazer as necessidades básicas das comunidades em ge-
ral na tentativa de melhorar a vida.
Nas pesquisas acerca das modificações epistêmicas surgem dimen-
sões e desafios na busca de possibilidades de gerar estratégias no
conhecimento, no sentido de orientar a transformação produtiva
fundamentada nos princípios de uma racionalidade ambiental no
manejo sustentável da relação homem-natureza. Assim, o discurso
da natureza se apresenta como uma das marcas do efeito do conhe-
cimento como uma crise de compreensão de mundo que se agrava
principalmente pelo alto grau de intervenção da racionalidade mo-
derna sobre a natureza.
O paradigma da ciência moderna operou num movimento de ruptura
com o pensamento medieval, incorporando as pressuposições car-
tesianas e dominou o cenário científico durante muitos séculos de-
sencantando o ser humano do temor humano mediante as crenças
medievais. Morin (2011, p.25) afirma que “o paradigma desempenha
um papel, ao mesmo tempo, subterrâneo e soberano em qualquer
teoria, doutrina ou ideologia. O paradigma é inconsciente, mas irriga
o pensamento consciente, controla-o e, neste sentido, é também
supraconsciente”, podendo ainda, ao mesmo tempo, elucidar e
cegar, revelar e ocultar. Nesse sentido, necessitamos civilizar nossas
teorias, ou seja, desenvolver nova geração de teorias abertas,
racionais, críticas, reflexivas, autocríticas, aptas a autorreformar-se.
As novas formas de ver a realidade podem representar o obstácu-
lo da compreensão no conhecimento profundo do mundo social e

41
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

natural. Para compreender essas questões torna-se necessário uma


busca nos primórdios da constituição das sociedades humanas nas
formas distintas de ver a natureza. Na tentativa de explicar as pos-
síveis visões de natureza em contextos materiais e ideológicos dife-
renciados, entendem-se as diferentes representações sobre a natu-
reza num enfoque universal, dinâmico e integrado.
Em Leff,
As mudanças de paradigmas em um campo da ciência produzem
uma diferença, criam novos modos de compreensão e inteligibi-
lidade do mundo por uma mudança no objeto do conhecimento.
A mecânica quântica não é traduzível em termos de mecânica
clássica. Os princípios da racionalidade ambiental não são redu-
zíveis à axiomática da racionalidade moderna (LEFF, 2016, p. 73).

Dessa forma, observa-se a dificuldade de designar, de significar as emer-


gências da atual crise civilizatória e o recurso à denominação abstrata
do pos-res da modernidade: o que está para além da coisa, do ser, da
realidade constituída pela racionalidade modernizadora. A contraposi-
ção que Leff (2009) procura desenvolver é estabelecida pela mediação
da racionalidade econômica e a racionalidade ambiental.
A problemática ambiental é o campo privilegiado das inter-relações
sociedade-natureza, razão pela qual seu conhecimento demanda de
um método interdisciplinar que permita a integração das ciências
da natureza e da sociedade e nas esferas do ideal e do material, da
economia, da tecnologia e da cultura (LEFF, 2011). Assim, a relação
sociedade-natureza configura os modos pelos quais as diferentes
culturas, nas diferentes épocas se relacionaram com a exploração
dos recursos naturais.

42
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

A complexidade dos problemas socioambientais na sociedade hu-


mana obriga a ciência a submeter-se a um diálogo no qual os di-
versos saberes existentes possam complementar-se em vez de ex-
cluí-los (CAMARGO, 2003). A reflexão em torno dos problemas do
conhecimento, que apresenta a questão ambiental como ponto de
partida, foi engendrada para a incorporação de um saber ambiental
emergente no paradigma científico moderno. É a partir da concep-
ção da articulação interdisciplinar das ciências naturais, físicas e so-
ciais, que os avanços acerca da complexidade ambiental surgem em
consonância dos diálogos com os diversos saberes.
O pensamento diverso implica num processo de inter-relação de
processos, conhecimentos e práticas que transborda e transcende
o campo da pesquisa e ensino, no tocante as disciplinas científicas
e a suas articulações (LEFF, 2009). Dessa maneira, surge o termo
interdisciplinaridade, utilizado enquanto sinônimo da interconexão
entre diversos campos do conhecimento e saberes em projetos que
envolvem as práticas científicas e não científicas que incluem as ins-
tituições e os sujeitos sociais diversos.
Essas considerações colocam no cenário científico a necessidade de
uma reflexão crítica sobre marcos conceituais, de base epistemoló-
gica, que visam impulsionar e profundar práticas interdisciplinares,
a fim de sanar o discurso da ciência e da tecnologia que se conver-
teram na força produtiva destrutiva da humanidade. O desenvolvi-
mento do pensamento interdisciplinar na ciência, conforme elucida
Fazenda (2008), ganha efetivamente consistência, a partir da déca-
da de 1960, passando por um processo histórico de reflexões acerca
das aplicações teórico-metodológicas, em busca da superação dos

43
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

impasses vividos pela ciência fundamentada num paradigma estrita-


mente racionalista, determinista e reducionista.
Nessa visão, confluem-se a fundamentação epistemológica na cons-
trução de uma racionalidade ambiental, que é mobilizada por um sa-
ber ambiental e se inscreve em relações de poder pela apropriação
social da natureza e da cultura (LEFF, 2003). Esta crise,mediante os
novos paradigmas científicos, sugere estratégias epistemológicas,
bem como apropriação de saberes, ver ao mesmo tempo em que
os ser humano explora a natureza e a degrada numa conversão de
valor de uso ao de troca no mundo. Para Morin (2011),
[...] o desenvolvimento do conhecimento científico é poderoso-
meio de detecção dos erros e de luta contra as ilusões. Entre-
tanto,os paradigmas que controlam a ciência podem desenvol-
verilusões, e nenhuma teoria científica está imune para sempre
contrao erro. Além disso, o conhecimento científico não pode
tratarsozinho dos problemas epistemológicos, filosóficos e éti-
cos. A educação deve-se dedicar, por conseguinte, à identifica-
çãoda origem de erros, ilusões e cegueiras (MORIN, 2011, p. 19).

As propostas paradigmáticas da ciência vivem um momento de dis-


cussões, pois buscamnovas etapas civilizatórias. Observa-sea exis-
tência da necessidade de uma estratégia epistemológica, mediada
pela proposta interdisciplinar das ciências que adquira sentido para
enfrentar as ideologias teóricas geradas para uma naturezade visão
uma e não múltipla. Assim, a complexidade dos problemas socioam-
bientais da sociedade humana obriga a ciência a submeter-se a um
diálogo no qual os diversos saberes existentes possam complemen-
tar-se em vez de excluir-se.

44
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Pensar a complexidade significa, sobretudo, não buscar conhecer os


fenômenos da relação sociedade-natureza pela linearidade da causa
e efeito, segundo o qual o futuro sempre pode ser conhecido. Como
elucida Camargob (2012, p. 36), “pensar a complexidade é ir além,
fugindo do paradigma clássico, verificando que, quanto mais variá-
vel está um sistema, mais este se torna capaz de gerar fenômenos
improváveis”. É a superação do paradigma cartesiano e do princípio
científico da certeza, para a incerteza da teoria da complexidade.
Na era da globalização, a crise ambiental não é o único problema
emergente de escala planetária (LEFF, 2016). Em conjunto ao risco
ecológico e ao processo de degradação ambiental, surgem novos e
acentuados problemas sociais, a saber: a crescente economização
do mundo, a concentração de riqueza, o choque cultural, a insegu-
rança alimentar e a contaminação dos alimentos pelo uso de agrotó-
xicos. Diante desses sinais surgem propostas de novos direitos hu-
manos, de uma ética ecológica da vida, mediado pelo pensamento
complexo. Assim, o que está em questão é a construção de bases
ético-políticas para um mundo sustentável de convivência na diver-
sidade e diferença no mundo atual.

CONCLUSÃO

O paradigma da complexidade nos traz uma nova forma de enfrentar


os problemas socioambientais que são paradoxais e/ou híbridos, sobre-
tudo, complexos. Portanto, desta visão pode prescindir as várias refle-
xões que nos leva a abertura à integração com a multiplicidade de pers-
pectivas que advêm das diversas e variadas áreas do conhecimento.

45
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A crise de modelos de paradigmas científicos e civilizatório sugere al-


gumas considerações complementares, pois são formuladas de ma-
neira sucinta nas estreitas medidas deste texto por envolverem visões
de mundo e/ou mudanças de conduta. Assim, a proposta da interdis-
ciplinaridade das ciências ambientais surge como requisito e possibili-
dade de um mundo diferente, com novos procedimentos científicos e
técnicos com a proposta de um novo modelo civilizacional.
Nessa ampliação científica, colocamos o sujeito em sua produção his-
tórica, na compreensão do conjunto de significados e significantes da
relação sociedade-natureza em seu fazer dialógico, como estratégia
de um novo fazer científico ampliando os estudos interdisciplinares
nas ciências ambientais, enquanto fio condutor na descoberta das di-
versas potencialidades humanas em sua relação com a natureza.
O que está em jogo é a definição de uma nova forma de racionalida-
de consistente para que se entendam todas as configurações atuais da
cultura existentes possíveis, para além de representar as variedades da
Modernidade e modos alternativos de desenvolvimento; que se abram
as novas alternativas de desenvolvimento no processo de descoloniza-
ção em busca de sociedades mais sustentáveis, a partir de novos mo-
dos de pensar, de habitar o mundo como novo paradigma societário.
A epistemologia ambiental (Leff, 2001) não propõe uma construção
ideal de mundo ou de um mundo construído sobre idealidades puras.
Sua crítica ao objetivismo da ciência não implica um rechaço a toda
objetividade sobre a realidade do mundo. O que se questiona é a ob-
jetivação do conhecimento científico, sobre o modo de produção da
realidade na racionalidade moderna. A nova racionalidade ambien-
tal convoca a decifrar as significações e a aprender a realidade como

46
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

sentidos construídos, como realidades significantes, não redutíveis


ao modo de compreensão da ciência, mas uma sociologia capaz de
explicar as potencialidades do real e do simbólico, da natureza e da
cultura, mediante outras lógicas e outros sentidos, outras razões do
mundo e outras racionalidades sociais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAMARGO, A. L. de B. Desenvolvimento Sustentável: Dimensões e Desafios.


Papirus. São Paulo. 2003.
CAMARGO, Luís Henrique Ramos de. A Geoestratégia da natureza: a geo-
grafia da complexidade e a resistência à possível mudança do padrão am-
biental planetário. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos.
São Paulo: Cultrix. 1996.
CARSON, R. Primavera silenciosa. 2ª edição. São Paulo: Melhoramentos, 1969.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: A formação do
sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2012.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
FAZENDA, I. (org.) O que é Interdisciplinaridade? São Paulo, Cortez, 2008.
LARRÈRE, C. Du Bom Usage de laNature. Aubier, Paris, 1997.
LEFF, Henrique. A Aposta Pela Vida: imaginação sociológica e imaginários
sociais nos territórios ambientais do Sul. Petrópolis/RJ: Vozes, 2016.
LEFF, Henrique (Coord.). A complexidade ambiental. Traduzido por Eliete
Wolff. São Paulo: Cortez, 2003.
LEFF, Henrique. Complexidade, Interdisciplinaridade e Saber Ambiental.

47
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Olhar de professor, Ponta Grossa, 14 (2):309-335, 2011. Disponível em http://


www.revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor
LEFF, Henrique. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Sa-
beres. Revista Educação e Realidade. 34(3). 17-24. 2009.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro. São
Paulo: Cortez: Brasília, DF: UNESCO, 2001.
SANTOS, Boaventura de Souza e. Para Além do Pensamento Abissal: das
linhas globais a uma ecologia dos saberes. Revista Crítica das Ciências So-
ciais, 78, Outubro de 2007.:3-46.

48
Desafios às ciências ambientais: diálogos
com a saúde ambiental

Márcia Eliane Silva Carvalho1


Francisco de Assis Mendonça2

INTRODUÇÃO

As alterações no ambiente têm causado repercussões em diferen-


tes esferas, seja no computo global, regional, seja local em termos
econômicos, sociais, culturais e de qualidade de vida, imprimindo
mudanças que inclusive repercutem sobre a saúde humana.
Tal fato, associa-se ao desenvolvimento econômico engendrado
pós-revolução industrial, que foi acompanhado pelo consumo cres-
cente dos recursos naturais paralelo ao decréscimo do poder aqui-
sitivo de parte da população, que, associado com a ausência de po-
líticas públicas efetivas ligadas à gestão ambiental, culminou com
diversos problemas socioambientais.

1 Profª Drª do Departamento de Geografia, do Mestrado em Geografia (PPGEO) e do Mes-


trado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais da Universidade
Federal de Sergipe (PROFCIAMB/UFS). E-mail: marciacarvalho_ufs@yahoo.com.br
2 Prof. Dr. do Departamento de Geografia, do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Uni-
versidade Federal do Paraná e coordenador do LABOCLIMA/UFPR. E-mail: chico@ufpr.br
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Diante deste contexto, Leff (2009, p.146) aponta que deve emergir,
no campo das ciências, uma abordagem sistêmica e interdisciplinar,
na busca pela efetiva mudança de postura relativa ao ambiente:
A desorganização ecossistêmica do planeta e a crescente entro-
pia dos processos produtivos, guiados pela razão tecnológica
e pela lógica do mercado, criaram necessidades de enfoques
integradores do conhecimento para compreender as causas e
dinâmicas de processos socioambientais que, por sua complexi-
dade, excedem a capacidade de conhecimento dos paradigmas
científicos dominantes, exigindo uma recomposição holística,
sistêmica e interdisciplinar do saber.

Assim, a partir da necessidade de abordar os desafios ambientais, con-


siderando a interação e a atual relação entre sistemas antrópicos e na-
turais contemporâneos, a Área de Ciências Ambientais (CACiAmb) foi
criada em 2011, pela portaria Nº 83 de 06 de junho de 2011, pela Coor-
denação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES,
em decorrência da experiência de Programas da Área Interdisciplinar,
sobretudo da Câmara de Meio Ambiente e Agrárias (CAPES, 2016).
De acordo com o documento de área (CAPES, 2016), a abordagem
interdisciplinar é intrínseca à Área de Ciências Ambientais, cujo mé-
todo de construção do conhecimento deve se pautar na compreen-
são da complexidade ambiental e nas problemáticas socioambien-
tais a ela atreladas, buscando o diálogo com diferentes esferas do
saber na busca pela resolução da crise ambiental atual.
À Área de Ciências Ambientais compete abordar processos
sociais e naturais, desenvolver novas tecnologias, estabelecer
processos de gestão socioambientais e, considerando maior
inclusão social, formular e analisar políticas públicas voltadas

50
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

à gestão ambiental em sentido amplo. Dentre os grandes


desafios das ciências ambientais, está a conservação e gestão
dos recursos naturais, essenciais à qualidade de vida, contribuir
para resolução de macroproblemas, como mobilidade urbana,
saneamento básico, favelização e pobreza, violência, desastres
naturais entre outros (CAPES, 2013).

Desta forma, o diálogo conceitual, metodológico e de cooperação cien-


tifica das diversas áreas do conhecimento são pilares para a efetivação
da Área de Ciências Ambientais na busca por um saber que contribua
para a construção de uma nova racionalidade ambiental. Portanto:
O objeto das Ciências Ambientais é, assim, naturalmente mul-
tidisciplinar e requer a convergência de conhecimentos distin-
tos possibilitando a reflexão vista por diferentes perspectivas.
Dessa maneira, a interdisciplinaridade emerge da própria práxis
científica e passa a ser identificada como atitude e como méto-
do na produção de conhecimento (CAPES, 2016).

Nestes termos, emerge um dos grandes desafios para as Ciências


Ambientais: buscar compreender de forma multidisciplinar a com-
plexidade dos problemas ambientais, propondo reflexões e ações
que visem romper com a histórica relação de insustentabilidade en-
tre sociedade e natureza e, por conseguinte, alterar o cenário de
degradação socioambiental posto na atualidade.
Assim, este artigo tem como objetivo apresentar os desafios às
Ciências Ambientais relativos ao campo da saúde ambiental e de sua
intrínseca relação com os aspectos socioambientais da questão hí-
drica. Para tal, alicerça-se em um levantamento epistêmico sobre a
temática no campo da temática hídrica e da saúde ambiental.

51
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

RECURSOS HÍDRICOS NO CONTEXTO SOCIOAMBIENTAL

A intrínseca relação entre recursos hídricos e saúde ambiental é ní-


tida ao compreender os diversos significados e funções da água no
ambiente e na sua relação com a sociedade.
Como recurso natural, a água é componente fundamental para os
seres vivos e para a manutenção dos ecossistemas terrestres e aquá-
ticos, fazendo parte de um todo sistêmico, alimentando os biomas
das zonas temperadas e tropicais, envolvendo e/ou participando de
diversos ciclos biogeoquímicos.
Sobre o aspecto cultural, desde os tempos antigos, a água é car-
regada de simbolismo em várias religiões e em diferentes crenças,
permeando o imaginário coletivo, seja considerando-a como com-
ponente sagrado, seja como fonte de vida e/ou provedora de recur-
sos para a sobrevivência do próprio homem.
Enquanto componente da paisagem, a água é um elemento físico
que interliga biosfera, hidrosfera, atmosfera e litosfera, condicio-
nado a vida animal e vegetal. Sob o aspecto geomorfológico, atua
como agente modelador do relevo terrestre e no comportamento
de solos e rochas, conforme afirma Coelho Netto (2005, p. 93).
A água constitui um dos elementos físicos mais importantes na
composição da paisagem terrestre, interligando fenômenos da
atmosfera inferior e da litosfera, e interferindo na vida vegetal-
-animal e humana, a partir da interação com os demais elemen-
tos do seu ambiente de drenagem.

Em termos hidrológicos, a água interage com os geossistemas do


sistema Terra, circulando entre eles em seus diferentes estados físi-

52
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

cos, sustentando a biomassa vegetal e animal, incluindo o homem


e suas construções antrópicas.
Em relação à função técnica, as águas têm sido utilizadas pelo ho-
mem para a geração de energia, irrigação, diversos usos industriai,
agrícola e comerciais, além dos usos pessoais e domésticos diários.
Sobre as funções que a água exerce, Zinato (2005, p. 630), sinteti-
za algumas:
A água é um elemento altamente mobilizador. Relacionado di-
retamente com a saúde, com a vida e com o lazer do ser huma-
no, carrega em si diferentes mensagens, sejam elas meramente
técnicas, sejam religiosas, culturais ou emocionais... Pode-se di-
zer que a água é um elemento que contribui para a construção
da identidade da imagem de um lugar, tornando-o singular entre
tantos outros.

É importante considerar que o termo água refere-se ao elemento


natural, desvinculado de uso, e o termo recurso hídrico está
relacionado com a água enquanto bem econômico passível de uso
pela sociedade em diferentes formas, a exemplo da geração de
energia, irrigação, dessedentação, etc. (REBOUÇAS et al, 2006).
Independente da distribuição quantitativa ou qualitativa, as águas
podem ser classificadas quanto a sua natureza de utilização em
consuntivas, não consuntivas e local (REBOUÇAS, 2006; TUNDISI,
2005). Os usos consuntivos referem-se aos usos que retiram a água
de sua fonte natural diminuindo suas disponibilidades quantitati-
vas, espacial e temporalmente – a exemplo da dessedentação e da
agricultura. Os não-consuntivos referem-se aos usos que retornam
à fonte de suprimento, praticamente a totalidade da água utilizada,

53
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

podendo haver alguma modificação no seu padrão temporal de dis-


ponibilidade quantitativa – a exemplo da geração de energia, nave-
gação, piscicultura. Por fim, os usos locais referem-se aos usos que
aproveitam a disponibilidade de água em sua fonte sem qualquer
modificação relevante, temporal ou espacial, de disponibilidade
quantitativa, como na conservação de banhados.
Vale ressaltar que apropriação das águas nos remete ao processo
histórico de ocupação do país:
É evidente que, no decorrer da história, os diferentes grupos
sociais que aqui se faziam presentes apropriaram-se, cada um
à sua maneira, e de acordo com seus propósitos, dos cursos
d’água e dos recursos que estes lhe ofereciam. Essa apropriação
plural, conduzida por motivações culturais e econômicas, varia-
das e amiúde antagônicas, persiste na atualidade, acarretando,
com relativa freqüência, conflitos sociais de maior ou menor
monta... Da mesma forma, cada segmento social elaborou re-
presentações e significados próprios relativamente aos rios e os
emprega ainda hoje na luta pela afirmação de seus interesses e
identidades grupais (QUEIROZ, 2006, p. 734).

Estes usos denotam o caráter eminentemente socioambiental das


águas, pois é, ao mesmo tempo, um recurso da natureza e base indis-
pensável do desenvolvimento da sociedade. Em outras palavras, a água
exprime a relação direta e indissociável entre sociedade e natureza.
Ao mesmo tempo, compreende-se que para analisar a temática hí-
drica em um contexto integrado das Ciências Ambientais deve-se
tomar como pressuposto o fato de que há uma intrínseca relação
entre os condicionantes ambientais de um determinado espaço
geográfico que irão determinar o potencial e a vulnerabilidade hídri-
ca local, e a sociedade ali instituída, cujas condições de vida, estru-

54
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

tura institucional, econômica, cultural e política irão, em conjunto,


determinar os usos e/ou desuso das águas.
As deficiências, em termos de gestão hídrica, que perpassa pelo
entendimento político das prioridades no uso dos recursos hídrico,
gera desperdícios nas cidades pela falta de investimentos regulares,
superexploração hídrica no campo em função do agronegócio e da
irrigação, má distribuição e escassez em áreas pauperizadas.
Em concordância com Ribeiro (2008), a deficiência político-institu-
cional da gestão da água gera problemas na saúde de milhões de
pessoas em todo o mundo, seja a partir do consumo da água con-
taminada pela ausência de saneamento adequado, seja por ser um
meio de reprodução de determinados vetores e/ou hospedeiros.
O retorno e/ou surgimento de doenças de transmissão hídrica, por
exemplo, a dengue, a esquistossomose, a leptospirose, as geohel-
mintíases, dentre outras, tem afligido a população mundial e apre-
senta, muitas vezes, um certo padrão espacial que pode estar as-
sociado às variações climáticas (que afeta o ciclo reprodutivo e de
dispersão de vetores de certas doenças), aos processos de degra-
dação de habitats naturais dos agentes epidemiológicos, como
também podem apresentar grande relação com o nível de renda da
população, acometendo em maior grau a população mais carente e
mais vulnerável ao processo de saúde-doença.
Nota-se, portanto, o leque de inter-relações e de estudos interdisci-
plinares que devem envolver a temática hídrica sob o olhar das Ciên-
cias Ambientais, seja como fonte de pesquisa e proposições para o
suprimento das necessidades básicas, seja como elo entre a saúde
ambiental de vida da coletividade.

55
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

UM OLHAR PARA A SAÚDE AMBIENTAL

Para as Ciências Ambientais, compete a este campo do saber anali-


sar as demandas socioambientais visando formular políticas públi-
cas voltadas para a gestão ambiental que integre tanto os processos
sociais, quanto naturais e tecnológicos.
Neste viés, deve-se ter clareza da complexidade que envolve a in-
terface homem / ambiente e, por conseguinte, saúde / ambiente.
Apresenta-se, portanto, o horizonte de pensar na saúde ambiental.
Para Leff (2009, p. 318):
... a saúde ambiental define um novo campo de relações interdis-
ciplinares, na qual deverá forjar-se uma nova ética da vida e um
conceito renovado de saúde, onde deverão firmar-se novos pro-
fissionais, capazes de conduzir as políticas ambientais, de saúde
e de desenvolvimento, com o propósito de melhorar a qualidade
de vida dos povos da America Latina e do mundo inteiro.

A saúde ambiental, é definida como


...todos aqueles aspectos da saúde humana, incluindo a qualida-
de de vida, que estão determinados por fatores físicos, químicos,
biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também
se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar
aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam
prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras (WHO, 1993).

Para Teixeira (2012), a prática da saúde ambiental compreende pes-


quisas que estudam o impacto do ambiente sobre a saúde das popu-
lações e que executam ações de prevenção e controle para reduzir
ou eliminar este impacto. Este ramo do conhecimento é multidisci-
plinar e comporta uma infinidade de abordagens e articulações in-
terdisciplinares, inerente ao campo das Ciências Ambientais.

56
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

De acordo com Brasil (2009, p.223)


A saúde ambiental compreende a área da saúde pública respon-
sável pela formulação de políticas públicas subsidiada pelo co-
nhecimento técnico-científico, voltadas para as intervenções re-
lacionadas ao controle de fatores ambientais no firme propósito
de melhorar a qualidade de vida do ser humano. Esta área no
SUS adota o conceito ampliado de saúde inscrito na Constitui-
ção Brasileira de 1988 para uma pratica social, considerando a in-
terdependência e a complexidade dos fatores socioeconômicos
e demográficos com os conflitos decorrentes de sua interação
com o ambiente.

Neste ínterim, faz-se importante a definição do conceito de saúde.


Embora apresentando várias definições, o conceito de saúde mais uti-
lizado é o da OMS (1946) que a defini como “um estado de completo
bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência
de doença ou de enfermidade”.
Assim sendo, os condicionantes socioambientais que circundam a rea-
lidade do indivíduo, e da comunidade na qual está inserido ganham
peso, visto que interfere ao tempo em que podem ser determinantes
na proliferação e/ou prevalência de enfermidades no ambiente.
Outro conceito que merece destaque é o de saúde coletiva. Assim,
a saúde coletiva está ligada ao estado de saúde de uma população,
sendo um direito garantido na Constituição Federal Brasileira de
1988, em seus artigos Art.196 e 197, nos quais registram e asseguram
que a saúde além de ser um direito de todos e um dever do Estado.
Portanto, o conceito de saúde deve abarcar tanto o componente cole-
tivo, a saúde coletiva, quanto extrapolar para o universo dos condicio-
nantes do meio no qual o indivíduo está inserido, a saúde ambiental.

57
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Este olhar integrado para o campo da saúde ambiental sob a pers-


pectiva das Ciências Ambientais deve ter como meta a superação
das injustiças ambientais3 (ZHOURI, 2008), pois existe uma associa-
ção direta entre ocorrência e prevalência das doenças negligencia-
das, por exemplo, em regiões periféricas e de baixo poder aquisitivo
que estão fortemente associadas à precariedade de saneamento,
assistência social e qualidade ambiental.
Tal realidade, ratifica as ponderações de Pellegrini Filho e Buss (2011,
p. 589) ao afirmar que: “Na realidade, de há muito se sabe que a dis-
tribuição da saúde e da doença nas populações não é aleatória e que
obedece à estratificação socioeconômica dos grupos populacionais”.
Assim, como desafio às Ciências Ambientais, para compreender o
processo saúde-doença a partir do enfoque multicausal, extrapo-
lando para o universo da complexidade, os componentes políticos,
sociais, econômicos, ambientais, educacionais e culturais devem ser
mensurados, avaliados e associados com a existência e atuação dos
serviços de atenção básica. Para tanto, a abordagem inter e multi-
disciplinar é chamada ao debate.
Também se faz necessário rever o entendimento do concei-
to dos processos que desencadeiam determinada doença. Para
Valadares e Lima (2015, p.461) um dos conceitos mais utiliza-
dos na prática sobre a relação saúde-doença visualiza ainda que

3 Por injustiça ambiental, compreende-se ações, projetos, políticas públicas, dentre outros,
que, ao serem implementados, imputam riscos e danos às camadas mais vulneráveis da
sociedade.

58
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

...a saúde centra-se no padrão biomédico, bem como nas medi-


das hospitalocêntricas, que não agregam nenhum fator psicos-
social ao tratamento, por enfatizarem apenas a doença em si,
controlando-a para que o indivíduo retroceda ao estado de não
doença. Mas, o paciente apenas analisado e considerado à ótica
de sua patologia tem sua dignidade, potencialidades, respon-
sabilidade e diretos sociais, um a um, negligenciados. Ora, da
saúde não pode ser entendimento unicamente como processo
patológico, na medida em que indubitavelmente existem aspec-
tos biopsicossociais.

Considerando estes aspectos, há necessidade de se rever o modelo


biomédico, centrado na doença e ampliar a leitura para o compo-
nente social e ambiental, integrando a tríade dos estudos no cam-
po da geografia da saúde, que, segundo Pickenhayn (2009, p.16),
abrange três questões fundamentais:
... la salud, el ambiente y la sociedad. Ciências de vocación so-
cial ambas, la geografia y la medicina comparten este plexo
enel que miríadas de filamentos enlazados originan una malla
sensitiva. Una especialidad de cada una de ellas, la geografia
de la salud y la epistemiolgia, respectivamente, generan esta
suerte de proyección cruzada: eles pacio como tema médico,
por um lado; la salud como tema geográfico, por el outro. Esta
super posición, empero, está lejos de ser um obstáculo. Enel
presente, la transdisciplinariedad permite que cada tema ge-
nere su próprio perfil de ciência...

De acordo com Buss e Pellegrini Filho (2007), esta discussão sobre


os componentes que são determinantes do processo saúde-doença
tem sido ampliada tanto na literatura nacional, como internacional,
principalmente nas últimas décadas, culminando com a difusão e
ampliação das pesquisas sobre os Determinantes Sociais de Saúde
(DSS). Para os autores:

59
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Esse avanço é particularmente marcante no estudo das iniquida-


des em saúde, ou seja, daquelas desigualdades de saúde entre
grupos populacionais que, além de sistemáticas e relevantes,
são também evitáveis, injustas e desnecessárias (WHITEHEAD,
2000). As diversas definições de determinantes sociais de saúde
(DSS) expressam, com maior ou menor nível de detalhe, o con-
ceito atualmente bastante generalizado de que as condições de
vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão
relacionadas com sua situação de saúde. Para a Comissão Nacio-
nal sobre os Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), os DSS
são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psi-
cológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de
problemas de saúde e seus fatores de risco na população (BUSS
e PELLEGRINI FILHO, 2007, p.80).

Áreas ambientalmente vulneráveis podem ser agravadas por


processos de expansão urbana desordenada que trazem em seu bojo
acesso limitado a saúde, educação, sistema de saneamento eficiente
e que podem repercutir sobre vulnerabilidades sociais, criando
vulnerabilidades socioambientais, conforme apontam Hogan et. al.
(2001), Mendonça (2011 ,2008) e Garcias e Sanches (2009).
A relação entre recursos hídricos, alterações ambientais e saúde am-
biental é notória desde a antiguidade, podendo causar impactos de
forma direta ou indireta. Várias doenças têm sua origem e mecanismos
de proliferação neste tripé, principalmente as relacionadas com a
transmissão via vetores (febre amarela, malária, dengue, etc.), hos-
pedeiros intermediários (esquistossomose) ou de veiculação/trans-
missão hídrica (amebíase, cólera, micoses, leptospirose, etc.), cuja
morbidade é considerada alta no Brasil, acometendo em muitos ca-
sos, a população mais vulnerável do ponto de vista socioeconômico
(CONFALONIERI, 2003; BARCELLOS, 2009).

60
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Em muitos países, estas doenças infecto-contagiosas não represen-


tam um problema de saúde pública. No entanto, no Brasil, constata-
-se um processo de transição epidemiológica tardia e ainda em curso,
pois as doenças infecciosas ainda figuram no cenário nacional con-
comitante com as crônico-degenerativas, demonstrando que as fra-
gilidades ambientais e os impactos da urbanização excludente ainda
repercutem de maneira negativa sobre a população, acometendo
principalmente aqueles de mais baixa condição socioeconômica.
De acordo com Brasil (2014), a proporção de óbitos por doenças in-
fecciosas no Brasil entre os anos de 1930 a 2010 reduziu de 50% para
menos de 5%, embora este valor possa chegar a porcentagem de 10%,
visto que alguns óbitos são classificados em outros capítulos da CID.
Essa mesma taxa se aplica às internações hospitalares. Parte desses
óbitos e hospitalizações tem como causa algumas doenças infeccio-
sas crônicas, como a tuberculose e a AIDS e outra parte relaciona-se
às doenças negligenciadas da pobreza, como a esquistossomose, a
doença de Chagas, as leishmanioses e outras.
Tais casos, estão fortemente associados com a qualidade socioam-
biental dos espaços nas quais prevalecem, demonstrando possibili-
dades em pesquisa associando as Ciências Ambientais com a saúde
ambiental visando contribuir com políticas públicas efetivas para o
sistema de atenção em saúde que vise superar tanto as injustiças am-
bientais quanto promover a qualidade de vida.

61
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante das bases teóricas apresentadas constata-se o caráter eminen-


temente interdisciplinar, sob uma perspectiva socioambiental, dos
desafios atuais a recente área das Ciências Ambientais.
Ao discorrer sobre a relação entre recursos hídricos e saúde ambien-
tal, constata-se a intrínseca relação entre sociedade e natureza, seus
infortúnios e a gritante necessidade de rever os modelos políticos ins-
titucionais vigentes.
Desta forma, esforços integrados na compreensão da saúde ambien-
tal associada com a dimensão socioeconômica ainda é um campo vas-
to para estudos, pesquisas e proposições que possam contribuir para
uma efetiva alteração do cenário de injustiças ambientais vigente.
Por fim, merece destaque que, para a consolidação da área das Ciên-
cias Ambientais, o diálogo entre diferentes esferas do saber, bem
como entre diferentes instituições, se faz necessário, visto que,
como fora abordado, a contribuição de diferentes campos do saber,
com suas especificidades, pode em conjunto buscar soluções aos
desafios atuais para a problemática ambiental (e socioambiental) na
qual vivemos na atualidade.

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62
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

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63
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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64
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

ZHOURI, Andréa. Justiça ambiental, diversidade cultural e accountability.


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65
Discursos sobre natureza na
publicidade: uma reflexão sobre
a construção de sentidos

Florisvaldo Silva Rocha1


Rosana de Oliveira Santos Batista2

INTRODUÇÃO

O homem, cada vez mais e mais rapidamente que em qualquer ou-


tro período da sua existência, vem alterando, em níveis ampliados
de escalaridade, o meio ambiente. Estão em curso alterações de
proporções globais em consequência de uma intensiva ação de ex-
ploração dos recursos naturais atrelada a uma cultura do consumo
em detrimento de uma cultura da sustentabilidade.

1 Prof. Dr. do Mestrado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais -
MPROF-CIAMB e do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe, DED/
UFS. E-mail: flory_rocha@hotmail.com.
2 Profª Drª do Mestrado Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais -
MPROF-CIAMB e Departamento de Geografia da Universidade Federal de Sergipe DGE/UFS.
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Na atualidade, muitas questões ambientais inundam os noticiários


e põem na ordem do dia, problemas que demandam soluções por
vezes urgentes. Como reflete Camargo,
[...] podemos hoje apontar inúmeros fatores que endossam o
caráter insustentável da sociedade contemporânea, dentre eles
o crescimento populacional em ritmo acelerado, o esgotamen-
to dos recursos naturais, um conjunto de valores e comporta-
mentos centrados na expansão do consumo material e sistemas
produtivos que utilizam processos de produção poluentes (CA-
MARGO, 2003, p. 13).

Há cem anos, não tínhamos clareza dessa insustentabilidade, em-


bora marchássemos resolutos em sua direção. A problemática da
produção e da destinação do lixo, há um século, não ecoava nas es-
colas, nos grandes jornais ou nas reuniões sociais, embora a indus-
trialização, como modelo de exploração e produção, era o desenvol-
vimento ideal alardeado. Da mesma forma, encontrava-se ausente
da ordem do dia a atual crise dos recursos hídricos, apesar de a so-
ciedade do início do século XX navegar em direção à industrialização
e seu consequente estilo de vida poluidor das águas. Seria, também,
inimaginável naquele período a discussão dos gases de efeito estufa
e do aquecimento global nesse movimento de industrialização do
Brasil. Hoje, porém, toda essa problemática noticiada pela mídia
diariamente, compõe a pauta das questões e discussões ambientais
que merecem atenção dos governos e da sociedade civil.
Decerto, isso é fato e, como tal, põe à mesa dos debates emergen-
tes, questões socioambientais que dizem respeito a como o homem
vem estabelecendo relações consigo, com os outros homens e com
o meio à luz desse modelo capitalista. Tudo perpassa pela questão

67
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

dos sentidos e significados que os grupos sociais atribuem a essas


questões, ou seja, quais valores lhes dão. O mundo é, então, um
reflexo dos sentidos que atribuímos a ele. Segundo Steinberger
(2005), não podemos falar em um mundo no singular, pois “O
mundo é uma imagem do mundo, é uma aparência despida de
essência; o mundo é um conceito sem referente, é puro significante”
(STEINBERGER, 2005, p.18). Em outras palavras, há tantos mundos
quantas possibilidades tivermos de imaginá-lo.
Partindo desse raciocínio, entende-se que a importância que as socie-
dades vão dar às questões do meio ambiente, tem muito a ver com
o fato de como elas são levadas a pensá-lo a partir de uma lógica de
produção de significados atribuídos ao meio ambiente. É, então, o sis-
tema de referência, ou seja, o paradigma, que constrói o mundo.
Os paradigmas vêm sendo substituídos ao longo dos tempos à me-
dida que a sociedade ruma à globalização. A humanidade construiu
explicações de si mesma e de sua existência a partir de diferentes
referenciais paradigmáticos e, a partir daí, respondeu, também, di-
ferentemente as questões em períodos distintos ao longo da sua
história. O que é o mundo? Quem somos nós nesse mundo? Essas
e outras muitas questões, incluindo às relativas ao meio ambiente,
foram e são respondidas pela humanidade a partir de um sistema de
referência que ela utiliza para se autorreferenciar e fundamentar o
mundo em que vive.
Na Idade Média, foi o pensamento religioso que fundamentou os
argumentos responsáveis por nos afirmar o que era o mundo, quem
éramos nós nele e, consequentemente, a visão de natureza que de-
víamos ter e, também, qual o nosso papel a desempenhar durante a

68
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

vida. Após séculos de paradigma religioso, o pensamento científico


encontrou um nicho, vicejou e se impôs sobre os argumentos sus-
tentados pela religião e, em menos de meio milênio, produziu uma
transformação no espaço social e em suas relações de produção,
muitíssimo superiores às que a humanidade havia experienciado em
toda a sua história.
A discussão surge que a visão de mundo predominante na Eu-
ropa feudal era orgânica e que, apesar da hegemonia da Igreja
Católica nas diferentes escalas da vida, a ordem natural ainda
regulava a vida em geral. A tensão entre percepções da natureza
como integrada e espiritual e visões da natureza como entidade
externa e matemática, projeto racional da Criação, desembocou
vivida na Europa Moderna (CIDADE, 2001. p. 107).

O paradigma científico da modernidade, então, substituiu o religio-


so como fundamento para responder o que era o mundo. A domina-
ção da natureza foi aceita por todos, enquanto externa no reino dos
objetos estando fora da sociedade e matéria-prima da qual a ela foi
construída. Mais que qualquer outro acontecimento conhecido, a
emergência do capitalismo industrial é responsável pelo surgimento
das visões sobre a natureza. Assim, essa experiência elimina concep-
ções antigas e incompatíveis da natureza fazendo com que novas
visões se apresentem.
Apesar de o fundamento comum na experiência da natureza, a
concepção de natureza é extremamente complexa e muitas vezes
contraditória, pois é vista como a ordem e desordem, o sublime e o
secular. Extremamente dominada numa totalidade e série de partes
é vista, sobretudo, como organismo e/ou máquina. Esse elenco de
concepções da natureza, todos esses significados sobrevivem hoje,

69
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

mas, mesmo em sua complexidade, eles são organizados em um


dualismo essencial que domina a concepção da natureza.
Os tratamentos ecológicos da sociedade humana situam a espécie
humana como uma entre muitas na totalidade da natureza. Em con-
tradição à concepção exterior da natureza, a concepção universal não
são inteiramente conciliáveis, pois ao mesmo tempo que a natureza
é considerada exterior à existência humana, ela é simultaneamente
tanto exterior quanto interior. A ciência contemporânea vem empre-
gar um discurso universal da natureza sem o cunho religioso. Assim,
desde Darwin, tornou-se comum considerar a natureza um sistema e
o ser humano como parte dessa totalidade.
As atitudes sociais diante dos problemas ambientais dependem da com-
preensão que a sociedade tem de si e de mundo. O que é o mundo? O
que é mesmo a natureza? Quais significados damos a ela no mundo e
como construímos tais significados? A resposta a essas e outras pergun-
tas posicionam as atitudes sociais que devem ser tomadas.
O referencial decisivo para auferir significados e possíveis respostas
a estas questões, não é mais a religião e cada vez menos a ciência,
desde a metade do século XX essa função compete à mídia. Ela é que
desempenha um papel hegemônico na formação da opinião pública
e nos fornece as imagens referenciais de mundo, homem e natureza.
Quando falamos em mídia devemos pensá-la como conjunto de
meios, suas categorias, seus gêneros, formatos e todos os seus pro-
dutos, como criadores de materialidade. Pois,
[...] cada produto, seja ele um vídeo, um capítulo de novela, um
filme, um desenho animado, um comercial, uma reportagem
etc., este é visto como “materialidade discursiva”, como gera-

70
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

dor e veiculador de discursos, como tecnologia de informação.


E, sendo assim, um constituidor de sujeitos sociais. (FISCHER
apud AMARAL & CONCEIÇÃO, 2013, p. 04).

Somos constituídos pelos discursos repletos de significados da mí-


dia. São “textos de circulação social” (MARCONDES et al, 2000, p.11),
produzidos e disseminados pela mídia que coproduzem o cotidiano
das pessoas, chegando mesmo a constituir-se em uma “ cultura da
mídia” (KELLNER, 2001). Segundo este autor:
Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espe-
táculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o
tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamen-
tos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam
sua identidade (KELLNER, 2001, p.9).

Se, por um lado, os noticiários inundam-nos de informações alar-


mantes e catastróficas que tem como base o desequilíbrio ambien-
tal, por outro lado, na mesma esfera midiática, a publicidade, dissi-
muladamente imparcial a todas essas questões ambientais, produz
discursos e narrativas visando garantir a propagação das suas men-
sagens, as quais vão muito além dos interesses de mercado. Através
do seu discurso “[...] afluem, assim, algumas das figuras pregnantes
dos imaginários socioculturais. Esse discurso nos confronta com o
curioso paradoxo que preconiza que o consumidor deve ser fabri-
cado ao mesmo tempo e talvez antes do próprio produto” (SOULA-
GES, 1996, p. 142).
Podemos, seguindo esse raciocínio, afirmar que a publicidade ope-
ra, então, através de seus discursos e narrativas como referência na
produção de significados sobre a relação sociedade-natureza-meio
ambiente e de todas as questões que lhes envolvem, nesse mundo

71
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de consumismo. Algumas questões têm suscitado reflexões mais


aprofundadas sobre as transformações paradigmáticas e as diferen-
tes visões de mundo e de natureza na sociedade.
O que dizem os estudos acadêmicos que investigam as representa-
ções de natureza a partir da publicidade no Brasil? Quais questões
centrais nesses estudos, podem revelar as estratégias de legitima-
ção discursiva dessas representações?
Sendo assim, buscou-se aqui abordar, sem pretensão de esgotar, a
temática das representações da natureza, a partir dos discursos e nar-
rativas enquanto referência sobre a relação sociedade-natureza-meio
ambiente e, para além, em estudos acadêmicos desenvolvidos no Brasil
cujos focos concentram-se nas categorias: ‘animais’ e ‘higiene’, dentro
da publicidade brasileira, disponíveis por sistema de busca na internet.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Trata-se aqui de uma pesquisa bibliográfica que, segundo Marconi e


Lakatos (2010, p. 12), consiste em “um apanhado geral sobre os prin-
cipais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem
capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com
o tema”. Dessa forma, o levantamento de informações em teses,
dissertações, artigos, anais e livros possibilitou compreender a pro-
blemática teoricamente, evitar erros cometidos em trabalhos an-
teriores e a duplicação de trabalhos. Ademais, configurou-se como
aporte para as indagações do pesquisador.
Segundo Fonseca (2002),

72
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

[...] é feita a partir do levantamento de referências teóricas já


analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como
livros, artigos científicos, páginas de web sites. Qualquer tra-
balho científico inicia-se com uma pesquisa bibliográfica, que
permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou sobre o
assunto. Existem porém pesquisas científicas que se baseiam
unicamente na pesquisa bibliográfica, procurando referências
teóricas publicadas com o objetivo de recolher informações ou
conhecimentos prévios sobre o problema a respeito do qual se
procura a resposta (FONSECA, 2002, p. 32).

Para outro autor Gil (2002), a pesquisa bibliográfica tem em foco


investigações sobre ideologias ou, ainda, propõem à análise das di-
versas posições acerca de um mesmo problema. Foi realizado, en-
tão, aqui, um levantamento bibliográfico referente a discussão da
relação sociedade; natureza; meio ambiente e mídia, que pudesse
ser encontrado em estudos que envolvem a discussão das represen-
tações da natureza pela publicidade brasileira, com foco nas catego-
rias: animais e higiene.
Tal estudo dispensou a visita às bibliotecas, pois, utilizou-se de siste-
ma de busca na internet, para acessar os estudos desejados. Gil (2002)
aponta ainda, sobre a possibilidade desse tipo de pesquisa que,
Tradicionalmente, o local privilegiado para a localização das fon-
tes bibliográficas tem sido a biblioteca. No entanto, em virtude
da ampla disseminação de materiais bibliográficos em forma-
to eletrônico, assume grande importância a pesquisa feita por
meio de bases de dados e sistemas de busca (GIL, 2002, p.68).

As transformações ocorridas ao longo da história nas tecnologias


de informação e de comunicação (TIC) estão, também, reorganizan-
do o espaço da pesquisa bibliográfica e garantindo a sua expansão,
através de sistemas de busca rápida pela internet. As buscas nesses

73
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tipos de sistemas são realizadas através de palavras-chave as quais


devem nortear a pesquisa do buscador. Nesse sentido, foi utilizado
o sistema de busca Google, que representa ser o principal sistema
de busca rápida hoje e as palavras-chave para as buscas foram: Re-
presentações – Natureza – Publicidade – seguidas das palavras cujas
categorias se intencionaram pesquisar os trabalhos desenvolvidos
disponíveis. As categorias de pesquisa escolhidas foram: ‘animais’ e
‘higiene’3. Na categoria ‘animais’, as palavras-chave de busca foram
então REPRESENTAÇÕES – NATUREZA – PUBLICIDADE – ANIMAIS, e
na categoria higiene foram: REPRESENTAÇÕES – NATUREZA – PUBLI-
CIDADE – HIGIENE.
Após essa etapa, foram feitas discussões com base nos conteúdos
norteadores das pesquisas encontradas. Utilizamos como chave de
entendimento a complexidade do pensamento na relação socieda-
de-natureza. Esta vai nortear nossa discussão, visando fomentar ca-
minhos nos descaminhos promovidos pelo paradigma moderno nos
tempos atuais. Assim, foram adotadas técnicas de análise qualitati-
va com o objetivo de realizar a leitura analítica, acerca da chamada
crise civilizacional proferida pelos meios de comunicação como dis-
cussão num novo paradigma científico remonta uma crise ambiental
em um mundo globalizado e superpovoado cada vez mais comple-
xo. Essa é uma das facetas de uma crise mais geral da humanidade;

3 A escolha dessas duas categorias em detrimento de outras (alimentação, limpeza, saúde,


gênero, e etc.) deu-se em decorrência de uma discussão em sala de aula sobre a temática
em questão na qual os participantes alegaram serem essas, na visão deles, as categorias
mais visíveis no jogo das representações de natureza na publicidade.

74
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

crise essa que vem sendo já há algum tempo abordada em detalhes


pela comunidade científica.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os discursos que se têm feito sobre as diversas visões de natureza, nas


últimas décadas, traz à tona a passagem de um discurso sobre uma
crise denominada ambiental. Nas últimas décadas, têm sido marcadas
como passagem de uma crise indicada como “crise de nosso tempo”.
Crise denominada de formas diferenciadas conforme enfoques esta-
belecidos: crise histórica, crise da razão, crise da civilização, crise am-
biental. Leff afirma que “a crise ambiental se apresenta como limite do
real”, reflete-se nesse momento, o discurso de ambiente que concebe
estratégias de (re)apropriação do mundo e da natureza nos meios de
comunicação (Leff, 2009. p. 5).
Os rumos que a humanidade tomou parecem estar na gênese
dessa crise ambiental e atualmente é a mídia que assume esse
sistema de referência.
Embalada pela indústria cultural que, por sua vez, vem sendo be-
neficiada pela ascensão das tecnologias móveis digitais e, também,
pela crescente democratização do acesso a essas tecnologias, é a
mídia que fundamenta as respostas àquelas mesmas questões hoje.
É ela que se encarrega nessa determinada ordem mundial, de nos
entreter, mostrar e informar todas as coisas, inclusive quem somos
e o que é o mundo.

75
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Na busca envolvendo a categoria ‘animais’, foram garimpados dois


trabalhos, ambos, do mesmo autor. O primeiro, intitulado “Animais
e pessoas: as categorias de natureza e cultura nos anúncios publici-
tários” 4, corresponde a um artigo, baseado em pesquisa sobre as
narrativas publicitárias envolvendo animais e pessoas. O segundo
com o título “Representações do consumo: Estudos sobre a narra-
tiva publicitária”5, corresponde a um livro contendo cinco capítulos,
no qual o primeiro deles, sob o título “Animais e pessoas” repete
a mesma discussão encontrada no primeiro artigo. Como as duas
obras são do mesmo autor e tratam das mesmas questões, ambas
objetivando “discutir as razões da presença recorrente dos animais
nos anúncios” (ROCHA, 2005, p, 21), e também “a razão da recorrên-
cia da publicidade em criar nos anúncios, em seu interior, um espaço
propício para a interação social” (Idem, p.22), aqui será feita refe-
rência, apenas, ao primeiro artigo.
Em “Animais e pessoas: as categorias de natureza e cultura nos anún-
cios publicitários”, o autor parte da ideia de que o significado de um
anúncio, enquanto fato cultural é de domínio público e que o estudo
da publicidade eleva o seu mérito quando a sua interpretação é reali-
zada baseada no discurso dos atores sociais (ROCHA, 2005).
Com esse entendimento, em seus estudos, foram entrevistados
dois publicitários, duas estudantes de ensino médio, uma dona de
casa, um executivo, uma psicóloga e um porteiro, mostrando assim

4 Trabalho apresentado à Revista Alceu, volume.6, n.11 no ano de 2005.


5 Livro publicado pela editora Mauad no ano de 2006, cujas referências encontram-se no
final.

76
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

o caráter heterogênio dos sujeitos da pesquisa, que são denomina-


dos ‘informantes’. O estudo buscou perceber desses ‘informantes’,

[...] em que termos essas duas categorias são lidas nos anúncios.
Quais os padrões e os pensamentos que estão associados a elas
nos anúncios. E, finalmente, como a publicidade, humanizando
espécies naturais, humaniza, num mesmo gesto, os produtos
e, por outro lado, como, ao inserir estes mesmos produtos em
redes de relações sociais e em cotidianos ritualizados, reforça
ainda mais esta humanização (ROCHA, 2005, p. 23).

Nesse jogo de humanização da natureza não humana, a publicidade


como um importante elemento da mídia, encarrega-se de dar senti-
dos e fornecer significados, que nos orientam a responder sobre o
mundo e, também, sobre todas as coisas, como uma porta voz da
verdade, com valor social reconhecido por um conjunto de legitima-
ções. Afirma Steinberger (2005):
É no próprio espaço da mídia que se estabelece o valor social de
uma imagem de mundo como informação e como resposta, isto
é, qual valor a sociedade irá consignar a essa imagem de mundo
numa situação de troca. Isso se dá porque a mídia legitima, de
um lado, o indicado para responder à pergunta, assim como
sua resposta. De outro lado, legitima também a pergunta e o
perguntador. Desse modo controla os meios de produção de
sentido e valor da informação tanto na fonte quanto na inserção
numa práxis social (STEINBERGER, 2005, p.19).

Tendo esse raciocínio como referência, então, entende-se que a mí-


dia age educativamente no estabelecimento das formas como nos
relacionamos, atribuímos significados e negociamos nossa relação
com o meio-ambiente e a natureza. À medida que a mídia produz
imagens e significações do meio-ambiente, ela opera com uma fun-

77
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ção educativa, estabelecendo as referências (modos de ser e estar)


na cultura. Ou seja, ela nos ensina o que é meio-ambiente e quais
devem ser nossas ações nele e para com ele.
O anúncio publicitário partindo desse raciocínio,
[...] ele fornece um mapa de localizações, um catálogo de nomes,
uma sinalização de posições, um roteiro de sentidos que empres-
tam conteúdo aos gêneros de produtos, fazendo deles marcas
específicas dotadas de função, lugar, significado. É este sistema
publicitário que opera, transmitindo informação básica e susten-
tando um saber sobre produtos. É assim que se elege em instru-
mento seletor e ordenador do mundo dos bens: introduzindo
nuances e particularidades no domínio da produção e, reciproca-
mente, diferenças e semelhanças nos grupos de seres humanos,
situações, estilos e estados de espírito do domínio do consumo.
o discurso publicitário humaniza as espécies naturais e, num mes-
mo gesto, humaniza produtos e serviços” (ROCHA, 2005, p. 29).

Nos anúncios publicitários, os animais desempenham ações e com-


portamentos humanos, “[...] eles falam, compram, usam produtos.
Eles, de fato, são consumidores. Eles são muito humanos, não são na-
tureza no anúncio. Natureza no anúncio é o produto, representante
da dimensão não-humana típica da produção (ROCHA, 2005, p.30).
Exercendo o papel de ‘operador totêmico’, a publicidade opera uma
representação variável de natureza, cuja plasticidade presta-se ao
exercício da classificação. Diz Rocha (2005) “[...] quando a natureza
é representada por tigres e leões, ela adquire o conteúdo de feroci-
dade, força, resistência, selvagem, porte, lindo, maravilhoso, garra.
Quando natureza é pássaro, seu conteúdo se torna: tranquilidade,
estabilidade, paz, calma” (ROCHA, 2005, p. 34).

78
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Produtos associados a animais sejam eles selvagens predadores


como os felinos aqui citados, sejam eles bichos domesticados, ga-
nham emprestado suas características e qualidades. Nesses anún-
cios, tanto os animais, quanto as naturezas e as paisagens, bem
como os lugares e as relações sociais são, para a publicidade, segun-
do ainda Rocha (2005), possibilidades de representações desde a
produção até o consumo.
Como principal conclusão, o autor aponta que:
A publicidade é um operador totêmico contemporâneo, uma
força ritual permanente, um discurso mágico capaz de, atra-
vés de suas mensagens, introduzir diferenças na produção ar-
ticuladas às diferenças no consumo. Sempre que se pensar na
passagem do não-humano ao humano, do produto à marca, do
seriado ao distintivo, da impessoalidade às relações sociais na
cultura contemporânea, podemos pensar na operação classifi-
catória da publicidade e na importância do estudo sistemático
deste fenômeno como parte do esforço de compreender como
somos (ROCHA, 2005, p. 39).

A publicidade, como categoria da mídia, pensada assim, produz uma


cultura que funciona como referência para que as sociedades atuais
produzam uma imagem de mundo (KELLNER, 2001). Estão contidos
aí os hábitos de consumo, que são construídos a partir desse siste-
ma de referência. Consumir mercadorias está no centro do estilo de
vida contemporâneo e parece representar atitude-fim, a qual todas
as outras atitudes se subordinam.
De forma bem particular, a publicidade é a categoria da mídia que
melhor se enquadra no perfil de fabricação de potenciais consumi-
dores de mercadorias e serviços, mas seguramente consumidores
de significados. Pois, pela forma como se propaga garante a todos

79
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

que tiverem acesso a ela, o consumo das suas mensagens identitá-


rias, e apenas aos que tiverem o capital, o consumo dos produtos ou
serviços veiculados.
Fabricar as ideias que são utilizadas socialmente como referência
sobre todas as coisas, inclusive sobre o meio ambiente e, concomi-
tante a isso, fabricar também os consumidores de tais ideias, essa
é, também, uma clara função da publicidade. Soulages (1996), em
relação a isso, diz que, “Progressivamente, sua onipresença contri-
buiu até para provocar uma espécie de desdobramento da figura do
homo economicus, consumidor sempre hipotético de mercadorias,
mas consumidor efetivo de suas múltiplas linguagens” (SOULAGES,
1996, p. 142). Essas mensagens tornam-se, segundo ainda esse au-
tor, “[...] uma espécie de texto programático que poderá se articu-
lar, seguindo a aplicação dessas regras, como uma certa visão do
mundo” (Idem, p. 144).
Na categoria higiene, a busca fez emergir três trabalhos. O primeiro
deles, um artigo intitulado “O ‘CC’ e a patologização do natural: hi-
giene, publicidade e modernização no Brasil do pós-Segunda Guer-
ra Mundial”, fruto de um trabalho de pós-doutoramento, objetiva
“discutir a relação entre consumo e mudança de hábitos a partir de
novos e variados produtos relacionados à saúde e à higiene, propa-
gandeados como capazes de substituir o natural pelo artificial, pelo
fabricado” (KOBAYASHI; HOCHMAN, 2015, p. 68).
Através de anúncios publicados em revistas de circulação semanal6
a partir da década de 1940 até a década de 1960, os autores ana-

6 As revistas utilizadas como fonte de pesquisa foram O Cruzeiro e Manchete.

80
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

lisaram os discursos de naturalização de produtos de higiene pes-


soal7, proveniente da crescente indústria química, e concomitante
patologização dos odores corporais. Nesse movimento industrial, os
cheiros bucais naturais foram correlacionados a cheiros fortes e de-
sagradáveis, como, por exemplo, o cheiro de cebola e isso deveriam
ser associados pelas pessoas como uma coisa muito ruim, chegando
a ser o “responsável pelo fracasso profissional para os homens e pela
solidão das mulheres” (KOBAYASHI; HOCHMAN, 2015, p.82). Da mes-
ma forma, o suor do corpo e, principalmente, das axilas que até então
eram vistos como naturais e saudáveis, pois representavam uma ação
natural do corpo para eliminar as impurezas, deveriam ser associados
a uma patologia e necessitavam ser tratados com os novos produtos
de higiene. Os autores do artigo apontam que:
A aquisição e o consumo desses novos produtos representavam
mais do que as suas características físicas. Era sinônimo de que
o tradicional, agora associado ao atraso, seria superado pelo
consumo e, principalmente, de que o caseiro e o natural seriam
substituídos – definitivamente – pelo industrial. Tratava-se da
adoção de novos hábitos de higiene e de saúde por intermédio
do mercado. (KOBAYASHI; HOCHMAN, 2015, p.69)

A aspiração nacional a ser considerado um país desenvolvido e mo-


derno, ao tempo em que as grandes indústrias multinacionais bus-
cavam expandir seus mercados no país após a segunda guerra mun-
dial, encontrou na publicidade o elemento capaz de alavancar esse
movimento e estabelecer novos sentidos de higiene do corpo com
força de uma transformação cultural.

7 Os produtos analisados foram o sabonete Lifebouy, o desodorante Odo-ro-no e o detrifrí-


cio Mentasol.

81
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Como conclusão, Kobayashi e Hochman (2015) alegam que:


Essa mudança foi material e cultural. Um episódio em um pro-
cesso mais longo de construção de uma nova sensibilidade mo-
derna, que classificou os odores de acordo com lugares, grupos
sociais e partes do corpo, em uma escala que variava entre a
repulsa e a valorização. A novidade desse período posterior à
Segunda Guerra Mundial, em particular no Brasil das décadas de
1940 e 1950, foi a aliança dessa aspiração pelo bom cheiro arti-
ficial e fabricado associada à industrialização, aos processos de
urbanização, à modernização da imprensa e da publicidade e,
consequentemente, à possibilidade de adquirir saúde embalada
em novos produtos, em uma escala de difusão maior do que nos
períodos anteriores

O segundo trabalho encontrado pela busca na categoria “higiene”, foi o


artigo “Mídia e educação: representações de natureza na publicidade”
8
, que é fruto de uma pesquisa monográfica onde foram investigadas
as estratégias de representação da natureza a partir de cinco peças pu-
blicitárias9 transmitidas pela televisão brasileira entre os anos de 2006 e
2012. O artigo em questão descreve e analisa duas dessas peças10.
Apoiadas na ideia de Stuart Hall de que a representação liga o sig-
nificado e a linguagem à cultura, as autoras entendem que “[...] re-
presentar é produzir significados através da linguagem” (AMARAL;
CONCEIÇÃO, 2013, p.2).
O trabalho sustenta-se na ideia de que o modo como representamos as
coisas forja os seus significados que se fazem circular pela linguagem.

8 Artigo apresentado no VII EPEA (Encontro Pesquisa em Educação Ambiental) na cidade de


Rio Claro – SP, entre 07 e 10 de julho 2013.
9 As peças publicitárias são: Sandálias Ipanema; Coca Cola – Abra a felicidade; linha Ekos da
Natura; produtos de higiene e limpeza Ypê e Danoninho.
10 São analisadas no artigo as peças publicitárias TixanYpê e Natura Ekos.

82
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

É possível entender, então que os artefatos não possuem um


significado em si. É a cultura que acaba lhes dando um real
sentido. E a representação se torna o modo de construção
deste sentido. Uma construção guiada a partir de uma rede
de significações instituída e posta em circulação através da
linguagem (AMARAL; CONCEIÇÃO, 2013, p.3).

Evidencia-se no trabalho o fato de as empresas responsáveis pelos


produtos pesquisados envolverem um alto nível de produção para
associarem tais produtos a elementos da natureza a partir de um
discurso de engajamento com as questões ambientais.
Em 2006, a globalmente conhecida modelo brasileira Gisele Bünd-
chen, desembarca no Xingu para participar de um ritual da chuva e
divulgar a sua sandália Ipanema – Y Ikatu Xingu (“salve a água boa
do Xingu”). Em 2009, a peça publicitária intitulada “Furto” por seus
idealizadores, inaugurou a campanha da Coca-Cola Abra a felicida-
de, também em horário nobre da emissora Globo de televisão, no
intervalo do programa Fantástico. Em 2012, em meio ao grande su-
cesso da novela global Avenida Brasil, a peça publicitária da Natura,
da linha Natura Ekos, em meio a imagens da Floresta Amazônica, de
cidades e do interior do corpo humano anuncia: “Somos Produto
da Natureza”. (AMARAL; CONCEIÇÃO, 2013, p.5).

Sendo apresentados em horário nobre e de forma destacada, as pe-


ças publicitárias utilizaram de várias estratégias para garantir o pro-
cesso de naturalização dos produtos, associando-os a um discurso de
sustentabilidade visando garantir o seu consumo, principal finalidade.
Assistimos a um improvável encontro entre uma bela mulher, um
bosque, carrinho de supermercado e caixa registradora. Em meio
a esse cenário confuso, um produto é anunciado como nosso me-
lhor amigo para lavar roupas. Não só nosso, mas também como o
melhor amigo da natureza. O surgimento desse produto em meio
à abertura dos botões de flores nos deixa claro um movimento de
“naturalização” feito por esse anúncio, que nos apresenta o Ti-

83
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

xanYpê como se esse nascesse diretamente da natureza. Outros


componentes reforçam, no anúncio, essa ligação. O narrador diz
que o sabão em pó possui perfumes de flores, e que a Ypê (Qui-
mica Amparos) é sociambientalmente responsável, quando narra
que o TixanYpê é amigo da natureza por possuir menor teor de
fosfato (AMARAL; CONCEIÇÃO, 2013, p.9).

Encontrou-se também, na busca, uma dissertação de mestrado em


Ensino de Ciências11, com o título “Propaganda, Consumo e Susten-
tabilidade: uma análise narrativa da publicidade como aporte à edu-
cação ambiental crítica”.
O trabalho teve como principal objetivo “realizar uma análise crítica
dos discursos e argumentos sobre a questão ambiental apresenta-
dos em propagandas comerciais da televisão aberta e gratuita”(SAN-
TOS, 2011, p.11). E, de forma secundária, mas não menos importante,
objetivou também, “[...] contribuir para criação de ferramentas de
leitura e escrita desta mídia com foco no desenvolvimento de uma
Educação Ambiental Crítica (EA-CRÍTICA)” (Ibidem).
A partir de referenciais marxistas, a autora, buscou abordar um le-
que de questões que se entrelaçam na contemporaneidade e que
envolvem o meio ambiente.
Em seu trabalho,
[...] foram abordados temas como o desenvolvimento sustentá-
vel, o insustentável padrão de consumo do mundo contempo-
râneo, a criação do Mercado Verde, a demanda do mercado por
um consumidor verde, e o trabalho da publicidade para ocultar

11 Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciên-


cias do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro-Campus de
Nilópolis em 2011.

84
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

a crise ambiental e sua falácia sobre a formação de um consumi-


dor consciente (SANTOS, 2011, p.12).

Feita a análise dos discursos publicitários contidos nos comerciais


escolhidos12, tendo como referência o trabalho do linguista Mikhail
Bakhtin, fora montado, pela autora, um roteiro de análise de propa-
gandas para serem apresentados em quatro turmas, duas do ensino
fundamental público estadual e duas do ensino médio público fede-
ral. O resultado dessas análises e da discussão nas turmas subsidiou a
criação de uma cartilha para ser utilizada em sala de aula como recur-
so pedagógico pelos professores e, assim, aguçar seus olhares para
os objetos publicitários e, nesse movimento, desvendarem suas men-
sagens. A intenção é ajuda-los a “olhar para ver” (SANTOS, 2011).
Indubitavelmente, essa postura pedagógica encontrada nesse tra-
balho, reforça a ideia de ser fundamental na atualidade, uma edu-
cação que seja capaz de “ajudar o aluno a produzir um outro olhar
sobre a televisão para poder entendê-la” (ROCHA, 2008, p.15), inde-
pendentemente da ascensão da internet no conjunto dos meios de
comunicação, pois parece ser ainda a televisão o meio de comunica-
ção que sintetiza as discussões sobre os temas relevantes que vive-
mos hoje, apresentando-os como “verdades” a partir de um mínimo
esforço de pesquisa, configurando-se portanto como um meio de
massa e grande formadora de opinião.
Como conclusão mostram que
[...] a retórica da sustentabilidade propalada pela publicidade
insere as empresas anunciantes nas diretrizes do mercado ver-

12 As campanhas publicitárias analisadas foram: Florestas Ypê, Furto e Casa Ecológica.

85
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de e este novo mercado demanda um novo consumidor. Assim,


as propagandas conclamam seu público alvo a assumir o papel
deste novo consumidor: um consumidor verde. Ao assumir este
papel, o consumidor transfere sua responsabilidade e compro-
misso sócio-ambiental para mão invisível do mercado verde
esvaziando, desta forma, todo seu potencial de ação transfor-
madora. Este esvaziamento é revelado na proposta retórica de
grande parte das propagandas ditas sustentáveis/ecológicas na
qual o papel do cidadão é reduzido a sua capacidade de escolha
dos produtos verdes em detrimento de outros. Destarte, o ci-
dadão é alienado de seu papel e o produto é ideologicamente
transformado em exercício de cidadania (SANTOS, 2011, p.126).

Cidadania e consumo nesse movimento midiático figuram como


sinônimos e “[...] a publicidade funciona gerando demandas e ne-
cessidade para o estabelecimento deste mercado verde, bem como
o ocultamento do seu caráter de manutenção dos níveis atuais de
consumo do sistema capitalista” (SANTOS, 2011, p.127).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos, aqui, um diálogo acerca dos discursos sobre a relação


sociedade-natureza-meio ambiente na mídia e em específico na pu-
blicidade, com a certeza de que esse trabalho não dá conta e nem
se propôs responder todas as indagações iniciais, bem como as res-
postas encontradas não se propuseram definitivas e devem ser en-
tendidas como possibilidades do olhar dos pesquisadores diante da
complexidade que envolve a temática e das limitações metodológi-
cas envolvidas na pesquisa.

86
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Observou-se, a partir dos estudos encontrados pela busca, que tan-


to na categoria ‘animais’ quanto na categoria ‘higiene’ o papel da
publicidade é o mesmo na representação da natureza, agir peda-
gogicamente na formação de um cidadão que se sinta engajado às
questões ambientais a partir da aquisição dos produtos propagan-
deados. Produções, por vezes, cinematográficas têm sido realizadas
para envolver o público alvo na formação desse cidadão/consumi-
dor. Visibilidade e ocultamento são a regra básica da publicidade para
atuar com êxito na formação desse “consumidor verde” para que se
sinta ecologicamente correto. Visibilidade dos produtos que se quer
fazer consumir, pela associação deles aos elementos da natureza,
quase como se fossem de fato naturais, quando geralmente são pro-
dutos da indústria química e ocultamento das relações do capitalismo
de mercado, que sobrevive elevando os níveis de consumo.
A humanização da natureza não-humana, no caso da categoria ‘ani-
mais’, é a principal estratégia para se garantir a humanização dos pro-
dutos das peças publicitárias e atribuir a estes as qualidades naturais
de seus representantes. Enquanto a naturalização dos produtos in-
dustriais é, para a categoria ‘higiene’, a estratégia fundamental desse
movimento de fabricação de consumidores pela publicidade, mesmo
que para isso seja preciso patologizar o natural.
Nesse jogo publicitário, representações, significações e linguagem
fundem-se na cultura e pelo poder da mídia expandem-se globalmen-
tecriando sentidos de (des)natureza. Isto posto, entendemos que é
preciso agir na formação de um cidadão capaz de realizar uma crítica
substantiva da mídia e sua cultura na garantia do atual modelo capita-
lista, combatendo-a com golpes de crítica e sustentabilidade.

87
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A atualidade das relações suscita de novos comportamentos e pen-


samentos interacionistas cujo desafio é processar, inclusive pela mí-
dia, a complexidade do sistema em seus elementos relativos e na
totalidade das relações, baseando-se numa definição de sistema por
seu conjunto de elementos nas suas qualidades e em suas unidades.
A descoberta dos vários tipos de conhecimento, que não seja iso-
lacionista, ou seja, que os saberes dialoguem e que esses pensa-
mentos sejam difundidos em sociedade pelos meios de comunica-
ção. Assim, muda-se o significado no modo de pensar e organizar
o pensamento das partes e da totalidade nas relações sociedade-
-natureza-meio ambiente. Esse é o nosso desafio. Tornar possível a
substituição de um pensamento disjuntivo e redutor ao complexo,
englobando as várias dimensões seja espaço-temporais às diferen-
tes realidades, mas não como soma só, mas, sobretudo, nas suas
interações com a unidade ambiente-sociedade-natureza.
Diante da crise socioambiental em que vivemos, a sociedade huma-
na enfrentará, no século XXI, a difícil tarefa de forjar uma relação do
homem com a natureza e dos seres humanos entre si.

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EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

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Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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90
Ciência moderna e saberes tradicio-
nais: um diálogo possível na cons-
trução do saber ambiental?

Odirley Batista Andrade Moreira1


Márcia Eliane Silva Carvalho2

INTRODUÇÃO

O Saber Ambiental é uma temática dotada de grande relevância


dentro dessa nova racionalidade que emerge a partir da segunda
metade do século XX. Tal tema é alvo de reflexão, estudo e pesqui-
sa pela sua importância central dentro desse grande campo teórico
marcado pela reintegração do conhecimento, pela reunificação da-
quilo que foi fragmentado ao longo dos últimos cinco séculos, assim
como por ser um norte na condução da transição, da passagem de
uma racionalidade econômica para uma racionalidade ambiental,

1 Aluno do Programa de pós-graduação do mestrado profissional em Ciências Ambientais


da Universidade Federal de Sergipe.
2 Profª Drª do Departamento de Geografia, do Mestrado em Geografia (PPGEO) e do Mestra-
do Profissional em Rede Nacional para Ensino das Ciências Ambientais da Universidade
Federal de Sergipe.
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

reorientando a relação homem e natureza. Relação essa marcada


pela compreensão distinta, separada de sociedade e natureza.
Vale ressaltar que o processo conversão da natureza em bens mate-
riais, e consequente processo de degradação, deve-se em parte das
concepções de que a natureza e a sociedade são entidades distin-
tas. Estando o homem não presente na natureza, não tem porque
se preocupar com ela. Daí, as relações de usufruto insustentável dos
bens naturais e a necessidade de um repensar sobre estas relações.
Para Suertegaray (2005, p. 48):
A concepção de natureza ... derivam de concepções de mundo
diferenciadas, inclusive sob a mesma cultura. Um exemplo é a
cultura ocidental, que no âmbito da filosofia e das ciências, a
concebe como externa ao homem, como natureza em si, produ-
zida a partir de um projeto alicerçado na ideia de transcendên-
cia e/ou como resultado de uma autoprodução e alicerçada na
contingência, portanto imanente. Mas, também foi/é pensada
como natureza primordial, de onde se concebe tudo sendo na-
tureza, aqui incluído o homem, por vezes, na sua dimensão bio-
lógica, por vezes, nas suas diferentes dimensões. Distinguindo-
-se da natureza, não os indivíduos biológicos, mas a sociedade.

Ao mesmo tempo, deve-se compreender que o distanciamento en-


tre homem e natureza não é recente, sendo que em função da visão
capitalista da sociedade atual, este rompimento tornou-se mais evi-
dente, conforme afirma Cidade (2001, p. 116):
A separação entre sociedade e natureza, frequentemente consi-
derada característica essencial do capitalismo, com reflexos nos
sistemas de pensamento que o acompanharam, mostra-se anti-
ga, aparecendo desde os povos primitivos. Fica claro, por outro
lado, que o desenvolvimento social e econômico se acompanhou
de uma transformação progressiva da natureza. Em moldes ca-
pitalistas, caracterizou-se fortemente pela utilização de recursos

92
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

naturais vistos como um objeto de exploração para a obtenção


de lucros progressivamente maiores. Os sistemas de pensamento
que acompanharam esse desenvolvimento das forças produtivas
não se furtaram à tentação de legitimar esse crescimento e o pro-
gresso que o acompanharia. Em síntese, torna-se cada vez mais
claro que, enquanto a separação entre sociedade e natureza é
bastante antiga, o capitalismo, juntamente com os sistemas de
conhecimento associados à sua emergência, tornou mais aguda
essa separação, estabelecendo tendências a uma ruptura.

Assim, a reflexão sobre a longa hegemonia da ciência moderna se


faz necessária. Sua postura opressora, o consequente exílio de ou-
tras formas de saber, até a crise do pensamento e a crise ambiental
servem de forças construtoras de uma nova racionalidade, de um
novo logos que passa a fazer contraponto à hegemonia e ao pensa-
mento da ciência clássica.
De dentro dessa crise de paradigma, onde a racionalidade econômica
mostra sinais de exaustão justamente por ter exaurido e degradado
o meio ambiente, tratando-o como recurso ou como obstáculo ao
desenvolvimento (BERNARDES; FERREIRA, 2005), se abre um imen-
so campo discursivo onde os saberes antes exilados, destituídos da
categoria de conhecimento, entre eles os saberes tradicionais ou po-
pulares, retornam para ocupar seu espaço nessa nova racionalidade.
Essa nova racionalidade implica a sistematização de um novo campo
do saber com uma visão integradora das partes historicamente frag-
mentadas do real. Como afirma Leff (2009a, p.145):
A construção de uma racionalidade ambiental implica a for-
mação de um novo saber e a integração interdisciplinar do
conhecimento, para explicar o comportamento de sistemas
socioambeintais. O Saber Ambiental problematiza o conheci-

93
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

mento fragmentado em disciplinas e a administração setorial do


desenvolvimento, para constituir um campo de conhecimentos
teóricos e práticos orientado para a rearticulação das relações
sociedade-natureza.

Neste contexto, este ensaio propõe uma reflexão sobre o Saber Am-
biental e sua atuação como campo discursivo onde diversos saberes
se articulam, dialogam e produzem um conhecimento para além dos
moldes ditados pela ciência moderna. Para atingir tal objetivo, pau-
tou-se no levantamento bibliográfico sobre a temática.

A CIÊNCIA MODERNA: UM PONTO DE VISTA

A ciência moderna datada há cinco séculos, tornou-se global, não re-


conheceu fronteiras e se impôs como força hegemônica, descartan-
do tudo que não compartilhasse de sua estrutura epistemológica,
de seus métodos (SANTOS, 1988). Desse modo, quando se fala em
conhecimento para a uma linha da ciência moderna há uma forte
ligação com as pesquisas de laboratório ou por pesquisadores fa-
zendo investigações em seus gabinetes. Essa hegemonia conceitual
durou séculos e ainda não foi totalmente rompida.
Como efeito desse paradigma dominante, todas as outras formas
de conhecimento e saberes foram subjugadas, desqualificadas e ca-
racterizadas como não-científico, como não válidos e não merece-
dores de crédito. Esse caráter ostensivo e territorial aparece melhor
delineado por Santos (1988, p. 48):
Ainda que com alguns prenúncios no século XVIII, é só no sé-
culo XIX que este modelo de racionalidade se estende às ciên-

94
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

cias sociais emergentes. A partir de então pode falar-se de um


modelo global de racionalidade científica que admite varieda-
de interna, mas que se distingue e defende, por via de fron-
teiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas for-
mas de conhecimento não-científico (e, portanto irracional)
potencialmente perturbadoras e intrusas: o senso comum e
as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que
se incluíram entre outros, os estudos históricos, filológicos,
jurídicos, literários, filosóficos e teológicos).

Para a ciência moderna, tudo que não partisse de sua ótica, de sua
matriz epistemológica, que não utilizasse seus métodos não pode-
ria enxergar a verdade dos fenômenos, jamais conseguiria explicar
a essência da natureza. Há, nesse sentido, uma apropriação do co-
nhecimento dentro de uma perspectiva de poder, sendo assim, acei-
tar outra modalidade de conhecimento significa dividir poder e isso
destoa da essência logocêntrica da ciência clássica.
Somente a partir da metade do século XX é que essa hegemonia
começa a ser questionada, quando o mundo se depara com deter-
minados limites, quando o mundo se vê diante de diversas crises,
dentre elas a crise ambiental, que, por sua vez, é consequência de
um modo de apropriação da natureza do qual o paradigma científico
moderno participa ativamente no formato instrumental, cada vez
mais cooptada pela lógica do mercado, desprezando os limites do
planeta e as reais necessidades humanas.
Como materialização do conhecimento produzido pela ciência mo-
derna, desenvolveu-se um conjunto de recursos técnicos e tecnoló-
gicos que se espalharam por todo o globo oferecendo ao homem a
possiblidade de apropriação intensiva da natureza. Sobre esse con-
junto de técnicas, Santos (2002, p. 25) afirma que: “Na história da

95
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

humanidade é a primeira vez que tal conjunto de técnicas envolve


o planeta como um todo e faz sentir, instantaneamente, sua pre-
sença. Isso, aliás, contamina a forma de existir das outras técnicas,
mais atrasadas”.
Tal como a racionalidade científica moderna, o conjunto de técnicas
por ela produzida não se contém em ocupar um ponto do território
e tende a se espalhar até se tornar o sistema hegemônico. Possui,
assim, como sua matriz natureza ostensiva e avança suas fronteiras
ampliando seus territórios subordinando ou eliminando outras for-
mas de técnicas destoantes, consideradas a partir de seus parâme-
tros como atrasadas, rudimentares.
Toda a hegemonia da ciência moderna serviu como instrumento
para uma racionalidade econômica eternamente orientada a “cres-
cer ou morrer” Leff (2010, p. 56), que, dentre os seus desdobramen-
tos, evidenciou-se uma crise de pensamento, o que nos faz buscar
outras formas de conceber a ciência e, consequentemente, outras
formas de pensamento.

SABER AMBIENTAL: BREVE REFLEXÃO.

O saber ambiental nasce dessa confluência, dessa necessidade im-


posta pela dupla crise, que exige respostas que vão além do co-
nhecimento científico moderno (LEFF, 2000). O saber ambiental,
enquanto proposta de conhecimento, se tornou o espaço onde o
diálogo entre as diversas formas de conhecimento e de saberes que
podem dialogar com vista a superar a crise ambiental atual.

96
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

É esse o ângulo que a ciência moderna dificilmente enxergará par-


tindo de sua essência positivista. A ciência que tanto evoluiu e trou-
xe avanços técnicos e tecnológicos se perdeu em sua longa viagem
e como resultado temos um planeta degradado e caminhando rápi-
do na direção da insustentabilidade do nosso modo de vida. Nessa
linha de reflexão, Mendonça (2008, p.70) afirma que:
O tratamento da temática ambiental é, por assim dizer, ativida-
de bastante complexa do ponto de vista teórico e mais ainda
do ponto de vista da práxis. Somente ações desenvolvidas do
ponto de vista da holisticidade da temática é que conseguem
apresentar resultados satisfatórios no tocante às tentativas de
recuperação e preservação de ambientes degradados…

A holisticidade é uma das características principais do saber am-


biental, é sua capacidade de ver por diversos ângulos, mas não se
resume ao conhecimento holístico, na verdade ainda o supera. Nas
palavras de Leff (2009a, p. 150):
O saber ambiental se constrói a partir da falta de conhecimento,
integrando os princípios e valores que animam a ética ecologis-
ta, as sabedorias e práticas tradicionais de manejo dos recursos
naturais e as ciências e técnicas que servem de suporte às estra-
tégias de desenvolvimento sustentável. Este saber não confor-
ma um corpo unitário de conhecimentos, mas vai sendo consti-
tuído em relação a estrutura teórica e o objeto de conhecimento
de cada ciência.

Dentro desse ambiente discursivo criado pelo saber ambiental, res-


surge também, com força e legitimidade, o saber das práticas coti-
dianas, aquele fruto da vivência dos povos e tão útil e legítimo quan-
to qualquer outra forma de conhecimento e de saber, até porque
ele é fruto da luta, da dialética estabelecida pelos povos no enfren-

97
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tamento dos obstáculos à sua sobrevivência, à sua manutenção do


status quo, na relação entre sociedade e natureza.

SABERES TRADICIONAIS:
O SABER DA PRÁXIS DOS POVOS.

O conhecimento tradicional, ao contrário do científico, não tem ca-


ráter universal, ele é essencialmente local e é produto único de ex-
periências e práticas dos povos. Existem tantos saberes tradicionais,
quanto existem povos e culturas espalhados pelo mundo, o que o tor-
na especial e único (CUNHA, 2007).
Porém, se olharmos bem, o saber tradicional é local por ser específico
de cada povo, de cada cultura, não se repetir em outro lugar com a
mesma roupagem, pois cada povo elabora suas estratégias de sobre-
vivência e de resolução de seus dilemas. Mas também é universal en-
quanto modalidade de conhecimento por estar presente em todas as
partes do planeta, por ser conhecimento inato a todos os povos. Esta
característica é a que mais o legitima enquanto forma de conhecimen-
to válido, pois alguns aspectos da existência, só são observáveis se
pudermos usar os óculos dos sujeitos desses mundos.
Para Diegues (2000, p. 30),existem diferenças nítidas entre as for-
mas pelas quais as populações tradicionais produzem e expressam
seu conhecimento sobre o mundo natural e aquelas que foram de-
senvolvidas pela ciência moderna.
Conhecimento tradicional é definido como o conjunto de sa-
beres e saber-fazer a respeito do mundo natural, sobrenatural,
transmitido oralmente de geração em geração. Para muitas

98
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

dessas sociedades, sobretudo para as indígenas, existe uma in-


terligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a
organização social. Nesse sentido, para estas, não existe uma
classificação dualista, uma linha divisória rígida entre o “natural”
e o “social”, mas sim um continuum entre ambos.

Entre o saber tradicional e a ciência moderna existem semelhanças,


a mais óbvia delas é o simples fato de que ambos buscam solucionar
problemas, mas há diferenças, e a principal delas é que a ciência tra-
dicional se realiza através da percepção enquanto a ciência moder-
na se realiza através de conceitos (CUNHA, 2007).
São formas diferentes de abordagem, mas o saber ambiental utiliza
essa diferença, essas duas abordagens como um ponto forte e não
como um entrave à produção do conhecimento. Articular as unida-
des de percepção dos saberes tradicionais com as unidades de con-
ceituação da ciência moderna amplia a visão sobre os fenômenos,
nos permitem compreendê-lo em sua completude, ponto ao qual
jamais se chegaria se usássemos apenas uma das perspectivas.
Será essa uma perspectiva possível? Deixa-se em aberto para a refle-
xão e para novas construções que visem minimizar o estágio atual
de deterioração humana e ambiental na qual nos encontramos, con-
forme enfatiza Leff (2011, p.312):
... a civilização do conhecimento é, ao mesmo tempo, a socieda-
de do desconhecimento, da alienação generalizada, da desero-
tização do saber e o desencantamento do mundo (a sociedade
dos poetas mortos; uma sociedade em propósito, sem imagi-
nação, sem utopia, sem futuro). Nunca antes na História houve
tantos seres humanos que desconhecessem tanto e estivessem
tão excluídos dos processos e das decisões que determinam
suas condições de existência; nunca antes houve tanta pobreza,

99
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tanta gente alienada de suas vidas, tantos saberes subjugados,


tantos seres que perderam o controle, a condução e o sentido
de sua existência; tantos homens e mulheres desempregados,
desenraizados de seus territórios, desapropriados de suas cul-
turas e de suas identidades. Nessa civilização supercientificada e
“hipertecnologizada”, tanto os que dominam como os que são
dominados, se encontram alienados de seus mundos de vida,
em um mundo no qual a incerteza, o risco e o descontrole au-
mentam proporcionalmente ao aumento dos efeitos de domínio
da ciência sobre a natureza.

CONCLUSÃO

A crise ambiental tornou óbvia a incapacidade da ciência moderna


de compreender, ler o mundo e oferecer soluções reais aos proble-
mas que são centrais e importantes para a humanidade, denunciou que
a racionalidade era instrumental e com foco em objetivos pontuais,
normalmente visando à satisfação do sistema onde a reprodução e acu-
mulação de riqueza é a questão mais importante.
O saber ambiental vem tentar promover o diálogo entre os desdobra-
mentos proporcionados pela ciência moderna e as percepções ineren-
tes aos saberes tradicionais e, sem hierarquizá-los, pretende estabe-
lecer uma relação horizontal, fazendo de cada uma das modalidades,
meios para conhecer o planeta e seus fenômenos em sua totalidade.
Depois de séculos conduzidos por um modelo de ciência cada vez
mais especializada, o mundo precisa ser revisto por outros ângulos,
pois quem se apropria de uma ciência totalitária não pode ignorar
a habilidade que os povos possuem de resolver seus problemas,
vencer seus desafios. Em tempo, deve-se ressaltar que as enormes

100
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

conquistas que a ciência clássica nos trouxe, assim como ainda ocor-
rem no presente e continuarão a ocorrer no futuro.
A negação da capacidade que cada saber tem de solucionar, en-
xergar, elucidar os fenômenos, não podem ser mensurados ou hie-
rarquizados. O saber ambiental busca trazer todos para dentro de
um espaço de diálogo, no qual o produto do debate é fruto de uma
visão amplificada, pois é a visão de muitos ângulos.

REFERÊNCIAS
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za. In: CUNHA, S.B.; GUERRA, A.J.T. A questão ambiental: diferentes abor-
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de paradigmas geográficos. Terra Livre. São Paulo, 2001, v.2, n.17, p. 118-99.
CUNHA, M. C. Relações e dissenções entre saberes tradicionais e saber
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CUNHA, S. B da; GUERRA, A. J. T. (org.). A Questão Ambiental: Diferentes
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COBIO-Coordenadoria da Biodiversidade. NUPAUB - Núcleo de Pesquisas
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101
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-
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SANTOS, M. Por uma outra globalização: Do pensamento único à consciência
universal. Rio de Janeiro: Record, 2002.

102
O mestrado profissional em ciências
ambientais e a prática docente:
o professor reflexivo na perspectiva
de diferentes estudiosos

Tainan Amorim Santana1


Maria Inêz Oliveira Araujo2

INTRODUÇÃO

O grande desafio da educação formal sempre foi garantir a aprendi-


zagem de conceitos de seu educando. Desde a Carta Magna, de Co-
menius (1592 - 1670), que já se evidenciava essa preocupação, o que
dava início a evolução do pensamento pedagógico. Desde então,
estudiosos buscam meios e estratégias para oferecer ao aluno en-
sino de qualidade que permita a aquisição de conteúdos científicos,

1 Professora assistente da Universidade Federal Rural da Amazônia; Doutoranda em edu-


cação/UFS; Mestre em Ensino de Ciências e Matemática/UESB. biotainan@gmail.com
2 Professora da Universidade Federal de Sergipe; Pós-doutorapelaUniversidade do Porto;
doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e mestre em educação pela Univer-
sidade Federal de sergipe.
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

sejam por transmissão recepção, sejam por teorias mais centradas na


construção do conhecimento.
Na década de 1980, inicia-se uma nova era da didática a qual visava
ultrapassar a didática instrumental, denominada por Candau como
aquela que se preocupa com instrumentos e técnicas que facilitem
a transmissão do conhecimento para a fundamental, sendo a que
considera o ser humano aprendente como princípio da relação ensi-
no aprendizagem. Nessa perspectiva didática, o professor deve estar
atento ao que pode ter significado para o aluno, ao contexto em que
os objetos tratados em sala fazem estão inseridos e, principalmente,
reconhecer que cada educando dará significado e construirá o objeto
de acordo com sua subjetividade.
É nesse momento que a formação do professor, que vai enfrentar
essa nova abordagem didática, torna-se centro no processo. Somos
do parecer que não se dá o que não se tem, portanto, para essa nova
realidade educacional, espera-se que a formação inicial ou continuada
prepare o professor para enfrentar os desafios do ensino na medida
em que ele perceba que no ato de refletir sua prática consiga criar
espaços de construção e de reflexão conceitual e atitudinal.
Tal ação, deverá ser baseada em uma formação que vislumbre inserir
uma didática que prepare os educadores a reconsiderar os atuais mo-
delos de interação com o entorno, e a tomar posição mais crítica e
comprometida com a sociedade.
Dessa forma, os professores que desejam desenvolver essas habili-
dades com seus alunos, devem ser capazes de identificar e analisar
coerentemente as informações e/ou avanços para a sociedade. Em

104
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

concordância com Pardo Dìaz (2002, p. 148), “[...] um tipo de for-


mação cujo ponto de apoio seja a reflexão sobre sua própria prá-
tica, com a intenção de resolver os problemas desta”. De acordo
com o autor, o currículo de um professor é indissociável do currículo
dos alunos, assim como sua própria formação. Nesse sentido, para
orientar um modelo de formação de professores, ele, apoiado em
Lara (1994), aponta os seguintes princípios:
• Introduzir o enfoque construtivista na formulação de ativida-
des, o que significa valorizar os esquemas prévios dos alunos,
potencializar o contraste desses esquemas entre si e com ou-
tras fontes de informação para, desse modo, abrir processos
de reestruturação deles;
• Superar a dicotomia teoria versus prática, abrindo processos
de reflexão-ação-reflexão;
• Contemplar cada tema como problema aberto, cuja formu-
lação pretenda destacar necessidades dos professores com
relação ao modo de formular e pôrem marcha um plano de
formação em educação ambiental;
• Organizar trabalhos que potencializem as atividades, tanto
em pequenos grupos quanto em grandes grupos, de modo a
possibilitar mudanças de atitudes e de aptidões fundamentais
na educação ambiental.
Tradicionalmente, os cursos de formação iniciais geralmente apre-
sentam uma estrutura que separa a formação científica da formação
pedagógica. Os programas das disciplinas são organizados em aulas
teóricas e aulas práticas que, em boa parte, são desarticuladas.

105
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ancorando-se no que afirma Shön sobre os currículos fundados


na racionalidade técnica, o currículo comumente encontrado nas
universidades “[...] apresenta, em primeiro lugar, a ciência básica
relevante, em seguida, a ciência aplicada relevante e finalmente,
um espaço de ensino prático no qual se espera que os estudantes
aprendam a aplicar o conhecimento baseado na pesquisa aos pro-
blemas da prática cotidiana [...]” (SHÖN, 2000, p. 19).
Desta forma, para uma formação compatível com as necessidades
do momento e do futuro, é importante que a prática educativa este-
ja centrada na reflexão sobre seus valores e a própria prática. Como
reflexão, apoiada em Pimenta (2002), entendemos ser a imersão
consciente do ser humano em sua realidade, em um mundo de va-
lores e intercâmbios simbólicos, correspondências afetivas, interes-
ses sociais e cenários políticos.
A reflexão abre a perspectiva do professor desenvolver a capacida-
de de agir eficazmente em determinado tipo de situação, apoiando-
-se em conhecimentos, mas sem se limitar a eles.
Essa forma de pensar a formação do professor supera a acepção
do profissional sob o paradigma da racionalidade técnica. Para Shön
(2000, p. 15), “os profissionais formados sob essa perspectiva são
aqueles que solucionam problemas instrumentais, selecionando os
meios técnicos mais apropriados para propósitos específicos”. Essa
perspectiva, posta nos cursos de formação, não dá conta de respon-
der questões que se apresentam em muitas situações concretas no
cotidiano escolar e aos objetivos propostos por uma educação que
visem as transformações sociais.

106
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

O movimento do pensar criticamente a ação deve proporcionar a fusão


entre a prática e a teoria. Esta fusão é o alicerce da construção de uma
pedagogia apropriada à educação ambiental. Deve-se ressaltar que,
para ensinar sob a perspectiva da educação ambiental, o professor,
além de estar munido de saberes pedagógicos (formação pedagógica),
deve estar preparado para acompanhar, entender e discutir as relações
e o dinamismo que regem o ambiente (formação ambiental).
Foi nessa perspectiva que, no ano de 1999, que surgiram os primei-
ros cursos de mestrado profissional. Eles apareceram em decorrên-
cia de uma demanda por uma formação profissional diferente da
adotada pelo mestrado acadêmico. No entanto, apenas em 2009
que esta modalidade ganhou evidência, com a publicação no Diário
Oficial da União da Portaria Nº 7 de 22/8/2009, designada a regula-
mentar sua oferta. Uma das propostas apresentadas por essa porta-
ria, foi referente à diversificação na apresentação dos trabalhos de
conclusão que, até então, eram apresentados apenas em formato
de dissertação, como nos mestrados acadêmicos, sendo que, agora,
o seu produto final, pode ser apresentado em diferentes formatos,
como artigos, publicações tecnológicas, desenvolvimento de aplica-
tivos ou mesmo uma dissertação.
Diante do exposto, visando à grande importância dada ao mestrado
profissional em Ciências Ambientais, que apresenta nas suas bases
estruturantes a preocupação com a prática docente, em especial,
na sua importância em formar um docente reflexivo, o presente ar-
tigo objetiva conhecer as ideias dos estudiosos John Dewey, Donald
Schön e Paulo Freire, a respeito do que seja o professor reflexivo,
visto que esse é um dos princípios do mestrado profissional que vol-
ta-se para a melhoria da prática profissional.

107
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Para atingir o objetivo exposto, a abordagem metodologia é ampa-


rada na pesquisa qualitativa que, segundo Bogdan e Biklen (2010),
é caracterizada pela obtenção de dados descritivos, obtidos no con-
tato direto do pesquisador com a situação estudada, dando ênfase
ao processo desenvolvido e com a preocupação centrada na com-
preensão da perspectiva dos sujeitos participantes. De acordo com
Flick (2004), os aspectos essenciais da pesquisa qualitativa consis-
tem na escolha correta de métodos e teorias oportunos, no reco-
nhecimento e na análise das diferentes perspectivas, na reflexão do
pesquisador a respeito do seu trabalho, como parte do processo de
produção de conhecimento e na variedade de abordagens e méto-
dos, tendo as fontes bibliográficas como principal método investiga-
tivo utilizado. Por isso, o texto será organizado em tópicos, no qual
será apresentado, em cada um deles, as ideias principais que os pes-
quisadores supracitados apresentam sobre o mestrado profissional
voltado para a prática docente. Apresenta-se, também, pensamen-
tos e pensadores essenciais que relatam aspectos cruciais acerca da
prática docente, apresentando a formação do professor reflexivo, o
eixo central dessas discursões. Por fim, serão apresentadas as con-
siderações finais acerca das ideias aqui trabalhadas.

O MESTRADO PROFISSIONAL E A PRÁTICA DOCENTE

A modalidade de mestrado profissional é regulamentada pela Por-


taria Nº 080 de 16/12/1998, com a finalidade de associação entre o
ensino de pós-graduação e a atividade profissional, ou seja, permitir

108
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

uma interação mais evidente entre a teoria e a prática, contemplan-


do os padrões de exigências adotados pela pós-graduação brasileira.
Em 1995, a CAPES, tendo em vista o documento intitulado “Progra-
ma de Flexibilização do Modelo de Pós-Graduação stricto sensu em
Nível de Mestrado”, aprovado pelo Conselho Superior, determina-
va implantação de procedimentos apropriados à recomendação,
acompanhamento e avaliação de cursos de mestrado dirigidos à
formação profissional, nos termos do referido documento e do pa-
recer que o fundamentava. Destacava que, para assegurar níveis de
qualidade comparáveis aos vigentes no sistema de pós-graduação
e consistentes com a especificidade dos cursos, ficariam estabeleci-
dos diversos requisitos e condicionantes (PIRES; IGLIORI, 2013).
De acordo com os autores citados acima, do ponto de vista legal, o
curso de mestrado profissional deve atender a diferentes requisitos
e condições, como podemos destacar: a) a manutenção de níveis
de qualidade condizentes com os padrões da pós-graduação stric-
to sensu e consistentes com o aspecto característico do mestrado
dirigido à formação profissional; b) a exigência de apresentação de
trabalho final que demonstrasse domínio do objeto de estudo; e,
por fim, c) capacidade de expressar-se coerentemente sobre ele.
Perante toda a proposta trazida pela CAPES, o mestrado profissio-
nal está voltado para um público que trabalha, ou seja, para profis-
sionais que querem aprimorar seus conhecimentos. No que diz res-
peito aos professores, temos os mestrados profissionais voltados
ao ensino, concentrados em qualificar os docentes, focalizando o
ensino, a aprendizagem, o currículo, a escola e o sistema escolar.

109
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

De acordo com Moreira e Nardi (2009), o mestrado profissional em


ensino apresenta distintas caraterísticas, como: possuir de 30 a 50%
de disciplinas voltadas para conteúdos específicos, que atendam às
especificidades de formação e a área de atuação de cada um, pos-
suindo um enfoque didático. Oferecem, também, disciplinas de na-
tureza pedagógica e epistemológica, que diferente das específicas,
focam em aspectos referentes à aprendizagem, currículo, natureza
do conhecimento, abordagens de ensino, subsidiando suas pesqui-
sas/produtos educacionais. Sua população-alvo é constituída, priori-
tariamente, de professores em exercício, sendo que, havendo sobra
de vagas, as mesmas poderão ser preenchidas por recém formados
que ainda não apresentam experiência docente, mas deverão adqui-
ri-la, necessariamente, durante o mestrado. Referente à duração, o
mestrado profissional poderá ser em até 36 meses. Tal fato se justi-
fica pela característica do seu público, já que se trata de professores
que não deverão abandonar suas atividades docentes.
Ao compararmos o mestrado profissional com o acadêmico encon-
traremos algumas diferenças. Conforme Ribeiro (2005), o perfil dos
candidatos que prestam a seleção para ingressar nesses cursos pro-
fissionais e o foco de atuação são diferentes, já que o mestrado pro-
fissional está mais preocupado com a qualificação para o mercado
de trabalho. No tocante ao teor de suas aulas, é possível expor que
o profissional se atém menos às teses e mais às consequências e
casos reais, o que proporciona ao mestrado profissional um aspecto
mais prático, no qual a teoria é posta à prova.
Castro (2005) apresenta as condições mínimas necessárias para a
existência e êxito do mestrado profissional, como: a) avaliação e

110
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

acompanhamento dos mestrados e estrutura representativa; b) car-


reira docente e valorização da vida profissional, respeitando à es-
pecificidade e, portanto, valorização do produto de cada área; c) os
calendários e horários desenhados para o seu público de distintos
perfis, utilizando-se da tecnologia e promovendo modalidades semi-
presenciais; d) a coerência do modelo burocrático adotado, existin-
do um consenso dentro das políticas adotadas pelo MEC (Ministério
da Educação), pela CAPES e os demais órgãos competentes.
O mestrado profissional visa proporcionar uma maior relação entre
a teoria e prática, buscando atender às demandas de estudantes e
de instituições que precisam conhecer teorias, ferramentas e méto-
dos científicos para aplicações no ambiente do trabalho. Referen-
te ao campo educacional, tem-se, entre muitos outros, o mestrado
profissional na área de ensino, voltado para professores da Educa-
ção Básica, focado na aplicação do conhecimento, na pesquisa apli-
cada (MOREIRA; NARDI, 2009).
Cruz e Lüdke (2005) argumentam que articular o ensino e a pesquisa
na vivência do professor da Educação Básica é algo que há muito
tempo vem merecendo atenção dos estudiosos dessa temática. O
trabalho destas autoras mostrou que a pesquisa deveria ser o eixo
de fortalecimento do ensino básico, só que, para isso, seria neces-
sário uma melhor preparação dos docentes, para que seja possível
que eles se tornem pesquisadores de sua própria prática, e a partir
daí, inserir a pesquisa no dia a dia em sala de aula, direcionando ao
processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
Desse modo, percebe-se que a busca pela continuidade da sua for-
mação é importante para o professor, já que visa prepará-los melhor.

111
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Além disso, é preciso renovar seus conhecimentos, pois a prática pe-


dagógica exige um contínuo processo de atualização, tornando-os
críticos diante da sua atuação enquanto educadores, refletindo seu
desempenho e buscando soluções adequadas para os problemas
que surgirem, promovendo uma educação de qualidade.
Diante dessa necessidade, o mestrado profissional que preocupa-se
com o processo ensino e aprendizagem tem como premissa fortale-
cer a postura reflexiva e investigativa do docente, permitindo-o co-
nhecer e avaliar sua atuação. Além do que, portar-se de tal maneira,
poderá conceder ao docente possibilidades de construir e desenvol-
ver novas prática em sala de aula (NEGRET, 2008).
Segundo Lima (2014), a preocupação com a formação do profes-
sor pesquisador estaria na intenção de não mais direcionar a práti-
ca educativa como um processo de transmissão do conhecimento,
mas também, de educar para o pensamento, para desenvolver na
sala de aula um ambiente de discussão e de formação de cidadãos
críticos, proporcionando uma alfabetização científica de qualidade.
Para isso, torna-se necessário qualificar esses docentes com bases
teóricas consistentes a fim de que possam adotar uma postura re-
flexiva crítica perante sua atuação, permitindo abrir portas para o
desenvolvimento da educação (FRANCO, 2005).
Ostermann e Rezende (2009) enfatizam que o mestrado profissio-
nal voltado para a melhoria da prática docente promove uma rela-
ção teoria-prática, ou seja, projetos de desenvolvimento inserido na
realidade escolar. Esses projetos devem ser baseados em referen-
ciais teóricos que fundamentem as metodologias de ensino e sus-
tentem a concepção do produto educacional.

112
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Negret (2008, p.219) afirma que o mestrado profissional pode resul-


tar em “uma maior aproximação entre a universidade e a realidade
social”. Logo, o maior desafio é associar rigor à pesquisa e aplica-
bilidade dos seus resultados à sociedade. De acordo com o autor,
o impacto dos mestrados profissionais, como resultado de sua in-
serção na sociedade, deve ser medido, necessariamente, a partir de
uma apreciação investigativa, a qual orienta o desenvolvimento de
uma iniciativa a partir de uma análise sobre os resultados obtidos
em qualquer momento de um projeto, sendo muito importante ava-
liar as dificuldades e as lições aprendidas no processo de desenvolvi-
mento do programa para ajustar os procedimentos metodológicos
e melhorar o desempenho e os resultados.
No campo educacional, os cursos de mestrado profissional têm cres-
cido nos últimos tempos e começam a fazer diferença no cenário da
Educação Básica, pois possuem como uma de suas preocupações
principais proporcionar uma formação continuada de qualidade aos
seus discentes, sendo que, segundo Cevallos (2011), formação con-
tinuada no nosso país tem se mostrado uma temática de interesse
tanto para os pesquisadores como para políticos da área da educa-
ção. A mobilização em torno do assunto é grande e a produção teó-
rica crescente, sendo válido ressaltar que mesmo com investimen-
tos dos sistemas de educação nessa temática, ainda é insatisfatório
os resultados obtidos em conhecimentos escolares, fato que tem
posto, no Brasil, os processos de educação continuada em questão
(GATTI; SÁ BARRETO, 2009).
É nesse sentido de continuidade de estudos e de melhor aperfei-
çoamento e reflexão de sua prática, que o mestrado profissional

113
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

em Ciências Ambientais. De acordo com as informações contidas no


seu site3 de acesso, tal mestrado, apresenta como proposta crucial
a melhoria e atualização perante a formação dos profissionais que
atuam ou não nos espaços escolares, numa perspectiva inter, mul-
ti e transdisciplinar, instigando a construção de pesquisas na área
das Ciências Ambientais, promovendo contribuições tanto à Ciência
como à escola pública de educação básica.
Por meio de suas linhas de pesquisa, o referido mestrado, apresen-
ta-se preocupado o processo de ensino e aprendizagem que envol-
ve as Ciências Ambientais. Por isso, é notório sua atenção para com
a formação continuada coesa dos seus alunos, promovendo uma
formação reflexiva diante dos obstáculos vivenciados no decorrer
de suas diversas experiências profissionais.
É nesse sentido de continuidade de estudos, assim como de indicarem
caminhos para a educação, que o mestrado profissional se preocupa
com os diversos processos que envolvem o aperfeiçoamento da
prática docente, permitindo um maior embasamento teórico-prático
para enfrentar as diversas situações que permeiam sua atividade.
Ademais, pode se constituir em uma alternativa para a melhoria no
ensino (CEVALLOS, 2011), já que proporcionará a construção de uma
prática voltada para a pesquisa ativa, ou seja, aquela que se embase
em uma estrutura teórica e seja viável e aplicável no cotidiano do
professor (MOREIRA; NARDI, 2009).

3 As informações expostas a respeito do mestrado professional em Ciências Ambientais fo-


ram retiradas do seguinte site: http://www.posgraduacao.ufs.br/prof-ciamb

114
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Assim, o mestrado profissional é tido como uma oportunidade que é


dada ao professor de articular a teórica com a prática, utilizar como
matéria-prima de seus estudos as situações por ele vividas, asso-
ciando a atividade da pesquisa à docência, gerando um saber práti-
co que irá permiti-lo compreender os problemas que surgem, sendo
capazes de construir soluções apropriadas, proporcionando uma
melhora na sua prática educativa (ELLIOTT, 1998). Além do que, per-
mitir que o mesmo tenha a possibilidade de pesquisar a sua prática,
permitirá a formação de um professor reflexivo, que esteja preocu-
pado no ato de pensar, repensar, mudar e aprimorar a sua prática,
contribuindo para a promoção de melhorias no sistema educacional

O PROFESSOR REFLEXIVO

Nos dias atuais, a necessidade em formar docentes que sejam capa-


zes de refletir sobre a sua prática, buscando modificá-la e melhorá-
-la, a fim de construir uma relação teoria e prática, professor e aluno
eficiente, é vista como uma das grandes prioridades, já que nos dias
atuais é fundamental que o professor tenha uma postura crítico-re-
flexiva perante sua prática docente.
Assim, de acordo com Fontana e Fávelo (2013), quando o professor as-
sume o papel de um profissional reflexivo, ele não age como um mero
transmissor de conhecimento, mas, em toda sua atuação, é capaz de
pensar sobre sua prática, confrontando suas ações e aquilo que julga
acreditar como coerente para seu desempenho profissional.

115
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A pesquisadora portuguesa Isabel Alarcão, em sua obra “Formação


reflexiva de professores: estratégias de supervisão”, se detém a dis-
cutir vários aspectos referentes a perspectiva do professor reflexi-
vo. A autora conceitua o professor reflexivo, afirmando que este
deve ser um profissional que necessita saber quem é e os motivos
pelos quais age, tendo consciência da sua importância e do lugar
que ocupa na sociedade, sendo assim, agentes ativos do seu próprio
desenvolvimento (ALARCÃO, 2005).
Quando falamos de ser reflexivo é importante frisar que o ato de re-
fletir a respeito da prática não deve está apenas relacionado aquilo
que ocorre na sala de aula. É fundamental ultrapassar esse limite, já
que, de acordo com tais dizeres, para Ghedin (2005), os educadores
devem analisar também o sentido politico, cultural e econômico que
cumpre à escola, como ocorre o ensino, como se assimila a função da
escola e de que forma se interiorizam os padrões ideológicos sobre os
quais se sustenta a estrutura educativa, fazendo com que o educador
reflita sobre o ensino como um todo, levando em conta todos os as-
pectos que o envolvem, e não somente sua atuação em sala de aula.
Percebendo a grande importância de formar professores reflexivos,
que estejam dispostos a modificar sua prática e melhorá-la conti-
nuamente, conheceremos agora, o que alguns dos mais renomados
pesquisadores no tocante à educação pensam a respeito dessa prá-
tica, que vem ganhando espaço e valor nos dias de hoje, sendo uma
das principais missões do mestrados profissionais voltado para o en-
sino, já que está preocupado com a melhoria da atuação docente e,
consequentemente, da educação.

116
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

O PROFESSOR REFLEXIVO NA VISÃO DE DEWEY

De acordo com Carvalho e David (2015), a definição de professor refle-


xivo vem sendo muito discutido nos meios educacionais de diversos
países, inclusive no Brasil, a partir dos anos 90, do século XX. O pre-
cursor de um novo ideal pedagógico foi o educador norte-americano
John Dewey, ao afirmar que o ensino deveria acontecer pela ação e
não pela instrução mecânica reprodutiva.
No tocante às suas ideias relacionadas ao pensamento reflexivo do-
cente, Filho e Quaglio (2008) afirmam que, para Dewey, o pensamen-
to reflexivo é desencadeado por uma situação problemática, que, a
partir de observações e experiências prévias, permite a elaboração
de ideias que são colocadas em prática, até que se resolva o problema
inicial. Assim, o conhecimento resultante desse processo investigati-
vo e das experimentações possuem caráter instrumental, dado que é
gerado pela ação referente à exercitação, podendo não ser definitivo,
uma vez que novas situações problemáticas podem aparecer.
Dewey, em algumas de suas obras, tais quais “Como pensamos” de
1953, e “Democracia e Educação” de 1959, a ação reflexiva a ser apli-
cada na formação inicial e continuada de professores apresentava-se
como um ponto de partida na direção de uma racionalidade prática.
Complementado as ideias já expostas, de acordo com Dorigon e Ro-
manowski (2008, p.10-11), para Dewey:
o pensamento reflexivo tem uma função instrumental, origina-
-se no confronto com situações problemáticas, e sua finalidade
é prover o professor de meios mais adequados de comporta-
mento para enfrentar essas situações. Quando surge uma situa-
ção que contenha uma dificuldade ou perplexidade, podemos

117
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

contorná-la ou enfrentá-la e assim começamos a pensar e refletir,


forçosamente, começamos a observar para analisarmos as condi-
ções. Essas condições constituem-se em fatos a serem tratados,
e, tecnicamente, esses fatos observados são chamados de dados.
Esses dados formam o material a ser interpretado, explicado; as
soluções que a observação sugere para resolver as dificuldades
formam as ideias, sendo assim, os dados (fatos) e as ideias, são os
dois fatores indispensáveis e correlativos da atividade reflexiva e
são, respectivamente, providos pela observação e pela inferência.

O pensamento reflexivo faz um ativo, prolongado e cuidadoso exame


de toda crença ou espécie hipotética de conhecimento, exame efetua-
do à luz dos argumentos que apoiam a estas e das conclusões a que as
mesmas chegam, para afirmar uma crença em base sólida de argumen-
tos é necessário um esforço consciente e voluntário (DEWEY, 1953).
De acordo com Souza e Martineli (2009), epistemologia da prática
reflexiva ou corrente do professor reflexivo, como perspectiva teó-
rico-metodológica para a formação de professores, emergiu de um
movimento mundial de reformas educacionais nos finais da década
de 1980 e início da década de 1990, reconhecendo a riqueza da expe-
riência docente que residia na prática dos professores, cujo proces-
so de compreensão e melhoria do seu ensino deveria começar pela
reflexão sobre a sua própria experiência.
Portanto, ao considerar o pensamento reflexivo como um esforço
consciente e voluntário, Dewey refere-se ao fato de que este tipo
de pensamento supera a sua forma rudimentar e, para tanto, há a
necessidade de um exame dos dados, procura de provas que oca-
sionam um processo penoso de inquietação e conturbação (SOUZA;
MARTINELI, 2009).

118
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

Neste sentido, Dewey (2007) dá uma importante contribuição à


prática pedagógica já que para o autor o único caminho direto para
o aperfeiçoamento duradouro dos métodos de ensinar e aprender
versa em centralizá-los nas condições que instigam, promovem e co-
locam em prova a reflexão e o pensamento.
Diante do exposto, Dewey apresenta uma forma de ensinar e apren-
der por meio do ensino reflexivo. A problematização motiva a ação
reflexiva e o pensamento de forma a torná-los fonte de conhecimen-
to e desenvolvimento da inteligência (SOUZA; MARTINELI, 2009).

O PROFESSOR REFLEXIVO NA VISÃO DE DONALD SHÖN

Donald Schön foi e é um dos mais renomados pesquisadores que se


preocupa em estudar a prática pedagógica. Nascido em 1930, em
Boston, estudou e lecionou filosofia, deixando um legado de obras
ricas referentes a prática docente, em especial, a prática reflexiva.
Sob forte influência dos pensamentos de John Dewey, de acordo
com Pimenta (2002), as ideias de Schön foram ligeiramente adequa-
das e expandidas em diversos países, trazendo à tona a discussão
sobre a área de formação de professores, tema ausente das preo-
cupações de Schön. Segundo Alarcão (2005), essa difusão iniciou-se
em 1980. Suas ideias lançaram a imagem da prática reflexiva, tive-
ram enorme sucesso, também pelo movimento da época em que se
pretendia retirar o professor de uma posição passiva.
Schön (1997) propôs um modelo de formação de professores ba-
seado na reflexão sobre a prática. De acordo com Dorigon e Roma-

119
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

nowski (2008), a teoria de Schön é dividida em três ideias centrais:


a reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a re-
flexão na ação.
Para Schön (1997), a reflexão na ação ocorre durante a prática, a refle-
xão sobre a ação depois do acontecimento da prática, ou seja, quando
a ação é revista e analisada fora do contexto. É nessa reflexão sobre a
ação que tomamos consciência do conhecimento tácito e reformula-
mos o pensamento na ação tentando analisá-la, percebendo que é um
ato natural. E a reflexão sobre na ação é aquela que ajuda o profissional
a desenvolver-se e construir sua forma pessoal de conhecer. Trata-se de
olhar retrospectivamente a ação, refletir sobre o momento da reflexão
na ação, ou seja, o que aconteceu, o que se observou, qual o significado
atribuído e que outros significados podemos atribuir ao que aconteceu.
Assim, percebe-se que Donald Schön é um dos maiores e mais acei-
tos críticos do modelo tecnicista, já que seus pensamentos apontam
para os limites de uma formação voltada para a reprodução de con-
ceitos, e discute a implementação de um outro modelo, que busque
capacitar o professor a refletir criticamente sobre suas ações, na
qual a prática docente deve buscar articular teoria e prática constan-
temente, buscando soluções para os desafios apresentados, testan-
do-as, observando as reações dos alunos, procurando compreender
os significados das interferências de seus alunos, avaliando-as e ava-
liando suas próprias ações que o professor aperfeiçoa seus conheci-
mentos. Assim, ao refletir sobre sua prática, o docente desenvolve
uma atitude investigativa que irá caracterizá-lo como produtor de
conhecimentos sobre o ensino, e não mais especialista técnico que
apenas reproduz conhecimentos (ALMEIDA, 2001).

120
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

O PROFESSOR REFLEXIVO NA VISÃO DE PAULO FREIRE

No tocante formar para reflexão, Freire (1996) alega que a reflexão


nada mais é que: fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja,
no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”. Nesse senti-
do, a reflexão provém da curiosidade sobre a prática docente, uma
curiosidade inicialmente ingênua, que, transformada em exercício
constante, transforma-se em crítica. Essa reflexão crítica permanen-
te deve constituir-se como orientação prioritária para a formação
continuada dos professores que buscam a transformação por meio
de sua prática educativa (FREIRE, 1996).
Por pregar uma educação libertadora, Freire valoriza que as pessoas
sejam formadas de modo crítico, pois, para ele, “O homem tem o
dever, contudo, por uma questão mesma de amor, de reagir à vio-
lência do que lhe pretende impor silêncio” (FREIRE, 1967, p.58).
Preocupado com uma formação cidadã e crítica, na qual o mutismo,
que, segundo ele, “O mutismo não é propriamente a inexistência de
resposta. É a resposta a que falta teor marcadamente crítico” (FREI-
RE, 1967, p.77), dê lugar a uma voz ativa e transformadora, buscan-
do a construção de uma educação para a decisão, para a responsa-
bilidade social e política” (FREIRE, 1967, p.96).
Assim, formar o docente de forma crítica e reflexiva permite que o
ideal de liberdade e autonomia seja alcançado, fazendo que por meio
da educação, os seres humanos pudessem ter a uma nova postura
diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço (FREIRE, 1967).
No tocante a formação docente, Freire (1996) afirma que pensar
criticamente a prática de hoje ou a de ontem, podemos melhorar a

121
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

própria prática, surgindo, assim, um professor reflexivo que seja capaz


de criar suas próprias ações e de administrar os problemas presentes,
buscando integrar racionalmente a teoria com a prática.
Por fim, é notório que refletir a cerca da prática pedagógica deve fazer
parte da formação de um professor, pois para Freire (1996), o processo
de ensino e aprendizagem deve ser dialógico e se construir a partir da
relação educador e educandos. Permitindo, assim, a construção de au-
las bem estruturadas e com significado, apresentando objetivos cons-
cientes e atingindo a construção crítica e reflexiva do conhecimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, percebemos que o mestrado profissional, que se


apresenta como um dos meios para a formação continuada do pro-
fessor, deverá proporcionar a formação crítica e reflexiva dos mes-
mos, estimulando o fazer docente, que este seja pautado na real
interação entre teoria e prática.
Buscar nesse processo de formação a construção de uma identi-
dade docente reflexiva é uma alternativa interessante diante dos
entraves enfrentados pelos professores no decorrer de sua práti-
ca. Desse modo, é fundamental entender que educação e reflexão
devem ser vistas como inseparáveis e aliadas no processo de ensino
e aprendizagem, promovendo a construção de um diálogo critico e
permitindo com que o sistema educacional apresente melhoras e
consiga atingir seus propósitos educacionais com êxito.

122
EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

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EIXO 1– Reflexões teóricas no campo das ciências ambientais

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125
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126
EIXO 2
PROPOSIÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
NAS PESQUISAS EM CIÊNCIAS AMBIENTAIS
Biodiversidade e paisagem:
modelo de ocupação espacial no
cerrado Piauiense

Anézia Maria Fonsêca Barbosa


Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO

O modelo de uso e ocupação dos espaços culturais tem levado a


uma grande discussão por parte da comunidade científica, a forma
como a sociedade mundial utiliza os recursos naturais e organiza os
lugares de reprodução do capital são cada vez mais colocados em
questão, pois nem sempre atendem aos processos de sustentabili-
dade dos ambientes locais.
Nessa linha de pensamento, o padrão de apropriação dos solos para
o desenvolvimento da agricultura, são alguns dos fatores que mais
geram impactos negativos ao meio ambiente. O desmatamento,
as queimadas, a monocultura intensiva, a preparação dos solos, o
adensamento populacional desigual, a abertura de novas rodovias
são algumas das características que marcam a formação de novas
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

paisagens pelo Brasil, especialmente aquelas que têm como base a


agricultura moderna.
O estado do Piauí entra nesta logística de ordenamento dos espaços
agrícolas, destinando as áreas que ficam localizadas no bioma cerra-
do. Esta lógica de ocupação ocorre no Brasil, inicialmente, como for-
ma de efetivação do desenvolvimento do setor produtivo nos anos
de 1970, com a implantação do Programa para o Desenvolvimento
dos Cerrados conhecido como (POLOCENTRO) em 1975.
De acordo com Monteiro (2002, p.98), esse programa terá como pri-
meira meta,
Beneficiar, sobretudo, os produtores de médio e grande porte
dos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Minas Ge-
rais e Mato Grosso. O POLOCENTRO também transfere à EM-
BRAPA recursos para incrementode pesquisas com vistas ao
desenvolvimento de tecnologias agrícolas ecomerciais para os
cerrados, priorizando a produção de soja tropical.

É nesta expansão da agroindústria que as terras do cerrado vão


ganhar dinamismo e mudanças na organização espacial, até mesmo
aquelas que estejam localizadas nas áreas mais pobres do país,
como é o caso da região Nordeste, especialmente o estado do Piauí.
Assim, buscou-se desenvolver, neste artigo, uma discussão que tem
como objetivo principal analisar a biodiversidade existente no cerra-
do piauiense e o processo de uso e ocupação que tem levado a uma
constante incompatibilidade da manutenção dos recursos naturais
dessa região.
Para isto, buscou-se identificar os principiais impactos negativos
provenientes do adensamento populacional nas áreas urbanas dos

129
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

municípios pesquisados e avaliar o uso dos espaços no campo como


reprodutor do modelo capitalista de produção agrária.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa foi desenvolvida com base na análise do espaço sistêmi-


co, ou seja, foi feita uma avaliação do espaço local a partir do mo-
delo teórico de Berthand (1971), quando destaca o GTP (Geossiste-
ma-Território-Paisagem) como uma forma de conhecer de maneira
mais relacional os meios naturais e sociais intrínsecos entre si no
meio geográfico que dão suporte de reprodução socioeconômico.
Para responder todos os objetivos levantados durante a pesquisa,
foi necessário aplicar alguns caminhos metodológicos que se consti-
tuíram fundamentais, foram eles: levantamento de literatura coesa
que abordem a temática estudada em livros, periódicos e internet;
trabalho de campo com aplicação de entrevistas, captação fotográfi-
ca e reconhecimento de áreas a partir do mapeamento previamente
estabelecido por órgãos governamentais como o IBGE e o DNOCS.
O trabalho de campo foi realizado em várias etapas nos municípios
de Baixa Grande do Ribeiro, Bom Jesus e Uruçuí, durante o recorte
temporal entre os anos de 2008 a 2015. Os dados coletados foram
essenciais para elaboração do manuscrito final e avaliação de uma
conjuntura ambiental tão marcante na área pesquisada.

130
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Paisagem: desenvolvimento econômico x


reflexo da condição antrópica

Nos últimos anos, a população mundial vem assistindo ao forte pro-


cesso de transformações dos espaços naturais que, na sua grande
maioria, são derivadas das atividades sociais que impõem ao meio
físico sérias mudanças, que, nem sempre, são tratadas como des-
truidoras do meio natural, essas ações de adequação ao modelo
capitalista de produção, têm levado a um desequilíbrio quase que
insustentável de alguns ambientes naturais.
A primeira natureza, também conhecida como meio natural, dessa
maneira, passa a ser o componente mais disputado para aqueles
que vivem em sociedade. Cada ação social, no seu espaço habitado,
levará a uma forma diferenciada de organização dos mesmos, que,
em alguns casos, extrapolam as reservas dos recursos disponíveis,
exigindo uma nova forma de se usar os bens acessíveis na natureza
de maneira mais sustentável.
Só que essa sustentabilidade ainda é praticada de maneira primária
nos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Os diver-
sos meios de produção econômica são potenciais consumidores das
principais reservas naturais que há em disposição no país, um deles

131
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

é o setor agrícola, já que os lucros dos bens produzidos neste segui-


mento constitui o modelo capitalista de apropriação econômica, que
é uma das marcas fundamentais dessa conjuntura que regem os seto-
res de produção do país.
Esse é o grande dilema da sociedade mundial, a partir do advento da
Revolução Industrial, o marco de apropriação dos homens aos meios
naturais passou a ser mais intenso, o que explica a necessidade de
avaliar os padrões de organizações dos espaços socioambientais.
Para Camargo (2008), a constituição da natureza está diretamente
relacionada às técnicas que ela recebe, por isso, ocorre a junção das
geometrias geográficas. Ademais, cada sociedade, ao longo da histó-
ria, tem um progresso técnico diferente que, dependendo do grau de
atuação dessa técnica, pode ser prejudicial ao meio físico e para todos
os envolvidos em um ambiente fortemente alterado.
Assim, a evolução das técnicas a cada momento representará um
avanço das sociedades sobre o espaço geográfico, adaptando-o, a
todo instante seu meio de vivência às suas atividades diárias que as
mantêm como ser social reprodutor e/ou organizado dos lugares. E,
é nessa condição que são formadas as paisagens, condicionantes do
modelo de adaptação do homem ao meio.
No caso das paisagens agrícolas, as monoculturas sempre fizeram par-
te do processo histórico de formação econômica do Brasil. Somente
no século XX, foi que esse modelo de sistema agrário passa a ser de-
senvolvido com mais intensidade no centro do país, especialmente na
região Centro-Oeste, proporcionando uma ampla multiplicação des-
ses espaços, o que mudou de forma acentuada as paisagens locais
(OLIVEIRA, 2003).

132
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Ab’Saber (2003, p. 35), no entanto, considera que as áreas que são


formadas pelo bioma cerrado vem passando por uma transforma-
ção do ponto de vista da organização humana, “os espaços herda-
dos da natureza, incorporaram padrões modernos que substituí-
ram, as velhas e tradicionais estruturas sociais e econômicas”. Estas
mudanças só foram possíveis, pela descoberta das vocações dos
solos do cerrado para as atividades agrícolas rentáveis, sobretudo o
agronegócio veementemente difundido no país, depois do advento
da Revolução Verde.
Dentro desse contexto, a região Nordeste e, em especial, aquelas
porções do território que ficam nas áreas mais pobres, como é o
caso do estado do Piauí, serão as localidades que receberam um for-
te adensamento dessas atividades, as quais promoveram uma mu-
dança rápida na paisagem local, com a implantação dos complexos
agrícolas destinados a produção de grãos para a exportação.
No caso do Piauí, vários municípios passaram a desenvolver a
agroindústria, sendo que os municípios os quais, tornaram-se mais
expressivos neste seguimento agrário foram Baixa Grande do Ribei-
ro, Bom Jesus e Uruçuí, todos localizados no sudoeste piauiense,
área que compreende a maior reserva do bioma cerrado no estado
(BARBOSA, 2013).
Ademais, o estado do Piauí, dentro do contexto analisado, passa a
apresentar, no seu conjunto de formações paisagísticas, áreas com-
pletamente modificadas pela ação das atividades provenientes da
expansão dos circuitos agrícolas existentes no Brasil, sobretudo
a partir da segunda metade do século passado. Tais ações são re-
sultados de uma necessidade de se expandir no país, cada dia mais

133
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

as áreas destinadas à produção monocultora, que trazem consigo


transformações no meio ambiente que, em alguns casos, tornam-se
totalmente irreversíveis.

Biodiversidade e as condições dos espaços urbanos e


suas representações socioespaciais

Os espaços urbanos compreendem as representações do trabalho


social, mais concentradas sobre o meio natural, o ordenamento ter-
ritorial exigido com o aumento da população nas cidades são, na
maioria das vezes, provenientes do êxodo rural que geram nas so-
ciedades o fascínio pelo modo de vida urbano.
Os núcleos urbanos piauienses, aqui pesquisados, são cidades que
viram, no início da década de 1990, seu contingente populacional
crescer aceleradamente e, consequentemente, os novos ordena-
mentos dos territórios locais foram aspectos decisivos na formação
das paisagens (BARBOSA, 2009).
Os processos de organização dos espaços nestas cidades acabaram
ocorrendo de forma muito seletivo e aleatório, e não levaram em
consideração estudos prévios dos ambientes naturais mais frágeis,
provocando impactos negativos de grande relevância para a popu-
lação em geral. Neste contexto, é importante ressaltar que, a am-
pliação do raio horizontal das cidades, foi fundamental para obser-
varmos que o crescimento urbano, por não terem sido realizados
monitoramentos prévios por parte dos órgãos públicos, as próteses
que surgiram no espaço (SANTOS, 2008), como estradas, ruas, no-

134
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

vos logradouros foram surgindo sem nenhum planejamento colocando


em risco, ambientes naturais ímpares pertencentes ao bioma cerrado.
É o caso dos ecossistemas denominados de veredas (Figura 1), que
geomorfologicamente são porções espaciais que apresentam como
características principais o lençol freático bem próximo da superfície,
com forte presença de buritis (Mauritia flexuosa L.), que chegam a 15 me-
tros de altura, os quais deixam essas áreas com vegetação permanente
e densa durante o ano todo (AB’SABER, 2003). Além de proporcionar a
presença de lâminas d’água que formam pequenos córregos, os quais na
maioria das vezes são usados pela população como meio de lazer.
FIGURA 1: Área de veredas em processo de transformação em Uruçuí

FONTE: A. M. F. Barbosa (2008).

135
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A figura 1 apresenta como a organização da cidade foi realizada de


maneira casual, pois as novas estradas que ligavam o bairro centro
para o loteamento São Francisco, por exemplo, não atendiam a ne-
nhuma Legislação Ambiental provocando o aterramento das lâmi-
nas d’águas. Para muitos moradores locais, essas áreas eram uma
das formas de entretenimento nos finais de semana, pois realiza-
vam atividades como piquenique, banhos, dentre outras maneiras
de passatempo. Todavia, como pode ser observado na Figura 2, qua-
tro anos depois o mesmo local ganhou “ares” de modernidade e, a
zona urbana passou a ser compactar diversas áreas naturais, com a
ampliação da malha de ruas e avenidas asfaltada que colocaram em
segundo plano os danos no ambiente natural.
FIGURA 2: Área de veredas transformada, acesso ao loteamento São Francisco quatro anos depois

FONTE: A. M. F. Barbosa(2012).

136
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

O “famoso progresso” que chegou a cidade de Uruçuí nem sempre


acompanhou as necessidades básicas da população genuinamente
uruçuiense. Os anseios dos grupos dominantes que se instalaram
no município foram superiores, em prol do crescimento econômico
local numa escala nacional. Neste caso, podemos destacar que o lo-
teamento São Francisco mencionando nas Figuras 1 e 2, serviu como
área de assentamento de uma população carente que fora expulsa
de seus lugares de costume habitual.
Para Neves et al. (2015, p. 152), “a ocupação antrópica inadequada des-
sas áreas gera uma cadeia de impactos ambientais, que passa pela im-
permeabilização do solo, alterações na topografia, erosão das margens
e assoreamento dos cursos d’água, perda das matas ciliares, diminui-
ção da biodiversidade, aumento do escoamento superficial, etc”.
Tais impactos citados anteriormente são comuns nos três municí-
pios pesquisados, pois as lógicas de organização espacial ligada ao
desenvolvimento capitalista de produção são o viés de transforma-
ções que conquistam as sociedades, sobretudo se essa sociedade é
carente de recursos materiais e, tem grandes anseios de conquistar
dias melhores de vida. Para isso, não importa como os espaços geo-
gráficos sejam estruturados, e sim, que benefício pode lhe propor-
cionar no futuro (Figura 3).

137
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 3: Acesso a ponte sobre o rio Parnaíba em Uruçuí na divisa dos estados PI e MA

FONTE: A. M. F. Barbosa(2015).

A figura 3 apresenta uma das maiores reinvindicações dos produtores


rurais desta localidades, a ponte que dá acesso ao estado do Mara-
nhão, pois parte da produção é escoada para fora do país pelo Porto
de Itaqui, localizado na capital do estado a cidade de São Luiz. Para a
construção da ponte foram mais de dois anos para sua conclusão, pois
as poucas ações/intervenções do IBAMA na região, embargaram várias
vezes a construção, por não apresentar um relatório mais técnico mos-
trando os impactos ambientais provenientes da construção da ponte.
As bases de sustentação da ponte ficam dentro do curso do rio Parnaí-
ba e, nesta parte do curso do rio, já começa a ocorrer o aumento

138
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

das águas no leito inferior, por estar próximo da área que faz o re-
presamento das águas da barragem de Boa Esperança, a única usina
hidrelétrica insalada no Parnaíba.
Além disso, as lâminas d’água que aparecem na figura, não tem ori-
gem pluvial, e sim, afloramento dos mananciais que dos pequenos
corrégos que passavam na região antes da instalação da rodovia
e adjacências. Parte desse ecossistema alterado era considerado
como ambientes únicos dentro do raio urbano, que perderam com-
pletamente sua característica original, pois as próteses culturais
são acompanhadas de novos ordenamentos territoriais que deixam
cada dia o meio natural mais artificial.
Ademais, outro ponto que chamou atenção durante a pesquisa foi
a forte segregação social (CORRÊA, 1993). O surgimento de bairros
de classe média alta são uma constante no dia a dia dessas comu-
nidades. A especulação imobiliária passa a fazer parte de mais um
mercado promissor nestas localidades. Na maioria das vezes, esses
loteamentos são os principais redutos de migrantes e moradores
nativos, que são donos dos meios de produção, realizando, assim, a
divisão de classes em cidades, até então, eram consideradas despro-
vidas de recursos financeiros que ajudassem no desenvolvimento da
sociedade local.
Destarte, os “gaúchos” como são chamados os migrantes oriundos
dos estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso, Mato Gros-
so do Sul e até mesmo de outros países, como é o caso do México e
Itália, constituem os agentes sociais proprietários dos projetos agrí-
colas, são também os que reinventaram o modelo de organização
dos territórios dessas pequenas e médias cidades piauienses, crian-

139
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

do áreas consideradas “nobres” x “populares”. Sendo que surgem


a cada dia novas áreas com essa finalidade, redesenhando os espa-
ços geográficos dessas cidades (Figuras 4 e 5).
FIGURA 4: Condomínio Consórcio das Águas I em Bom Jesus.

FONTE: A. M. F. Barbosa (2013).

140
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 5: Aspectos das residênciasno loteamento São Francisco em Uruçuí

FONTE: A. M. F. Barbosa (2013).

Como podem ser observadas nas Figuras 4 e 5, as formas dos no-


vos bairros atendem ao modelo segregacional ocorrido de manei-
ra cada vez mais marcante nos municípios pesquisados. No entan-
to, vale ressaltar que essas condições espaciais, quando analisadas
dentro de um contexto geomorfológico, compreendem áreas que
estão sobrepostas em planícies, no caso aqui a superior das gran-
des redes hidrográficas que cortam a região, a do rio Parnaíba e
Gurgueia respectivamente.
Por conseguinte, o desmatamento das áreas de planície superior e de
outras compartimentações dos relevos nessas localidades, tem pro-
porcionado, cada vez mais, a perda da biodiversidade dessas cidades,

141
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

resultando num processo que pode levar a exaustão dos sistemas


biológicos tão marcantes existentes no bioma cerrado brasileiro.

Espaços no campo e a reprodução do modelo capitalista


de produção

As regiões destinadas à produção agrícola nos municípios fazem parte


de um processo de integração destinado ao estado do Piauí, a partir
do Programa de Desenvolvimento Rural Integrado (PDRI), que teve
como objetivo desenvolver diversas atividades econômicas em várias
localidades piauienses, como a região do Delta do Parnaíba, Vale do
Gurgueia e vale do rio Fidalgo nos anos de 1970. É dentro dessa pers-
pectiva que o paradigma modernização da agricultura chega ao Piauí
como algo que iria revolucionar a economia local.
Entretanto, a inserção do cerrado piauiense na economia agrícola
do Brasil decorreu da implantação de políticas públicas em níveis fe-
deral, estadual e da iniciativa privada a partir dos anos de 1970, além
destas localidades atenderem a alguns fatores de ordem física que
foram essenciais para efetivação dos programas governamentais,
que segundo Gonçalves (2008, p.47) foram,
[...] topografia plana que favorece a mecanização, as condições
climáticas com presença constante de luminosidade e ausência de
geadas, a existência de reservas minerais de rochas calcárias utili-
zadas na correção da acidez do solo, o grande potencial de águas
subterrâneas e de superfície, com vários rios perenes como o Uru-
çuí Preto, Gurgueia e Parnaíba e, principalmente, o baixo preço da
terra, com valores inferiores ao dos cerrados do restante no país.

142
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

A aplicação intensiva do capital no cerrado, segundo Monteiro


(2002) e Moraes (2000; 2005), concretizou a “vocação agrícola” que
caracterizou o bioma nos últimos anos do século passado, por meio-
da instalação de grandes projetos financiados no Nordeste como o
Fundo de Investimento do Nordeste Agropecuário (FINOR-Agrope-
cuário) e pelo Fundo de Investimento Setorial (FISET) para produto-
res migrantes do Centro-Sul e do próprio Piauí.
É dentro dessa lógica de desenvolvimento, que atende às aspirações
de grandes mercados nacionais e internacionais, que os municípios
de Baixa Grande do Ribeiro, Bom Jesus e Uruçuí, vão passar a
integrar o circuito mundial de grãos. E, com isso, passam também
a ser palcos dos principais conflitos ambientais que outrora só exis-
tiam nas áreas desenvolvidas há mais tempo, como por exemplo: o
desmatamento intensivo de grandes lotes de glebas; uso constante
de agrotóxicos; queimadas; assoreamento dos leitos dos manan-
ciais hídricos, dentre outros.
Cabe aqui destacar também que as unidades geoambientais pre-
sentes por toda área pesquisada, identificadas como: topo das cha-
padas, estuarinos e os terraços fluviais, respectivamente, estão em
constante foco de tensão derivado da pressão antrópica, a qual de
alguma forma tende a agravar cada vez mais os ambientes locais e
contribuir, decisivamente, no processo de limitação destas localida-
des para outros fins econômicos.
Conforme Barbosa (2009), as plantações de grãos em grande escala
mudaram completamente o aspecto físico da região, sobretudo no
topo das chapadas (Figura 6) por apresentarem condições topográ-
ficas consideradas excelentes para a mecanização da monocultura,

143
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

além de promover o desmatamento intensivo dessa unidade de pai-


sagem (Figura 7).
FIGURA 6: Feições geomorfológicas do topo das chapadas

FONTE: A. M. F. Barbosa (2015).

144
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 7: Condição ambiental dos topos das chapadas

FONTE: A. M. F. Barbosa (2015).

De acordo com as Figuras 6 e 7, pode-se concluir que a consolidação


cada vez mais expressiva da expansão da fronteira agrícola no cer-
rado piauiense tem incorporado novos objetos ou sistemas técnicos
ao modo de produção, que possibilitam o aumento dos lucros das
empresas, contribuindo a todo o momento, com a abertura de um
novo espaço de produção, como consequência do aumento da de-
manda do mercado consumidor nacional e internacional.
Contudo, tais mudanças nos ambientes espaciais não são tão re-
centes, e, mesmo assim, é constantemente deixada de lado a ela-
boração de uma avaliação ambiental dos geoambientes, sobretudo
pelos órgãos competentes do estado e do município que fiscalizam

145
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

espaços altamente antropizados, cenários de constantes focos de


tensões socioambientais, como é o caso da região que compreende
todo o Sudoeste do Piauí, especialmente o bioma cerrado.
Nesse sentido, Barbosa (2013) destaca que algumas medidas mitiga-
doras foram adotadas, tais como rotação e diversificação de cultu-
ra, pousio, dentre outros, sobretudo pelos produtores rurais locais
para minimizar, equilibrar e/ou equacionar os conflitos ambientais
tão presentes na área de estudo. No entanto, não resolvem de ma-
neira sustentável os problemas ligados a quebra do equilíbrio bioló-
gico, manutenção da fauna e flora que são consequências das ações
realizadas intensivamente nestes municípios.
Outro ponto, é necessário chamar a atenção é que praticamente to-
dos os lotes de glebas que estão hoje no estado natural de suas for-
mações físicas, como: cobertura vegetal, solos e fauna, compreen-
dem áreas destinas a única reserva ecológica existente em todo o
cerrado piauiense, a Estação Ecológica Uruçuí-Una. A Estação possui
uma área de abrangência de 135.120,46 hectares, foi cirada pela Lei
Federal decreto nº 86.061, de 02 de junho de 1981. Essa Estação foi
criada para o desenvolvimento de pesquisas realizadas na região.
Porém, perante todo o dinamismo espacial existente no local abor-
dado neste artigo, deveriam existir mais áreas que tivessem a mes-
ma finalidade da Estação Ecológica, o que poderia intimidar um pou-
co mais o avanço da monocultura, permitindo a desaceleração do
desmatamento e das queimadas tão frequentes na região.

146
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Cerrado constitui o segundo maior bioma do território brasileiro,


só perde em tamanho para a Floresta Amazônica, no entanto, tem
sido um dos biomas mais degradados nos últimos anos do século
passado e no hodierno até o momento.
A expansão da fronteira agrícola no Brasil levou a consolidação de
grandes projetos agrícolas na região Nordeste, que revolucionaram
a economia da região, criando novos municípios e levando ao apare-
cimento de outros com destaque no acúmulo de riquezas provenien-
tes da produção de grãos, como é o caso dos municípios localizados
no Piauí que foram integrados no circuito mundial de exportação.
Contudo, essa integração econômica veio acompanhada de uma
degradação dos ambientes naturais de forma intensa, pois os orde-
namentos dos territórios que tem a finalidade de atender as necessi-
dades dos donos dos meios de produção foram alterados profunda-
mente, provocando impactos ambientais negativos por falta de um
planejamento prévio em todos os municípios, quando diz respeito,
sobretudo ao desmatamento, as queimadas, assoreamento e com-
pactação dos mananciais hídricos, silvicultura do Eucalipto (Eucalyp-
tusspp), abertura de estradas com a expansão da malha rodoviária.
Portanto, conclui-se que caso esses impactos não sejam levados em
consideração pelo poder público local, estadual e nacional, com a
implantação de uma fiscalização mais eficaz no sentido de manuten-
ção do equilíbrio ecológico nos três municípios citados na pesqui-
sa e em toda a região que compreende o bioma cerrado, corre um
grande risco de terem desequilíbrios ambientais irreversíveis, sendo

147
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

este o triste legado deixado pela sociedade que migrou para o Piauí
e modernizou a agricultura no estado.

REFERÊNCIAS
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148
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

MONTEIRO, M. do S. L. Ocupação do cerrado piauiense: estratégia empre-


sarial e especulação fundiária. Tese (Doutorado em Economia Aplicada) –
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149
Do ambiente natural ao espaço cons-
truído: a fisiologia da paisagem e o GTP
como método de análise geográfica

Jailton de Jesus Costa1


Rosemeri Melo e Souza2
Francisco de Assis Mendonça3

INTRODUÇÃO

Quer nos parecer, entretanto, que o setor mais difícil da pesquisa


geográfica diz respeito à compreensão da dinâmica em processo,
ou seja, o estudo propriamente dito da fisiologia da paisagem. Muito
embora as bases das ciências da Terra tenham sido assentadas na
observação dos processos atuais – entendidos como chave para a
interpretação dos processos pretéritos – o que se conhece efetiva-

1 Doutor em Geografia. Colégio de Aplicação da UFS. E-mail: jailton@ufs.br


2 Doutora em Desenvolvimento Sustentável/ Gestão Ambiental. Dep. de Engenharia Ambi-
ental da UFS. rome@ufs.br
3 Doutor em Geografia. Dep. de Geografia da UFPR. chico@ufpr.br
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

mente sobre a fisiologia global dos diversos tipos de paisagem ainda


deixa muito a desejar (AB’ SÁBER, 1969c, p. 4 - 5).
O desafio inovador da Geografia, Ciência que se encontra entre a
área das Ciências Humanas e da Exatas e da Terra é exatamente en-
tender a complexidade dos fenômenos que se dão entre as relações
da natureza com a sociedade, sendo esse o objetivo da pesquisa
ambiental na Ciência Geográfica.
A relação homem-natureza e dos grupos sociais entre si, bem como a
forma de apropriação dos recursos naturais são fatores determinantes
do estado atual do meio ambiente e da qualidade de vida da sociedade.
O presente capítulo está subdividido em duas partes. Na primeira,
é construída uma reflexão relativa a uma das categorias de análise
geográfica, que se faz ímpar, na medida em que é a partir do estu-
do da fisiologia da paisagem que se desnuda a relação sociedade/
natureza, é nela onde se materializa a ação antropogênica nas suas
variadas vertentes e onde se expressa a relação de estranhamen-
to quando deveria haver simbiose. A paisagem, portanto, deve ser
compreendidapara além de sua fisionomia/morfologia.
Na segunda, se debate a eficiência do sistema GTP enquanto mé-
todo aplicável e eficiente para o planejamento das atividades que
visam à preservação, conservação e a recuperação dos recursos na-
turais existentes.
Objetivou-se com esse estudo discutir as bases da fisiologia da pai-
sagem e apresentar uma metodologia para estudos geográficos e
ambientais: a aplicação do GTP.

151
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

O presente recorte teórico, parte da tese de Doutorado do primei-


ro autor, foi construído a partir de uma etapa documental única,
mediante coleta de dados (bibliográficos, cartográficos e imagéti-
cos) preliminares, analógicos e digitais, em fontes diversas dispo-
nibilizadas em órgãos da administração pública direta e indireta, a
exemplo de teses, dissertações, livros, capítulos de livros, artigos
científicos publicados em periódicos no banco de dados da CAPES,
dentre outras bases.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A Fisiologia da Paisagem

De acordo com Passos (2006-2008), a origem da palavra paisagem


procede da linguagem comum e nas línguas românicas deriva do la-
tim (pagus, que significa país), com o sentido de lugar, setor terri-
torial. Assim, dela derivam as diferentes formas: paisaje (espanhol),
paysage (francês), paesaggio (italiano) etc. As línguas germânicas
apresentam um claro paralelismo através da palavra originária land,
com um sentido praticamente igual e da qual derivam landchaft (ale-
mão), landscape (inglês) etc. Esse significado de espaço territorial,
mais ou menos definido, remonta ao momento da aparição das lín-
guas vernáculas e pode-se dizer que esse sentido original, com cer-
tas correções, é válido até hoje.

152
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Em hebraico, o vocábulo nofl (paisagem) está relacionado com yafe,


que significa algo maravilhoso, aparecendo pela primeira vez no Li-
vro dos Salmos (48:2). Em holandês, escreve-se landschap, origina-
do do vocábulo germânico landschaft, que significa uma unidade de
ocupação humana, uma jurisdição (CHRISTOFOLETTI, 1999; SCHA-
MA, 1996; PREGILL; VOLKMAN, 1998).
Etimologicamente, o vocábulo paisagem surgiu no século XVI e está
ligado a país, denotando o sentido de região, território, nação. O
vocábulo território, por sua vez, surgiu no século XV e está ligado ao
vocábulo terra (CUNHA, 1982).
Antes do século XVII, aparece, na literatura, a intenção deliberada de
evocar as paisagens. A poesia e o teatro, tanto do ocidente como do
oriente, apelavam à decoração artificial, simbólica, mística ou alegórica.
A discussão da paisagem é um tema antigo na Geografia. Desde o sé-
culo XIX, a paisagem vem sendo discutida para se entender as relações
sociais e naturais num determinado espaço. Dentro da Geografia, a
interpretação do que é uma paisagem diverge dentro das múltiplas
abordagens geográficas. Observa-se que existem certas tendências
“nacionais” mostrando que o entendimento do conceito depende,
em muito, das influências culturais e discursivas entre os geógrafos.
A partir do século XIX, o termo paisagem é profundamente utilizado
em Geografia e, em geral, se concebe como o conjunto de formas
que caracterizavam um setor determinado da superfície terrestre. A
partir dessa concepção que considera puramente as formas, o que
se distingue é a heterogeneidade da homogeneidade (conceitos
que, mais tarde, viriam a trazer problemas em relação à escala, à

153
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

complexidade e à globalidade das formas de superfície terrestre),


de modo que se podem analisar os elementos em função de sua for-
ma e magnitude e, assim se obter uma classificação de paisagens:
morfológicas, vegetais, agrárias, entre outras. Esse conceito de pai-
sagem foi introduzido em Geografia por A. Hommeyerem median-
te a forma alemã Landschaft, entendendo, exatamente, por esse
termo o conjunto de elementos observáveis desde um ponto alto
(PASSOS, 2006-2008).
Ainda para o mesmo autor, a conceitualização da paisagem como
um objeto de pesquisa próprio e generalizado foi definida somente
recentemente, graças a uma conjunção de dados científicos exterio-
res à Geografia:
• o desenvolvimento da teoria e da reflexão epistemológica em
todas as pesquisas ditas “de ponta”, muito particularmente
em Biologia e em ligação estreita com os problemas de se-
mântica e de classificação;
• a vulgarização dos métodos matemáticos e informáticos, que
permite tratar rapidamente dados múltiplos e de aparência
heteroclítica pelo viés das análises multivariadas;
• os progressos da Ecologia de síntese ou biocenótica, que au-
torizaram o estudo global da Biosfera com a ajuda de um pe-
queno número de conceitos integradores simples (ecossiste-
ma, biocenose, biótopo, cadeia trófica etc.);
• a contribuição das escolas geográficas, que desenvolveram
estudos integrados, práticos ou teóricos, qualitativos ou quan-
titativos (ex-URSS, Europa do Leste, Austrália, Canadá etc.);

154
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

sobre o plano técnico, a generalização da fotointerpretação e o


avanço da teledetecção, que fornecem documentos particular-
mente adaptados ao exame global das paisagens;
enfim, não se entenderia o desenvolvimento da Ciência da Pai-
sagem fora dos problemas do meio ambiente da organização
dos recursos naturais e da proteção da natureza que colocam,
em termos novos e graves, a questão das relações entre os in-
divíduos, as sociedades e os meios ecológicos (PASSOS, 2003).
Percebe-se, então, que a paisagem, na Geografia, teve grande ênfase
no século XIX, perdendo vigor no século XX, quando outros concei-
tos ganharam destaque na compreensão do espaço geográfico. So-
mente no final do século XX, por volta dos anos 70, é que ocorre uma
retomada do estudo da paisagem, já que esta categoria deixou, por
um tempo, de ser o centro das discussões e investigações científicas.
Sendo assim, a emergência do conceito de paisagem participa de
uma renovação da pesquisa na interface da sociedade e da nature-
za. Tal emergência está combinada com outras tentativas que, sem
estarem diretamente ligadas à paisagem, situam-se às suas margens
(pesquisa sobre meio ambiente e estudos de impactos).
Na Geografia Física, o tratamento da paisagem será feito por Pas-
sarge (1866-1958) (PASSARGE, 1919/1920; 1922) em suas obras Pysio-
logische Morphologie (1912), Die Grundlagen der Landschaftskunde
(1919/1920) e o Die Landschaftsgurtel der Erde(1922). Nelas, o coro-
lário da fisiologia da paisagem foi o eixo estruturador de sua obra.
Assim, a compreensão do processo genético e estruturador das pai-
sagens naturais, associado a um instrumental cartográfico, permiti-

155
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ria ao geógrafo estabelecer uma ordem e uma hierarquia entre as


paisagens, passando do nível local ao zonal.
Dentre tais investigações, há um ramo que discute a estrutura da
paisagem (Ecologia das Paisagens) e investiga a influência de pa-
drões espaciais sobre os processos ecológicos. Estes, distribuídos
espacialmente, articulam-se de forma a responder às alterações
que lhes são oferecidas por conjuntos de ações de caráter natural
ou antrópico.
Para Rodriguez; et al., (2007) a estrutura da paisagem caracteriza
a forma de sua organização interior, as relações entre os compo-
nentes que a formam e das subunidades de paisagens de categoria
inferior. Determinar e investigar a estrutura da paisagem significa
conhecer sua essência. Neste sentido, a análise estrutural consiste
em explicar como se combinam os seus componentes para dar lugar
às formações integrais e como é a organização estrutural do siste-
ma paisagístico.
Ainda para os mesmos autores, o princípio estrutural no estudo das
paisagens sustenta que a paisagem possui os índices e as proprieda-
des dos objetos materiais estruturais. A sua organização se relaciona
com o nível estrutural, sendo que a estrutura da paisagem reflete a
organização sistêmica de seus elementos funcionais e as regulações
que determinam sua essência, sua morfologia e sua integridade.
Assim, a estrutura é um elemento relativamente estável e inerente
à sua organização como sistema. Mediante a análise paisagística,
descobre-se a hierarquia das paisagens no espaço geográfico. Por
outra parte, a homogeneidade relativa da estrutura sem um nível
hierárquico dado manifesta-se mediante a estabilidade com relação

156
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

aos impactos e cargas tanto naturais como antropogênicas, o cará-


ter das reações e a capacidade de restabelecer sua estrutura ao seu
regime de funcionamento.
A estrutura define-se como o conteúdo de elementos de um sis-
tema e de certo tipo de relações entre tais elementos. Como es-
trutura espacial, concebem-se as agrupações reais territoriais das
formações naturais que se repetem ou transformam-se de forma
regular, formando uma integridade que corresponde a um ou ou-
tro táxon do conjunto geral das unidades naturais (ALEKSANDRO-
VA; PREOBRAJENSKI, 1982).
Dessa maneira, a análise estrutural das paisagens, de acordo com
Rodriguez; et al., (2007) inclui as seguintes questões: elaboração
das definições e a fundamentação conceitual das estruturas paisa-
gísticas; inventário e cadastro das ditas estruturas; correspondên-
cias entre as estruturas dos componentes individuais; inter-relações
entre as estruturas espaciais de origem natural e antrópica; classifi-
cação e tipologia das estruturas espaciais e, elaboração dos méto-
dos quantitativos como formas de conhecimento instrumental das
estruturas espaciais. A análise estrutural da paisagem representa,
de tal modo, um conjunto de procedimentos científicos e de mé-
todos encaminhados a determinar a geodiversidade paisagística ou
diversidade geoecológica.
Para compreender os processos que atuam em qualquer paisagem,
deve-se partir do conhecimento de suas características. Tais caracte-
rísticas estão atreladas ao funcionamento da vida, que se dá através
de processos interativos permanentes com o meio físico geográfico.

157
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

O meio geográfico é entendido como a superfície de contato entre


elementos de origem biótica e abiótica. Tais elementos manifestam-
-se em escalas de tempo e espaço muito variadas, cujas dinâmicas
são regidas por sínteses complexas de interações bio-físico-quími-
cas, onde a alteração em um dos componentes causa interferências
sobre o conjunto da combinação.
A existência do meio geográfico está ligada, por sua vez, ao papel
que a intervenção do homem exerce na rede de combinações entre
os elementos da litosfera, da atmosfera, da hidrosfera e da biosfe-
ra (biocenose). A abordagem que insere o homem no conjunto dos
processos dinâmicos pode ser bem visível nos estudos que abarcam
a análise da paisagem, sob uma dimensão integradora de seu fun-
cionamento (Fisiologia da Paisagem).
Parafraseando Rodriguez; et al., (2007), o enfoque funcional da
análise da paisagem tem por finalidade esclarecer como ela está
estruturada, ou seja, quais são as relações funcionais de seus ele-
mentos, por que está estruturada de determinada maneira (rela-
ções genéticas ou casuais) e para que está estruturada de certa
forma (quais são suas funções naturais e sociais). Fundamenta-se
em que, na paisagem, todos os elementos cumprem funções de-
terminadas e participam de forma peculiar no seu processo de gê-
nese, ligada ao funcionamento.
A gênese da paisagem é uma das manifestações das formas com-
plexas do movimento da matéria que existe na Natureza e na So-
ciedade, sendo o portador de processos tais como: a geogênese,
a pedogênese e a biogênese. A gênese da paisagem ocorre nos li-
mites do seu perfil vertical, sendo sua principal força de movimen-

158
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

to o intercâmbio ativo de energia e substâncias (ALEKSANDROVA;


PREOBRAJENSKI, 1982).
A gênese paisagística é um processo que ocorre nos limites da frontei-
ra superior da paisagem na atmosfera até o limite inferior da camada
de alteração do intemperismo. Nestes limites, muda a estrutura da
paisagem, o regime de seu funcionamento e ocorrem os processos
evolutivos. Entre os elementos estruturais dos geocomplexos, nestes
limites, realiza-se o intercâmbio de energia e substâncias ativas. A for-
mação conjunta dos fatores, componentes e processos no tempo é
uma condição necessária para o efeito na formação e funcionamento
da paisagem, ou seja, a gênese da paisagem, propriamente dita, como
fenômeno. Os fatores mencionados (componentes), ao interatuar de
forma permanente, formam uma unidade natural (ou seja, o fenôme-
no paisagístico) que se controla pelas funções de cada um dos fatores
em uma determinada medida de suas magnitudes (RODRIGUEZ; et
al., 2007). Devido a isso, as diversas unidades de paisagens tornam-se
independentes do fundo físico-geográfico comum. Tal enfoque fun-
cional considera, ainda, que é necessário estudar o objeto de forma
direta, determinando as relações estruturadas entre seus elementos,
fixados de forma histórica sobre a base de determinadas proprieda-
des genéticas da paisagem (fisiologia).
Para Conti (2001), a fisiologia da paisagem é compreendida como
uma abordagem metodológica, que procura, em seus três níveis de
tratamento, compreender a dinâmica estabelecida no metabolismo
primário natural, bem como nas interferências antrópicas registradas
como, por exemplo, na configuração de um metabolismo urbano.

159
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A fisiologia da paisagem constitui-se em uma proposta metodológica


para a Ciência Geográfica, bem como para a Ciência Geomorfológi-
ca, apresentando níveis de tratamento de informações, resultando,
conforme descrito por AB’Sáber (1969), em uma simbiose conceitual.
AB’Sáber (1969), sistematizou três níveis de tratamento essenciais na
metodologia das pesquisas geomorfológicas, sendo eles:
• a Geomorfologia é um campo científico que cuida do enten-
dimento da compartimentação da topografia regional, as-
sim como da caracterização e descrição, tão exatas quanto
possíveis, das formas de relevo de cada um dos comparti-
mentos estudados;
• a Geomorfologia – além dessas preocupações topográficas e
morfológicas básicas e elementares – procura obter informa-
ções sistemáticas sobre a estrutura superficial das paisagens
referentes a todos os compartimentos e formas de relevo ob-
servados. Através desses estudos, por assim dizer, estruturais
superficiais, e, até certo ponto, estáticos, obtém-se ideias da
cronogeomorfologia e as primeiras proposições interpretati-
vas sobre a sequência de processos paleoclimáticos e morfo-
climáticos quaternários da área de estudo;
• em um terceiro nível, a Geomorfologia moderna busca enten-
der os processos morfoclimáticos e pedogênicos atuais, em
sua plena atuação, ou seja, procura compreender globalmen-
te a fisiologia da paisagem, através da dinâmica climática e de
observações mais demoradas e sob controle de equipamen-
tos de precisão. No caso, ao em vez de estudar os resultados
cumulativos dos eventos quaternários inclusos na estrutura

160
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

superficial da paisagem, pretende-se observar a funcionalida-


de atual e global desta mesma paisagem (dinâmica climática
e hidrodinâmica). Forma de relevo, solo e subsolo estão sujei-
tos à atuação conjunta dos fatos climáticos em sua sucessão
efetiva na área considerada.
No Brasil, a maior contribuição aos estudos sobre as paisagens natu-
rais foi de AB’Sáber (1969), que promoveu uma renovação metodo-
lógica e instrumental nas pesquisas geomorfológicas desenvolvidas
no território nacional. Recuperando o conceito de fisiologia da pai-
sagem, AB’Sáber compreendeu a paisagem como sendo o resultado
de uma relação entre os processos passados e os atuais. Assim, os
processos passados foram os responsáveis pela compartimentação
regional da superfície, enquanto que os processos atuais respon-
dem pela dinâmica atual das paisagens.
Tal dinâmica, fruto da relação entre a natureza e a sociedade, ao
modificar e transformar o ambiente natural, de acordo com suas ne-
cessidades, acarreta desequilíbrios perceptíveis ao longo de toda a
biosfera, em todos os domínios naturais. Portanto, enquanto a eco-
logia da paisagem trata da estrutura dos ambientes, a fisiologia da
paisagem discute as dinâmicas, as interações e relações ocorridas
entre a natureza e a ação do homem.
De acordo com Casseti (2005), a Fisiologia da Paisagem tem por
objetivo “entender os processos morfoclimáticos e pedogênicos
atuais”. Refere-se, portanto, ao estudo da situação do relevo atual,
fruto das relações morfodinâmicas resultantes da consonância en-
tre os fatores intrínsecos, ou seja, inerentes ao próprio relevo, e os
fatores extrínsecos, dando ênfase ao uso e ocupação do modelado

161
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

enquanto interface das forças antagônicas. Partindo do princípio de


que praticamente toda superfície tenha sido apropriada de alguma
forma pelo homem, o referido nível necessariamente incorpora as
transformações produzidas e consequentes intervenções nos meca-
nismos morfodinâmicos, como a alteração na intensidade do fluxo
por terra, refletindo diretamente no comportamento do relevo.
Ainda para o mesmo autor, embora a fisiologia da paisagem centre
atenção no momento histórico atual, não deixa de levar em conside-
ração os resultados dos mecanismos associados ao tempo geológico,
responsável pela evolução do relevo, expresso na compartimenta-
ção topográfica e nos depósitos correlativos à estrutura superficial.
Assim, o desenvolvimento do terceiro nível de abordagem do relevo
pressupõe conhecimento dos dois níveis antecedentes.
Há que entender a fisiologia da paisagem apoiada, pelo menos, nos
seguintes conhecimentos: a sucessão habitual do tempo e atuação
de fatos climáticos não habituais (fenômenos isolados, a exemplo de
cheias ou secas), a ocorrência de processos espasmódicos, a hidro-
dinâmica global da área e, ainda, levando-se em conta os processos
biogênicos, químicos inter-relacionados. Evidentemente, variações
sutis de fisiologia podem ser determinadas por ações antrópicas
predatórias, as quais, na maior parte dos casos, são irreversíveis
em relação o “metabolismo” primário do meio natural. Na verda-
de, intervenção humana nos solos responde por complexas e sutis
variações na fisiologia de uma determinada paisagem, imitando, até
certo ponto, os acontecimentos de maior intensidade, relacionados
às variações climáticas quaternárias (AB’SÁBER, 1965, pp. 147-148).

162
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Em termos geográficos, pode-se definir Fisiologia da Paisagem


como o estudo de um espaço qualquer, observando-se as dinâmicas
e as interações (relações ocorridas entre a natureza e a ação do ho-
mem). É a integração entre os objetos naturais e a relação espacial
do homem com o lugar, pois em cada espaço há uma dinâmica que
precisa ser estudada para a definição desse espaço. A Fisiologia da
Paisagem não deve ser definida, apenas, como um espaço natural,
pois deve considerar elementos humanos contidos na paisagem, já
que o homem é seu grande transformador.
A fisiologia da paisagem vai além do visível, compreende os pro-
cessos passados, responsáveis pela compartimentação regional
da superfície, e atuais que respondem pela dinâmica atual da pai-
sagem (VITTE, 2007)
Portanto, o estudo da fisiologia da paisagem reveste-se de grande
importância na análise do relevo, por incorporar conhecimentos en-
volvendo fatos de interesses diversos e atuais. Por inserir o homem
na análise dos processos, assume relevância enquanto temática de
interesse geográfico. A apropriação do relevo pelo homem, como
recurso ou suporte, é responsável por alterações substanciais do seu
estado natural, como a implementação de cultivos que ocasionam
desmatamento, modificando radicalmente as relações processuais:
do predomínio da infiltração para o domínio do fluxo por terra; o
desenvolvimento da morfogênese em detrimento da pedogênese;
as atividades erosivas em relação ao comportamento biostásico, re-
lativo ao estágio precedente; as perdas de recursos para adoção de
medidas corretivas em detrimento de investimentos que poderiam
ser destinados a benefícios sociais (CASSETI, 2005).

163
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Segundo AB’Sáber (1969), os estudos sobre a fisiologia da paisagem


têm que se pautar por séries de informes prolongados, obtidos em
todos os tipos de tempo mais representativos para a área e incluin-
do observações realizadas em momentos críticos para a atividade
morfogênica. Em muitos aspectos, as observações sobre a epider-
me da paisagem constituem modalidades de pesquisa, em grande
parte aparentadas com as técnicas da geologia de superfície, atra-
vés das quais observam fatos estáticos (cortes, afloramentos, solos
superpostos), visando compreender a dinâmica do passado recente.
Atualmente, a ideia da paisagem merece mais atenção pela avalia-
ção ambiental e estética. Neste sentido, depende muito da cultura
das pessoas que a percebem e a constroem. Ela é, assim, um produ-
to cultural resultado do meio ambiente sob ação da atividade huma-
na. “O aspecto cultural tem desempenhado um papel importante na
determinação do comportamento das pessoas em relação ao am-
biente” (SCHIER, 2003, p. 80). Determinadas paisagens apresentam
marcas culturais na sua configuração e recebem, deste modo, uma
identidade típica. A problemática ambiental moderna está ligada à
questão cultural e leva em consideração a ação diferenciada do ho-
mem na paisagem. Desta forma, a transformação da paisagem pelo
homem representa um dos elementos principais na sua formação.
Dentro da Geografia Física, a visão da paisagem foi ampliada com
a incorporação de elementos da civilização, conforme exposto nas
obras de Eugene Pleasants Odum (1971). Nesta discussão, gradati-
vamente, o termo “paisagem” é substituído por “ecossistema”,
enfocando-se a análise nos elementos funcionais, integrativos e
menos na parte descritiva. Esta percepção da unidade da paisagem

164
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

por meio das relações dos ecossistemas ajuda, em muito, durante


os anos 1980, a incorporar as ideias de desenvolvimento sustentável
e do ecocentrismo. Nesse aspecto, a paisagem volta a tomar corpo
tanto como objeto de exploração por grupos econômicos como ob-
jeto de interesse de proteção de uma coletividade com certa cons-
ciência ambiental.
Ocorre aqui, especificamente, que a visão ecossistêmica perde um
pouco sua espacialidade, tornando-se mais biológica e menos geo-
gráfica, já que Odum é, notoriamente, biólogo. Assim, a multidisci-
plinaridade ganha força no estudo do meio ambiente e da Geogra-
fia. Neste momento, abre-se o campo para uma nova visão cultural
da Geografia Física. Esta precisa do elemento humano, sem o qual
não teria uma significação, uma vez que o próprio pesquisador é um
agente cultural.
Paralelamente, porém, continua a diferença na interpretação da
paisagem. Segundo Schier (2003), enquanto na Geografia Física
prevalece um entendimento da paisagem como sistema ecológico,
a Geografia Humana aponta mais uma abordagem interpretativa.
Abre-se, desta forma, uma dialética entre o concreto e o abstrato,
novamente ao longo da questão do entendimento da paisagem,
seja em termos materiais ou de significação. Entende-se, aqui, que
essa diferença é necessária e benéfica, uma vez que cada fenômeno
requer uma análise específica para cada nível de interpretação.
Para Suertegaray (2000, p. 13-14), “os conceitos geográficos expres-
sam níveis de abstração diferenciados e, por consequência, possibi-
lidades operacionais também diferenciadas”. Na compreensão da
autora, o espaço geográfico é o conceito balizador da Geografia, e

165
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

deve ser pensado como um todo uno e múltiplo, aberto a múltiplas


conexões. O espaço geográfico pode ser lido através do conceito
de paisagem e/ou território, e/ou lugar, e/ou ambiente, sem desco-
nhecer que cada uma dessas dimensões está contida em todas as
demais. Paisagens contêm territórios que contêm lugares que con-
têm ambientes valendo, para cada um, todas as conexões possíveis.

APLICAÇÃO DO GTP COMO MÉTODO


DE ANÁLISE GEOGRÁFICA

Contribuir para percepção e reflexão do papel da Geografia Física,


enquanto Ciência que analisa o espaço geográfico e, em especial,
a dinâmica ambiental é pensar, cada vez mais, na intrínseca relação
sociedade e natureza. Isto porque, desde 1898, William Morris Da-
vis, defendia a Geografia Física como “o estudo do meio físico trans-
formado pelo homem”.
Percebe-se, nos primeiros enunciados de geógrafos físicos, a neces-
sidade de análise da ação humana. Entre eles, destaca-se Golomb
e Eder (1964) os quais afirmaram que somente uma parte relativa-
mente pequena da literatura estudada assinalou o papel do homem
como agente geomórfico - o de exercer notável efeito sobre a cros-
ta terrestre. Cinco anos mais tarde, Chorley e Kates (1969) assegu-
raram que uma Geografia Física mais significativa e mais relevante
pode surgir como produto da nova geração de geógrafos físicos,
que desejem e sejam capazes de fazer face às necessidades con-
temporâneas de toda a disciplina, e que estejam preparados para se

166
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

concentrar nas áreas da realidade física especialmente relevantes à


Geografia orientada pelo homem.
A discussão sobre a relevância e a necessidade de se incluir a ação
humana em seus trabalhos foi iniciada demasiadamente tarde pelos
geógrafos físicos. Mendonça (1989) relata que, até a década de cin-
quenta do século XX, a Geografia Física caracterizou-se por estudos
dos aspectos do quadro natural do planeta, de maneira individua-
lizada entre si e distante da Geografia Humana. O que a constituía
uma ciência da natureza, distante do princípio básico da Geografia
no geral (relação homem e natureza), isto é, excluía o homem de
seu quadro de abordagem e preocupações.
Com a emergência e intensidade das questões ambientais, a Geo-
grafia vem se preocupando com a construção de um conhecimen-
to mais profundo sobre a relação da sociedade com a natureza,
entre os homens e seu (s) meio (s) ambiente (s), considerando-se
que o homem é promotor de profundas transformações da natu-
reza pela via do sistema econômico, político e cultural em que se
organiza (SOUZA, 2010).
De acordo com Passos (2011),
a Geografia Física deve sair de seu (relativo) isolamento. A questão
do meio ambiente não é mais apenas uma questão de pesquisa e
de método. Face à mudança global, material e imaterial, é preciso
inventar um paradigma. Até o momento temos um sistema de re-
ferência tripolar – GTP: Geosistema - Território – Paisagem (...). O
GTP parte de três polos fundamentais à reconstrução da Geogra-
fia física: (a) um polo epistemológico; (b) um polo metodológico;
e (c) um polo didático, cada vez mais essencial (PASSOS, 2011).

167
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

O geossistema, o território, a paisagem são três maneiras de se con-


siderar um objeto único que é o espaço que nos cerca, em uma pala-
vra, o meio ambiente. Os aproximar sem os confundir num sistema
tripolar permite introduzir a diversidade e de a flexibilizar num sis-
tema complexo. Estas são três entradas complementares e interati-
vas. O Geosistema com finalidade naturalista toma em consideração
a “natureza” antropizada. O Território com finalidade socioeconô-
mica corresponde à abordagem clássica da Geografia Humana. A
Paisagem com finalidade cultural introduz a dimensão das imagens
e das representações. Não há hierarquia entre os três polos, mas
complementaridades: é isto que dá a flexibilidade ao funcionamen-
to científico” (PASSOS, 2011).
A literatura geográfica brasileira apresenta poucos trabalhos sobre
o GTP, alguns tratam de aspectos teóricos, outros, porém, aplicam a
teoria à análise do espaço geográfico (Tabela 01).
TABELA 01 – Relação de Obras de Autores Brasileiros sobre o GTP.
OBRA AUTOR(ES) TIPO LOCAL ANO
Uma Geografia transversal e Messias Modesto Livro Maringá: Ed. 2007
de travessias: o meio ambiente dos Passos (Org.). Massoni.
através dos territórios e das
temporalidades.
O Sistema GTP (Geossistema- Reginaldo José de Artigo Revista Forma- 2009
-Território-Paisagem) como Souza ção. Unesp. ISSN:
novo projeto Geográfico para a 1517-543X
Análise da Interface Sociedade-
-Natureza
Geossistema Território e Pai- Mariza Cleonice Artigo Revista Geogra- 2009
sagem - Método de Estudo Pissinati; Rosely fia. Londrina.
da Paisagem Rural sob a ótica Sampaio Archela
ISSN: 0102-3888
Bertrandiana

168
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

OBRA AUTOR(ES) TIPO LOCAL ANO


O Sistema GTP (Geossistema- Reginaldo José de Disser- Biblioteca da 2010
-Território-Paisagem) aplicado Souza tação UNESP – Presi-
ao estudo sobre as dinâmicas dente Prudente
socioambientais em Mirante do
Paranapanema-SP.
Geossistema, Território e Paisa- Nathália Prado Artigo Anais do VI 2010
gem como Método de Análise Rosolém; Rosely Seminário Lati-
Geográfica. Sampaio Archela no-Americano de
Geografia Física
Para que serve o GTP (Geosiste- Messias Modesto Artigo Encontro de 2011
ma – Território – Paisagem)? dos Passos Geógrafos da
América Latina
ORGANIZAÇÃO: Jailton de Jesus Costa

FONTE: Pesquisa realizada entre 2010-2012.

Percebe-se, na Tabela 01, a escassez de trabalhos sobre GTP (Geos-


sistema-Território-Paisagem) e o seu recente uso, apesar de ter sido
proposto por Bertrand em 1990. Ou seja, pelo que foi levantado até
esta parte da pesquisa, conclui-se que foram quase duas décadas até
a primeira publicação sobre GTP por um autor brasileiro. Vale ressal-
tar que apenas a primeira obra da tabela acima foi organizada por um
brasileiro, sendo esta, na verdade, uma tradução da obra de Bertrand.
Em síntese, pode-se considerar o Geossistema como um comple-
xo formado pelas relações naturais existentes entre os elementos
bióticos e abióticos. O Território é a forma de uso político, social e
econômico do espaço geográfico. E a Paisagem é expressão cultu-
ral, manifesta através da apropriação, da utilização e do significado
que é atribuído aos elementos do Geossistema, pela comunidade
local. A meta do sistema GTP, como metodologia é reaproximar es-
tes três conceitos para analisar como funciona um determinado es-

169
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

paço geográfico em sua totalidade. Trata-se então, essencialmente,


de apreender as interações entre elementos constitutivos diferen-
tes para compreender a interação entre a Paisagem, o Território e o
Geossistema (PISSINATI; ARCHELA, 2009).
O GTP emerge a partir de uma necessidade de mudança paradigmá-
tica na Ciência Geográfica, buscando entender os fenômenos entre
natureza e sociedade de maneira integrada, onde Geossistema, Ter-
ritório e Paisagem aparecem com significados e valores diferencia-
dos, porém, coexistentes e conferindo dinâmica àquilo que chama-
mos de Espaço Geográfico.
Com base ainda nas inter-relações de causa e efeito, Monteiro (2000)
enfatiza que a integração nos Geossistemas deve ser considerada em
função de variantes importantes, configurando o trinômio: Espaço (a
extensão do território focalizado, o que conduz a escolha da escala
de abordagem); Tempo (a duração histórica da ocupação humana e
sua importância processual no jogo de relações do Geossistema) e;
Estrutura interna e dinamismo funcional (o grau de intensidade sob
o qual se manifestam as ações antropogênicas em suas relações com
diferentes partes em que se subdividem os Geossistemas, devendo
ficar claro que estes três aspectos são suscetíveis de apresentar dife-
rentes arranjos e combinações entre eles).
O tempo, neste contexto, se apresenta em três formas diferentes: o
tempo da natureza (necessário ao equilíbrio dos sistemas naturais),
o tempo histórico das sociedades (para a sedimentação de um ter-
ritório) e o tempo da atualidade (que confere movimento e sentido
a uma paisagem).

170
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

É possível afirmar que o Geossistema surgiu na Geografia não


apenas como conceito ou modelo teórico da paisagem. Muito
além de “ferramenta” de trabalho, ele foi posto diante dos olhos
dos geógrafos (sobretudo após a década de 1970, com Georges
Bertrand) como primeira expressão da insatisfação quanto aos
métodos pautados por uma complicada fragmentação e setorização
da realidade geográfica e das análises que deveriam tratar desta
mesma realidade, respectivamente (SOUZA, 2010).
O segundo conceito do GTP é o território, que é a entrada que “per-
mite analisar as repercussões da organização e dos funcionamentos
sociais e econômicos sobre o espaço considerado” (BERTRAND; BER-
TRAND, 2007, p. 294). Inclui o tempo do mercado ao tempo do desen-
volvimento durável, abordando o recurso, a gestão, a redistribuição
e a poluição-despoluição (BERTRAND; BERTRAND, 2007). “Retoma
um conjunto de conceitos híbridos, como potencialidade, ambiente,
meio, cuja manipulação exige um longo trabalho semântico e meto-
dológico para atingir aproximações atuais” (ROSS, 2006, p. 33).
Etimologicamente, a palavra território deriva do Latim Terium, que
significa terra pertencente a alguém. Esse conceito foi inicialmen-
te trabalhado na Geografia tradicional por Frederich Ratzel, que o
associou a um espaço vital imprescindível à sobrevivência do Es-
tado; tal espaço seria concreto em si mesmo, com seus atributos
naturais e sociais construídos.
O conceito de território foi, originalmente, formulado nos estudos
biológicos do final do século XVIII. Para animais e plantas, o territó-
rio é o domínio que estes têm sobre porções da superfície terrestre.
Foi por meio dos estudos comportamentais que Comte incorporou

171
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

o conceito de território aos estudos geográficos, como categoria


fundamental para as explicações geográficas.
Dentre as diversas relações de atuação do homem sobre o meio,
criam-se diferentes tipos de Territórios, os quais surgem para aten-
der à finalidade de colocar direcionamento ao ordenamento espa-
cial de atuação social. Por esse motivo, temos Territórios que estão
em constante processo de reprodução caracterizando a sua dinami-
cidade entre os demais espaços (MELO E SOUZA; BARBOSA, 2011,
grifos do autor).
Portanto, a metodologia do GTP serve, não só para a delimitação e
representação cartográfica das áreas, mas, também, para detectar
os problemas existentes e o grau de responsabilidade da ação an-
tropogênica sobre os mesmos, para planejar estratégias para con-
ter, reverter ou amenizar os impactos existentes. Pode ser utilizada
pelo geógrafo para revelar as formas de criação, de reprodução e de
transformação das estruturas (ROSOLÉM; ARCHELA, 2010).

CONCLUSÕES

Em se tratando de um método direcionado a análise ambiental, o


GTP traduz-se enquanto proposta essencial para a formulação de
critérios de ordenamento territorial e gestão do sistema ambiental
da planície costeira, pois como ja fora dito, a partir dele se visualiza
todas as interrelações entre a natureza e a sociedade.

172
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

O método e os procedimentos metodológicos utilizados atenderam


ao objetivo do trabalho, possibilitando questionar problemas de for-
ma holística e interdisciplinar.
Conclui-se que o modelo de Bertrand possibilitará um maior en-
tendimento, pois a análise integral a partir da perspectiva so-
cioambiental que dele se extrai permite enxergar e analisar todos
os fenômenos do recorte espacial, possibilitando compreender
melhor a realidade geográfica dos diversos espaços.

REFERÊNCIAS
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sobre o Quaternário. Instituto de Geografia, Universidade de São Paulo,
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Universidade de São Paulo, São Paulo, 197p. 1965.
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175
A aplicação do SIG na análise da
fragmentação florestal na apa do
litoral sul de Sergipe, Brasil

Maria do Socorro Ferreira da Silva


Rosemeri Melo e Souza

INTRODUÇÃO

O avanço tecnológico otimizou o Geoprocessamento, ampliando o


seu uso em diversas áreas de conhecimento, principalmente aque-
las que precisam de dados qualitativos e quantitativos dos eventos
naturais e sociais ocorrido no espaço geográfico.
O Geoprocessamento engloba várias tecnologias de tratamento e
manipulação de dados geográficos, através de programas computa-
cionais, destacando: os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs),
o Sistema de Posicionamento Global (GPS), o Sensoriamento Remo-
to, a digitalização de dados e a automação de tarefas cartográficas
(PINA, 2000). Os SIGs e o Sensoriamento Remoto são considerados
ferramentas mais utilizadas no Geoprocessamento, pois eles permi-
tem a realização de análises mais complexas do espaço geográfico
(CÂMARA; DAVIS, 2001). A partir do uso dessas ferramentas, os pes-
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

quisadores envolvidos com a ciência geográfica, vêm se destacando


no uso do Geoprocessamento para a coleta, tratamento e análise de
dados políticos, sociais, econômicos e ambientais.
Nesse contexto, o SIG é uma ferramenta de singular importância
para a análise da estrutura da paisagem, pois fornece contribuições
para o planejamento e gestão ambiental. A análise dos padrões da
fragmentação florestal com o uso do SIG pode ser feita através das
métricas da paisagem, consideradas como base para análises que
visam quantificar a estrutura da paisagem, pois fornecem suporte
científico para evidenciar a quantidade e qualidade das manchas a
luz da Ecologia da Paisagem considerando o tamanho, a Área Core, a
forma e o grau de isolamento dos fragmentos como escopo da pes-
quisa pretendida. Nesses aspectos, reforçamos a acepção de O’Neill
et al. (1988) e Turner (1990) quando afirmam que a avaliação da es-
trutura da paisagem a partir das métricas é considerada um método
eficiente para a análise das condições ecológicas de uma determina-
da localidade. Essas análises são possíveis, pois as métricas ajudam
a compreender a estrutura complexa da paisagem, assim como as
influências nas relações ecológicas (CARRÃO et al., 2001).
O conceito de estrutura da paisagem foi fortemente determinado
por ferramentas computacionais com o uso do SIG atrelados ao pro-
cessamento de imagens. Assim, para compreender os padrões da
estrutura da paisagem, foi desenvolvido um conjunto de métodos
de medidas da estruturação da paisagem (landscapemetrics) (LANG;
BLASCHKE, 2009) conhecidas como métricas da paisagem objeti-
vando quantificar os padrões espaciais por meio de ferramentas de
sensoriamento remoto e geoprocessamento.

177
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Existem várias métricas da paisagem (indicadores da paisagem)


usadas para quantificar a paisagem, assim como diversos pacotes
de softwares. Essa diversidade de métricas pode ser classificada
em oito grupos de categorias: métricas de área, de fragmentos, de
bordas, de forma, de área central (“core”), de vizinho mais próxi-
mo, de contágio e mistura e de diversidade (MCGARIGAL, MARKS,
1995; VOLATÃO, 1998). Todavia, as métricas relativas a áreas são
as medidas da estrutura da paisagem mais próxima e difundidas, e
têm sido consideradas pelas literaturas como as mais importantes
devido a várias outras métricas que podem ser calculadas a partir
dessas (FORMAN; GODRON, 1986). Essas métricas possibilitam aná-
lises em diferentes escalas espaciais e temporais, na perspectiva de
contribuir para avaliações dos padrões e processos envolvidos na
manutenção de paisagens fragmentadas (ALMEIDA, 2008). A análi-
se a partir da quantificação da paisagem ganha relevância, pois traz
resultados que podem subsidiar a criação de estratégias visando à
conservação da biodiversidade em ambientes fragmentados.
Na contemporaneidade, o uso das métricas vem aumentando face
à sua importância nas análises da estrutura da paisagem em am-
bientes fragmentados devido às fortes intervenções antrópicas que
diminuem o potencial fitogeográfico implicando em perdas signifi-
cativas para a biodiversidade e para as comunidades tradicionais e
pequenos produtores locais que usam esses recursos como substra-
to de vida. O conceito de potencial fitogeográfico está ligado ao uso
direto e/ou indireto dos recursos naturais pelas comunidades, pois a
manutenção do solo e dos recursos hídricos, por exemplo, depende
da conservação da vegetação. Igualmente, a conservação e evolu-

178
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

ção ecológica das espécies de fauna e flora, pois ambientes frag-


mentados e desconectados dificultam a troca de material genético
e a propagação das espécies, podendo levá-las a extinção. Nesses
aspectos, as métricas da paisagem fornecem subsídios para propos-
tas que visam reestabelecer a conectividade florestal (SILVA, 2012).
Esse capítulo tem como objeto empírico a Área de Proteção Am-
biental (APA) do Litoral Sul de Sergipe, localizada na zona rural dos
Municípios de Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy
e Indiaroba (Figura 01). A APA é uma Unidade de Conservação (UC)
de Uso Sustentável, criada por Decreto Estadual em 1993, que tem
como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso
sustentável de parcela dos recursos naturais existentes nesses espa-
ços (BRASIL, 2000). Entretanto, em função das atividades incompa-
tíveis com a conservação ambiental, especialmente a agropecuária
(pastagem, cultivos de coco, aqüicultura), adensamentos urbanos
em áreas inadequadas e o turismo que vem crescendo no litoral,
sua vegetação encontra-se bastante fragmenta e pode alterar ainda
mais os elementos biofísicos (geologia, relevo, solo, recursos hídri-
cos, aspectos climáticos e fauna) além de comprometer ainda mais
a qualidade de vida das comunidades tradicionais que dependem do
uso direto e indireto. Essa UC dispõe de potencial fitogeográfico de
inestimável valor paisagístico, histórico, cultural e ambiental, repre-
sentado por fragmentos de Mata Atlântica, a saber: vegetação de
restinga, de dunas, de manguezal, vegetação secundária e campos
de várzeas que contribuem para manutenção dos atributos biofísi-
cos. O potencial fitogeográfico é usado direta e/ou indiretamente
pelas comunidades tradicionais (pescadores artesanais, quilombo-

179
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

las, marisqueiras e catadoras de mangaba) como fonte de subsis-


tência. As atividades realizadas são desde a pesca artesanal ao uso
das paisagens como atrativos turísticos.
Nesse contexto, a pesquisa teve como objetivo analisar a fragmen-
tação florestal nessa UC com base na aplicação do SIG, especialmen-
te a partir das métricas da paisagem: tamanho do fragmento, Área
Core, forma e isolamento.
FIGURA 01: APA do Litoral Sul de Sergipe

180
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS PARA A PESQUISA

A pesquisa ocorreu mediante levantamento bibliográfico acerca da


temática abordada; pesquisa de campo nos municípios que fazem
parte da UC: Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e
Indiaroba para verificação de uso e cobertura do solo; elaboração do
mosaico e das métricas da paisagem por meio da teledetecção visan-
do à análise da paisagem a partir da Ecologia da Paisagem, com o uso
de ortofotocartas/2003 na escala 1:10.000 no softwareArcGis 9.3 e da
ferramenta Patch Analyst, uma extensão gratuita que analisa dados
vetoriais, para calcular as métricas da paisagem; e, análise e interpre-
tação das informações adquiridas. Assim, o desenvolvimento da pes-
quisa baseou-se na utilização do geoprocessamento disponibilizados
em SIG e processamento estatístico das métricas da paisagem.
A pesquisa de campo foi essencial na atualização e interpretação das
informações. As observações de campo foram anotadas, bem como
o posicionamento geográfico com o uso do GPS Garmim, cujos pon-
tos foram plotados sobre as ortofotocartas para confirmação e/ou
alteração do uso e cobertura do solo, resultando nos mapas finais.
Após a elaboração dos mosaicos, foi necessário separar o shapefile
dos fragmentos para cálculo das métricas da paisagem com uso da
ferramenta Patch Analyst.
A métrica Tamanho do Fragmento controla desde a circulação dos
nutrientes através da paisagem a distribuição e quantidade de espé-
cies presentes em um determinado espaço (ODUM, 1983). Para evi-
denciar a representação da distribuição dos fragmentos florestais,

181
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

estes foram agrupados de acordo com as classes de tamanho em


hectares (0-10; 10-20; 20-40; 40-80; 80-160; 160-320; 320-699).
A Área Core ou Núcleo é a área central do polígono (fragmento flo-
restal) menos o efeito de borda, após aplicação do buffer. Quanto
mais recortado for o fragmento, maiores serão os efeitos de borda,
o que implica na redução da Área Core. Para McGarigalet al. (2002)
esse índice é o melhor indicativo da qualidade dos fragmentos, pois
mostra o tamanho real do fragmento quando reduz as áreas de bor-
das. Para o cálculo dessa métrica, considerou-se um buffer de 50m.
A análise da Área Core é feita por meio de cálculo de uma área de
amortecimento (buffer) negativo, direcionado para dentro do frag-
mento florestal. Assim, quando mais próximo de zero mais forte é
o efeito de borda, o que indica que os fragmentos muito pequenos
não têm Área Core (LANG; BLASCHKE, 2009). Para facilitar a análi-
se dos dados, os valores foram agrupados com base nos valores da
métrica anterior (0-10; 10-20; 20-40; 40-80; 80-160; 160-320; 320-432).
As bordas são áreas de transição entre unidades da paisagem com-
posta por fragmentos e outros tipos de cobertura regidas pelas
forças de interação entre as mesmas áreas mais expostas às pertur-
bações externas, onde a intensidade dos fluxos biológicos entre as
unidades de paisagem se altera face à mudança abiótica repentina do
núcleo para os fragmentos e vice-versa (HOLLAND, 1988 apud MET-
ZGER, 1999), como maior penetração da luz solar (MURCIA, 1995) e
maior incidência dos ventos (LAURANCE et al. 1998; NASCIMENTO;
LAURANCE, 2006), o que eleva a temperatura e altera das condições
microclimáticas, além do aumento da evapotranspiração e da redu-
ção da umidade relativa do ar, solo e do ar (MURCIA, 1995) favore-

182
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

cendo o desequilíbrio hídrico (ESSEEN; RENHORN, 1998). Embora se


estabeleçam na borda do fragmento, essas alterações podem refletir
no núcleo dos fragmentos (NASCIMENTO; LAURANCE, 2006).
O Índice de Forma (Shape Index), criado por Forman e Godron (1986),
é usado como medida de feição padronizada para pesquisas em eco-
logia da paisagem, cujo valor estabelecido para uma forma circular
é um (1,0) independente da área absoluta, sendo que quanto mais
o valor se desviar do padrão redondo, maior será o valor do índice
(LANG; BLASCHKE, 2009), o que na paisagem significa fragmentos
com formas irregulares face a quantidade de bordas.
Já a Relação Perímetro Área (PAR), que analisa o tamanho da man-
cha em relação ao seu perímetro, depende das grandezas absolutas
de áreas (LANG; BLASCHKE, 2009). Essa métrica avalia a complexida-
de da forma de uma mancha, comparando com uma forma circular
(vetorial), cujos resultados vão das formas mais simples (nas escalas
usuais é menor que um) às mais complexas (MECGARIGAL; MARKS,
1995; LANG, BLASCHKE, 2009). Assim, quanto menor o valor de PAR
maior será a conservação do fragmento considerando-se o efeito de
borda. Esse índice está associado à Área Core, assim, quanto maior o
valor dessa métrica, menor a PAR.
Já o índice que analisa o isolamento dos fragmentos, calculado atra-
vés da distância euclidiana, é medido através da distância do vizinho
mais próximo (neares-neighbordistance) considerando uma mancha
de saída para as manchas de destino (LANG; BLASCHKE, 2009) de
borda a borda dos fragmentos.

183
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As unidades que representam o potencial fitogeográfico da APA es-


tão inseridas no domínio de Mata Atlântica com várias formações ar-
bóreas florestais: pequenos fragmentos de floresta ombrófila densa
em Indiaroba; vegetação de mangue ao longo dos cursos d’água;
vegetação de restinga; pequenas manchas de vegetação de dunas
em Itaporanga D’Ajuda e em Estância; campos de várzea nas áreas
de brejo; e associações secundárias, compostas por capoeirão em
estágio inicial e médio de regeneração.
A paisagem natural do litoral sul deu lugar aos extensos coqueirais
que substituíram grande parte da vegetação de restinga. Esses cul-
tivos têm contribuído para a abertura de espaço para instalação de
empreendimentos imobiliários em áreas tanto de restinga, de man-
guezais como de campos de várzeas, cujas áreas têm sido aterradas
para instalação de tais empreendimentos.
Não se trata de uma visão “preservacionista”, mas reforçar que o
uso dos territórios detentores de potencial fitogeográfico, sem pla-
nejamento, implica na escassez dos vários serviços ambientais con-
siderados de suma relevância, além de esse potencial ser usado pe-
las comunidades tradicionais, principalmente para a coleta de frutos
(mangaba, murici, jenipapo e araçá) e a pesca artesanal.
Ademais, a manutenção dos fatores biofísicos (a litologia das ro-
chas, o relevo, o solo, os recursos hídricos, os aspectos climáticos e
a fauna) depende da conservação da fitogeografia. Assim, o mosai-
co da paisagem da APA representa a fragmentação florestal, o que

184
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

a rigor, também é visualizado em todo Estado de Sergipe, onde a


vegetação ficou reduzida a 13%.

MÉTRICAS DA PAISAGEM APLICADAS NA APA DO LITO-


RAL SUL SERGIPANO

A APA do Litoral Sul é uma UC com inestimável patrimônio natural,


formado por ecossistemas constituídos de manguezais, áreas estua-
rinas, dunas, restingas, lagoas e outras áreas de grande valor pai-
sagístico (SERGIPE, 1995), mas, ao longo das duas últimas décadas,
vem sendo ameaçado pela ação antrópica. A APA possui uma área
de 48.095,17ha (SERGIPE, 2011), cujos fragmentos florestais cobrem
21.865ha, ou seja, 45,46%, sendo que 13% da APA é coberto pelos re-
cursos hídricos; e o restante do território vem sendo usado para di-
versas atividades: cultivos (29,44%); pastagem (3,9); povoados e/ou
distritos (1,35) com presença de moradias fixas e de veraneio; aqui-
cultura (3,1%); estradas (0,29%), além dos solos expostos (0,46%).
No contexto da conservação ambiental, essa UC ainda dispõe de
45,46% de cobertura vegetal (0,36% da paisagem é coberta por flores-
ta ombrófila densa; 9,15% por vegetação de mangue, 14,15% por restin-
ga, 13,8% por capoeirão, 0,6% por vegetação de duna e 7,4% por cam-
pos de várzeas) que representa o potencial fitogeográfico da APA,
mas os usos estabelecidos sem planejamento têm aumentado a frag-
mentação. Isso ocorre devido ao tamanho dos fragmentos e da Área
Core, as formas e os suscetíveis efeitos de bordas dos fragmentos, co-
muns em espaços fortemente antropizados, o que tende aumentar o
isolamento entre as manchas. Essas características são fundamentais

185
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

quando se analisa a Área Core das manchas, pois mostrará, a partir de


simulações, quanto de fato do fragmento está conservado.

TAMANHO DO FRAGMENTO E ÁREA CORE

A APA do Litoral Sul possui cerca de dois mil fragmentos (NP), numa
área de 21.865ha, cujo Tamanho dos Fragmentos variou entre menos
de um a 699ha (Figura 2), reforçando o alto grau de retalhamento e
fragmentação da paisagem. Já o Tamanho Médio da Mancha (MPS)
foi de 6,77ha. Por conseguinte, após a aplicação do buffer de 50m,
para o cálculo da métrica da paisagem Área Core, as manchas au-
mentaram aproximadamente 300 fragmentos em função da disjun-
ção, cujos efeitos de borda são mais sentidos naqueles fragmentos
com formas mais irregulares os quais se afastam do padrão circular.
O tamanho do maior fragmento da APA, uma mancha de manguezal
em Estância, era de 699ha em Estância, todavia, após o cálculo da
Área Core, ele foi disjunto em três manchas de 492ha, 63ha e 3ha,
respectivamente, totalizando 558ha. Assim, com base nesse índice,
20,18% do fragmento está envolvido pelos efeitos de borda. Já um
fragmento que tinha 45ha, após a aplicação do buffer, observou-se
a disjunção em seis manchas, uma com Área Core de 10,4ha e as de-
mais com menos de meio hectare, totalizando 10,9ha. Contatou-se
que 75,77% da área está propícia aos efeitos de bordas, reforçando
que, quanto menor o tamanho da mancha e mais recortada sua for-
ma, há tendência de maior porcentagem da mancha está sujeita aos
efeitos de bordas. A partir dessa simulação, evidenciou-se que as

186
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

manchas não estão conservadas na íntegra, pois estão sujeitas aos


efeitos da fragmentação florestal.
Os valores obtidos através dessa métrica variaram entre 0,002 e
492ha, onde os maiores fragmentos, considerando-se a Área Core,
possuem entre 160 e 492ha, ao passo que antes da aplicação do buffer
essas manchas possuíam entre 320 e 699ha (Figura 2 e 3), o que de-
monstra a mudança de classe conforme o tamanho dos fragmentos,
ou seja, após o cálculo desse índice percebe-se que parte significativa
da mancha está envolvida pelo efeito de borda.
Comparando essa métrica com o tamanho original das manchas
percebeu-se, de modo geral, a mudança de classe, reduzindo parte
significativa do seu tamanho. De acordo com o Índice da Área Core
ou Núcleo (TCAI), em média, 43,17% da área dos fragmentos estão
menos propícias aos efeitos de borda, ou seja, 12.425,88ha estão
propícios aos efeitos de borda. Vale ressaltar que os percentuais das
manchas variam quando os fragmentos são analisados individual-
mente devido ao tamanho e a forma da mancha.
Na Figura 3, percebe-se que várias manchas estão totalmente envol-
vidas pelo efeito de borda. Entretanto, isso não quer dizer que esses
resquícios florestais não sejam importantes.

187
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 2: Métrica da Paisagem Tamanho dos fragmentos na APA Litoral Sul de Sergipe

188
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 3: Métrica da Paisagem Área Core e efeito de borda na APA Litoral Sul de Sergipe

189
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Considerando-se a Área Core, os maiores fragmentos são represen-


tados por vegetação de restinga, inclusive uma das manchas des-
sa vegetação é uma UC, Reserva Particular do Patrimônio Natural
(RPPN) do Caju, sob domínio da EMBRAPA, e de manguezais nas
margens do Rio Piauí.
Esses fragmentos representam o potencial fitogeográfico da APA,
que, mesmo com os efeitos diversos (tamanho da mancha, Área
Core, forma, efeito de borda e isolamento) que comprometem a
qualidade e quantidade das manchas, os fragmentos de restinga,
de dunas, de manguezais e de vegetação secundária são a base para
a manutenção das formas de relevo, dos aspectos geológicos, do
solo, dos recursos hídricos, das condições climáticas dos municípios
litorâneos sejam importantes. Nesses aspectos, as literaturas são
unânimes quando consideram a importância dos pequenos frag-
mentos enquanto trampolins para espécies que migram e/ou se lo-
comovem para outros fragmentos próximos, além de serem incluí-
dos em estratégias que visam à conectividade florestal. que fazem
parte da APA caso não sejam estabelecidas medidas de conectivida-
de a tendência será sua extinção na paisagem.
Índice de Forma (SI), Relação Perímetro/Área (PAR) e Índice
de Proximidade
Tomando como exemplo o maior fragmento da APA do Litoral Sul,
com 699ha, disjunto em três manchas após a aplicação do buffer,
os resultados mostraram que suas formas (SI) são de 2,6, 1,6 e 2,3,
respectivamente, cujos índices que se afastam do padrão circular,
são justificados pelas formas irregulares, menos indicadas para a
conservação (Figura 4).

190
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Apesar do SI indicar formas mais irregulares para os fragmentos


maiores e mais regulares para os menores, é preciso levar em consi-
deração que o tamanho e a forma da mancha estão intrinsecamente
ligados à borda. Assim, apesar dos fragmentos mentores apresenta-
rem formas mais regulares isso não quer dizer que estão conserva-
dos, pois possuem Área Core pequena e sofrem os efeitos da frag-
mentação e do grau de isolamento.
Já a métrica PAR mostrou que os fragmentos maiores possuem va-
lores abaixo de 1,0, sendo os mais indicados para conservação. Po-
de-se observar que, no caso dessas duas últimas métricas, embora
as formas das manchas não sejam as mais indicadas para a conser-
vação, a área interna dos fragmentos maiores possui menor relação
com a borda, ao passo que existem manchas menores com formas
bastantes irregulares, cujos índices são mais elevados, atingindo até
54,4 (Figura 5). Na Figura 4, observa-se que as manchas maiores são
as que possuem o SI mais elevado, pois possuem formas irregulares,
logo são compostas por várias bordas, o que na paisagem implica na
redução da Área Core e na perda da biodiversidade.
Analisando a paisagem da APA, as médias foram de 1,75 para MSI,
indicando formas mais irregulares, menos indicadas para a conser-
vação; e de 0,67 para a MPAR evidenciando que as relações internas
com as bordas das manchas são menos acentuadas em função da
UC dispor de fragmentos com tamanhos representativos (Figura
5). Tais informações reforçam que, apesar de as formas não serem
as mais indicadas para a conservação, em função da quantidade de
bordas, vários fragmentos podem ser usados em estratégias de co-

191
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

nectividade florestal na perspectiva de manter e/ou aumentar o po-


tencial fitogeográfico desse espaço territorial.
Comparando as duas métricas usadas para avaliação das formas das
manchas observou-se que o SI indica as formas ideais para a con-
servação, representadas na paisagem da APA pelas manchas com
menores índices, e a PAR, complementa as análises, uma vez que
mostra a conservação do fragmento considerando as relações en-
tre o interior da mancha (Área Core) e a área externa em função
dos efeitos de bordas (Figuras 4 e 5). Essas métricas evidenciam que
é preciso criar estratégias para aumentar o tamanho das manchas
com SI baixo, além de monitorar e melhorar as formas dos fragmen-
tos com alto SI para reduzam o SI, uma vez que essas manchas já
apresentam baixa PAR. Ou seja, é preciso que formas se aproximem
de círculos para minimizar os efeitos de bordas na APA.
Vale reforçar que os valores apresentados não são parâmetros para
todos os fragmentos quando considerados individualmente, uma
vez que a perda de parcela da área da mancha, após a aplicação do
buffer, está condicionada ao tamanho do fragmento, a forma (alon-
gada, quadrada, circular) e aos efeitos de bordas, onde estudos mais
detalhados, a partir de pesquisa empírica, podem levar em conside-
ração até que ponto da mancha os efeitos de bordas são sentidos.
Nesse último aspecto, as literaturas ainda não têm um parâmetro,
pois cada fragmento tem características peculiares e o resultado de-
pende do foco da pesquisa.
Através do Índice de Proximidade verificou-se que as distâncias en-
tre os fragmentos variam de zero a aproximadamente 2000m. Com
base na informação, percebeu-se que as manchas com vizinhos

192
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

mais próximos, de 0 a 60m, estão localizadas nas proximidades


das margens dos cursos d’água. À medida que vai se afastando dos
cursos d’água as distâncias aumentam, de 60 a cerca de 2.000m,
dificultando troca de material genética entre as espécies bem como
a evolução ecológica. Tais informações evidenciam a necessidade
de medidas de gestão ambiental visando à conectividade desses re-
manescentes florestais de grande importância para a biosociodiver-
sidade e para a manutenção dos atributos físicos.

193
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 4: Métrica da paisagem Índice de Forma da APA do Litoral Sul de Sergipe

194
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 5: Métrica da Paisagem Relação Perímetro Área da APA do Litoral Sul de Sergipe

195
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O uso do SIG é de suma importância em pesquisas que tratam da


estrutura da paisagem a partir da Ecologia da paisagem, sendo pos-
sível fornecer, através das métricas da paisagem, subsídios tanto
para elaboração de propostas de corredores ecológicos de Mata
Atlântica, como demais estratégias inerentes à gestão ambiental,
fundamentais para a conservação da biodiversidade em ambientes
fortemente antropizados.
A APA do Litoral Sul de Sergipe é detentora de potencial fitogeográ-
fico representado pelos fragmentos de vegetação de restinga, de
mangue, de dunas, de campos de várzeas e capoeirão. Esse poten-
cial vem sendo usado direta e/ou indiretamente pelas comunidades,
em especial, pelas comunidades tradicionais como base de sustento
além dos serviços ambientais prestados gratuitamente aos demais
envolvidos. Todavia, as pressões refletidas nos fragmentos são re-
sultados dos usos sem planejamento ao território, o que vem com-
prometendo a biosociodiversidade.
Apesar de criada em 1993, a APA do Litoral Sul de Sergipe ainda não
dispõe dos mecanismos de gestão ambiental, como o plano de ges-
tão, de manejo e o zoneamento ecológico econômico, instrumentos
capazes de ordenar o uso do solo. A morosidade para implementa-
ção da UC contribuiu para a fragmentação florestal. Embora os frag-
mentos representem 45,46% da área da APA, sua conservação não
está garantida em função do tamanho, da Área Core, das formas,
dos efeitos de bordas e do isolamento das manchas.

196
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

No tocante a área ocupada pelas manchas, quando analisada a partir


da métrica da paisagem Área Core, as médias mostraram que 43,17%
da área dos fragmentos da APA do Litoral Sul está menos propícia
aos efeitos de bordas, o que resulta na redução do potencial fito-
geográfico da UC devido os efeitos da fragmentação florestal.
A métrica que analisa a forma dos fragmentos (SI) apontou tanto
manchas com formas indicadas para conservação como aquelas
com formas irregulares devido à quantidade de bordas, implican-
do em maior efeito de borda e na perda da biodiversidade. Assim,
com base na Ecologia da Paisagem, observou-se que os desenhos
dos fragmentos não são os mais indicados para a conservação am-
biental ao passo que a Média do Índice de Forma (MSI) foi de 1,75.
Na paisagem, significa que esses padrões lineares propiciam perdas
substanciais para a biodiversidade em função de dificultar à troca de
material genético entre as espécies; do risco da redução da varieda-
de intra e interespecífica de espécies; da propensão à extinção dos
fragmentos menores; da propagação das espécies invasoras devido à
quantidade de bordas podendo provocar desequilíbrios na Área Core;
dentre outras perdas como consequências das formas lineares e da
desconectividade dos fragmentos analisados.
Já a Média da Relação Perímetro Área (MPAR), foi de 0,67 evi-
denciando que as áreas internas das manchas possuem menor
relação com as bordas. Nesse contexto, é preciso esclarecer que,
mesmo apresentando formatos irregulares, as manchas maiores
estão sob menor efeito de borda do que as pequenas face ao
tamanho da Área Core.

197
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

O Índice de Proximidade, cujas distâncias influenciam nos processos


ecológicos, mostrou que os fragmentos localizados nas proximidades
dos cursos d’água foram os que obtiveram valores menores, podendo
ser usados para reestabelecer a conectividade florestal. Analisando a
paisagem como um todo da APA, as manchas encontram-se com alto
grau de isolamento atingindo cerca de 2km de distância ao vizinho mais
próximo, o que pode resultar na extinção das manchas menores além
de dificultar a troca de material genético entre as espécies. Ademais,
essa métrica é de suma relevância na análise da fragmentação flores-
tal, pois aponta tanto os fragmentos que encontram-se vulneráveis aos
efeitos da fragmentação, considerando-se a distância com o vizinho
mais próximo, como aqueles que podem ser usados para as estratégias
de conectividade florestal, a exemplo de corredores ecológicos visan-
do manter e/ou aumentar o potencial fitogeográfico dessa UC.
A falta de conectividade florestal poderá resultar no aumento da
fragmentação florestal, reduzindo o tamanho da Área Core, tor-
nando-os mais propícios aos efeitos de bordas devidos às formas
irregulares. Tais características implicam no comprometimento do
potencial fitogeográfico existente na APA do Litoral Sul responsável
pela manutenção dos fatores físicos e usado pelas comunidades tra-
dicionais como base de sustento.
A pesquisa à luz da Ecologia da Paisagem aponta para a necessidade
de planejamento e gestão ambiental considerando os fatores biofí-
sicos locais e suas relações com as atividades humanas. As análises
a partir das métricas mostraram, com o uso do SIG, a real situação
dos fragmentos da APA cujas informações sobre a estrutura da pai-
sagem indicam as manchas consideradas chave para a conservação

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EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

e aquelas que correm o risco de serem extintas da paisagem ao lon-


go do tempo caso não sejam delineadas medidas de conectividade
florestal. Essas análises do potencial fitogeográfico reforçou que a
conservação dos fragmentos depende do tamanho da Área Core, da
forma e da proximidade entre as manchas.
Faz-se necessário criar e implementar os mecanismos de gestão am-
biental em função do alto grau de retalhamento da paisagem como
resultado das atividades sem planejamento, em especial, o turismo
que vem se fortalecendo na UC, ameaçando o potencial fitogeo-
gráfico, base para sustentação das comunidades tradicionais. Esses
mecanismos precisam contemplar estratégias que estabeleçam a
conectividade florestal propiciando a troca de material genético en-
tre as espécies, e a UC, venha a ser implementada na prática, cum-
prindo as finalidades pelas quais foi criada. Por esses aspectos, na
perspectiva de contribuir para a conservação ambiental numa esca-
la mais abrangente, os fragmentos da APA do Litoral Sul podem ser
integrados a futuros corredores ecológicos de Mata Atlântica em
Sergipe. Ademais, é fundamental o uso de espécies nativas para es-
tabelecer a conectividade na perspectiva de recompor a paisagem,
em especial das restingas, dos manguezais e das dunas.
Nesse contexto, a aplicação do SIG é de grande relevância para os
estudos que visem elaborar e implementar estratégias de gestão
ambiental assim como o monitoramento dos fragmentos em tempo
real a depender das tecnologias disponibilizadas pelo órgão gestor.
A pesquisa aponta que há necessidade de investimentos na aquisi-
ção dos softwares necessários e a capacitação profissional para o
uso eficaz das ferramentas.

199
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

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Superintendência de Recursos Hídricos Diagnóstico dos municípios: diag-
nóstico do Município de Indiaroba. Aracaju, 2002a. 19 p.
SERGIPE. Secretaria de Estado do Planejamento e da Ciência e Tecnologia,
Superintendência de Recursos Hídricos Diagnóstico dos municípios: diag-
nóstico do Município de Santa Luzia do Itanhy. Aracaju, 2002b. 19 p.

201
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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202
O papel das ciências ambientais no
processo de gestão dos recursos
hídricos em Sergipe

Luiz Carlos Sousa Silva

INTRODUÇÃO

O mundo inteiro acordou para discutir a problemática da água. Um


maior controle pelo uso da água se faz necessário quando verifica-
mos um acelerado crescimento das atividades socioeconômicas e
populacionais, principalmente em regiões que sofrem regime de
escassez hídrica. Para tanto, é preciso colocar em prática modelos
operacionais de gestão previstos por diversos instrumentos legais
em quase todos os países, principalmente os que apresentam maio-
res conflitos pelo uso da água e com potencial de déficit hídrico.
Nas últimas décadas, o mundo vem acompanhando as diversas ten-
tativas e experiências de controle e gestão das águas, através das
mais diferentes formas e sociedades do planeta. Estas sociedades
presentes vêm empreendendo um grande esforço organizacional
na tentativa de garantir o acesso à água em quantidade e qualida-
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de suficientes para satisfazer as necessidades socioeconômicas das


atuais e futuras gerações.
Em âmbito mundial, mas com algumas exceções regionais, a gestão
dos recursos hídricos é sempre uma decisão política, motivada prin-
cipalmente pela escassez relativa da água em determinadas regiões
e pela necessidade de sua preservação e conservação para a susten-
tação da vida e das atividades produtivas.
Estima-se que, ao longo do século XXI, a questão da água seja bem
mais preocupante que a da produção de alimentos ou de energia.
Segundo Agarwal (2000), não há escassez de água no mundo e que
o remédio para acabar com a crise atual seria uma gestão eficiente
dos recursos hídricos.
Para Bouguerra (2004),
É preciso dar-lhe razão, pois a escassez é fruto de uma relação
social com as coisas. Sabe-se, porém, que o capitalismo só pode
funcionar sobre o conceito de escassez. Portanto, é preciso ser
muito prudente ao falarmos de crise da água e perguntarmo-nos
sempre quem se beneficia com a crise (BOUGUERRA, 2004, p. 92).

Já Camdessus (2005), afirma que,


Quando não se pode agir a curto prazo, consola-se falando do
longo prazo. É um meio de desviar para ultrapassar bloqueios
e conflitos do presente, discutindo, sem parecer fazê-lo, condi-
ções que poderiam fazer evoluir favoravelmente. É uma ativi-
dade hidrorretórica essencial. Crer nela é em vão, desviar dela
pode ser lamentável (CAMDESSUS, 2005, p. 119).

A necessidade de o homem incentivar, cada vez mais, políticas de


preservação e uso racional da água e inserir o tema com mais fre-
quência nas agendas políticas atuais vem de um longo período de

204
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

acompanhamento, bem como estudos que apontam para uma si-


tuação precária dos recursos hídricos e mananciais, atrelada a uma
iminente e irregular distribuição espacial das águas no mundo. Des-
sa forma, gerir os recursos hídricos através de políticas legais e com
bases científicas fortemente estruturadas tem sido o balizador da
esperança de preservação dos recursos hídricos em todo o mundo.
A água é tão importante que, nas últimas décadas, passou a ser esse
balizador, que define o alcance do desenvolvimento de uma região,
país ou sociedade, pois ela é um recurso vital, finito, escasso e de
valor econômico: “A quantidade de água sobre a Terra é finita. Essa
é uma certeza física incontestável” (BOUGUERRA, 2004).
Esse artigo trata da análise do sistema de gerenciamento dos recur-
sos hídricos no Estado de Sergipe, a luz das legislações Federal e
Estadual, abordando algumas práticas instituídas pelos órgãos de
gestão e de fiscalização. Tem como objetivo geral analisar o modelo
de gestão, implantado pelo Estado, para que os usuários das águas
em Sergipe possam usufruir e se inserir na atuação do cenário da
gestão e da mediação de conflitos.

O SISTEMA DE GERENCIAMENTO DOS


RECURSOS HÍDRICOS EM SERGIPE

Com a implementação efetiva dos instrumentos de gestão defini-


dos nas Leis 9.433/97 e 3.870/97, haverá maior abrangência e melhor
operacionalização dos sistemas de recursos hídricos, promovendo

205
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

uma maior participação dos atores sociais que vivem e vivenciam a


bacia hidrográfica, tornando os resultados eficazes e contínuos.
A Lei Estadual 3.870/97, que dispõe sobre a Política Estadual de Re-
cursos Hídricos e o Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos
Hídricos, prevê, em seu capítulo IV, a adoção de sete instrumentos
da Política de Gestão. Esses instrumentos são fundamentais para o
bom andamento dos processos de descentralização e participação
na gestão dos recursos hídricos, além de promoverem a sustenta-
ção e inserção dos diversos setores da sociedade. Os instrumentos
de gestão previstos em Lei são: o Plano Estadual de Recursos Hídri-
cos; o enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os
usos preponderantes da água; o Fundo Estadual de Recursos Hídri-
cos; a outorga dos direitos de uso de recursos hídricos; a cobrança
pelo uso de recursos hídricos e o Sistema Estadual de Informações
sobre Recursos Hídricos.
Ainda segundo a Política Estadual de recursos hídricos, através da
Lei 3.870/97, esses instrumentos de gestão visam promover a in-
tegridade dos recursos hídricos do Estado de acordo com o Plano
Estadual de Recursos Hídricos. Para tanto, o enquadramento dos
corpos d’água visa assegurar às águas qualidade compatível com
os usos mais exigentes a que forem destinadas, diminuir os custos
de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas per-
manentes, além de estabelecerem as classes de corpos de água de
acordo com a legislação ambiental.
Já o Fundo Estadual dos Recursos Hídricos (FUNERH), criado atra-
vés do decreto governamental nº 19.079 de 05 de setembro de 2000

206
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

tem como objetivo assegurar os meios necessários a execução das


ações programadas do Plano Estadual de Recursos Hídricos.
O FUNERH é constituído a partir de diversas fontes de recursos, den-
tre eles, os oriundos do Estado e dos Municípios a ele destinados
por disposições legais; com recursos da União, de Estados e de Mu-
nicípios, destinados à execução de planos e programas de recursos
hídricos de interesse comum; com recursos da compensação finan-
ceira que o Estado receber em decorrência dos aproveitamentos hi-
droenergéticos em seu território; com parte da compensação finan-
ceira que o Estado recebe pela exploração de petróleo, gás natural
e outros recursos minerais, em seu território, a ser definida pelo Go-
verno do Estado, para aplicação exclusiva em estudos e programas
de interesse para a gestão dos recursos hídricos subterrâneos; da
receita obtida da cobrança pela utilização de recursos hídricos; de
empréstimos, nacionais e internacionais, e recursos provenientes
da ajuda e cooperação internacional, além de acordos intergover-
namentais; com rendas provenientes das aplicações financeiras dos
recursos do fundo; com tarifas e taxas cobradas de beneficiados por
serviços de aproveitamento, controle e fiscalização dos recursos hí-
dricos; além de receitas de outras fontes, que legalmente se desti-
nem ao Fundo ou se constituam em receita do mesmo.
Nesse mesmo decreto, também foram enquadrados, sob a rubrica
de receitas de diferentes origens, que legalmente se destinem ao
FUNERH, outras fontes provenientes dos recursos do Tesouro do
Estado, dos Municípios e da União a ele destinados por Leis muni-
cipais, estaduais e federais pertinentes; as transferências da União
destinadas à execução de planos e programas de recursos hídricos

207
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de interesse comum; 100,0% (cem por cento) da compensação fi-


nanceira que o Estado receber com relação aos aproveitamentos
hidroenergéticos nas bacias hidrográficas de seu domínio, e 5,0%
(cinco por cento) da compensação financeira que o Estado receber
com relação aos aproveitamentos hidroenergéticos, em seu terri-
tório, de rios de domínio da união, e também compensação similar
recebida por municípios e encaminhada por estes, mediante con-
vênios de interesse mútuo; 2,0% (dois por cento) da compensação
financeira que o Estado receber com relação aos aproveitamentos
de minerais, como petróleo, gás natural e outros para aplicação
exclusiva em levantamentos, estudos e programas de interesse
para o gerenciamento dos recursos hídricos subterrâneos; o re-
sultado da cobrança pela outorga de direito de uso de recursos
hídricos; empréstimos e outras contribuições financeiras de enti-
dades nacionais e internacionais; recursos provenientes de ajuda e
cooperação internacional e de acordos bilaterais entre governos;
o retorno das operações de crédito contratadas com órgãos ou
entidades da Administração Direta ou Indireta do Estado e dos Mu-
nicípios, bem como consórcios intermunicipais, concessionárias de
serviços públicos e empresas privadas; o produto de outras ope-
rações de crédito; recursos eventuais não especificados; o resul-
tado de aplicação de multas cobradas dos infratores da legislação
de águas; contribuições de melhoria, taxas e tarifas cobradas de
beneficiários por obras e serviços de aproveitamento e controle
dos recursos hídricos, inclusive as decorrentes do rateio de custos
referentes a obras de usos múltiplos dos recursos hídricos ou de
interesse comum ou coletivo; taxas e emolumentos referentes a
cobertura dos custos operacionais inerentes ao processo de ou-

208
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

torga; doações de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou priva-


das, nacionais, estrangeiras ou multinacionais.
Segundo a Lei 3.870/97, os recursos do FUNERH terão as seguintes
aplicações: financiamento em instituições públicas e privadas para
a realização de serviços e obras com vistas ao desenvolvimento,
conservação, uso racional, controle e proteção dos recursos hídri-
cos superficiais e subterrâneos; programas de estudos e pesquisas,
desenvolvimento tecnológico e capacitação de recursos humanos
de interesse da gestão dos recursos hídricos.
Os recursos financeiros do FUNERH deverão ser depositados e mo-
vimentados no Banco do Estado de Sergipe S.A. (BANESE), ressal-
vados os casos de exigência legal ou regulamentar, ou de norma
operacional regular de alguma fonte repassadora, para manutenção
e movimentação dos respectivos recursos em estabelecimento fi-
nanceiro oficial vinculado ao Governo Federal, sempre, porém, em
conta específica do mesmo Fundo e será movimentada pelo órgão
responsável pela gestão do FUNERH.
De acordo com o decreto que instituiu o FUNERH, o Grupo Coorde-
nador do Fundo, referido no art. 2º, parágrafo 3º, deste Decreto, é
composto por um representante de cada um dos seguintes órgãos
e entidades: Secretaria de Estado do Planejamento e da Ciência e
Tecnologia – SEPLANTEC, sendo posteriormente mudado para a
Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos -
SEMARH; Secretaria de Estado da Fazenda - SEFAZ; Administração
Estadual do Meio Ambiente – ADEMA; Banco do Estado de Sergipe
S.A. - BANESE; Conselho Estadual de Recursos Hídricos – CONERH/
SE. A Coordenadoria Geral do grupo fica a cargo do representante

209
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídri-


cos - SEMARH.
O FUNERH obedecerá às disposições contidas na Lei 3.870/97, fican-
do aos critérios técnico-legais vigentes e pertinentes a orçamentação
e administração financeira e contábil, bem como as normas de con-
trole interno e externo. Lamentavelmente, os recursos contidos no
Fundo não estão sendo aplicados conforme o estabelecido em Lei,
dificultando assim a implantação e o funcionamento de alguns instru-
mentos de gestão, principalmente os comitês de bacias hidrográficas.
De todos os instrumentos de gestão, a outorga de direito de uso da água
é o que mais tem sido aplicado pelo órgão gestor estadual dos recursos
hídricos. O regime de outorga de direitos de uso de recursos hídricos tem
como objetivos assegurar o controle quantitativo e qualitativo dos usos
da água e o efetivo exercício dos direitos de acesso à água.
Estão sujeitos à outorga pelo Poder Público os direitos dos seguin-
tes usos de recursos hídricos: derivação ou captação de parcela de
água existente em um corpo de água, para consumo final, inclusive
abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; extração
de água de aquífero subterrâneo, para consumo final ou insumo de
processo produtivo; lançamentos nos corpos d’água de esgotos e
demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim
de sua diluição, transporte ou deposição final; aproveitamento dos
potenciais hidrelétricos; outros usos que alterem o regime, a quanti-
dade ou a qualidade de água existente em um corpo de água.
Independem de outorga pelo Poder Público, conforme definido em
regulamentação: o uso de recursos hídricos para a satisfação das

210
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

necessidades de pequenos núcleos populacionais distribuídos no


meio rural; as derivações, captações e lançamentos considerados
insignificantes; as acumulações de volumes de água consideradas
insignificantes. A outorga e a utilização de recursos hídricos, para
fins de geração de energia elétrica, reger-se-ão pela legislação fe-
deral pertinente.
Toda outorga está condicionada às prioridades de uso estabelecidas
nos Planos de Recursos Hídricos e deverá respeitar a classe em que
o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção de condições
adequadas ao transporte aquaviário, quando for o caso. Toda outor-
ga de direitos de uso de recursos hídricos terá prazo de no máximo
trinta e cinco anos, podendo ser renovada por igual período.
Outro importante instrumento de gestão é o Sistema Estadual de
Informações sobre Recursos Hídricos. É formado pela coleta, tra-
tamento, armazenamento e recuperação de informações sobre
recursos hídricos e fatores intervenientes em sua gestão. Os dados
gerados pelos órgãos integrantes do Sistema Estadual de Gerencia-
mento de Recursos Hídricos serão incorporados ao Sistema Esta-
dual de Informações.
São princípios básicos para o funcionamento do Sistema Estadual de
Informações sobre Recursos Hídricos: descentralização da obtenção
e produção de dados e informações, coordenação unificada do siste-
ma, e acesso aos dados e informações garantido a toda a sociedade.
O Sistema Estadual de Informações sobre Recursos Hídricos tem
como objetivos: reunir, dar consistência, divulgar e atualizar per-
manentemente os dados e informações sobre a disponibilidade e

211
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Esta-


do, atualizar permanentemente as informações sobre disponibilida-
de e demanda de recursos hídricos no Estado e fornecer subsídios
para elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos.
O processo de cobrança da água pelo Órgão Gestor não é tão simples
de efetuar. É necessário um período longo e bem articulado com to-
dos os atores envolvidos, para que, assim, os recursos oriundos da
cobrança pelo uso da água não sofram solução de continuidade.
A cobrança pelo uso de recursos hídricos tem como objetivos reco-
nhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação
de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água; obter
recursos financeiros para o financiamento dos programas e inter-
venções contemplados nos planos de recursos hídricos.
Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos a outorga, nos
termos do Art. 18 da Lei 3.870/97. Na fixação dos valores a serem co-
brados pelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentre
outros: nas derivações, captações e extrações de água, o volume retira-
do e seu regime de variação; nos lançamentos de esgotos e demais resí-
duos líquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de variação e
as características físico-químicas, biológicas e de toxidade do afluente.
Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídri-
cos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que
foram gerados, e serão utilizados no financiamento de estudos,
programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hí-
dricos, no pagamento de despesas de implantação e custeio admi-
nistrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Estadual

212
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A aplicação nas despesas é


limitada a 7,5% do total arrecadado e poderão ser aplicados a fundo
perdido em projetos e obras que alterem, de modo considerado o
benéfico à coletividade, à qualidade, à quantidade e ao regime de
vazão de um corpo de água.
Assim como a Política Estadual de Recursos Hídricos, a cobrança
pelo uso da água no Brasil se dá pela utilização dos cursos d’água
superficiais, dos poços profundos e pelo lançamento de efluentes
nos corpos receptores. Segundo David da Silva e Pruski (2005),
Essa cobrança se baseará na vazão captada e sua variação, no
consumo efetivo, na qualidade a que se destina, na carga poluido-
ra lançada e sua variação e na existência de obras hidráulicas de
regularização de vazões (DAVID da SILVA; PRUSKI, 2005, p. 63).

Na atividade de cobrança da água, o que é cobrado é o uso de um


bem de domínio público, não sendo esse um bem de propriedade
individual, e sim coletivo. A cobrança pelo uso da água é a forma
mais democrática de garantir a sustentabilidade ambiental e dos
recursos hídricos quanto à qualidade e quantidade das águas de
uma bacia hidrográfica. Sem os recursos da cobrança, a garantia
do controle e de políticas para o alcance dessa sustentabilidade
torna-se mais distante.

O DESAFIO DA GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS NA


BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SERGIPE

Com o surgimento das Leis 9.433/97 e 3.870/97, veio também a cria-


ção dos Sistemas Nacional e Estadual de Gerenciamento dos Recur-

213
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

sos Hídricos, respectivamente. Com eles, vieram ainda a necessida-


de de se criar alguns instrumentos que pudessem gerir melhor os
recursos hídricos no Brasil e em Sergipe.
Com a prerrogativa da criação de comitês de bacias hidrográficas,
tanto federais como estaduais, há a possibilidade de se estabelecer
uma mudança, também, quanto ao relacionamento entre Estados,
Municípios e sociedade civil. Na medida em que as “regras do jogo”
girem mais em torno do uso da água o que, outrora, era articula-
da apenas pelos interessados do governo, passa a ser articulado
por um número maior de atores no processo decisório, incluindo aí
aqueles que vivenciam a bacia hidrográfica.
Os fundamentos previstos na Lei 3.870/97, que estabelece que a
gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com
a participação do Poder Público, dos Usuários e da Comunidade, são
o que reflete o caráter democrático da Lei. O Sistema Estadual de
Gerenciamento dos Recursos Hídricos, no seu artigo 34, estabelece
a criação dos comitês de bacias hidrográficas (CBH’s), sendo esse o
principal colegiado na gestão das águas e o que mais se aproxima
da sociedade, pois tem, no seu bojo, as prerrogativas de gerir os
recursos hídricos de forma descentralizada, participativa e integra-
da, com atribuições de âmbito consultivo e deliberativo, cabendo as
suas decisões, recurso ao CONERH.
O funcionamento do comitê de bacia hidrográfica é o que melhor
reflete a importância da adoção do cuidado pelas águas. A sua com-
posição de forma tripartite, distribuída entre os usuários de água, a
sociedade civil organizada e os poderes públicos – municipal, esta-
dual e federal – é um exemplo de gestão em que a participação de

214
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

todos nas tomadas de decisões fortalece o processo democrático


nesse modelo de gestão. O comitê de bacia hidrográfica é um órgão
consultivo, deliberativo e não executivo, isto é, não realiza obras.
Dentro desse contexto, segundo Jacobi (2005),
A gestão de bacias hidrográficas assume crescente importância
no Brasil, à medida que aumentam os efeitos da degradação
ambiental sobre a disponibilidade de recursos hídricos. A efeti-
vação do processo de gestão em bacias hidrográficas, de acordo
com a nova lei, ainda é embrionária, e a prioridade dos organis-
mos de bacia centra-se na criação dos instrumentos necessários
para a gestão (JACOBI, 2005, p. 82).

O comitê de bacia hidrográfica é o novo nesse processo de gestão,


sendo ele a porta de entrada para implantação do uso racional da
água nas diversas camadas da sociedade e da economia. O comitê de
bacia não é um órgão de Governo, mas sim um organismo de Estado,
regido por um colegiado de abnegados voluntários e sob a égide de
um regimento interno construído e aprovado por esse colegiado.
De acordo com Jacobi (2005), a lógica do colegiado permite que os
atores envolvidos ajam, em princípio, tendo um referencial sobre
seu rol, responsabilidades e atribuições no intuito de neutralizar prá-
ticas predatórias orientadas por interesses econômicos ou políticos.
No Brasil, segundo o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidro-
gráficas (FNCBH), foram registrados, até o ano de 2013, aproxima-
damente 210 (duzentos e dez) comitês de bacias hidrográficas,
constituídos e em pleno funcionamento, muitos com limitações e
restrições, devido, principalmente, à inexistência de todos instru-
mentos de gestão previstos em lei. Menos da metade destes são
possuidores de Plano de Bacias Hidrográficas (PBH). O PBH é instru-

215
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

mento fundamental para implementação de políticas voltadas para


uma gestão estratégica e planejada, articulada exclusivamente para
o suporte de decisões e de garantia plena dos recursos hídricos na
bacia hidrográfica.
Essa importante Lei prevê organismos em quatro níveis, tendo na
base, as Agências de Água e os Comitês de Bacia Hidrográfica, e no
ápice o Conselho Nacional de Recursos Hídricos. Descentralizar a
gestão significa que nem o Conselho Nacional e nem os Conselhos
de Recursos Hídricos Estaduais e do Distrito Federal vão diretamen-
te administrar as águas. A gestão ou administração das águas deve
ficar com as bases mencionadas. Essa descentralização deve ser efe-
tivada, não em termos usuais, mas com a transferência de atribui-
ções ou poderes tradicionais da União e dos Estados para os novos
gestores de recursos hídricos. Além disso, a descentralização deve-
rá deixar de ser verbal ou de propaganda eleitoral quando todos
os comitês de bacias estiverem efetuando a cobrança e aplicação
dos recursos arrecadados pelos próprios organismos de cada bacia
hidrográfica (DAVID DA SILVA; PRUSKI, 2005).
Na perspectiva de tornar-se cada vez mais envolvido junto à socie-
dade, o comitê de bacia hidrográfica tem sua sustentabilidade ba-
seada num tripé estratégico, formado por representação, capacita-
ção e financiamento. A representação é feita através de indicação
das entidades eleitas e possuidoras de assentos, porém, nem sem-
pre esse representante-membro indicado faz jus ao posto ou tem o
conhecimento e a capacidade necessários para contribuir com o que
é proposto e previsto no regimento interno. Para que o sistema de

216
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

gestão funcione a contento, faz-se necessário que o comitê de bacia


hidrográfica possua representatividade.
Como os membros titulares e suplentes de um comitê de bacia hidro-
gráfica no Brasil atuam dentro de uma política de voluntariado, sem
remuneração, sem dedicação exclusiva, muitas vezes, sem o interesse
exigido pela causa e, na maioria das situações, sem o apoio necessário
no deslocamento para participação em reuniões, ocorre que muitas
dessas reuniões acontecem sem a presença do quórum mínimo ne-
cessário para as devidas consultas e deliberações previstas em pauta.
No Brasil, não há resposta política decisória nos comitês de bacias
hidrográficas, devido, principalmente, à falta de representações
políticas expressivas nas suas composições como Governadores,
Ministros de Estado, Secretários de Estado, dirigentes de órgãos
públicos federais e estaduais, dentre outros, contando apenas com
a participação de alguns poucos Prefeitos Municipais, Secretários
Municipais e dirigentes de órgãos, limitando, assim, a deliberação
em decisões que possam promover solução imediata em situações
de impacto para sociedade e o meio ambiente.
Para fazer valer a representatividade de membro de comitê de bacia
hidrográfica, o candidato escolhido pela sua entidade deveria, primei-
ramente, ter aptidão e disposição para o trabalho voluntário e coletivo,
como também se enquadrar num perfil de conhecimento técnico, polí-
tico e de mediador de conflitos. Segundo o FNCBH, as profissões mais
presentes entre os membros de comitês de bacias hidrográficas no Bra-
sil são as de engenheiro civil, ambiental, químico e florestal, advogado,
geógrafo, biólogo, administrador, professor, geólogo e médico.

217
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ainda fazem parte desse grupo uma grande quantidade de empre-


sários, funcionários públicos municipais, estaduais e federais, pesca-
dores, profissionais liberais ligados a membros de ONG’s, ambienta-
listas, agricultores, silvicultores, industriários e comerciários.
No comitê de bacia hidrográfica, faz-se necessário uma liderança que
possa permear por todo segmento da sociedade (Prefeitos, Políticos,
Lideranças Comunitárias, etc.), pois ela deve apontar os caminhos
para a mediação dos conflitos em recursos hídricos com vistas ao ple-
no desenvolvimento da região inserida na bacia hidrográfica.
Portanto, para que haja uma participação efetiva e eficaz do mem-
bro representante em um comitê de bacia hidrográfica, essa repre-
sentatividade deve vir acompanhada de interesse para aprender e
disponibilidade para contribuir. Além disso, o conhecimento e in-
teresse pela causa, a disponibilidade e aptidão de voluntariado, a
conscientização política e a capacidade de interação e integração,
são mecanismos essenciais e necessários ao bom funcionamento de
um comitê de bacia hidrográfica. Esses ingredientes são fundamen-
tais para o pleno andamento dos trabalhos de discussão, delibera-
ção e mediação de conflitos no mais curto espaço de tempo.
Para obter maior integração com os sistemas de gestão, os comitês
de bacias hidrográficas devem trabalhar os mecanismos formais de
articulação com os órgãos gestores, pois esses fazem a ponte en-
tre as políticas de interesses e as demandas preeminentes do lugar.
Essa prerrogativa é comum entre os colegiados e, na maioria das
vezes, vai de encontro ao que estabelece a gestão democrática e
participativa da Lei 9.433/97.

218
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

A ingerência dos órgãos gestores vem prejudicando sensivelmente


a inserção e participação da sociedade civil no processo de gestão
democrática e participativa dos recursos hídricos. Mesmo sendo tri-
partite, a formação do comitê de bacias hidrográficas valoriza a fi-
gura dos representantes dos governos depositando confiança de tal
modo, que torna essa representação, teoricamente, mais influente
e representativa do que os demais segmentos. Por outro lado, esta
atitude enfraquece, em certa medida, a equidade proposta pela
composição tripartite. Fato interessante é que, mesmo a despeito
da força política que exercem os representantes dos governos den-
tro dos comitês,esta representatividade não é legitimada por alguns
dos representantes da sociedade civil. Esta atitude reflete a descon-
fiança e insegurança causadas pelas práticas governamentais de len-
tidão e omissão diante da necessidade de resolução da maioria dos
passivos e problemas ambientais. As prerrogativas de competência
do Estado de outorgar, fiscalizar, cobrar, punir e administrar, são
confundidas com suas atribuições enquanto membro do comitê.
Considerado o parlamento das águas, o comitê de bacia hidrográfi-
ca em Sergipe ainda não conseguiu alcançar o propósito para o qual
foi criado. O Estado, criador e fomentador, tem, por muitas vezes,
renegado o CBHS ao seu verdadeiro papel, que é o de contribuir na
gestão das águas de toda bacia hidrográfica. Com essa atitude, mui-
tos membros do comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Sergipe têm
tido descrédito perante o futuro desse modelo de gestão. Segundo
a opinião de muitos membros, falta apoio e respeito, por parte do
órgão gestor às políticas de sustentabilidade que deveriam ser con-
duzidas de forma compartilhada com o CBHS.

219
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ainda segundo Jacobi (2005), o maior problema com o qual se tem


defrontado muitos comitês de bacias hidrográficas é o fato dos di-
versos atores envolvidos na dinâmica territorial terem visões do
processo e dos objetivos que, por serem divergentes, dificultam a
busca de soluções que parecem mais equitativas.
Portanto, para garantir uma participação mais abrangente da so-
ciedade civil na gestão dos recursos hídricos, faz-se necessária uma
redefinição do papel daqueles que possuem maior conhecimento,
influência e com maior perícia, em ralação àqueles com menor nível
de discernimento dos processos, e não só no questionamento das
relações de poder econômico, ou uma abertura de maior espaço
para a sociedade civil nos processos decisórios.
A Agência Nacional de Águas (ANA) possui uma política de capacitação
de membros de comitês de bacias hidrográficas, oferecendo no seu
site cursos de aperfeiçoamento e capacitação à distância, como tam-
bém de forma presencial. Como há uma intensa rotatividade de mem-
bros representantes nos comitês de bacias hidrográficas, e essa reno-
vação sempre aponta para necessidade de inserção dessas pessoas no
processo de conhecimento dos mecanismos de funcionamento dessas
ferramentas de gestão, se justifica a existência desses cursos.
Além da ANA, o Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográfi-
cas (FNCBH), a Agência Ambiental Internacional WWF, os comitês
de bacias hidrográficas estaduais e federais, juntamente com seus
órgãos gestores e suas agências de bacias, também promovem ca-
pacitação e aperfeiçoamento de novos membros representantes,
para que possam se alinhar às diretrizes pré-estabelecidas e ao co-

220
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

nhecimento sobre gestão, sem que haja solução de continuidade no


funcionamento dos comitês.
O Quadro 01 apresenta alguns cursos de aperfeiçoamento promo-
vidos por essas entidades gestoras de recursos hídricos brasileiros,
tendo como público-alvo os membros representantes de comitês
de bacias hidrográficas de todo país. Muitas entidades fazem uso de
espaços como congressos, encontros, simpósios e fóruns estaduais,
regionais e nacionais para promoverem seus projetos de capacitação.
QUADRO 01: Cursos de Capacitação em Recursos Hídricos oferecidos em 2013.

NÚMERO TEMÁRIO DO CURSO ENTIDADEPROMOTORA

Comitês de bacias: o que é e o que faz. Práticas e


01 ANA
procedimentos
02 Noções gerais de gestão em recursos hídricos ANA
Representação e representatividade para o forta-
03 ANA
lecimento da governança na gestão das águas
Técnica de elaboração de projetos e capacitação
04 ANA
de recursos
Educação ambiental e as múltiplas dimensões da
05 ANA
água
Água, Comunicação e Sociedade no ano internacio-
06 FNCBH
nal de cooperação pela água
Plano de bacia como instrumento estratégico de
07 ANA
sustentabilidade dos recursos hídricos.
Gestão integrada: Águas superficiais e águas sub-
08 ANA
terrâneas.
09 A água na agenda política. WWF
Educação ambiental e comunicação social em resí-
10 FNCBH
duos sólidos e água.
Pegada hídrica como ferramenta para gestão em
11 WWF
recursos hídricos.
FONTE: Fórum Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas, ENCOB 2013.
ELABORAÇÃO: SOUSA SILVA, Luiz Carlos. 2013.

221
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Como visto em alguns exemplos anteriores, são vários os temas


propostos pelas entidades ligadas à gestão dos recursos hídricos
no país para atualização, manutenção e aprimoramento dos mem-
bros de comitês de bacias. São temas que abordam o conhecimento
sobre recursos hídricos desde o início do processo de gestão para
os principiantes na atividade de comitês de bacias até temas que
envolvem planejamento, técnicas e construção de Planos de Bacias
Hidrográficas e projetos para captação de recursos, oferecidos para
membros e interessados com mais experiência e maior tempo na
atividade de gestão.
Já o processo de financiamento de um comitê de bacia hidrográfica
requer cuidados mais específicos e uma conduta de imparcialidade.
Por não ser uma entidade de cunho jurídico, por não possuir Cadas-
tro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), o comitê de bacia hidrográ-
fica torna-se incapaz de se autofinanciar, como também operacio-
nalizar recursos arrecadados pela cobrança da água, ficando essa
prerrogativa a cargo da Agência de Bacia ou entidade delegatária,
a qual deve utilizar todo dinheiro oriundo da cobrança em projetos
de preservação e revitalização da própria bacia hidrográfica. Nesse
caso, cabe a plenária do comitê de bacia hidrográfica definir, a partir
de projetos específicos onde, como e quando os recursos devem ser
utilizados, tornando estreitas as relações do comitê com o poder.
A falta de projetos que promovam a sustentabilidade e capacidade
de conhecimento técnico provoca perdas de recursos, que poderiam
ser aplicados na revitalização e mitigação dos passivos ambientais
da bacia hidrográfica. Essa fragilidade é comum na maioria das Pre-
feituras municipais de todo Brasil, onde a ausência de profissionais

222
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

especializados em áreas afins provoca perdas de recursos e depen-


dência de empresas de consultoria privada, reduzindo os recursos a
serem utilizados na elaboração e implantação de projetos, principal-
mente aqueles voltados para sustentabilidade da bacia hidrográfica.
Uma forma encontrada pelas prefeituras municipais para minimizar
as perdas de recursos e dar celeridade aos processos de aquisição
de verbas, oriundas de diversas fontes é a fusão da pasta de recur-
sos hídricos com as Secretarias de Meio Ambiente, a fim de acelerar
os processos de financiamento ambiental por demanda de obra.
Apesar de várias dificuldades e deficiências na condução do proces-
so de gestão das águas, o Estado de Sergipe vem apresentando, nos
últimos anos, alguns avanços em relação a outros Estados da Federa-
ção. Foi elaborado, no ano de 2012, pelo Governo Estadual e aprova-
do pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CONERH), o Plano
Estadual de Recursos Hídricos, instrumento de gestão previsto na Lei
3.870/97 muito importante para condução da política estadual de re-
cursos hídricos. Foi dado início, no ano de 2013, também pelo governo
do Estado, a elaboração dos Planos das Bacias Hidrográficas dos rios
Sergipe, Piauí e Japaratuba, com previsão de conclusão em setembro
de 2014. Após aprovado pelos seus respectivos comitês de bacias hi-
drográficas, esse instrumento de gestão servirá de guia para a imple-
mentação efetiva de várias políticas de preservação, conservação e
sustentabilidade das águas nessas bacias hidrográficas.
Outras conquistas como o Prêmio ANA de recursos hídricos ano
2012, o Atlas Digital sobre Recursos Hídricos de Sergipe (2009, 2011
e 2012), a participação de membros de comitês de bacias hidrográfi-
cas estaduais em eventos nacionais, as realizações de reuniões pre-

223
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

vistas em cada plano de trabalho dos três comitês de bacias hidro-


gráficas, fazendo cumprir o estabelecido no regimento interno de
cada comitê de bacia hidrográfica e a adesão do Estado de Sergipe
ao Pacto Nacional pela Gestão das Águas (PROGESTÃO), que é um
programa da ANA de incentivo financeiro por meio de pagamentos
por resultados, para fortalecer a gestão das águas nos Estados, tam-
bém fizeram parte das conquistas e da vitrine de reconhecimento
do modelo de gestão adotado pelo Estado de Sergipe.
No Brasil, há muito que se fazer para implementação e melhoria da
gestão em recursos hídricos. Mesmo com o aporte da lei federal
9.433/97, existem vários Estados Federativos sem legislação Esta-
dual, portanto, sem a utilização dos instrumentos de gestão pre-
vistos em lei. Ainda há municípios que nunca emitiram nenhuma
outorga para uso da água, ou seja, desconhecem completamente a
realidade dos seus recursos hídricos.
Esta realidade é um ponto fraco da gestão das águas no Brasil. A
ausência de todos os instrumentos de gestão dos recursos hídricos
é notória na maioria dos Estados brasileiros. De todos os instrumen-
tos de gestão, a cobrança pelo uso da água é o limiar da sustentabi-
lidade da bacia hidrográfica, pois ela garante a alocação de recursos
fundamentais para serem utilizados na redução dos passivos da pró-
pria bacia hidrográfica, como também na garantia do uso conscien-
te da água e de um maior cuidado com o ambiente. Desse modo,
A institucionalização plena ainda não se completou. Esse déficit
institucional, somado a não concreção da cobrança da água, di-
ficulta enormemente a viabilidade do processo. Cobrança e ou-
torga são vistos como instrumentos fundamentais de controle e
realização de políticas (JACOBI, 2005, p. 85).

224
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

A consolidação de políticas que giram em torno da preservação do


meio ambiente e dos recursos hídricos ainda é incipiente no Brasil.
Teoricamente, essas políticas seriam mais fortes e significativas em
regiões onde houvesse maiores conflitos pelo uso da água, princi-
palmente no nordeste brasileiro. Contudo, há de se ressaltar que as
políticas de controle e de gestão da água mais eficazes encontram-
-se nas regiões sul e sudeste do Brasil.
Dentre essas políticas, estão aquelas que promovem o aumento da
produção qualitativa da água, visando a equiparação com as demandas
presentes e futuras, principalmente em regiões de maior densidade po-
pulacional e de expansão agrícola. No Brasil, há inúmeros estudos para
diagnosticar o aumento do consumo de água nos diversos setores pro-
dutivos, tanto dentro do país como em outros continentes, com vistas,
principalmente, para as necessidades de ações corporativas.
A gestão dos recursos hídricos é tão imprescindível quanto neces-
sária. No Brasil, fazer gestão das águas à luz da Lei 9.433/97 é tão
complexo quanto a diversidade geográfica e cultural do país. Isso
ocorre devido a não condição de implementação das ferramentas
e instrumentos de gestão previstos em Lei. Sem os recursos estru-
turantes necessários e garantidos, os Estados e a União não con-
seguem construir nem implantar a gestão de recursos hídricos em
toda sua plenitude, conforme o estabelecido em Lei.
A Cobrança não é um imposto, mas uma remuneração pelo uso de
um bem público, cujo preço é fixado a partir de um pacto entre os
usuários da água, a sociedade civil e o poder público no âmbito dos
Comitês de Bacia Hidrográfica – CBH’s, a quem a Legislação Brasilei-
ra estabelece a competência de pactuar e propor ao respectivo Con-

225
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

selho de Recursos Hídricos os mecanismos e valores de Cobrança a


serem adotados na sua área de atuação(ANA, 2013).
Vários comitês de bacias hidrográficas do Brasil, através das suas
agências ou entidades delegatárias, utilizam uma rotina comum e
que vem se mostrando eficiente no processo de construção das eta-
pas para efetivação da cobrança. Primeiro, é necessário a consolida-
ção de um cadastro de usuários que é feito com reuniões preparató-
rias e treinamento de pessoal técnico e administrativo. Logo após,
é feita uma longa etapa de comunicação e divulgação da cobrança
junto às entidades interessadas e a comunidade residente no âmbi-
to da bacia hidrográfica. Essa divulgação é feita através de palestras
e comerciais nos meios de comunicação locais como rádio, televi-
são, jornais e revistas, dentre outros.
Em seguida, é feito um ato convocatório com a emissão de corres-
pondência a todos os usuários cadastrados na bacia hidrográfica, a
fim de confirmarem os dados de vazões utilizadas e os volumes de
cargas poluidoras. Isso é feito com o auxílio de um formulário ele-
trônico e com campanha informativa também para os usuários não
cadastrados, convidando-os a se regularizarem. Após essa etapa, é
feita a abertura da conta em um banco, de preferência oficial e de-
terminado pelo órgão gestor, como também são feitos os procedi-
mentos administrativos como contratos, assinaturas, dentre outros.
Outra etapa do processo é a confecção de boletos para pagamentos,
conferência dos dados impressos e postagem para quem de interes-
se. Em seguida, é feito um procedimento de controle e acompanha-
mento de todo o processo de cobrança e dos valores arrecadados,
para que a mesa diretora do comitê possa ter conhecimento e, as-

226
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

sim, poder selecionar melhor os projetos de interesse dos recursos


hídricos para bacia apresentados para que possam ser discutidos e
passar pelo crivo da plenária do comitê e serem fomentados.
Procedendo dessa forma, os comitês de bacias que buscam alcançar
a cobrança pelo uso da água, garantirão idoneidade e a certeza de
que estão em conformidade com as determinações impostas pela
legislação vigente. Por estar previsto em Lei, é dever do Estado pro-
mover a implementação de todos instrumentos de gestão e incenti-
var a política de cobrança pelo uso da água para que não tenhamos,
num futuro próximo, a necessidade de gerar uma política de restri-
ção ao acesso a água.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Lei Federal que dispõe sobre a política de recursos hídricos trouxe


à tona a realidade das águas no Brasil em forma de palavras, ace-
nando para uma necessidade de mudanças no modelo de gerir esse
patrimônio vital e criando mecanismos que possibilitem a ocorrên-
cia de ações no âmbito da gestão participativa, descentralizada e
democrática dos recursos hídricos.
Atualmente, a gestão dos recursos hídricos no Brasil e em Sergipe
apresenta um caráter participativo com vistas a inserção de toda
sociedade no processo de gestão, indo na mesma direção ao que
estabelece as legislações vigentes. Esse modelo de gestão, preco-
nizado nos princípios fundamentais da Lei Federal 9.433/97de 08 de
janeiro de 1997 e da Lei Estadual 3.870 de 25 de setembro de 1997,

227
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

afirma que a água é um bem de domínio público e sua gestão deve


ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público,
dos usuários e da sociedade civil organizada.
Para alcançar o modelo de gestão adequada, capaz de proteger e
melhorar as condições qualiquantitativas das águas do Estado de
Sergipe, objetivando atender às atuais e futuras gerações, a Política
Estadual de Recursos Hídricos trouxe, no seu arcabouço, a prerroga-
tiva de implementar instrumentos de gestão que pudessem melhor
gerir os recursos hídricos.
A experiência do Estado de Sergipe em gestão dos recursos hídricos
é bastante recente, remonta os últimos vinte anos, principalmen-
te com a implementação de estudos e projetos de pesquisas ela-
borados pelo governo do Estado. Dentre esses estudos, está o de
diagnósticos e prognósticos sobre os recursos naturais do Estado,
elaborados por um comitê técnico que coordenou estudos de de-
senvolvimento dos Recursos Hídricos do Estado Sergipe, através do
acordo de cooperação técnica com a Agência de Cooperação Inter-
nacional do Japão JICA, que perdurou dos anos de 2000 a 2005.
A Constituição Federal de 1988 veio com uma nova proposta de ge-
renciamento das políticas públicas, na qual ela deve ser implementa-
da de tal forma que possa congregar a participação de toda socieda-
de, o que requer o estabelecimento de novos arranjos institucionais
com estruturas flexíveis (SEMARH/SRH 2010). Novas posturas polí-
ticas se fazem necessárias para encaminhar a gestão das políticas
públicas setoriais que devem ser firmadas, pois o arcabouço jurídi-
co-institucional garante o controle social dessas políticas públicas,
inclusive a que trata da gestão dos recursos hídricos.

228
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Somente assim, com a participação e o empenho de todos, é que


a sociedade atual terá oportunidade de estabelecer uma conexão
direta entre a difícil realidade vivenciada pelos nossos recursos na-
turais, notadamente os recursos hídricos, e a utopia estabelecida
nos inúmeros planos e políticas mal elaboradas e que vêm, a cada
geração, sucumbindo, cada vez mais, às parcas águas ainda existen-
tes em nosso território, comprometendo dia a dia o futuro das ge-
rações vindouras.

REFERÊNCIAS
ANA, Agência Nacional de Águas. Cobrança pelo uso de recursos hídricos
no Brasil: Informativo. 2012, Brasília/DF, 2013.
BOUGUERRA, Mohamed Larbi. As batalhas da água: Por um bem comum
da humanidade. Petrópolis/RJ. Ed. Vozes. 2004.
CAMDESSUS, Michel et al. Água: oito milhões de mortos por ano: um
escândalo mundial. Ed. Bertrand. Rio de Janeiro, 2005.
DAVID da SILVA, Demétrius; PRUSKI, Fernando Falco, editores. Gestão de
Recursos Hídricos: Aspectos legais, econômicos e sociais. Universidade Fe-
deral de Viçosa/MG. ABRH, Porto Alegre, 2005.
JACOBI, Pedro Roberto. Comitês de Bacias Hidrográficas: O que está em
jogo na Gestão Compartilhada e Participativa. In Dowbor, Ladislau e Tag-
nim, Renato Arnaldo (Organizadores). Administrando a água como se fos-
se importante: Gestão ambiental e sustentabilidade. São Paulo. Ed. Senac
São Paulo, 2005.
SEMARH. Atlas Digital de Recursos Hídricos, 2010.

229
Recursos hídricos e saneamento:
um elo para a saúde pública

Diego Silva Souza1


Jefferson Arlen de Freitas2

INTRODUÇÃO

Segundo a OMS3, saneamento é o controle de todos os fatores do


meio físico do homem, que exercem ou podem exercer efeitos no-
civos sobre o bem-estar físico, mental e social. Outra definição é a
trazida pela Lei do Saneamento Básico (Lei Nº 11.445 de 05 de janeiro
de 2007), que o define como o conjunto de serviços, infraestruturas

1 Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Tiradentes (2017), Mestrando em Ciên-


cias Ambientais pelo PROFCIAMB UFS, Graduado em Ciências Contábeis pela Universida-
de Tiradentes (2009), possuo Especialização latu sensu em Gestão Fiscal e Planejamento
Tributário (2011). Atualmente sou Educador Profissional do Estado de Sergipe; Professor
Assistente I da Universidade Tiradentes, e Tutor EAD do CESAD-UFS atuando no curso de
Administração Pública Bacharelado
2 Departamento de Engenharia Ambiental (DEAM) da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e professor permanente do Programa De Pós-Graduação em Mestrado Profissional
em Ciências Ambientais (PROF-CIAMB) da Universidade Federal de Sergipe.
3 Organização Mundial de Saúde, citado por Heller (1998).
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

e instalações operacionais de abastecimento de água potável, es-


gotamento sanitário, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos e
drenagem e manejo das águas pluviais.
Contudo, o déficit em saneamento no Brasil vem constituindo uma
preocupação para o setor, considerando a relevância de seu papel
na relação que estabelece com a saúde e o ambiente pois segundo
dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2014),
o percentual de domicílios particulares permanentes urbanos sem
acesso ao saneamento adequado é da ordem de 29,4%.
Em se tratando especificamente do esgotamento sanitário, pode-se
afirmar que tais dados refletem o crescimento desordenado das ci-
dades e, consequentemente, aumento dos índices de poluição dos
corpos d’água, com o lançamento direto de esgotos em rios ou até
mesmo o lançamento em vias públicas.
Daltro Filho (2004) define esgotos como todos os refugos líquidos
decorrentes das diversas atividades do homem, seja na habitação,
seja na indústria, seja no campo, seja no comércio. Acerca de tal
definição Araujo (2011), corrobora com a definição proposta pela
NBR 9648 (ABNT, 1986):
[...] “é o despejo liquido constituído de esgotos doméstico e in-
dustrial, água de infiltração e a contribuição pluvial parasitaria.

[...] esgoto doméstico: é o despejo líquido resultante do uso da


água para higiene e necessidades fisiológicas humanas. ”

NBR 9648 (ABNT, 1986).

Quanto à destinação dada a tais dejetos, Araujo (2011) estabelece


que, na maioria das vezes, são lançados diretamente em cursos de

231
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

água, lagos ou mesmo dispostos no solo sem nenhum, ocasionando,


dessa forma, consequências ecológicas desastrosas e colocando em
risco o abastecimento futuro da sociedade.
Diante disso, parafraseando Sperling (2005), em se tratando da des-
tinação de tais dejetos e da degradação dos recursos hídricos gera-
da pela poluição, verifica-se que existem basicamente duas formas
em que a fonte de poluentes pode atingir um corpo d’agua, a polui-
ção pontual e a poluição difusa. Para o referido autor, na poluição
pontual, os poluentes atingem o corpo d’água de forma concentra-
da. Um caso deste tipo, seria a construção de tanques sépticos pró-
ximo à mananciais e/ou poços. Ou seja, este tipo é causado princi-
palmente pelo lançamento de dejetos domésticos sem tratamento,
bem como pela construção de tanques sépticos sem os critérios de
dimensionamento estabelecidos pela NBR 7229 (ABNT, 1993).
Já na poluição difusa, os poluentes adentram o corpo d’água distri-
buídos ao longo de parte de sua extensão, Sperling cita como exem-
plo o caso da poluição veiculada pela drenagem pluvial, a qual é des-
carregada no corpo d’água de forma distribuída, ou seja, ao longo
do percurso do manancial.
Com isso, busca-se, neste estudo, verificar os avanços da legislação
sobre o saneamento, estabelecer relações entre este e os recursos
hídricos e também trabalhar a importância do saneamento enquan-
to fator de promoção de saúde pública. Baseando-se em tais obje-
tivos, esta pesquisa será de natureza pura, com uma abordagem
qualitativa, e quanto ao procedimento técnico para obtenção de da-
dos será tanto bibliográfica quanto documental, pois tanto autores
(artigos e livros) quanto a legislação servirão de parâmetros para

232
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

análise. Outrossim, este trabalho está organizado da seguinte for-


ma: introdução, no qual serão apresentados o tema, os objetivos e a
referida metodologia utilizada; discussões, no qual iremos apresen-
tar a fundamentação teórica sobre os objetivos propostos; e, por
fim, as considerações finais.

DESENVOLVIMENTO

Histórico do saneamento: principais aspectos conceituais


e regulatórios no Brasil

O período histórico conhecido como período colonial brasileiro, pe-


ríodo compreendido entre a conquista do território brasileiro pelos
portugueses e a vinda da família real portuguesa, retrata uma ex-
ploração desordenada dos recursos naturais sem que se houvesse a
preocupação da preservação. Com isso, percebe-se quase total au-
sência de sistemas de esgotamento sanitários e consequentemente
uma forte degradação dos recursos hídricos e mananciais. Ou seja,
a maior parte das vilas e povoados eram instalados próximos à cor-
pos-d’água de onde se extraía o abastecimento da comunidade e
também se lançava os dejetos provenientes do consumo humanado.
Com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, várias trans-
formações urbanísticas foram promovidas no Rio de Janeiro e em
outras cidades. No entanto, parafraseando o Ministério da Saúde
(2015), convém salientar que com relação aos serviços de esgota-

233
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

mento sanitário, não havia nenhum tipo de organização ou norma-


tização, pois, as intervenções sanitárias não constituíam objetos de
políticas públicas com ações duradouras.
Seguindo uma ordem cronológica, percebe-se que, a partir de mea-
dos do século XIX, o Brasil passou por grandes mudanças, as popu-
lações foram deslocadas das pequenas comunidades rurais para os
centros urbanos em formação, o que criou condições propícias às
doenças epidêmicas. Para o Ministério da Saúde (2015), os primeiros
serviços de saneamento no Brasil surgem como resposta à falta de
infraestrutura urbana, em um modelo do qual participavam o setor
público e empresas privadas.
Daltro Filho (2004) destaca que, nesta fase, os serviços de sanea-
mento, ora iniciados no Brasil, se restringiam apenas ao abasteci-
mento de água, situação essa marcada pela concessão do serviço a
empresários ingleses e prolongada até o início do século passado,
época em que o Estado assume os serviços de saneamento até a
década de 1940.
Já Soares et al (2002) destaca uma intensa agitação política em torno
da questão sanitária, com a saúde ocupando lugarcentral na agenda
pública, até a década de 30, saúde pública em bases científicas moder-
nas a partir das pesquisas de Oswaldo Cruz.
No intuito de apresentar um panorama histórico da institucionalização
dos serviços de saneamento apresentamos, a seguir, um quadro crono-
lógico com as principais datas e aspectos relevantes destacados:

234
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

QUADRO 1: Panorama da institucionalização dos serviços de Saneamento no Brasil

ANO ASPECTOS
1934 Elaboração do Código das Águas, que representou o primeiro instrumento de con-
trole do uso de recursos hídricos no Brasil, estabelecendo o abastecimento público
como prioritário.
1942 Destaca-se a inserção do setor saúde na política de saneamento, resultando na cria-
ção do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), a partir de um programa de finan-
ciamento e assistência técnica do governo dos Estados Unidos, interessado em ga-
rantir salubridade na exploração de materiais econômicos durante a Segunda Guerra
Mundial.
Década de O SESP começava a assinar convênios com os municípios para a construção, financia-
1950 mento e operação de sistemas de água e esgotos, dando origem aos serviços autárqui-
cos no país. Outra característica relevante do período, é surgimento em 1954 do fundo
Rotativo do Governo para Obras de Saneamento.
Década de O governo federal reorganiza o setor de saneamento por meio da implementação
1970 do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANASA), buscando solucionar o déficit
em abastecimento de água e esgotamento sanitário. O PLANASA cria as Companhias
Estaduais de Saneamento Básico (CESB), resultando em 26 companhias regionais.
Nesta época são criadas por exemplo as companhias de saneamento DESO em Ser-
gipe e EMBASA na Bahia.
Década de O PLANASA entra em decadência, com a extinção do Banco Nacional da Habitação
1980 (BNH) em 1986, seu principal financiador. A política de saneamento fica indefinida até
a primeira década do século XXI. Em 1988, nova ordem jurídica, assentada na Consti-
tuição Federal, define o Brasil um estado democrático de direito, proclama a saúde
direito de todos e dever do Estado, estabelecendo canais e mecanismos de controle
e participação social para efetivar os princípios constitucionais que garantem o direito
individual e social.
2007 Promulgada a Lei Nacional de Saneamento, (Lei nº 11.445/2007) que inaugurou um
novo ciclo do saneamento no Brasil, ao estabelecer diretrizes para o saneamento e
para a política federal de saneamento básico no país, cobrindo uma histórica lacuna
na legislação deste setor.
FONTE: Produzido pelos autores com base em Daltro Filho (2004) e Soares et al (2002).

235
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Saneamento e recursos hídricos: uma relação intrínseca

Embora o abastecimento de água e esgotamento sanitário sejam


tradicionalmente um dos principais pontos a serem lembrados quan-
do falamos em recursos hídricos, historicamente, a sua política tem
sido desvinculada da política de águas, pois percebe-se, pelo que
foi abordado no tópico anterior, que no processo histórico pouca
ou nenhuma importância era dada à questão do saneamento, tendo
em vista que preocupações com o saneamento só foram levantadas
na década de 1950.
Parafraseando Faria e Farias (2004), verifica-se que a formulação e a
concretização de um novo modelo institucional para a Política Nacio-
nal de Saneamento requerem, ainda, instrumentos jurídicos, legais
e normativos. Então, para os referidos autores, de acordo com es-
ses instrumentos jurídicos-legais e normativos, as perspectivas para
o setor de saneamento são analisadas tomando-se como base dois
cenários: no primeiro, esses instrumentos não são levados adiante e
o modelo de gestão permanece como está; no segundo, supõe-se a
aprovação do projeto Lei 4.147/2001, que institui diretriz nacional para
o saneamento básico e prevê a normatização desses instrumentos,
incluindo a participação da ANA na política de saneamento.
Para Doretto (2012), uma política municipal de saneamento básico
deve ser embasada no conceito de saneamento ambiental que se re-
fere aos seus princípios e diretrizes; suas interfaces com as políticas
de saúde, meio ambiente, recursos hídricos e desenvolvimento ur-
bano e rural, dentre outras e seu arranjo institucional, as formas de
alocação de recursos e de participação e controle social. Portanto,

236
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

nas palavras do referido autor, os princípios fundamentais de uma


política municipal de saneamento ambiental são universalidade, in-
tegralidade das ações, equidade.
Considerada o maior avanço em termos institucionais, a Lei Federal
11.445, de 5 de janeiro de 2007, prevê o Plano Municipal de Sanea-
mento (PMS) e estabelece as diretrizes nacionais para o saneamen-
to básico.Corroborando com Doretto (2012), esta lei caracteriza-se
também como pré-requisito para acessar financiamentos federais,
cujos programas valorizam ou até mesmo requerem a existência de
um plano diretor de saneamento para a obtenção do recurso. Pela
lei, o saneamento é visto como uma questão de Estado, reforçando
a ideia de planejamento sustentável, tanto do ponto de vista da saú-
de e do meio ambiente como do ponto de vista financeiro.
Parafraseando Doretto (2012), faz-se necessário ressaltar que o Pla-
no de Saneamento Básico não é um Plano de Governo Municipal,
mas um compromisso da sociedade em termos de escolha de cená-
rios futuros. Realizar o Plano Municipal de Saneamento na sua ínte-
gra pressupõe uma tomada de consciência individual dos cidadãos
sobre o papel ambiental, social, econômico e político que desempe-
nham em sua comunidade.

Saneamento e saúde pública

Corroborando com Daltro Filho (2004), um entendimento sobre a


definição de saneamento deve ser proposto de forma abrangente,
não levando em consideração somente as ações da água e esgotos,

237
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

surgindo, então, o que chamamos hoje de Saneamento Ambien-


tal, explicitando, dessa forma, a definição da OMS apresentada
na introdução.
Acerca da definição proposta pelo autor, é possível afirmar que o
saneamento ambiental, compreende o conjunto de ações que en-
volve: sistemas de esgotos, de abastecimento de água, de coleta e
disposição final do lixo e de drenagem das águas pluviais.
Para Castiel (2008), a expressão “Saúde Pública” pode dar margem
a muitas discussões quanto à sua definição, campo de aplicação e
eventual correspondência com noções veiculadas, muitas vezes, de
modo equivalente. No entanto, em linhas gerais, a conotação dada
pelo autor para o termo, costuma-se referir a formas de agencia-
mento político/governamental (programas, serviços, instituições)
no sentido de dirigir intervenções voltadas às denominadas “neces-
sidades sociais de saúde”.
Neste contexto, corroborando com o Ministério da Saúde (2015), é pos-
sível afirmar que a finalidade do saneamento está em promover a saúde
e melhorar as condições de vida da população, por meio de intervenções
em infraestrutura e educacionais, adequadas às diferentes realidades, ou
seja, respeitando-se as características socioculturais, econômicas e am-
bientais locais bem como buscando tecnologias apropriadas.
No Brasil, as péssimas condições sanitárias verificadas em muitas
das bacias hidrográficas, resultam na degradação generalizada dos
recursos hídricos. Na pesquisa de Libânio, Chernicharo e Nascimen-
to (2005), constatou-se ser realidade comum o lançamento de es-
gotos sanitários não tratados, a disposição inadequada de resíduos

238
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

sólidos nas mediaçõesde cursos d’água ou em locais sem infraestru-


tura adequada, loteamentosclandestinos e outras.
Corroborando com os resultados da pesquisa de Libânio, Chernicha-
ro e Nascimento (2005), nota-se que os estados com piores indica-
dores de saúde (diga-se maior taxa de mortalidade e de morbidade),
apresentam menores índices de cobertura por rede de esgotamento
sanitário (< 50%), mas não, necessariamente, menores índices de co-
bertura por rede de água (< 60%).
Os dados acima apresentados refletem a relação existente entre saú-
de pública e saneamento, pois conforme relata Lisboa (2013), cada
um real investido por governos em saneamento básico economiza
quatro reais em custos no sistema de saúde, dado estimado por espe-
cialistas no 4º Seminário Internacional de Engenharia de Saúde Públi-
ca, realizado pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto verifica-se a relação intrínseca existente entre sa-


neamento, recursos hídricos e saúde pública, pois uma das melhores
ações preventivas de saúde é o esgotamento sanitário. Ao estudar
os diferentes aspectos conceituais da regulação dos serviços de água
e esgoto no Brasil, conclui-se que, entre outros aspectos, é preciso
conhecer seus limites e potencialidades para se ter clareza da forma
como essa atividade pode contribuir efetivamentepara a melhoria e
universalização da prestação dos serviços de água e esgoto.

239
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Nesse sentido, corroboramos com Libânio, Chernicharo e Nasci-


mento (2005), pois destaca-se que o sistema de gestão de águas a
ser implementado somente garantirá o aproveitamento sustentável
do recurso hídrico, caso seja estabelecida uma nova dinâmica para o
planejamento e para a realização de ações de saneamento.
É interessante salientar que, para muitos autores, o Brasil é o país
com uma das maiores e mais completas legislações sobre recursos
hídricos, todavia, o que nos falta é a educação para a água proposta
por Bacci e Pataca (2008). Contudo, verificamos, a veracidade da
afirmação de Lisboa (2013), pois cada investimento em saneamento
poderá economizar aos cofres públicos cerca de quatro vezes mais
com a saúde pública, pois, dessa forma, estamos trabalhando com
ações de promoção, por meio da formulação e implementação de
políticas públicas de saneamento.

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Ambiental - Universidade Federal de Minas Gerais, 2005.

242
Açude da Marcela em Itabaiana/ SE:
uma análise sobre o risco da
degradação ambiental1

Michelle Fraga Lima


Rosana de Oliveira Santos Batista

INTRODUÇÃO

O Brasil é caracterizado por dispor de abundantes corpos hídricos


em seu território e sua disponibilidade hídrica é destinada ao abas-
tecimento humano e às atividades socioeconômicas. A águaretirada
de rios, lagos, represas e aquíferos tem influência direta sobre a saú-
de e a qualidade de vida das populações (SOUZA, 2000).
Os corpos hídricos vêm, cada vez mais, sofrendo as consequências
da ação antrópica. Com o crescimento demográfico e a industriali-
zação ocorre a incessante liberação de águas residuais, despejos in-
dustriais e insumos agrícolas nos corpos hídricos ocasionando a con-

1 A produção desse texto ocorreu em virtude da construção de um capítulo da dissertação


de Mestrado no Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Rede Nacional
Para o Ensino das Ciências Ambientais/MPROFCIAMB.
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

taminação ambiental. Dessa maneira, a água pode trazer sérios riscos


à saúde em face de sua má qualidade, servindo de veículo para vá-
rios agentes biológicos e químicos. Por isso, o ser humano deve estar
atento aos fatores que podem interferir negativamente na qualidade
da água que consome e no seu destino final (ROCHA, 2006).
O município de Itabaiana/SE dispõe de alguns corpos hídricos que
favorecem a produção agrícola. Localizado na sub-bacia do rio Ja-
carecica, o açude da Marcela é um corpo hídrico que foi projetado
para fornecer água para irrigação, possui uma capacidade de arma-
zenamento de 2.710.000m³, apresentando significativa importância
para as comunidades do município. O referido município é conside-
rado como um dos mais desenvolvidos economicamente do estado
de Sergipe, pela condição de ser o celeiro agrícola onde se destaca
a pequena produção, além do desenvolvimento de outros setores
econômicos, como comércio e serviços (BORGES, 1995).
No entorno do açude da Marcela, evidenciaram-se alguns impactos
que refletem na saúde ambiental, tais como a crescente eliminação
de efluentes domésticos e industriais, alteração da paisagem pela agri-
cultura e a proliferação de alguns agentes químicos tóxicos. A água do
açude apresenta qualidade imprópria para irrigação em função dos
despejos agrícolas (agrotóxico) e esgotos domésticos e industriais des-
cartados no reservatório. E com todos esses problemas de morbidade
atua no sistema de irrigação e consumo populacional (SANTOS, 2010).
No contexto do perímetro irrigado do Açude da Marcela, a realida-
de dos trabalhadores é igual à da maioria dos trabalhadores brasi-
leiros, reféns da lógica da produção atrelada aos agrotóxicos, pois
a relação entre os agrotóxicos e a saúde dos trabalhadores vem

244
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

sendo responsável pela ocorrência de adoecimento da população


(SANTOS J.; BATISTA, 2015).
Com base em Bombardi (2011), a agricultura moderna está cada vez
mais atrelada ao uso dos agrotóxicos e os pacotes tecnológicos, tendo
em vista o controle de pragas e o aumento da produtividade em produ-
ção de pequena, média e larga escala. Essa forma de cultivo traz em si
contradições a serem analisadas, principalmente, no que diz respeito à
saúde do trabalhador, por se tratar de substâncias químicas prejudiciais
ao homem e o ambiente. Nessa direção, o presente texto objetiva anali-
sar, por meio da pesquisa bibliográfica, considerações sobre o processo
de degradação ambiental e degeneração humana no açude da Marcela
município de Itabaiana/SE, enquanto chave de entendimento das práti-
cas de gestão ambiental, na especificidade da relação educação, recur-
sos hídricos e ética ambiental.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O texto em tela aborda algumas reflexões sobre o açude da Marcela,


localizado no município de Itabaiana-SE, porrepresentar um elevado
índice de contaminação hídrica; mediante a contaminação via herbici-
das e coliformes fecais, oriundos do lançamento de efluentes domés-
ticos e industriais neste corpo hídrico sem o devido tratamento.
O desenvolvimento desse texto é de cunho bibliográfico, pois, de
acordo com Martins e Theóphilo (2009, p. 54), “procura explicar e
discutir um assunto, tema ou problema com base em referências

245
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

publicadas em livros, periódicos, revistas, enciclopédias, dicionários,


jornais, sites, CDs, anais de congressos”, entre outros.
Como aporte teórico para entender as questões que se relacionam
aos Recursos Hídricos, Águas Urbanas e contaminação ambiental
baseou-se nos seguintes autores Bombardi (2011), Fernandes Neto;
Pacheco Ferreira (2011), Mota (1995), Suguio (2006), Gouveia (1999),
Tundisi (2005, 2006, 2011), Tucci (2008), Veiga (2006). No município
de Itabaiana/SE, quanto às questões ambientais do Açude da Marce-
la, os autores: Araujo; Batista (2015), Borges (1995), De Carvalho; Da
Costa (2014), Gomes et al, (2014), Santos T.; Batista (2015), Santos J.;
Batista (2015), Santos (2010), Santos (2013), Sena et al (2004). Por
fim, foi feita a interpretação dos dados obtidos para a reflexão so-
bre os riscos que a contaminação ambiental pode oferecer.
Após leitura analítica dos artigos e livros citados, construímos uma re-
flexão acerca da problemática em tela, a fim de trazer à tona a discus-
são que permeia a relação sociedade-ambiente, no tocante ao proces-
so de contaminação hídrica por intervenção do aumento populacional
que trouxe problemas ambientais gerados pela falha de infraestrutura
no saneamento básico, tornando o açude um ambiente desagradável.
Em nossas considerações finais, estão dispostas reflexões acerca
da contaminação ambiental a partir do uso intensivo de agrotóxico
no perímetro irrigado da Marcela e o descarte pelo escoamento das
águas de irrigação no Açude, e para além, a precariedade dos ser-
viços de saneamento, que só contribui para a intensa degradação
ambiental existente nos rios urbanos, já que a população de seu en-
torno torna-se vulnerável a desastres ambientais e à contaminação
por doenças que são veiculadas nos ambientes hídricos.

246
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O Brasil é depositário de uma das maiores reservas de água doce do pla-


neta, distribuídas em superfície e em subsuperfície, o que constitui um
capital ecológico de inestimável valor e de fundamental importância no
desenvolvimento socioeconômico sustentável. As condições naturais
existentes são altamente favoráveis ao desenvolvimento da vida e à
renovação de ciclos dos seus potenciais de água doce (SUGUIO, 2006).
A água é um componente essencial dos tecidos biológicos, partici-
pando ativamente dos processos metabólicos do organismo; nela,
estão presentes alguns compostos químicos que são indispensáveis
não só ao consumo humano, mas também para outros usos tais
como a irrigação, preservação da fauna e da flora. Através dela po-
derá ocorrer o transporte de agentes patogênicos eliminados pelo
homem, por meio de dejetos ou de poluentes químicos e radioati-
vos presentes nos esgotos industriais ou em outros resíduos. Tanto
os agentes biológicos quanto os poluentes químicos quanto radioa-
tivos podem alcançar o homem através da ingestão direta da água,
pelo contato da mesma com a pele ou mucosas, ou através do seu
uso em irrigação ou na preparação de alimentos (MOTA, 1995).
Problemas relacionados à qualidade da água devido à contaminação
de mananciais por significativas quantidades de impurezas impedem
que esta seja utilizada para o abastecimento humano, constituindo
um potencial causador de danos à saúde e ao bem-estar do homem,
além de estabelecer um agrave a saúde pública. Nessa direção, no
decorrer da história, o desenvolvimento econômico, a ocupação
dos espaços urbanos e o desenvolvimento cultural implicaram nos

247
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

usos múltiplos dos recursos hídricos, viabilizando impactos diversos


sobre os mesmos (TUNDISI, 2005).
Nessa direção, Tucci (2008) faz uma reflexão acerca da dinâmica da
população que se interrelaciona aos recursos naturais (solo, água). O
autor destaca que as consequências sobre as “águas urbanas” são de-
correntes do crescimento urbano ocorridos no final do século XX, foi
impulsionado pelo desenvolvimento econômico, por promover falta
de tratamento de esgotos, visto que a maioria das cidades não dispõe
de tratamentos eficazes de esgoto, lançando os efluentes nas redes
de esgotamento pluvial, escoado pelos rios urbanos (TUCCI, 2008).
Semelhantemente a essa discussão, Gouveia (1999) menciona que
a ocupação urbana de forma desordenada trouxe profundas conse-
quências à saúde pública, já que a urbanização superou a capacida-
de de suporte, infraestrutura e serviços das cidades, principalmente
em relação à água, saneamento, coleta e destinação adequada dos
resíduos sólidos, controle do meio ambiente para a população, den-
tre outros (GOUVEIA, 1999).
Dessa feita, Tundisi (2006) afirma que a contaminação pelo aumento
das substâncias tóxicas na água, além das doenças de veiculação hí-
drica estão ligados às condições inadequadas de saneamento básico,
a falta de tratamento de efluentes antes de serem lançados nos
corpos hídricos e aumento da toxicidade nos ecossistemas aquáticos,
constituindo sérios problemas à saúde humana (TUNDISI, 2006).
Não obstante, adegradação dos corpos hídricos está associada à
presença de contaminantes em águas subterrâneas e superficiais,
que se intensificam com a atividade humana, a saber: os processos

248
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

industriais e agrícolas. A variedade é enorme, e os mais importantes


são os metais pesados (como chumbo, arsênio, cádmio e mercúrio);
agrotóxicos (nitratos, compostos organoclorados, organofosfo-
rados ou carbamatos) e compostos orgânicos voláteis (como pro-
dutos combustíveis e solventes halogenados) (FERNANDES NETO;
PACHECO FERREIRA, 2011).
Quanto ao uso de agrotóxicos na produção agrícola, Tundisi (2011)
explica que essas substâncias químicas foram empregadas para con-
trolar as doenças, aumentaram a produção de alimentos e a expec-
tativa de vida das pessoas, mas tornaram-se uma ameaça à saúde
pública, à saúde humana e à biodiversidade do planeta. Semelhan-
temente, Veiga et al. (2006) menciona que o uso dos agrotóxicos é
um dos recursos bastante utilizados na agricultura com intuito de
aumentar a produtividade agrícola. No entanto, a aplicação desses
venenos químicos podem contaminar o solo e os sistemas hídricos,
possibilitando a degradação ambiental que traz como sequelas in-
fortúnios à saúde e desestabilização dos ecossistemas.
Com efeito, para os usos múltiplos dos sistemas hídricos há a neces-
sidade de um gerenciamento adequado e condições saudáveis de
saneamento básico, em detrimento à poluição dos mananciais que
geralmente está associada à falta de tratamento de efluentes urba-
nos, industriais e agrícolas, bem como a disposição inadequada dos
resíduos sólidos, restringindo o seu uso para diversos fins, e poten-
cializando a degradação ambiental (CARRERA; FERNANDEZ, 2002).
A utilização dos agrotóxicos nas práticas agrícolas é uma novida-
de recente, por se tratar de tecnologias de meados do século XX.
Nesse contexto, após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu o fato de

249
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

elementos tóxicos serem usados como armas químicas. Posterior-


mente, tais fórmulas que serviam para conflitos entre nações, tor-
naram-se viáveis no combate a pragas e fertilizantes nas lavouras.
Esses produtos se adequavam perfeitamente a monocultura, mode-
lo predominante na agricultura até tempos presentes (SANTOS J.;
BATISTA, 2015).
Como a agricultura é uma atividade presente na história humana des-
de os primórdios e muito importante para desenvolvimento do ho-
mem, durante séculos sem o uso de agroquímicos na produção. Com
advento da “Revolução Verde”, e a falácia de que este processo dizi-
maria a fome em todo globo, era necessária a produção de alimentos
em larga escala. Tal discurso proporcionou a inserção dos agrotóxicos
na maioria dos plantios em todo mundo, pois, estes produtos possibi-
litariam a grande produção agrícola (BOMBARDI, 2011).
Tratando-se de corpos hídricos na sub-bacia do rio Jacarecica na ci-
dade de Itabaiana/SE, o açude da Marcela foi construído pelo DNOCS
(Departamento Nacional de Obras Contra Seca) para fornecer água
para irrigação a 156 hectares, com vista a beneficiar a produção agrí-
cola dessa região. Esta constitui uma área hídrica de significativa re-
levância para a vida dos trabalhadores e moradores daquela região,
bem como para a economia do município, entretanto a presença de
contaminantes tem contribuído para a degradação daquele ambien-
te. Efluentes domésticos e industriais são lançados diariamente no
Açude da Marcela, sem tratamento prévio. Nessa direção, Sena et
al (2004) menciona que é um ambiente enriquecido por nutrientes
(Nitrogênio, Fósforo), possui uma elevada produção de algas e um

250
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

alto teor de salinização, o que torna aquela água inadequada para o


uso de irrigação.
Outro fator a ser considerado é a utilização de agrotóxicos na pro-
dução agrícola, de forma indiscriminada e contínua, capaz de atingir
esse corpo hídrico por infiltração, além de permitir graves conse-
quências à saúde do trabalhador e do ambiente, bem como os di-
versos atores sociais que indiretamente estabelecem relação com a
água do açude. Nessa direção, Batista (2015) destacou que “infiltra-
-se no solo e atingir as reservas de águas subterrâneas, os agrotóxi-
cos podem prejudicar a qualidade hídrica da barragem que abastece
o Jacarecica I, além de canais fluviais como o Jacarecica, afluente do
Rio Sergipe” (ARAUJO; BATISTA, 2015, p. 12).
Com o advento da Revolução Verde no Brasil, fez com que o muni-
cípio de Itabaiana incorporasse novas técnicas em seus processos
produtivos, como o uso de defensivos agrícolas e fertilizantes, que
propiciaram o desequilíbrio e a degradação do ambiente mediante
a contaminação do lençol freático de toda área irrigada (DE CARVA-
LHO; DA COSTA, 2014).
Nessa mesma localidade, Santos (2013) afirma que “os agrotóxicos
aplicados nas hortaliças por serem armazenados de forma incor-
reta e expostos a céu aberto podem ser transportados para ou-
tros locais por água e vento, e também podem ser acumulados em
cadeias alimentares” permitindo a degradação daquele ambiente
(SANTOS, 2013, p. 147).
Para Santos T. e Batista (2015), o uso de agrotóxicos pelos agricul-
tores tem se tornado uma prática rotineira e traz graves problemas

251
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

à saúde do ambiente e do trabalhador; possibilitando a intoxicação


deste, mediante o manuseio de forma inadequada.
Dessa feita:
os agricultores fazem uso de agroquímicos tais como: CYPTRIN,
DITHANE, ROUNDUP, KARATE, FOLICUR, AFALON, GRAMACIL,
esses agrotóxicos são nocivos para o ser humano é represen-
ta perigo constante para quem lida com essas substâncias sem
nenhuma proteção contra os efeitos desses químicos. Os usos
excessivos desses químicos garantem a produção rural no mu-
nicípio de Itabaiana/SE, porém, essas práticas causam diversos
danos para a natureza e ao ser humano. Dessa forma, os impac-
tos vão ser sentidos independentemente, tanto, no aplicador
que está em contato direto com os agrotóxicos cotidianamente,
quanto ao consumidor final que estará a depender do processo
que o alimento sofreu, ingerindo grande quantidade de resíduos
tóxicos (SANTOS T.; BATISTA, 2015, p. 9).

Nesse contexto, Gomes et al (2014) menciona que os trabalhado-


res fazem o uso abusivo e indiscriminado, sem nenhum cuidado e
orientação; destaca a despreocupação dos trabalhadores quanto
aos riscos que esses defensivos podem oferecer. De acordo com
Santos J. e Batista (2015, p.18), os trabalhadores acreditam que os
agrotóxicos são benéficos a agricultura e não prejudicam a saúde,
“são vistos com remédios para as plantas”. Entretanto, a partir de
pesquisas realizadas no local perceberam que os agricultores são
os mais propensos a contrair doenças, devido estarem em contato
direto com esses venenos. Nessa direção, mencionaram que “igual-
mente aos homens, as mulheres estão sujeitas aos graves efeitos
dos agrotóxicos, através das intoxicações agudas e crônicas, tam-
bém na execução das atividades domésticas, dentre outras”. Para
além disso, evidenciaram a ocorrência de contaminação diretamen-

252
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

te com as plantações, durante a aplicação dos agrotóxicos ou até


mesmo posteriormente.
Outrossim, para os autores supracitados, a intensa utilização de
agrotóxicos na produção agrícola nessa área irrigada é resultado
da alienação dos trabalhadores, causada pela obrigação de produ-
zir em maior quantidade, com a perspectiva de suprir as demandas
impostas pelo mercado de hortaliças.
A ANVISA, em seu Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos
em Alimentos (PARA, 2015), destaca a permanência dos resíduos dos
agrotóxicos nos alimentos e sua disseminação através das cadeias
alimentares naturais, principalmente, pela água. E alerta para que
seja respeitado o período de carência do produto para a comercia-
lização dos alimentos cultivados, com a preocupação do consumo
de produtos no comércio com resíduos consideráveis de venenos,
todavia, é desconsiderado que os trabalhadores têm o contato dire-
to com os venenos, seja durante, seja após as pulverizações prejudi-
cando sua saúde cotidianamente (SANTOS T.; BATISTA, 2015).
No tocante à população no entorno do Açude Marcela, são trabalha-
dores de baixa renda que lidam diariamente com problemas sociais, a
saber: “má situação sanitária e nutricional; a maioria das residências
não é contemplada com sistema de esgoto, nem tampouco com água
encanada e outras necessidades básicas” (SANTOS, 2010, p. 16).
Outro aspecto degradante que merece ser destacado é a insuficiên-
cia de saneamento básico naquela localidade, nesse ínterim Santos
(2013) menciona que a água do açude é contaminada por coliformes
fecais, que possibilita a proliferação de insetos e doenças, afetando

253
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

as crianças que convivem diariamente com ela e com o lixo na região,


já que alguns casebres estão localizados as margens do açude, além
de uma cerâmica que polui o ar constantemente (SANTOS, 2013).
Contudo, devem-se levar em conta os impactos negativos advindos
da insuficiência de saneamento básico naquela região, visto que
se evidencia o escoamento de esgoto a céu-aberto, proveniente
de alguns domicílios ao redor do açude, bem como o lançamento
de efluentes “de parte” da cidade de Itabaiana diretamente nesse
corpo hídrico, sem tratamento prévio. Nessa premissa, os esgotos
domésticos e industriais contribuem para o aporte de compostos
orgânicos que induzem o crescimento algal e a consequente eutro-
fização2dos corpos hídricos.
Conforme menciona Sena et al (2004), o Açude da Marcela é um
ambiente enriquecido por nutrientes (Nitrogênio, Fósforo), possui
uma elevada produção de algas, o que torna aquela água inadequa-
da para a irrigação e a presença de coliformes termotolerantes3, que
possivelmente são oriundos dos esgotos domésticos que são lança-
dos “in natura” nesse corpo hídrico (SENA et al, 2004).

2 A eutrofização das águas significa seu enriquecimento por nutrientes, principalmente


nitrogênio e fósforo, levando ao crescimento excessivo das plantas aquáticas, tanto
planctônicas quanto aderidas, com consequente desequilíbrio do ecossistema aquáticoe
progressiva degeneração da qualidade da água dos corpos lênticos. Um dos principais
problemas relacionados à eutrofização é a proliferação de cianobactérias em detrimento
de outras espécies aquática (MOTA et al, 2007, p. 400).
3 Os coliformes termotolerantespertencem ao subgrupo das bactérias do grupo coliforme que fer-
mentam a lactose a 44,5 ± 0,2ºC em 24 horas, tendo como principal representante a Escherichia
coli, considerada o mais específico indicador de contaminação fecal (BRASIL, 2005).

254
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

De acordo com o contexto situacional que os corpos hídricos encon-


tram-se no território brasileiro, desencadeia a importância das legis-
lações, para ordenar e organizar as questões que se relacionam com
a disponibilidade e sustentabilidade hídrica, objetivando minimizar
os problemas de degradação ambiental sobre os mesmos (JACOBI,
2007). Por outro viés, diante da problemática ambiental e a degrada-
ção dos recursos naturais em especial no que concerne aos corpos hí-
dricos, surge a importância da Educação Ambiental como instrumen-
to de melhoria na qualidade de vida das pessoas, através de práticas
educativas que contribuam para mudanças de ações e atitudes nas
relações entre o ser humano e o ambiente (TEIXEIRA, et al, 2011).
Em concordância com Gusmão (2014), compreende-se que um “conheci-
mento epistemicamente inteligível” para interpretar e entender as ques-
tões do meio ambiente abrange diversas dimensões da realidade-física,
biológica, geográfica, histórica, política, cultural e econômica etc., sob o
foco da organização relacional, com base nos princípios da complexida-
de. Dessa forma, a Educação Ambiental efetivará práticas sociais, possi-
bilitando compreensão de conflitos e problemas socioambientais sob o
pressuposto de que o meio ambiente é resultado de inter-relações com-
plexas entre sociedade, cultura e natureza (DE GUSMÃO, 2014).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crescimento urbano, elevou-se, também, a necessidade das


demandas de recursos hídricos que atendesse às necessidades so-
cioeconômicas. Em contrapartida, essas demandas têm ocasionado
a redução da quantidade e qualidade da água, tendo em vista que

255
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

os usos múltiplos, especialmente a produção agrícola, requerem


grande quantitativo de água. E o uso indiscriminado de defensivos
agrícolas que pode retornar a rede de drenagem ou, até mesmo, ser
absorvido pelo solo e atingir o lençol freático, interferindo, assim,
na qualidade da água, e na degradação do ambiente.
De maneira geral, os agrotóxicos estão inseridos na agricultura na
tentativa de prevenir ou eliminar as pragas que possam existir nas
atividades agrícolas. Entretanto, o uso abusivo e indiscriminado des-
ses venenos vem comprometendo a saúde e a qualidade do ambien-
te, tornando-se um agrave para a saúde ambiental.
No açude da Marcela não é diferente, visto que os indícios de degrada-
ção e contaminação ambiental contribuem para a deterioração desta
área hídrica, impactam negativamente a saúde ambiental e, conse-
quentemente, a qualidade da saúde não só da população do seu entor-
no, como também a de todos os “atores sociais” que, de alguma for-
ma, tenha ligação a este recurso hídrico. Conforme, estudos anteriores
apontaram a presença de contaminantes que põem em risco e vulnera-
bilidade aquela área, bem como a sua inviabilidade para utilização em
práticas agrícolas e consumo humano, sem tratamento prévio.
Assim, se faz importante a atuação de uma gestão adequada e efi-
caz dos Recursos Hídricos, e de ações voltadas para o saneamento
básico tendo em vista à disposição final correta dos resíduos sólidos,
o tratamento adequado dos efluentes domésticos e industriais an-
tes do lançamento nos corpos hídricos. Para além disso, é de suma
importância a atuação permanente da educação ambiental, nos sis-
temas formais e não-formais de ensino, sob a ótica transformadora e
emancipatória. A fim de fomentar a sensibilização dos cidadãos sobre

256
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

a importância da conservação dos recursos hídricos e a sustentabilida-


de do ambiente, tendo em vista atender às condições necessárias de
sobrevivência dos seres humanos, incluindo, não só as demandas da
presente geração,mas também as das futuras gerações.

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258
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

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259
As áreas estuarinas e o papel das
Ciências Ambientais como mediadora
na condição de sustentabilidade local

Mariana Morais Azevêdo1


Anézia Maria Fonsêca Barbosa 2

INTRODUÇÃO

Os Estuários são ambientes únicos que compartilham caracterís-


ticas com oceanos, lagos e rios e sua importância e diversidade
(individual e coletiva) ocupam um espaço de interesse científico
muito importante para a geografia, hidrologia e ecologia (JOR-
DAN, 2012). Esses ambientes suportam uma grande biodiversida-
de, principalmente de peixes e moluscos, devido à sua alta produ-
tividade biológica, criticidade e acessibilidade (berçários), no qual

1 Aluna de mestrado Profissional em Ensino das Ciências Ambientais. Professora da rede


particular de ensino em Sergipe. E-mail: marimoraisazevedo@gmail.com
2 Professora Doutora da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: aneziamaria.barbosa@
gmail.com
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

sua alteração possui impactos não só ecológicos, mas econômicos


e sociais (JORDAN; PETERSON, 2012).
Como influência social, o estuário contribui para a vida dos residen-
tes ribeirinhos e visitantes servindo como centro de emprego e co-
mércio, locais de recreação e prazer estéticos e locais para diferentes
culturas além de instalação de comunidades distintas. Dado a tantos
benefícios e serviços ambientais fornecidos pelas regiões estuarinas,
é de se esperar que esses ambientes sofram com a instalação huma-
na e com sua rápida taxa de crescimento populacional. Basicamente,
problemas com poluição, destruição de habitats e degradação ecoló-
gica e ambiental assolam esses ecossistemas (JORDAN, 2012).
Dessa forma, os estuários não podem ser totalmente compreendi-
dos ou manejados com sucesso sem entender as influências huma-
nas sobre esses ecossistemas (JORDAN, 2012). Além disso, é através
do ensino das Ciências Ambientais que são abordados os processos
sociais e naturais, através da construção do conhecimento, por meio
do diálogo interdisciplinar, por meio da reflexão de uma problemá-
tica ambiental que não seja restrita ao espaço físico da escola, mas
também transponha o muro escolar e permita o conhecimento, o
debate da realidade em que está inserido, permitindo a compreen-
são da dinâmica ambiental e a relação do homem com o ambiente,
nesse caso, o estuário.
Os estudos ligados às Ciências Ambientais proporciona a formação
de recursos humanos no ensino, pesquisa e, na área ambiental, de
maneira interdisciplinar. O ensino das Ciências Ambientais promove
uma conexão entre o saber acadêmico e as realidades sociais, per-
mitindo, assim, que os resultados das pesquisas sejam produtivos

261
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tanto para a academia quanto para a sociedade, como por exemplo,


a pesquisa de Beu (2008) que, através da análise socioambiental de
um estuário, pode identificar alguns pontos relacionados à vulne-
rabilidade socioambiental da região. Já a investigação de Sampaio
(2011), que teve por objetivo analisar a capacidade de dispersão e di-
luição da Escherichia coli, serve como instrumento para o desenvol-
vimento de ações locais e formulação de políticas públicas futuras.
Nesse sentido, analisando a região de estuarina do rio do Sal na
comunidade Taiçoca de Fora, localizada no município de Nossa Se-
nhora do Socorro, vem sendo destinada à expansão de atividades
econômicas, como a carcinicultura e de infraestrutura por centros
de ocupação já consolidados e outros desestruturados, todos estes
exercendo pressões sobre esse ecossistema. Neste contexto, a ên-
fase em questões interdisciplinares, através do ensino das Ciências
Ambientais, passa a ter um papel importante na elaboração de um
delineamento de conhecimento e informação destinados ao desen-
volvimento de ações, na tentativa de solucionar os problemas de
ordem ambiental ligado aos processos de desenvolvimento econô-
mico e aos problemas sociais.
Ademais, a prática interdisciplinar é de grande interesse para o en-
sino das Ciências Ambientais, pois as contribuições acadêmicas bus-
cam entender diferentes questões, como por exemplo, os impactos
socioambientais, os potenciais econômicos da região, os resultados
das pressões ambientais e usos da água e ocupações inadequadas,
bem como auxiliar na tomada de medidas que minimizem ou
eliminem os problemas ambientais detectados e possam contribuir
para a conservação e sustentabilidade ambiental.

262
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Assim, este artigo é fruto das discussões das leituras realizadas nas
disciplinas e nos fichamentos que auxiliam na escrita do texto dis-
sertativo, que será apresentado como produto final no curso de
Mestrado em Rede Profissionalizante em Ciências Ambientais. As
primeiras análises do objeto de pesquisa são aqui apresentadas ten-
do como objetivo analisar o processo de uso e ocupação que levam
ao desenvolvimento das atividades econômicas dos Povoados Bar-
reira e Bolandeira localizados na Taiçoca de Fora em Nossa Senhora
do Socorro, abordando uma relação entre o conhecimento formal e
informal da sociedade local.
Para isso, será necessário, ainda, destacar o papel da comunidade
escolar na sensibilização quanto à conservação e conhecimento do
ambiente que está inserido e, a necessidade de consolidar práticas
educativas de manutenção dos ecossistemas locais.

PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

A pesquisa teve como método de abordagem o estudo de caso e como


caminho metodológico o levantamento de informações realizadas
através de referências bibliográficas nas áreas de Ciências Ambientais,
Ecologia, Educação Ambiental, Geografia e Oceanografia, além de pu-
blicações de Congresso e sites especializados nas áreas citadas ante-
riormente. O levantamento e análise desses dados são majoritariamen-
te descritivos e qualitativos e desse modo, as informações preliminares
coletadas, permitiram analisar de forma mais concisa os conceitos de
regiões estuarinas e do ensino das Ciências Ambientais, como base me-

263
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

diadora para o desenvolvimento de atividades que levem ao processo


de sustentabilidade das condições locais.
As incursões ao campo propiciaram realizar o levantamento do ar-
quivo fotográfico, bem como fazer uma observação mais específica
dos espaços locais, proporcionando a pesquisadora construir uma
análise crítica entre a teoria e a prática do ambiente local, conside-
rando que os componentes da paisagem não são estáticos, mas sim
dinâmicos, sujeitos a suscetíveis mudanças.
Essas observações in loco serviram, primeiramente, para o conheci-
mento das atividades desenvolvidas na comunidade, como também
compreender, inicialmente, como ocorre à rotina da população.
Além disso, foi elaborada uma caderneta de campo, visando descre-
ver as condições do ambiente, para uma futura análise dos possíveis
problemas de degradação ambiental encontrados na comunidade
Taiçoca de Fora.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Condições físicas do ecossistema estuarino na Taiçoca de


Fora e suas formas de uso e ocupação

São encontradas na literatura diferentes definições de estuários,


considerando os processos que ocorrem em seu interior e o con-
texto regional no qual está inserido. De acordo com Miranda et al
(2002), a definição clássica de estuários adotada pela maior parte

264
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

dos especialistas (PRITCHARD, 1952; CAMERON; PRITCHARD, 1963)


afirma que estes ambientes são corpos d’água costeiros semifecha-
do com ligação livre com o oceano aberto até o limite da influência
da maré, no qual a água do mar é diluída pela água doce oriunda da
drenagem continental.
De acordo com Garrison (2010), os estuários são caracterizados por
seus padrões de circulação. Os mais comuns são identificados em
estuários de origem salina, que se formam onde o fluxo da corrente
de água deságua no oceano, ou seja, em uma área onde o alcance da
maré é baixa, ou de um fluxo fluvial forte e, volta em direção à terra
como as subidas de maré ou quando a vazão do rio diminui.
Os estuários têm características especiais, dentre as quais, desta-
cam-se a salinidade e alta produtividade. Apesar do grau de salini-
dade dos estuários apresentarem diferenças, sendo menos salinos
nas proximidades da foz dos rios e maior junto as águas costeiras,
há variações significativas em sua distribuição, de acordo com os pa-
drões de circulação das águas, que são altamente complexo devido
à temperatura e densidade das águas doce e salgada, à configura-
ção da bacia estuarina e à ação das marés (MIRANDA et al. 2002).
O entendimento desse ambiente para alguns profissionais, como
os geógrafos, por exemplo, consiste em um ecossistema que indica
uma região interior a um ambiente costeiro, onde ocorre o encontro
das águas fluviais com as marinhas, transportadas pelas correntes
de maré, estendendo-se a montante de sua área de influência (MI-
RANDA et al. 2002). Ainda de acordo com o autor supracitado, esses
estuários podem também serem definidos como corpo d’água semi-
fechado, interconectado com o mar.

265
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Dos sedimentos que são transportados pelo estuário, as areias


e as partículas mais grossas são depositadas no fundo com maior
velocidade, enquanto as partículas mais finas demoram um tempo
maior para se depositar, ficando em suspensão por conta do seu
peso. Como consequência da textura desse material em suspensão,
ás águas tende a ficar turvas, posteriorao processo de deposição,
os sedimentos sofrem modificações pela atividade dos animais e
da própria água que movimentam o substrato, trazidos pelos rios e
plantas que se encontram em suas margens (AFONSO, 2006).
Essas condições destacadas pela autora são frequentes, serem en-
contradas na paisagem local da comunidade pesquisada, nos Povoa-
dos Barreira e Bolandeira, na Taiçoca de Fora, município de Nossa
Senhora do Socorro em Sergipe. Tal localidade fica na jusante do rio
do Sal, um dos principais afluentes do maior rio que corta o estado
que leva o mesmo nome, Sergipe.
As atividades desenvolvidas pela população local como pesca e, a car-
cinicultura, sobretudo, tem levado há uma dinâmica intensa dos ecos-
sistemas dos Povoados Barreira e Bolandeira, proporcionando a alte-
ração nos padrões normais de coloração da água do rio, bem como na
composição dos materiais suspensos no leito fluvial (Figura 1).

266
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 1 – Água fluvial com acúmulo de sedimentos no Povoado Barreira, Taiçoca de Fora,
Nossa Senhora do Socorro-SE.

FONTE: M. M. AZEVEDO, 2017

Coadunando com as características levantadas anteriormente por


Afonso (2002), quando destaca as condições físicas dos espelhos
d’água que ficam nas localidades densamente povoadas, a área de
pesquisada não fica fora dos modelos e padrões de outras áreas.
Como observado na Figura 1, a quantidade de material acumulado
no leito do rio tem aumentado significativamente devido à falta de
preparo da população com as questões relacionadas à sustentabi-
lidade ambiental. Os ambientes geográficos formados por esses
ecossistemas são geralmente ocupados por pessoas que buscam
seu sustento econômico nos rios que estão nas proximidades, mas,

267
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

observando essa comunidade aqui pesquisada, percebe-se que é ne-


cessário promover o desenvolvimento de práticas e/ou atividades,
que levem ao processo de aplicação de modelos de gestão espacial
que mantenha a estabilidade dos espaços naturais.
Desse modo, Afonso (2002) destaca que a grande maioria das áreas
estuarinas são habitadas por populações abundantes, porém, com
poucas espécies, sendo que isso acontece devido às variações nas
condições físicas do ambiente, que restringem a vida das espécies
que se adaptam ao ecossistema. As características biológicas mais
comuns dos habitantes nos estuários é, sua capacidade de tolerar
variações ambientais, pois as grandes quantidades de plantas pro-
duzem detritos orgânicos que juntamente com a matéria transpor-
tada pelo rio, tornam-se propícios a colonização por bactérias, fun-
gos, algas unicelulares e larvas, que fazem parte da base da cadeia
alimentar, sendo possível notar, através de manchas verdes que
aparecem na superfície do rio do Sal, próximo a região do bairro
Porto Dantas, sendo provocadas pelo aumento da população princi-
palmente de algas microscópicas.
As regiões estuarinas também costumam servir de abrigo e berçário
para peixes e crustáceos, já que são abrigadas e com alta produtivi-
dade. Como se trata de um ecossistema rico em nutrientes, as águas
estuarinas auxiliam no transporte de sedimentos e matéria orgânica,
na própria ciclagem dos nutrientes devido ao fluxo de água, já que
são regiões de marés e apresentam movimentação periódica. Além
disso, os estuários são compostos por algumas espécies de plantas
que atuam nos ciclos biogeoquímicos e incorporam nutrientes na
região estuarina, a exemplo dos mangues (Figura 2). A grande quan-

268
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

tidade de vegetais que se desenvolvem nos estuários, produzem de-


tritos orgânicos que, juntamente com os provenientes dos rios, são
colonizados por bactérias, fungos, microalgas e outros organismos,
fornecendo a base alimentar para os consumidores primários.
FIGURA 2 – Manguezal no Porto do Povoado Barreira na Taiçoca de Fora, em Nossa Senhora do Socorro-SE.

FONTE: M. M. AZEVEDO, 2017

Observado na Figura 2, pode-se ver que a densidade da vegetação


de mangue é superior as das espécies secundárias, o que permite
decisivamente para a manutenção do equilíbrio da biodiversidade
local, mas que é colocado em risco, quando utilizado de maneira ir-
regular para favorecer o desenvolvimento das atividades econômi-
cas da população local.

269
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Nesse sentido, algumas regiões de estuário vêm sofrendo com im-


pactos ambientais devido à contaminação por efluentes urbanos,
pois essas áreas estão sendo ocupadas de forma acelerada e desor-
denada. A ocupação antrópica do ambiente nos Povoados Barreira e
Bolandeira na Taiçoca de Fora, de acordo com Cunha (2006), é de ca-
ráter habitacional e tem seu início instigado pelos setores privados
e da ação estatal. Sendo que a ocupação derivou-se primariamente,
da exploração da extração de Sal, mas, o que irá marcar de forma
mais expressiva, está relacionada à iniciativa do capital destinado
ao desenvolvimento industrial, ou seja, a implantação do Distrito In-
dustrial de Nossa Senhora do Socorro (DISS) e o crescimento do raio
urbano de Aracaju.
Tal expansão contribui para que haja alterações no corpo hídrico.
Na Taiçoca de Fora, especificamente, nos Povoados Barreira e Bo-
landeira, a atividade que se desenvolve é a carcinicultura (Figura 3).
É possível perceber que esse tipo de economia, causa impactos não
só ao ambiente aquático, mas também ao solo. A implantação des-
sa atividade requer o desmatamento de grandes áreas para cons-
trução de viveiros, promovendo, assim, a extinção das áreas para o
desenvolvimento dos mariscos e crustáceos, ou seja, a perda da bio-
diversidade ecológica, contribuindo para a degradação ambiental e
social, a partir da expulsão dessas populações e comprometendo a
segurança alimentar da área.

270
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

FIGURA 3 – Tanques de carcinicultura no Povoado Bolandeira na Taiçoca de Fora,


em Nossa Senhora do Socorro-SE.

FOTO: M. M. AZEVEDO, 2017

A Figura 3 apresenta uma das mais pertinentes paisagens encontra-


das na região dos Povoados Barreira e Bolandeira que se localizam
na Taiçoca de Fora. Cabe ressaltar que, durante o trabalho de cam-
po, foi possível realizar entrevistas informais com alguns moradores
locais e detectamos que existe, ainda, uma provável contaminação
por parte de produtos químicos, provenientes de outros não biode-
gradáveis e venenos vindos de criadouros de camarões, que podem
colocar em risco a saúde humana, bem como o ecossistema estuá-
rio e toda sua biodiversidade. Os tanques podem apresentar uma

271
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

espuma na superfície da água (Figura 4), nota-se que era espessa e


cobria quase toda a superfície de um tanque, o que acredita-se ser
resultado dos detritos orgânicos da espécie cultivada e microrganis-
mos decompositores, além da presença de briófitas na superfície.
FIGURA 4 – Viveiro com espuma no Povoado Bolandeira na Taiçoca de Fora

FOTO: M. M. AZEVEDO, 2017

Outro fator que podemos encontrar relacionado a essas águas é o


aumento da matéria orgânica que é lançada no curso do rio, quando
há a necessidade de esvaziamento do tanque (Figura 5), para a co-
leta dos camarões e troca consequentemente da água, pois a água
que é lançada diretamente no rio pode apresentar animais mortos,

272
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

restos de ração usada na alimentação dos peixes e crustáceos, além


de excretas nitrogenadas.
FIGURA 5 – Viveiro depois de esvaziado para a troca da água no Povoado Bolandeira

FOTO: M. M. AZEVEDO, 2017

Com base na Figura 5, pode-se compreender que esses lançamen-


tos em massa de substâncias orgânicas favorecem o acréscimo do
material suspenso, contribuindo, assim, para o transporte de sedi-
mentos e o aumento da população de algas, instalando-se, então, o
processo de eutrofização, que tem como característica esse sobre-
carga populacional desses organismos implicando na produção de
toxinas que podem afetar a saúde humana, causar mortalidade de

273
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

outras espécies e intoxicações, além de alterações na composição


dos sais da água.

As dimensões educativas no espaço escolar e o ensino


das Ciências Ambientais

O surgimento de problemas socioambientais é um fenômeno que


tem sido discutido nos últimos anos, pois o ser humano passou ver a
natureza, como um recurso disponível, ou seja, com o olhar voltado
para o consumo e não para o sustentável. Sabe-se que os recursos
naturais são finitos e tem-se que enfrentar, agora, graves problemas
ambientais causados pelo modelo econômico implantado, e o ser
humano depende de tais recursos para sobrevier e a única forma ra-
cional, consiste em poder intervir no meio natural de forma maléfica
ou benéfica (PÁDUA, 1999).
A complexidade ambiental permite ir ao diálogo entre diversos sa-
beres científicos, novas atitudes e comportamentos dos agentes
envolvidos, servem para se compreender e propor respostas para a
realidade do ambiente em discussão. O debate, no que diz respeito
ao ambiente, possibilitou novos comportamentos nos vieses acadê-
micos, sociais, ações coletivas sendo divulgadas por novos meios de
comunicação, pelos avanços técnico-científicos e até pela arte, indo
de encontro à natureza interdisciplinar: “A discussão ambiental se
tornou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globali-
zação” (PÁDUA, 2010, p.82), auxiliando no desenvolvimento do pen-
samento local e global.

274
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

O espaço escolar aparece, neste contexto, como um dos locais que


tem papel fundamental, tanto na divulgação e discussão do conheci-
mento científico quanto no desenvolvimento da compreensão, ava-
liação, utilização e julgamento do conhecimento por parte do aluno.
As ciências são consideradas apenas forma de explicar os fatos do
mundo natural. Diante disso, o professor em seu papel de mediador
do conhecimento, deverá auxiliar na formação de um indivíduo com
capacidade de realizar a integração de conhecimento disciplinar,
de elaborar reflexão crítica (SILVA; BASTOS, 2012) de tal forma que
sensibilize para despertá-lo a consciência ambiental, preparando os
discentes para atuarem sob a perspectiva ambiental, nas diversas
áreas de conhecimento, com ações individuais e coletivas que leve a
sensibilizá-los para uma sociedade mais sustentável.
Assim, o ensino de Ciências Ambientais busca a interdisciplinaridade
que, através de um tema, um objeto ou uma abordagem, a exem-
plo desta pesquisa, busque estabelecer nexos, vínculos e diálogos
entre duas ou mais disciplinas para alcançar um conhecimento mais
abrangente e diversificado (COIMBRA, 2000).
Leff (2010, p.62) salienta três objetivos que norteiam os estudos
ambientais na relação ambiente e sociedade: “a) explicar as causas
históricas da degradação ambiental; b) diagnosticar a especificidade
de sistemas ambientais complexos, e c) construir uma racionalidade
produtiva fundada no planejamento integrado de recursos”. Para o
cumprimento desses objetivos, surgiram novas metodologias inte-
rativas com vista a estabelecer conexões com as áreas das ciências
naturais, sociais e exatas, pois, nesse caso, a saída dos discentes do

275
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ambiente escolar para o campo se faz necessária na visualização de


forma crítica da realidade em que vivem.
Assim, ao visitar o ambiente estuarino, desenvolveremos a ação, a par-
ticipação, a criatividade, suscitando a discussão e crítica e, propondo o
desenvolvimento do diálogo entre o educando-educando, educando-
sociedade e educando-educador, contribuindo para melhorar a relação
ensino-aprendizagem, ampliando o desenvolvimento de propostas
pedagógicas interdisciplinares, articulação do conhecimento e a
relação teoria e prática, além da promoção de temáticas que gerem a
discussão a respeito do meio ambiente e sustentabilidade.
Então, a partir da sua realidade, no qual o ambiente é o local onde os
moradores retiram o sustento de suas famílias, principalmente através
das atividades de carcinicultura e retirada de mariscos e pescados. Para
o desenvolvimento da carcinicultura, faz-se necessário o desmatamen-
to do manguezal, contribuindo para a perda do ecossistema, ocasio-
nando redução de habitat de espécies locais, como, por exemplo, do
caranguejo e do aratu. Tais perdas de ecossistema e biodiversidade,
permite a pesquisadora, através do ensino das Ciências Ambientais,
relacionar esses impactos socioambientais ao processo de desenvolvi-
mento da comunidade, a relação entre o ambiente e o homem e como
os alunos percebem o local que estão inseridos. Logo, a realização de
palestras junto à comunidade escolar, além de visitas guiadas ao cam-
po, são necessárias para promover a aproximação dos discentes numa
outra perspectiva de leitura do espaço dos povoados pesquisados.
Tais ações são os caminhos que estamos promovendo por todo o
período de pesquisa, tem como objetivo integrar a comunidade dis-
cente que frequenta o espaço escolar que se localizam nos Povoa-

276
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

dos, para que os mesmos sejam capazes de entender as principais


relações sociais existentes nos Povoados levantando questões para
discussões, proporcionando uma reflexão dos discentes a respeito
da realidade em que vivem, assim como apresente sugestões de me-
didas que possam diminuir ou mitigar os impactos socioambientais,
que são gerados através das atividades que constituem as fontes de
renda da comunidade.
Nesse contexto de manter a relação da discussão interdisciplinar
e a sustentabilidade, traz-se a cidadania ambiental para a Educa-
ção. O debate a respeito do ambiente estuarino, a visita in loco
e as práticas interdisciplinares, promovem uma abertura entre o
conhecimento científico e o senso comum, no tocante ao desen-
volvimento por parte da sociedade de ações e comportamento em
prol da sustentabilidade dessas áreas.
O método interdisciplinar existente no ensino das Ciências Am-
bientais permite permear sobre as disciplinas curriculares e, refletir
sobre as práticas sociais, no contexto do qual está inserido. As po-
pulações que residem mais próxima aos estuários, vivem em um am-
biente com aspectos de degradação e poluição. O desenvolvimento
de metodologias pedagógicas, na escola localizada no povoado Bar-
reira da Taiçoca de Fora, que tenham como objetivo levar os alunos
ao campo permite conhecer esse espaço dentro de uma visão mais
acadêmica, bem como poder salientar para os discentes a importân-
cia desse ambiente para a comunidade, usando uma linguagem de
espaço e paisagem mais próxima da realidade que vivem, além de rela-
cionar a importância desses espaços para a biosfera, no desenvolvimen-
to de políticas públicas e práticas voltadas ao manejo e conservação dos

277
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

manguezais, com finalidade de proporcionar uma melhoria da qualidade


de vida, não só das marisqueiras e pescadores que vivem desse habitat,
mas também de toda a comunidade que fazem uso deste ecossistema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ensino das Ciências Ambientais surge como uma necessidade para


o desenvolvimento de uma sociedade mais reflexiva, com vista à
construção de um processo civilizatório que envolve o ensino e a pro-
dução de pesquisa, que levem em consideração o modelo econômico
sustentável, para a formação de cidadãos reflexivos sobre os proble-
mas ambientais, que considerem o comportamento e atitudes da so-
ciedade hodierna, para atuarem de forma individual e coletiva.
Dentro desse contexto, este artigo é parte de uma pesquisa que se
encontra em fase de andamento, pois faz parte de um trabalho aca-
dêmico de Mestrado, no qual a temática principal será o uso do jogo
como ferramenta pedagógica para o ensino de Ciências Ambientais,
buscando no viés da interdisciplinaridade, a perspectiva de integra-
ção, abordando o ensino de Ciências Ambientais e o ambiente estua-
rino. Além disso, procuramos estabelecer uma relação teoria-prática
que, permite o surgimento de novos conhecimentos e a discussão
mais ampliada sobre a diversidade e complexidade dos saberes, que
continuarão a ser estudados dentro de sua especificidade, mas es-
tabelecendo relações, conexões e interações com outras áreas do
conhecimento, no espaço formal e/ou informal.

278
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

Assim, foi possível verificar que, nos primeiros campos que realiza-
mos na pesquisa, o conhecimento da população local dos espaços
utilizados para produção da vida econômica, tem sofrido intensos
processos de adequações que buscam, cada vez mais, ampliar a
renda dos proprietários dos meios de produção. A exemplo disso,
podemos considerar a implantação dos tanques para a produção de
camarão, como um modelo de desenvolvimento de atividades que
levam impactos nos ambientes, que tem como única finalidade a ge-
ração de renda para os seus proprietários.
Para se realizar um entendimento de todas as relações socioambien-
tais existentes nos povoados pesquisados, destacamos que o diálo-
go entre os saberes científicos, a prática de campo como forma me-
todológica de várias disciplinas escolares, bem como no ensino das
Ciências Ambientais, têm-se a oportunidade de proporcionar, aos
discentes da localidade, uma reflexão a respeito das condições de
vida das populações ribeirinhas e aos demais seres vivos que com-
põem o ecossistema estuarino do rio do Sal na Taiçoca de Fora em
Nossa Senhora do Socorro, tanto no tempo presente, como tam-
bém para as percepções de tempos futuros.
Portanto, para que haja o desenvolvimento da sustentabilidade no
estuário pesquisado na comunidade Taiçoca de Fora, além de con-
servar o ambiente, através de práticas sustentáveis, é necessário
que também haja uma relação mais harmoniosa com o meio natural,
quando diz respeito, sobretudo, ao crescimento econômico cons-
ciente, que possam levar a manutenção dos recursos naturais e da
biodiversidade, além de contribuir para a melhoria da qualidade de
vida da população local.

279
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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280
EIXO 2– Proposições teórico-metodológicas nas pesquisas em Ciências Ambientais

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281
EIXO 3

ENSINO DAS CIÊNCIAS AMBIENTAIS:


TEORIA E PRÁTICA
As práticas pedagógicas e a constru-
ção do conhecimento: a educação
ambiental no contexto escolar

Claudionete Candia Araujo1


Núbia Dias dos Santos2
Maria do Socorro Ferreira da Silva3

INTRODUÇÃO

Pensar o sistema educacional nos dias atuais vai muito além de trans-
mitir os conhecimentos “prontos” dos livros didáticos, comuns no
processo ensino-aprendizagem. O saber escolar vai além da educa-

1 Mestranda da Pós-Graduação Mestrado de Ensino em Rede Nacional para o Ensino das


Ciências Ciências Ambientais (PROF-CIAMB). E-mail: claudionetecandia@hotmail.com.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/1277806194447426
2 Profª Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Sergipe e do Pro-
grama de Pós-Graduação PROF-CIAMB. E-mail: nubisantos85@gmail.com. Lattes: http://
lattes.cnpq.br/5506227828682179.
3 Profª Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Sergipe e
dos Programas de Pós-Graduação PRODEMA-UFS e PROF-CIAMB, e Pesquisadora do
GEOPLAN/UFS/CNPq. E-mail: ms.ferreira.s@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/9102269983495726
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ção formal, uma vez que as vivências do aluno, associadas aos confli-
tos socioambientais, têm levado um grande número de estudiosos
a defender uma nova vertente para o fazer docência na atualidade.
O mundo está em constante transformação, a temática ambiental
não é exclusiva apenas a um grupo de ambientalistas preocupados
com partes afetadas do planeta. As questões ambientais necessi-
tam de um comprometimento pessoal, sendo a escola um dos am-
bientes propícios para ampliar esses conhecimentos. A Ética, a sen-
sibilização ambiental e os valores socioculturais e socioambientais
são fundamentais na construção desse conhecimento.
Para Gonçalves e Diehl (2012, p. 29), a base das ações educativas
deve visar à formação de cidadãos éticos e participativos que esta-
beleçam uma relação respeitosa e harmoniosa consigo mesmo, com
os outros e com o ambiente. Essa busca pode auxiliar na compreen-
são dos problemas locais e nos possíveis encaminhamentos para
minimizar tais impactos, especialmente a partir dos resultados que
podem servir para disseminar as informações e direcionar a comuni-
dade na tomada de decisões quanto ao planejamento de atividades
socioeconômicas, ambientais e culturais que visem uma melhor qua-
lidade de vida para a população local.
A educação sinaliza ser uma ferramenta na formação de um cida-
dão, uma educação que tenha sua origem ainda dentro do ambiente
familiar, cujas primeiras noções de valores são passadas pelos pais,
que por sua vez já foram repassados por suas gerações. Dentre es-
ses valores, está o de formar sujeitos éticos e atuantes no ambiente
onde se convive, incluindo nesse contexto, o respeito à natureza.
Abordar a temática Educação Ambiental nas escolas, é apenas dar

284
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

seguimento ao que foi (ou deva ter sido) transmitido nas primeiras
fases da criança. A escola deve instigar o aluno através do ensino, a
perceber, refletir e atuar de maneira consciente em seu meio. Para
Silva, Sammarco, Teixeira (2012) essa questão perpassa pelas fases
do processo ensino-aprendizagem em uma abordagem ambiental
quando as experiências adquiridas no decorrer da vida são funda-
mentais na formação do cidadão.
A Educação Ambiental é um processo gradativo que deve ser pensa-
do e bem planejado com ações dentro das instituições que possam
contribuir não apenas para formação do aluno enquanto cidadão
participativo, mas também formar e qualificar os docentes para a
realidade. As informações e o ritmo das mudanças no planeta, são
rápidas e necessitam ser atualizadas, cabendo ao professor estar
atento às novas mudanças e através de práticas diárias, comparti-
lhá-las com os próprios alunos e colegas professores. Nesse sentido,
a interdisciplinaridade faz-se necessária, pois quando há uma soma
de “saberes e fazeres” há uma efetiva melhoria no processo de en-
sino e aprendizagem.
A sociedade está em transformação, e consequentemente a escola
evolui com ela (PERRENOUD, 2002, p. 190). Nesse aspecto, ao pro-
fessor, cabe a tarefa de contribuir com o processo de sensibilização
do aluno, formando um cidadão crítico, reflexivo e participativo.
Formar cidadão crítico voltado a transformar a realidade a ele im-
posta, é, antes de tudo, resgatar valores esquecidos no mundo ca-
pitalista, do imediatismo e da maximização do lucro (LEFF, 2008, p.
96). As instituições escolares ficam com uma parcela grande dessa
responsabilidade que, nem sempre, são bem servidas de assistên-

285
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

cia e apoio pedagógico, necessitando, muitas vezes, de qualificação


profissional para o acompanhamento dos novos paradigmas.
Nesse contexto, alguns questionamentos recorrentes estimularam
a elaboração desse capítulo, tais como: Qual o papel das escolas no
tocante as questões que envolvem o contexto socioambiental? E
o corpo docente, será que realmente está disposto a enfrentar tal
desafio? É possível iniciar o processo de sensibilização a partir da
Educação Ambiental?
O artigo tem como objetivo dialogar acerca da importância das práticas
pedagógicas na construção de uma consciência voltada para à Educa-
ção Ambiental (EA) a partir da relação sociedade e natureza no Bairro
Jabotiana. As práticas pedagógicas foram desenvolvidas com alunos
do 6º ano do ensino fundamental no Colégio Estadual Professor Joa-
quim Vieira Sobral em Aracaju, numa perspectiva de contribuir no pro-
cesso de sensibilização ambiental dos sujeitos envolvidos no ambiente
escolar e despertar para a construção e aplicação de práticas diárias.
A Lei de Diretrizes e Bases na Educação Nacional (BRASIL, 1997),
Lei nº 9496/1996, inclui nos currículos escolares, temas transversais
com a perspectiva de auxiliar no desenvolvimento do cidadão e na
problematização nas escolas, buscando sensibilizar crianças e ado-
lescentes quanto a esta preocupação da sociedade moderna.
A escolha da temática surgiu a partir de observações, relatos e ques-
tionamentos dos alunos, durante as aulas de Geografia, sobre o bair-
ro e a relação da população local com o rio Poxim, localizado nas
proximidades do colégio, bem como os impactos socioambientais e
as perspectivas futuras. Tais questionamentos motivaram a profes-

286
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

sora regente (autora) a desenvolver atividades que abordassem di-


retamente as questões ambientais do bairro. Nesse sentido, Bueno
e Callai (2009) ressaltam que é importante destacar a experiência do
aluno, os conhecimentos que eles trazem a partir de suas vivências,
pois enriquecem o saber. Quando esses conhecimentos do senso
comum são associados aos saberes científicos abordados nos livros
didáticos, ganham consistência na efetivação da aprendizagem.
Ações como oficinas pedagógicas, debates, aula de campo e envolvi-
mento com movimentos ambientais no bairro enriqueceram as au-
las, tornando-as mais prazerosas além de facilitar a compreensão do
conteúdo por parte dos alunos. Foram trabalhados os conteúdos:
distribuição de água na paisagem; ciclo hidrológico; dinâmica da natu-
reza; ação humana e as alterações ambientais.
Para Kimura, “Os meios utilizados pelos alunos para expressarem
suas percepções são indicativos da importância dessas situações se
constituírem, efetivamente em oportunidades perceptivas explora-
tórias” (KIMURA, 2008, p.55).
Ao professor, cabe construir situações que auxiliem no processo
ensino aprendizagem na busca de respostas aos questionamentos
apresentados pelos alunos, estimulando-os a perceberem que a rea-
lidade local, com seus impactos ambientais, também é percebida e
questionada numa dimensão maior.

287
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

APORTES TEÓRICOS: O SABER AMBIENTAL

A construção da consciência ambiental tem sido uma das inquietações


da sociedade atual, embora, no decorrer da história da humanidade,
esse despertar para as questões socioambientais seja algo recente.
Para Dias (2004, p. 15), “a sociedade buscou novas conquistas para
suas necessidades com o consumo desmedido de seus recursos na-
turais e desenvolvimento insano” e na atualidade “experimenta um
profundo colapso de ética e de valores humanísticos”, tornando o
ambiente onde vive um verdadeiro campo de batalhas. As cidades re-
ceberam um contingente populacional considerável que refletiu em
manifestações populares e conflitos envolvendo desigualdades so-
ciais. Esse inchaço populacional veio acompanhado de alterações am-
bientais, refletindo diretamente na qualidade de vida da população.
A constatação dos impactos causados à população não exclui os
problemas ambientais presentes nas cidades, nem os separa pela
maior ou menor intensidade de impactos. Esses impactos (polui-
ção do ar, da água; extinção de espécies; desmatamentos; altera-
ções climáticas, dentre outros) afetam as formas de vida na Terra.
Políticas sociais de proteção ao planeta, não serão possíveis de in-
tervenções, se não partirem de ações no âmbito educacional.
Para Dias:
Em nenhum período conhecido da história humana ela precisou
tanto de mudança de paradigma, de uma Educação renovadora,
libertadora. Mais do que produzir painéis solares mais baratos,
reciclar e dotar os carros de células de combustível, em vez de
petróleo, precisamos de um processo mais completo, que pro-
mova o desenvolvimento de uma compreensão mais realista do

288
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

mundo. No século XX, o ser humano involuiu, ética e espiritual-


mente. O papel da Educação Ambiental, nesse contexto, torna-
-se mais urgente. Precisamos oferecer mais formação. A educa-
ção ainda “treina” a(o) estudante para ignorar as consequências
ecológicas dos seus atos (DIAS, 2015, p.16).

Pensar em questões ambientais é aprofundar-se no interior das


práticas educativas, práticas essas, iniciadas na família. Para Chalita
(2004, p.20), cabe à família a responsabilidade de formar o caráter
das crianças e prepará-las para os “desafios da vida”, “perpetuando
valores éticos e morais”, incutido nesses valores, está o respeito ao
planeta e às questões ambientais.
Quando, em 1977, na Conferência de Tibilisi, considerada um dos
maiores eventos de Educação Ambiental do planeta, o mundo des-
pertou para a importância de uma consciência ambiental através da
educação, pensou-se que poderia haver um resgate para a busca por
soluções para problemas ambientais latentes (DIAS, 2004, p. 86).
A Constituição do Brasil de 1988 estabelece, no Art. 225, a neces-
sidade de promover a Educação Ambiental em todos os níveis de
ensino, que garanta a todo cidadão
[...] o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impon-
do-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988).

Entretanto, diante do contexto da educação básica no país, ques-


tionamos se essa concepção de Educação Ambiental está, de fato,
sendo posta em prática numa relação sociedade-natureza.

289
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

O SABER AMBIENTAL E A CONSTRUÇÃO DO


CONHECIMENTO ESCOLAR

Paulo Freire (2002, p.14) afirma que “o educador democrático não


pode negar-se o dever de, na sua prática docente, reforçar a capa-
cidade crítica do educando, sua curiosidade, sua submissão”, refor-
ça, na sua análise, que dos saberem necessários e fundamentais à
vida do docente, destaca-se à capacidade crítica. Essa inquietação
torna o exercício da docência em um contínuo aprendizado, que ao
executar sua tarefa, não será a de meramente ensinar e repassar
conhecimentos pré-definidos, mas ensinar a pensar certo, de forma
crítica e questionadora. Partindo desse pressuposto, a prática edu-
cativa sobre os problemas ambientais ganha sentido quando esta
se aproxima da realidade do aluno, compartilhando que os conflitos
socioeconômicos e ambientais são parecidos no contexto mundial,
nacional e local, porém o que os diferencia é o grau de intensidade, a
confluência dos agentes sociais envolvidos, e o grau de consciência
ambiental dos sujeitos sociais impactados.
À medida que as questões ambientais são evidenciadas aumenta o
nível de preocupação social, cujos problemas devem ser discutidos em
sala de aula das mais diferentes formas. Tais problemas chegam à sala
a partir de questionamentos dos alunos, sobre o nível de degradação
ambiental no seu local de morada, e das angustias expressadas por
eles face aos impactos percebidos. De certo modo, tem provocado
uma sensação de “comodismo ecológico” em discentes.
Ao professor cabe estar atento às diferentes transformações e, a
ele, também recai um preparo para reelaborar as informações e

290
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

questionamentos trazidos pelos alunos e decodificar seus “signifi-


cados sobre o meio ambiente e a ecologia nas suas múltiplas deter-
minações e intersecções” (JACOBI, 2003, p. 199).
Entender que a problemática ambiental é comum a todos reforça no
ser humano a importância do exercício de cidadania na reformula-
ção de valores para uma perspectiva de mudanças a partir da busca
pela sustentabilidade. Para Jacobi, compreender e reforçar a cons-
ciência ambiental é preciso:
[...] pensá-la como somatório de práticas e, consequen-
temente, entende-la na dimensão de sua potencialidade
de generalização para o conjunto da sociedade. Entende-
-se que essa generalização de práticas ambientais só será
possível se estiver inserida no contexto de valores sociais,
mesmo que se refira a mudanças de hábitos cotidianos.
A problemática socioambiental, ao questionar ideologias
teóricas e práticas, propõe a participação democrática
da sociedade na gestão dos seus recursos atuais e po-
tenciais, assim como no processo de tomada de decisões
para a escolha de novos estilos de vida e a construção de
futuros possíveis, sob a ótica da sustentabilidade ecológi-
ca e a equidade social (JACOBI, 2003, p. 200).

Pensar em mudança de paradigmas é estar atento ao conhecimento


como um todo, e este deve ser trabalhado e produzido sob a pers-
pectiva de uma nova sociedade. A fragmentação do conhecimento,
dominante na educação formal do passado, não mais encontra cam-
po e fundamentação didática para permanência de tal prática. Ao
docente atual é “proposto um diálogo com todas as áreas do conhe-
cimento, já que uma área é dependente da outra” (MORIN, 2011).
Estando, assim, em um processo permanente de preparação, capa-
citação e formação de novos conhecimentos a partir de um trabalho

291
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

coletivo e interdisciplinar, com propostas que contemplem teoria


e prática na construção de uma sociedade crítica, participativa e
sustentável, motivando-se a ultrapassar novos desafios e, principal-
mente, tornando-se um sujeito participativo de uma nova condição
no planeta, sendo capaz de instigar o aluno a aproximar-se do seu
espaço vivido através das práticas educacionais desenvolvidas, opor-
tunizando o reconhecimento da identidade e consciência ambiental
com as particularidades de cada aluno. Nesse sentido, cada docente
e discente deve estar disposto a enfrentarem os novos desafios de
conscientização ambiental proposto pelos novos paradigmas sociais.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O capítulo foi elaborado com base em levantamento bibliográfico,


aulas explicativas, dialogadas e ilustrativas, realização de atividades
práticas com discentes, tais como oficinas pedagógicas, aulas de
campo e caminhada ecológica pelo bairro Jabotiana nas proximida-
des da escola e no entorno do Rio Poxim.
Para efetivação do trabalho, foi realizada uma caracterização da
área de estudo e uma revisão bibliográfica com embasamento teóri-
co considerando autores, dentre os quais Dias (2004), Jacobi (2003),
Leff (2008), Tuan (1980). O trabalho também ocorreu mediante a
consulta em livros, jornais, artigos científicos e revistas que tratam
da temática “águas no meio urbano” e Educação Ambiental.
Em sala de aula, para os conteúdos trabalhados no contexto esco-
lar, foram utilizados livros didáticos do 6º ano do ensino fundamen-

292
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

tal, especialmente para tratar das paisagens terrestres, dos recursos


naturais, da conservação ambiental, distribuição das águas na paisa-
gem, ação humana e os impactos ambientais.
A partir dos conteúdos propostos e dos questionamentos dos alu-
nos, foi realizado um levantamento bibliográfico com temáticas en-
volvendo impactos ambientais em áreas urbanas e as consequências
para as populações de áreas ribeirinhas, bem como a aplicabilidade
de práticas pedagógicas direcionadas para a efetivação de uma edu-
cação ambiental voltada para os sujeitos envolvidos.
O trabalho de campo foi desenvolvido com 35 alunos do 6º ano
do ensino fundamental, estudantes do turno matutino no Colégio
Estadual Professor Joaquim Vieira Sobral. A área escolhida para a
realização da atividade prática foi o entorno do rio Poxim, onde es-
tão inseridos os conjuntos habitacionais Sol Nascente, J.K. e Santa
Lúcia, bem como o Largo da Aparecida, Comunidade Santo Antô-
nio e Vila Santo Antônio. Por se tratar de um local onde a maioria
da comunidade estudantil reside, o acesso foi facilitado devido à
proximidade às residências dos sujeitos envolvidos na pesquisa
(alunos, autora e voluntários do grupo de estudos).
Anualmente, a escola participa, no mês de novembro, de uma Ca-
minhada Ecológica, promovida pelo Centro de Saúde Local, que en-
volve alunos de instituições públicas e privadas de ensino, além da
população local. O evento mobiliza os moradores do bairro e, me-
diante esse fato, foi elaborada uma programação para participação
efetiva da comunidade escolar. De acordo com a Lei Ordinária 4008
de 20 de janeiro de 2011, promulgada pela Câmara Municipal de Ara-
caju (ARACAJU, 2011), foi incluída, no calendário oficial do município

293
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de Aracaju, a terceira sexta-feira do mês de novembro como o dia


em Defesa da sub-bacia do rio Poxim. Para integrar as ações da es-
cola com os movimentos socioambientais do bairro nesse período,
foram realizadas diversas atividades com o objetivo de sensibilizar
alunos, professores e a comunidade.
A metodologia utilizada para avaliar à percepção e o olhar geográfi-
co desses alunos, foi desenvolvida através de atividades frequentes
no ambiente escolar e em seu entorno. Nesse aspecto, Cavalcan-
te (1998. p. 89) considera que tais práticas possibilitam “associar a
ciência geográfica e a metodologia de ensino unindo o saber cotidia-
no ao saber científico”. A relação de proximidade do aluno com o rio
Poxim e, consequentemente, com a realidade local, facilita à mobili-
dade e acesso às informações, uma vez que a maioria dos discentes
é morador do local. Ademais, representa o afeto entre a pessoa e o
lugar evidenciados por Tuan (1980) em seu livro “Topofilia”.

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
PARA ALÉM DOS MUROS DA ESCOLA
NO ENSINO FUNDAMENTAL EM ARACAJU

O bairro Jabotiana, situado na zona oeste do município de Aracaju, ain-


da conservaresquício de Mata Atlântica, representado por fragmentos
de vegetação de mangue. A hidrografia está marcada pelo rio Poxim,
que em décadas anteriores, especialmente em 1906, representava o
sustento de muitas famílias (ARACAJU, 2010). Entretanto, é conside-

294
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

rado, na atualidade, o rio mais poluído do Estado de Sergipe. Porém,


ainda é utilizado paraabastecimento de água do município de Aracaju.
Durante as aulas em sala, optou-se pela inclusão da vivência dos alu-
nos através da questão hídrica do bairro, cuja professora regente
instigou o olhar geográfico sobre o rio, a partirdo uso de mapas,
revistas e jornal informativo local, buscando associar os conteúdos do
livro didático, como ciclo da água, poluição, interferência do homem
na paisagem local. As aulas foram ministradas com o uso do livro di-
dático, de mapas políticos e físicos do Estado, bem como foi utilizada
a ferramenta tecnológica Google mapas para melhor ilustrar os con-
teúdos. A temática trabalhada em sala, buscou associar a relação de
pertencimento que o aluno tem com o rio Poxim e sua área de entor-
no. Para que os alunos pudessem expor suas relações com o rio, foi
proposto, em uma das aulas, que cada aluno relatasse oralmente o
que o rio representava para eles. É possível listar alguns relatos? Os
relatos apresentados abordavam o rio sob as mais variadas formas,
desde a imagem que os alunos citavam, como, por exemplo, um rio
navegável e gerador de sustento familiar através da pesca, a comen-
tários predominantes de um rio sujo, poluído e irrecuperável.
Conforme os relatos eram apresentados, percebeu-se as inquieta-
ções dos alunos com a realidade local e os mesmos problemas apre-
sentados eram também abordados no livro didático, fortalecendo,
assim, a leitura do espaço geográfico a partir da realidade local.
Em outro momento em sala, foi realizada uma estratégia de ensino
aprendizagem através de uma oficina pedagógica intitulada “Como
eu vejo o Poxim” na perspectiva que esses relatos fossem transfor-
mados em desenhos e, assim, foi possível que a professora pontuas-

295
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

se as lacunas abertas entre a realidade da sala de aula e o espaço


vivenciado por eles. (Figuras 01 e 02). Cada aluno expressou, no
papel, sua visão geográfica sobre a realidade do local de morada,
cujos desenhos nem sempre tinham a real representação da área
trabalhada, pois boa parte dos alunos faziam uma representação
utópica do rio Poxim. Ou seja, um corpo hídrico com muitos peixes,
águas limpas e claras, e envolvido por uma exuberante vegetação
com árvores e flores (Figura 01). Ou, ainda, era destacado, em seus
desenhos, a visão percebida durante o trajeto para a escola, a ima-
gem do rio poluído (Figura 02). Através dessa atividade, foi possível
perceber que há diferentes formas desse aluno relacionar-se com o
corpo hídrico presente no bairro e a paisagem que o cerca, reforçan-
do assim que práticas como aula de campo despertam o interesse
do aluno e oportunizam uma melhor aprendizagem dos conteúdos.
O despertar do aluno com a atividade desenvolvida em sala, permi-
tiu que a aversão que tinham ao livro didático e aos conteúdos geo-
gráficos fosse rompida, pois o aluno sentiu-se identificado e inserido
como parte dos conteúdos trabalhados.

296
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FIGURA 01 - Oficina “Como eu vejo o Poxim”

FONTE: Acervo pessoal, 2016.

297
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 02 – Oficina “Como eu vejo o Poxim”

FONTE: Acervo pessoal, 2016.

Como parte do calendário de eventos da escola, foi realizada a se-


mana da Caminhada Ecológica, na qual as demais docentes traba-
lharam em suas disciplinas, temas voltados à Educação Ambiental,
destacando problemas locais e mundiais, oportunizando a inserção
das disciplinas no contexto ambiental à luz da interdisciplinaridade.
Nesse sentido, foram propostas atividades interdisciplinares com os
alunos do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e do Ensino Médio, tais
como teatro de fantoches, paródias, desenhos, jogo caça ao tesou-
ro e elaboração de oficinas pedagógicas priorizados temas relacio-
nados à questão ambiental.

298
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Para a culminância das atividades, ficou estabelecido que cada série


deveria desenvolver uma produção didática para ser apresentada
durante à Caminhada Ecológica no bairro, tais como confecção de
cartazes, faixas, desenhos, paródias, dentre outras.
Aos alunos do 6º ano, foi proposta a atividade de confecção do rio
sob o conceito de como seria a representação do rio Poxim. A oficina
foi intitulada “O rio que queremos”. Com o uso de materiais como
papel, cola, emborrachado, revistas antigas, tecidos entre outros,
foram trabalhados de forma lúdica a montagem de um rio artificial
e diversos cartazes, a partir das percepções dos alunos, ilustradas
através dos relatos, painel do rio e desenhos (Figuras 03, 04 e 05).
Após o diálogo entre as disciplinas – Geografia, Artes, Ciências, Matemá-
tica e Português – as professoras, nas diferentes práticas pedagógicas,
ressaltaram a interligação das ciências, a partir do olhar interdisciplinar
inerente aos impactos provocados e as ações ambientais no bairro.
As professoras de Geografia (autora) e Ciências, enfatizaram a te-
mática dos impactos ambientais causados pela ação do homem –
conteúdos comuns nos livros didáticos das disciplinas. Na disciplina
de Matemática, a contribuição ocorreu a partir do conteúdo ligado
a Geometria, sendo considerada as diversas formas encontradas no
bairro e o contorno do rio Poxim foi priorizado.
Com a disciplina de Português, foi possível desenvolver leituras de
notícias em jornais e informativos sobre o bairro Jabotiana, desta-
cando o informativo local – “Jabotiana Viva”. Finalmente, na dis-
ciplina de Artes, foi possível fazer, através de desenho de diversas
figuras, um retrato sobre o bairro destacando os principais pontos
de agressão ao ambiente.

299
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 03 – “O rio que queremos”

FONTE: Acervo pessoal, 2016

FIGURA 04 – “O rio que temos”

FONTE: ARAUJO, C.C. – 2016

300
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FIGURA 05 “Depende de nós”

FONTE: ARAUJO, C.C. - 2016

As diferentes formas de abordagens das temáticas relacionadas aos


impactos ambientais no bairro Jabotiana e a busca pelo estimulo a
sensibilização, a partir de ações concretas dos alunos, sujeitos envol-
vidos no trabalho, foram consideradas desafiadoras, especialmente
porse tratar de crianças e jovens que acompanham o crescimento
do bairro com as construções habitacionais e o intenso tráfego de
pessoas e automóveis que impactam o meio e contribuem para po-
luir as águas do Poxim.

301
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Diante do exercício de valorização de uma consciência ambiental na


comunidade local, ações educativas, como aulas de campo, oficinas
pedagógicas, Caminhada Ecológica e estudos sobre o bairro, bus-
cam mobilizar esses jovens como forma de multiplicar o conheci-
mento formando cidadãos conscientes do seu papel na sociedade
moderna, de modo que possam refletir sobre as consequências dos
impactos causados pelo homem no bairro e as perspectivas para as
futuras gerações sobre o uso consciente dos recursos naturais.
A leitura, na forma crítica da paisagem, requer um conhecimento
didático sobre diferentes abordagens a partir da contribuição da
Educação Ambiental, tanto em sala de aula como para além dos
muros da escola.
Faz-se necessário uma análise aprofundada das relações da socieda-
de que ali vive com o espaço que ocupa, oportunizando a esse alu-
no/morador local que incorpore seus conhecimentos geográficos,
culturais, ambientais e históricos e sejam aplicados em sua prática
diária e estendida para além dos muros escolares, cujos alunos pos-
sam atuar como multiplicadores do conhecimento, repassando para
gerações, presentes e futuras, novas abordagens de como fazer e
cobrar o uso consciente dos recursos naturais.
Ao vivenciar de forma prática os conteúdos trabalhados em sala, o
aluno pôde perceber que a sua realidade não difere da apresentada
nos livros didáticos. Entretanto, é necessário que o professor desen-
volva instrumentos de leitura que possibilitem despertar a curiosi-
dade de forma crítica e questionadora sobre o ambiente que vive de
modo que possa transformá-lo.

302
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Os alunos envolvidos no processo – 35 crianças e adolescentes –


compreenderam o conteúdo proposto de uma forma lúdica e dinâ-
mica, pois as atividades práticas ajudaram a desconstruir ideia de
que o ensino aprendizagem da Geografia só ocorre de forma deco-
rativa com base nos livros didáticos e na sala de aula.
Como concretização das ações desenvolvidas na escola, a Cami-
nhada Ecológica envolveu, não apenas alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental, mas a comunidade estudantil e comunidade local
com uma média de 700 pessoas entre moradores locais, escolas pú-
blicas e privadas e simpatizantes ligados às questões ambientais do
bairro que puderam vivenciar os impactos ambientais causados no
bairro e tornar visível para a comunidade local, chamando a atenção
para os impactos causados, a partir de suas produções pedagógi-
cas no bairro Jabotiana. Foi trabalhado, em cada série, uma temáti-
ca envolvendo recursos naturais do bairro – “o rio que temos”, “o
rio que queremos”, agentes poluidores”, “guardiões da natureza”
“biodiversidade no mangue” eram apresentadas à população que
nem sempre mostrava-se sensibilizada com a realidade ali presente
no campo de estudo.
Percebeu-se que, com essa ação, muito ainda precisa ser feito, es-
pecialmente sobre o processo de sensibilização e conscientização
na comunidade local. Embora, os moradores sejam afetados pelas
enchentes em períodos de chuva, constatou-se que ainda há ainda
um desconhecimento do morador local sobre as consequências dos
impactos ambientais no bairro e posteriormente do planeta.

303
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Contribuir na formação de sujeitos a partir do contexto interdisci-


plinar consiste em priorizar uma reconstrução do saber cabendo ao
docente deve estar disposto a repensar suas práticas de modo que
possa refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem, especial-
mente no que condizem as relações socioambientais.
Dentre os desafios, pode-se citar o “saber fazer” priorizando os sa-
beres científicos associados à vivência dos alunos, cujos valores cul-
turais não devem ser esquecidos na construção do saber para que
esse aluno/sujeito/cidadão tenha consciência de sua existência e do
seu papel no mundo atual.
Embora de modo modesto, percebe-se que as escolas começam a
enveredar pelo caminho de abertura dos portões para os problemas
da sociedade, pois não é mais concebível, na atualidade, fechar os
olhos para os problemas locais e concentrar suas atenções para o
conteúdo que está estático nos livros didáticos. É preciso avançar na
construção do conhecimento de modo que se possa contribuir para
a formação do cidadão crítico. Neste caso, para despertar o olhar
sobre as questões socioambientais e a capacidade de transformação
do homem com o ambiente.
Ao corpo docente cabe refletir sobre o desafio diante da nova con-
figuração das salas de aula e do público nela presente. A prática de
aulas tradicionais voltadas apenas aos conteúdos estabelecidos
pelas grades curriculares não mais atende aos anseios do novo alu-
no que busca uma interdependência entre o ambiente natural e o
ambiente social. São cidadãos que conseguem articular, sem receio

304
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

do que é certo e errado, as múltiplas situações apresentadas e en-


frentadas por eles.
Quanto ao desafio de ações voltadas para a Educação Ambiental, a
partir da sensibilização do aluno, acredita-se que seja possível contri-
buir no processo de formação do cidadão através de diferentes situa-
ções que envolvam atos individuais e coletivos, priorizando a solução
de problemas comuns à sociedade moderna.
Diversas ações desenvolvidas no bairro como Caminhada Ecológica,
movimentos ambientalistas – reciclagem de óleo e sensibilização à
adesão pela coleta seletiva, despertaram para uma consciência am-
biental, pois o objetivo de dialogar acerca das questões ambientais
no bairro atingiu o almejado. As diferentes técnicas pedagógicas rea-
lizadas dentro do ambiente escolar, tais como aulas expositivas, uso
de ferramenta tecnológica, aula de campo, oficinas pedagógicas, den-
tre outras, proporcionaram ao aluno uma maior aproximação com os
conteúdos dos livros, proporcionando o despertar para a compreen-
são dos problemas locais a partir da percepção do espaço geográfico
em transformação. Há uma expectativa que esse aluno, enquanto su-
jeito dotado de saber ambiental a luz da consciência social do seu pa-
pel, possa ser protagonista de sua própria história, cujo conhecimen-
to poderá ser multiplicado e (re) construído por eles em benefício de
um ambiente sustentável e melhor para as atuais e futuras gerações.

305
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

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307
Práticas pedagógicas de educação
ambiental e o exame nacional do en-
sino médio: implicações curriculares

Luiz Ricardo Oliveira Santos1


Jailton de Jesus Costa2
Rosemeri Melo e Souza3

INTRODUÇÃO

Pensar, sentir, compreender, pertencer e agir – diversas palavras


que podem ser utilizadas como ponto inicial em uma discussão acer-
ca do ambiente –, cujo termo pode designar diversas possibilidades
de análise ou convergir para um local múltiplo que possa abranger
essas interações, ideologias e paradigmas. O saber ambiental ascen-

1 Biólogo. Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional para o Ensino das
Ciências Ambientais, Universidade Federal de Sergipe (PROF-CIAMB/UFS). E-mail: santos.
lro@gmail.com
2 Doutor em Geografia. Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Rede
Nacional para o Ensino das Ciências Ambientais, Universidade Federal de Sergipe (PROF-
-CIAMB/UFS). E-mail: jailton@ufs.br
3 Doutora em Desenvolvimento Sustentável/ Gestão Ambiental. Dep. de Engenharia Ambi-
ental da UFS. E-mail: rome@ufs.br
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

de como necessidade de integração entre os saberes, pensamen-


tos e valores individuais e coletivos, frente a uma crise ambiental
embalada por outras crises como de razão, pensamento e conheci-
mento. É observado através de uma multiplicidade de sentidos que
vão além da articulação científica e de saberes individuais e tem, em
suas ações, as representações das ideologias advindas dos diferen-
tes grupos que o fazem (LEFF, 2009). Desse modo, perceber e agir
é, de certa forma, pertencer.
Essa relação de pertencimento pode ser estimulada através de ações
educativas que se interliguem com as vivências dos sujeitos que es-
tão diretamente envolvidos com as práticas desempenhadas, que
dotam de significados intrínsecos os conceitos abordados e tendem
a se aproximar dos valores próprios, construídos pelas diversas so-
ciedades, integrando-se ao seu lugar. Não apenas através de espa-
ços físicos, delimitados por muros, fronteiras, territórios ou exames
de verificação da aprendizagem e auto avaliação, a construção de
saberes deve ser pautada em sensações, respeito e cumplicidade.
Entre os exames de verificação de aprendizagem, está o Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), que é em uma política governa-
mental, instituída em 1998, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão do Ministério da
Educação (MEC), com o objetivo de avaliar o aprendizado dos alu-
nos concludentes desta etapa de ensino, além de fornecer subsídios
para o ingresso em cursos de nível superior e profissionalizantes,
por meio de um exame de referência (BRASIL, 1998).
Com o passar dos anos, essa política foi sendo aprimorada e serviu,
também, de instrumento principal de acesso ao Ensino Superior pú-

309
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

blico, através do SiSU – Sistema de Seleção Unificada –por meio da


adesão de várias universidades que substituíram seus vestibulares
tradicionais pela prova do ENEM, o que exigiu reformulação de sua
matriz de referência. Do mesmo modo, também permitiu o acesso
ao Ensino Superior privado pelo PROUNI – O Programa Universida-
de para Todos –, que tem como finalidade a concessão de bolsas de
estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais
de formação específica. Criado pelo Governo Federal, em 2004, e
institucionalizado pela Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005 ofere-
ce, em contrapartida, isenção de tributos àquelas instituições que
aderem ao Programa.
O Programa possui também ações conjuntas de incentivo à perma-
nência dos estudantes nas instituições, como a Bolsa Permanência
e, ainda, o Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, que possibilita
ao bolsista parcial financiar parte da mensalidade não coberta pela
bolsa do programa.
Com o ENEM, outras oportunidades de acesso ao Ensino Superior
foram implementadas, a exemplo do FIES, no qual o Governo Fede-
ral investe subsídios públicos em instituições privadas. Apesar dos
avanços em relação ao crescimento no número de acesso às facul-
dades e universidades, pode-se analisar o financiamento por dois
vieses: a problemática da dívida estudantil com bancos públicos,
mascarada pelo título de investimento educacional e a outra parte
do princípio do direcionamento de valores que poderiam ser inves-
tidos em universidades públicas, num programa de valorização des-
tas, o que viria a possibilitar que grande parte dos brasileiros tivesse
acesso direto ao Ensino Superior público e de qualidade.

310
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Atualmente, o exame é dividido em quatro grandes áreas, a saber:


Ciências da Natureza e suas tecnologias, Ciências Humanas e suas
tecnologias, Códigos e Linguagens e Matemática e suas tecnologias,
além de um exame de redação. São elaboradas 45 questões de cada
área, perfazendo um total de 180, as quais são aplicadas em dois
dias de prova de múltipla escolha, sendo a parte subjetiva atribuída
ao texto dissertativo-argumentativo proposto. A temática das ques-
tões e, principalmente da redação, objetivam versar sobre temas
atuais, contextualizados, que insiram o candidato em um contexto
aplicado, onde sejam valorizados os direitos humanos, integrando
conhecimentos das várias áreas do saber científico, de forma a pos-
sibilitar uma abordagem interdisciplinar e que leve o aluno/candida-
to a resolver problemas da vida em sociedade.
Contudo, apesar da reorganização e fortalecimento do ENEM, tra-
zidas pela reformulação de sua matriz, quando observadas as ques-
tões socioambientais, estas se encontram, ainda, de forma frag-
mentada e insuficiente, pois são abordadas questões gerais, que
não valorizam a multiplicidade de olhares e o processo de formação
do país, principalmente, sua regionalização, privilegiando, assim,
regiões específicas do país, geralmente, as regiões sudeste e sul.
Desse modo, pode-se questionar se o exame serve de fato para tra-
zer à discussão os problemas socioambientais ou para criar mais um
modelo de escola que busca resultados e tem sua autonomia com-
prometida através do seguimento dos seus parâmetros e de mate-
riais didáticos e sistemas de ensino.
O ensino das ciências, pautado somente em materiais de ensino,
pode acarretar diversos problemas, que variam, desde a reprodução

311
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de uma ciência cartesiana e insuficiente para responder às questões


de um mundo dinâmico à abertura de lacunas na formação cidadã
dos educandos, comprometendo a autonomia docente, além de pôr
a escola como mera transmissora do que deve ser ensinado a fim de
atender aos interesses mercantilistas, possibilitando a limitação do
espaço destinado a discussões maiores sobre temas de interesse da
comunidade (BELTRÃO, 2014). Dentre os temas mencionados, po-
de-se citar a reflexão socioambiental, uma vez que o objetivo prin-
cipal desse tipo de ensino volta-se a desenvolver o que é cobrado
na matriz de referência do exame, que encontra nos sistemas de
ensino um meio concreto de transmissão conceitual e parâmetros
para fundamentar o planejamento pedagógico.
A escola contemporânea adotou, através do ENEM, um modelo de
avaliação pautada apenas em suas diretrizes e, com isso, abre mão
do planejamento coletivo e do pensamento crítico, que considera os
saberes de todos os que compõem o ambiente escolar, atribuindo
aos docentes e discentes a tarefa de compreendero que é solicitado
pelo exame. Do mesmo modo, observa-se que através da adoção
de tais parâmetros, a escola pode se tornar mecanicista e repetir
práticas que ocorriam nos antigos exames vestibulares que foram
substituídos pelo ENEM e, apenas a partir deste, avaliar suas práti-
cas, não abrindo espaço para uma integração entre as políticas de
avaliação internas e as externas, não distinguindo os processos de
avaliação e os de mensuração.
O presente estudo tem por objetivo discutir criticamente as rela-
ções entre as práticas pedagógicas de Educação Ambiental (EA) e o
ENEM, com destaque para as implicações curricularesno Ensino Mé-

312
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

dio, nos quais, as discussões acerca da temática são, muitas vezes,


tidas de maneira pontual e descontínua, desintegradas da realidade
local e baseadas em instrumentos como o livro didático ou direcio-
nadas para exames nacionais, como o ENEM.
Para tanto, primeiramente, serão discutidas as múltiplas faces da
EA, englobando os processos de formação intelectual do ser huma-
no enquanto cidadão e as principais implicações para inserção dos
problemas locais nas ações voltadas para a temática. Posteriormen-
te, será realizada uma análise dos instrumentos utilizados por aque-
les que conduzem a formação e os principais desafios pedagógicos
a serem superados na busca pela obtenção de prováveis respostas
para escolha de caminhos alternativos e viáveis na formação de su-
jeitos participativos.
Para atingir o objetivo proposto, foi realizada uma coleta de dados
bibliográficos preliminares, analógicos e digitais, em fontes diversas
disponibilizadas em órgãos da administração pública direta e indi-
reta, a exemplo de teses, dissertações, livros, capítulos de livros,
artigos científicos publicados em periódicos no banco de dados da
CAPES, dentre outras bases.

313
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

AS PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E OS DESAFIOS


PEDAGÓGICOS IMPOSTOS PELO EXAME NACIONAL DO
ENSINO MÉDIO

Diferentes faces da Educação para o ambiente

A EA pode ser reconhecida em dois âmbitos: o formal e o não-formal.


O primeiro é desenvolvido nas propostas curriculares das disciplinas
escolares, sendo essencial que seja abordado de forma contínua e
interdisciplinar, possibilitando uma formação crítica e reflexiva dos
educandos, sensibilizando-os acerca da atual crise ambiental e o pa-
pel da humanidade sobre tal evento, como também motivá-los a to-
mar decisões frente às necessidades das futuras gerações. Por sua
vez, a EA não-formal abrange espaços que vão além dos muros cole-
giais, como parques, áreas verdes e discussões em trilhas e passeios
turísticos, envolvendo e trazendo à discussão os diversos sujeitos
componentes das comunidades, os quais se integram e pertencem
a determinados lugares, devendo buscar a integração entre a escola
e diversos setores da sociedade (REIS; SEMÊDO; GOMES, 2012).
Todos os seres humanos nascem em um contexto social que lhes é
apreendido na base familiar como primeiro contato de interação.
Às pessoas, é ensinado como devem se vestir, comportar, agir e até
mesmo pensar. Nesse convívio social, por variadas vezes, os mem-
bros da sociedade podem fazer parte de diversas tribos ou grupos
com objetivos e fins distintos, aos quais, para fazer parte, necessita,

314
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

ao menos, ter alguma relação ou algo em comum, uma identidade


com o local.
Ao passo em que o homem é ensinado a agir conforme o modelo so-
cial do qual ele faz parte ou que mais se identifica, do ponto de vista
ambiental, a interação com os sistemas naturais se dá pela forma de
recurso. A natureza é visualizada como oferta, meio de extração e
objeto infinito, algo que lhes foi dado para ser usufruído e, median-
te esse pensamento, visualiza-se o início da degradação ambiental,
não somente embalada pela retirada desenfreada dos seus compo-
nentes e inferior reposição – ou pouca preocupação para com isso –
mas, principalmente, pelo processo de aculturamento daqueles que
assim agem e vivem.
A escola, mediante seu papel imprescindível para formação huma-
na, pela natureza de sua criação enquanto construção social, tem
função de manter o sistema capitalista ativo e, apesar da crescente
preocupação com a atual situação do ambiente, acaba reproduzin-
do e disseminando as práticas que o degrada, por vezes, por falta
de aperfeiçoamento de seu corpo docente e equipe técnica. No en-
tanto, não cabe à escola a culpa por todas as situações em detri-
mento de ações equivocadas que geram processos de degradação
ambiental, tendo em vista a escola enquanto um construto social
e, portanto, aparelho ideológico do Estado, e ainda porque não se
deve julgar que todos os problemas, ambientais ou sociais, poderão
ser resolvidos totalmente naquele ambiente, mas sim poderão ser
pensados e discutidos e a sensibilidade poderá ser estimulada.
O saber ambiental ascende como proposta de integração participa-
tiva, não mais tratando o ambiente pelos ramos da Ecologia natu-

315
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ralista, conduzida pelas essências do ambiente puramente natural,


dos fatores bióticos enquanto seres em interação com os abióticos,
e sim a percepção deste como um todo, em sua complexidade, que
abrange tanto as relações naturais aqui descritas como também
compreende as relações humanas: sociais, econômicas, históricas e
culturais e as formas como estas influenciam nos sistemas ambien-
tais, construindo, assim, novas realidades.
Dada a relevância e notória complexidade que abrange os temas
ambientais e, principalmente, os conflitos existentes entre grupos
distintos: os que têm o ambiente como recurso e os que o percebem
como parte integrante da sua essência ou simplesmente como algo
que não se consegue exprimir em palavras, mas que deve ser respei-
tado e conservado, pensando nas futuras gerações.
A importância das ações escolares no que tange à EA de maneira
crítica e emancipatória abrange várias etapas, que vão, desde a dis-
cussão dos paradigmas sociais que fundamentam a criação da es-
cola como meio de reprodução do sistema capitalista, responsável
por boa parte das ações que degradam o ambiente, pela visão de
recurso, de infinidade e de apropriação por parte dos que têm maior
poder aquisitivo à necessidade de discussão das pequenas ações e
o despertar crítico das individualidades como parte integrante de
um ambiente dotado de valores culturais e históricos, significações
e representatividades, que precisa despertar o “ser” natureza em
detrimento do “ter” a natureza.
Ainda que se construa a Educação para o ambiente no espaço esco-
lar como algo essencial para o desenvolvimento crítico, consciente
e emancipatório, tal enunciado, bastante utilizado nas ações esco-

316
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

lares, são traduzidas como atividades pontuais, projetos descontí-


nuos, desintegrados, desarticulados e solitários. Quando realizados,
são feitos como obrigação disciplinar, em espaço reduzido de tem-
po, apresentado apenas como tema transversal, quando abrangido
pelas disciplinas que melhor se assemelham, e não como temas mo-
tivadores e geradores de discussões que abranjam todas as unida-
des letivas e que se faça presente no despertar para as questões
ambientais, principalmente de natureza local.
A abrangência insuficiente das ações de EA na Educação Básica, aqui
tendo como base o Ensino Médio, se faz pelo seguimento restrito
de instrumentos de ensino como o Programa Nacional do Livro Di-
dático (PNLD) e as diretrizes do ENEM, que seleciona os candidatos
para acesso ao Ensino Superior. Apesar dos crescentes avanços que
são trazidos pelos dois programas do governo, os quais não são fo-
cos deste estudo e terá uma análise sumária, a ideia da discussão
ambiental global pode ser interpretada como implicação/barreira
para o desenvolvimento de ações ambientais a nível local.

PENSAR E AGIR LOCALMENTE: DESAFIOS PEDAGÓGICOS


E INSTRUMENTAIS DO ENEM

No Brasil, a dissociação da realidade local em conteúdos escolares


parte, principalmente, dos conteúdos exigidos pelo ENEM, os quais
trazem à tona assuntos como os impactos ambientais ocasionados
pela ação antrópica, mas sem uma ampla discussão do caso, dando
caráter mecânico e não crítico do que o discente está visualizando
e, por vezes, causa baixo entendimento e desconexão dos valores

317
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

culturais deste, podendo tornar o conteúdo abstrato e de difícil en-


tendimento, fazendo com que o espaço destinado às manifestações
emergentes nos diferentes espaços educacionais – sejam eles for-
mais, sejam eles não-formais – seja restringido (BELTRÃO, 2014).
A política do exame pode ser visualizada a partir de pontos posi-
tivos e negativosem relação aos vestibulares tradicionais: por um
lado, a evolução se deu na forma de abordagem das questões, que
vieram mais contextualizadas com as diversas áreas do conhecimen-
to, abrindo espaço para discussões interdisciplinares; por outro, a
abrangência nacional dos conteúdos da prova fez com que fossem
perdidas as particularidades de cada vestibular, as questões volta-
das às características regionais que poderiam ser abrangidas com
maior propriedade. Além do exposto, algumas questões podem
priorizar regiões específicas do país, a exemplo das regiões Sudeste
e Sul, como também abordar situações desconexas com o que de
fato acontece.
Para que a efetividade do ensino da Geografia, da Biologia e das demais
Ciências Ambientais seja convincente na formação consciente do aluno
sobre a realidade circunscrita no espaço em que ele vive é essencial,
conforme ensina Gusmão (2016), que o professor o conduza para alcan-
çar a compreensão espacial que vai de uma escala local/global, e final-
mente chegar à compreensão maior que é a “sua realidade”.
Ainda de acordo com a mesma autora, a análise da realidade ma-
terializada no espaço geográfico precisa ser cumprida e, principal-
mente no Ensino Médio, segmento em que há possibilidades mais
amadurecidas de diálogo, esse objetivo deve ser atendido.

318
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Muito se tem falado em Educação para a cidadania, mas de manei-


ra, muitas vezes, irreal e inalcançável, burocrática, ligada ao posi-
tivismo e com soluções técnicas, definida num ou vários objetivos
que, no mais das vezes, consideram o sujeito – estudante – descola-
do do mundo em que vive como se fosse um ser neutro e abstrato
(CALLAI, 1996, p.79).
A lógica do ENEM, do PNLD e de sistemas privados de ensino que,
na maioria seguem a formatação exigida pelo primeiro, direcionam
os discentes para uma formação de mercado e, principalmente,
para os cursos mais elitizados, pode ser defendida como uma tenta-
tiva infundada de abranger características gerais, desconsiderando,
por vezes, o processo de formação do povo brasileiro e o desprezo
pelas diferenças regionais, pressupondo-se que, dessa maneira, os
candidatos a uma vaga no Ensino Superior se farão críticos e reflexi-
vos. Dessa forma, o conhecimento defendido pelo exame surge de
maneira superficial na avaliação, exigindo apenas conceitos ou to-
madas de decisão para resolver questões, perdendo espaço a abor-
dagem prática e a resolução de verdadeiros problemas com os quais
os estudantes convivem diariamente.
A exemplo disso, ao analisar a prova do ENEM 2016, mais precisa-
mente o caderno 3 – branco, aplicado no 1º dia de prova, das 45
questões do bloco “Ciências Humanas e suas Tecnologias”, 14 apre-
sentaram algum conteúdo próprio da Ciência Geográfica e dessas,
apenas 05 questões trouxeram à tona um debate ambiental, confor-
me pode-se analisar no quadro 01.

319
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

QUADRO 01 – Análise das questões de Ciências Humanas e suas Tecnologias (ENEM 2016).

QUESTÃO CONTEÚDO ESCALA

16 Cerrado Nacional

18 Dessalinização das águas Global

22 Meio Natural Brasileiro Nacional

Pesca Industrial e destrui-


28 Global
ção na África
Conferência de Quioto/
35 Global
Emissão de CO2
FONTE: Inep.gov.br

ORGANIZAÇÃO: Jailton de Jesus Costa, 2017.

Do mesmo modo, quando analisado o bloco das Ciências da Natu-


reza e suas Tecnologias, das 45 questões propostas, apenas oito
sinalizaram a temática ambiental. No entanto, destas, apenas seis
adentraram de fato nas Ciências Ambientais, pois possibilitavam
uma visão inicial das interações entre os diversos sistemas.
Outras questões consideravam tópicos relacionados ao ambiente,
mas o fizeram de maneira isolada e superficial e, por isso, não foram
consideradas para análise, de modo que não faziam menção às inte-
rações do organismo/fenômeno abordado nos ecossistemas, valo-
rizando o ensino dissociativo, que não aprecia interações socioam-
bientais, contradizendo a própria proposta do exame e os conceitos
de interdisciplinaridade e contextualização.
O Quadro 02 traz uma explanação detalhada das questões selecio-
nadas e dos conteúdos com que elas interagem e sua abordagem
em uma escala global/nacional.

320
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

QUADRO 02 – Análise das questões de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (ENEM 2016).

QUESTÃO CONTEÚDO ESCALA

57 Mudanças Climáticas Global

Emissão de CO2 e Qualidade Global


62
Nutricional

64 Biomas Brasileiros Nacional

66 Sistemas Agroflorestais Nacional

76 Teias Alimentares Global

90 Biodigestores Global

FONTE: Inep.gov.br

ORGANIZAÇÃO: Luiz Ricardo Oliveira Santos, 2017.

A integração entre as disciplinas do bloco de Ciências da Natureza


com as questões ambientais, aqui entendida como tema transver-
sal/motivador, é muito mais observada no tocante às disciplinas de
Biologia e Química, pois apenas uma questão das que foram selecio-
nadas consegue integrar o conteúdo trabalhado na disciplina de Fí-
sica, o que pode salientar a comum dificuldade de se inserir tópicos
interdisciplinares nas disciplinas exatas, mesmo essa compondo as
Ciências da Natureza.
Consoante Miranda e colaboradores (2011), a contextualização de
saberes discentes vem sendo reformulada de forma ambivalente e
antagônica, na tentativa de harmonização de discursos, valorizando
práticas alheias à criticidade necessária para a Educação do futuro.
A escola, que antes possuía dificuldades em desenvolver ações con-
tínuas de EA junto aos docentes no andamento de suas disciplinas,

321
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

agora, vive um empasse entre o que é necessário ser aprendido


para uma efetiva tomada de decisão frente aos problemas locais
com aquilo que deve ser ensinado para que os alunos não sejam
prejudicados ao realizar o ENEM. Contudo, as boas ações praticadas
no ambiente escolar e, para além dos seus muros, podem e devem
ser construídas diariamente através de projetos integradores que
abranjam o cotidiano das mais remotas localidades do seu convívio
para, então, a escala ir tomando maiores proporções.
A ideia de universalização do que deve ser ensinado recai em tó-
picos como: biomas terrestres, aquecimento global, efeito estufa,
desmatamento, erosão e demais conteúdos desenvolvidos em dis-
ciplinas específicas, de forma desarticulada e pouco participativa,
levando o aluno ao conhecimento exaustivo de maior parte dos pro-
cessos veiculados e, principalmente, discutidos pela mídia, mas que
pouco abrange sua realidade, comunidade e valores. Assim como
retratado nos Quadros 01 e 02, formam-se alunos aptos a discuti-
rem os efeitos a nível global, mas pouco relacionados aos processos
histórico-culturais de âmbito local. Ensina-se a pensar como o siste-
ma deseja ou a ser aprovado em exames que digam ao mundo que
eles aprenderam o que era necessário aprender. Mas, aprender para
quê? Aprender o quê?
Como afirma Sousa (2003, p. 183), “o ENEM apresenta-se com um
potencial maior de condicionar os currículos escolares, ou seja, ensi-
na-se para obter bons resultados no exame”.
De acordo com o estudo realizado por Silva (2016), os alunos ale-
gam que a política de certificação via ENEM vem contribuindo para
desvalorização do professor, pelo fato de que o interesse dos estu-

322
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

dantes interfere na maneira como o docente organiza e elabora sua


prática pedagógica com base na proposta do ENEM.
O ENEM desqualifica e desvaloriza o ensino ao determinar que os
saberes escolarizados devem atentar para as necessidades do mo-
mento, que precisam ser ensinados e aprendidos como utilidade para
algo. Assim, vem se constituindo um tipo de educação comprometida
com resultados de excelência que refletem a maquiagem de uma ob-
tenção de sucesso na vida. Observa-se que o trabalho docente vem
sendo regido por um processo de auto intensificação, pois os profes-
sores sentem-se responsáveis pelo êxito dos estudantes no ENEM, já
que esta avaliação vem se configurando como indicadora de parâme-
tros de qualidade da educação brasileira (SILVA, 2016).
Como fica o movimento de (re)construção das práticas pedagógicas
quando a escola e seu corpo docente têm sua autonomia limitada
às habilidades e competências do ENEM ou ao conceito de escola
de resultados?
Apresentado desde o início como inovador e contextualizado, o
modelo de prova do ENEM tende a impactar os materiais didáticos
– ainda que boa parte destes materiais seja mera compilação de pro-
vas já realizadas – mas, principalmente, a sinalizar alguns caminhos
e critérios para o ensino (BORNATTO, 2013, p.2).
Para Gonçalves (2014), a compreensão e entendimento desse tipo
de avaliação tornam-se fundamentais, principalmente para os pro-
fessores, a partir do momento que, ao servir de base para as ações
das políticas públicas em Educação, passam a determinar, direta e
indiretamente, o currículo a ser ensinado nas escolas, as cargas ho-

323
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

rárias das disciplinas e, finalmente, o perfil dos alunos que ingres-


sam nas universidades.
Em EA, fala-se muito o lema “pensar global e agir local” como justi-
ficativa de ações locais com a projeção de benefícios para a socieda-
de mundial. A necessidade da justificativa nos projetos em EA pode
soar até mesmo como uma descrença por quem o idealiza, quando
observado que determinada ação só tem valor quando surte efeito
em escalas globais ou quando o aluno crê que está, através dos seus
feitos, auxiliando povos tradicionais ou ecossistemas inteiros fora
do seu alcance, os quais são sentidos apenas através imagens de
livros ou durante aulas de disciplinas específicas da sua formação,
baseada estritamente no currículo escolar.
As atitudes mencionadas no parágrafo anterior podem ser realiza-
das sem a percepção por aquele que toma a frente do projeto ou
ação, como já aqui discutido, pela simples questão da formação am-
biental que recebeu: desarticulada e pouco participativa. Contudo,
amplia-se profundamente na necessidade de elaboração de tópicos
que são trabalhados em todo o mundo, configurando a realidade
local como algo secundário ou irrelevante.
Assim, o ensino é focado no que está presente nas avaliações (tan-
to conteúdo como disciplinas), ficando o restante esquecido ou em
segundo plano.

324
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação das pessoas quanto à sua postura e relação com o am-


biente perpassa por várias barreiras que vão desde seus ensina-
mentos enquanto homens e mulheres, seres sociais, àquela que é
construída através das relações sociais em seus ambientes especí-
ficos, como a escola. De forma não diferente, as concepções sobre
o ambiente, seja ele visto como um meio natural isolado, seja ele
dotado de relações culturais, econômicas e interações sociais, como
recurso ou essência, encontra no ambiente escolar um espaço para
discutir, refletir e moldar paradigmas para que tais manifestações
sejam propostas de maneira crítica, reflexiva e emancipatória.
O ENEM e o PNLD, apesar de terem trazido novas propostas à Edu-
cação Básica, levando à discussão sobre a capacidade do aluno
(competências e habilidades) enquanto cidadão e modificador do
ambiente, pensar e refletir sobre problemas socioambientais, faz-se
insuficientes e dissociados da realidade local, excluindo as caracte-
rísticas das distintas regiões do país, seus processos de formação e
diferentes sistemas ambientais, privilegiando a apropriação de con-
ceitos universais em detrimento dos valores históricos, culturais e
sociais dos educandos, e ainda ressaltando valores da região mais
desenvolvida e industrializada do país.
Tais fatos fazem com que a escola se restrinja às competências e
habilidades específicas exigidas pelo ENEM, deixando de lado a ori-
ginalidade, necessidades e demandas das comunidades às quais ela
se integra, bem como a autonomia docente.

325
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Dessa forma, mediante o dizer característico em EA “pensar glo-


bal e agir local”, o mais apropriado para ações interdisciplinares e
que promovam a formação holística do educando enquanto cida-
dão crítico e reflexivo é que seja pensada uma EA em um contexto
integrado, que abranja o “pensar e agir localmente”, levando em
consideração os valores daqueles que vivem diariamente a escola
e, corroborando, com isso, visualizar criticamente os instrumentos
didáticos que ditam a postura docente e discente e a forma como os
conceitos ambientais são discutidos.

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EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

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327
O laboratório virtual de aprendiza-
gem como estratégia metodológica
para o ensino das ciências ambien-
tais no ensino fundamental

Geane Magalhães Monte Salustiano1


Maria do Socorro Ferreira da Silva2

INTRODUÇÃO

Atualmente, a preocupação com a degradação ambiental do planeta


ocupa atenção da sociedade nas mais variadas escalas geográficas.
Para refletir acerca da origem dessa problemática torna-se imperati-
vo entender que a interação entre homem e o ambiente ultrapassou
a questão da simples sobrevivência e que a questão ambiental preci-

1 Mestranda doPrograma de Mestrado Profissional em Rede Nacional para o Ensino das


Ciências Ambientais (PROF-CIAMB,Pólo da Universidade Federal de Sergipe – UFS). E-mail:
geane.monte@gmail.com. Lattes: http:/lattes.cnpq.br//5167424517735214
2 Profª Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Sergipe e
dos Programas de Pós-Graduação PRODEMA-UFS e PROF-CIAMB, e Pesquisadora do
GEOPLAN/UFS/CNPq. E-mail: ms.ferreira.s@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.
br/9102269983495726
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

sa de novas e diferentes abordagens. Corroborando com essa visão,


Leff(2008) afirma que,
A problemática ambiental abriu um processo de transformação
do conhecimento, expondo a necessidade de gerar um método
para pensar de forma integrada e multivalente os problemas glo-
bais e complexos, assim como articulação de diferente ordem de
materialidade. Desse modo, o conceito de ambiente penetra nas
esferas de consciência e do conhecimento, no campo da ação po-
lítica e na construção de uma nova economia, inscrevendo-se nas
grandes mudanças do nosso tempo (LEFF, 2008, p. 56).

Nessa perspectiva, têm emergido novos campos de conhecimen-


to e ação frente à crise ambiental, uma delas é o ensino das Ciên-
cias Ambientais e a partir de suas principais áreas de pesquisa, que
se apresentam como uma das mais importantes para discutir a
construção de conhecimentos relacionados à integração homem/
sociedade/natureza, propiciar as mudanças culturais e sociais nas
ações educativas, bem como para potencializar à função da educação
em direção ao empoderamento dos sujeitos escolares para que estes
tomem iniciativas que transcendam o ambiente escolar.Todavia, sa-
bemos que a mudança sala de aula/escola/ambiente é um processo
complexo e dinâmico, centrado no professor - agente das ações e das
mudanças, cujo desafio maior é o de superar a fragmentação das prá-
ticas curriculares e poder transmitir a ideia de que aprender é relacio-
nar, é interagir dialogicamente com interlocutores diversos e através
de linguagens comunicativas diversas (falada, escrita, digital).
Freire (2002), referenda essa constatação quando ressalta que esse
contexto submete o professor à busca por novas estratégias meto-
dológicas para superar o trabalho mecânico existente no cotidiano

329
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

escolar e reconhecer que ensinar não é transferir informação, mas


criar possibilidades para a construção de conhecimentos e sua con-
textualização em ambientes de aprendizagens.
Como reflexo dessa nova ordem, é necessário propor aos professo-
res que procurem entrar na “Era Digital” e se adaptar a esse novo
ambiente, visto queas Tecnologias de Informação e Comunicação
(TICs) se fazem presentes em todos os lugares e traz consigo novas
possibilidades de comunicação, interação, e informação advindas
da internet como também instrumentos tecnológicos como meios
para desenvolver atividades significativas, criativas e dialógicas.
Partindo dessas proposições, Almeida (2003, p.104) reforça a ideia ao
afirmar que “o conteúdo digital é um poderoso aliado para o ensino e
o grande desafio é trazer essa informação aos educadores, que preci-
sam vencer as próprias resistências a esse novo meio de informação”.
Desta maneira, percebemos que é primordial refletir sobre o uso
das TICs, do acesso à internet e ao ambiente digital na sala de aula,
pois se constitui em valioso recurso pedagógico, um instrumento de
aprendizagem que integra diferentes formas de abordagens e po-
derá proporcionar mudança na escola sobre a sua forma de produ-
zir, armazenar e disseminar a informação, transformando a maneira
de ensinar e de aprender, e, conseqüentemente a prática educativa.
Almeida (2003) reforça esse entendimento quando discute que,
Ambientes digitais de aprendizagem são sistemas computacio-
nais disponíveis na internet, destinados ao suporte de atividades
mediadas pelas tecnologias de informação e comunicação, que
permitem integrar múltiplas mídias elaborar e socializar produ-
ções tendo em vista atingir determinados objetivos, linguagens
e recursos, apresentar informações de maneira organizada, de-

330
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

senvolver interações entre pessoas e objetos de conhecimento


(ALMEIDA, 2003, p. 329).

Analisando o ponto de vista adotada por Almeida, nota-se que os


Ambientes Digitais de Aprendizagem são facilitadores para a edu-
cação, pois permitem uma interação assíncrona e síncrona entre
alunos e professores, aluno e sala de aula, aluno e ambiente, cujo
conhecimento passa a ser visto como uma construção social e o ob-
jetivo é proporcionar uma aprendizagem colaborativa, rica em pos-
sibilidades, propiciando o crescimento do grupo.
Essa assertiva também é defendida por Moran (2009), pois afirma
que uma boa escola necessita de professores presenciais e virtuais,
no qual todos possam aprender com os que estão perto e longe,
conectado por áudio e imagem, em qualquer tempo e lugar e de
forma colaborativa.
Assim, a inserção das TIC no ensino, e a consolidação de uma educa-
ção intermediada através do meio digital pode ser uma das possibi-
lidades de resposta aos anseios do professor, já que tal ferramenta
permite a promoção da interação entre os diversos atores envolvi-
dos no processo e compreende uma grande variedade de recursos
educacionais fundamentados no uso plataformas digitais, de sof-
twares e no treinamento dos profissionais envolvidos no processo
de ensino-aprendizado. Condizente com esse entendimento, Rodri-
gues et al (2008) apontam que:
A presença do ambiente virtual, que permite simular situações
do mundo real, possibilita ao aluno a oportunidade de aplicar o
conhecimento teórico usando um ambiente realístico. O espaço
cibernético pode recriar metaforicamente os atributos físicos de
uma sala de aula, como, por exemplo, quadro, giz, transparência

331
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

e painel. Assim, o aluno da sala de aula virtual escreve com giz


virtual no quadro virtual do mesmo modo como o faria em um
quadro real (RODRIGUES et al, 2008, p.72).

É importante ressaltar que, dentre as várias alternativas de estratégias


em trabalhar TIC, os Laboratórios Virtuais de Aprendizagem (LVA) se
configuram como um dos principais artefatos, haja vista que estes
podem ser vistos por diversos autores como uma sala ambiente que
reproduz o ambiente físico de um laboratório real não existente
nas unidades de ensino e exclusivas para atender à demanda por
atividades experimentais, capazes de relacionar o conhecimento
abstrato a situações concretas, para o desenvolvimento de
propostas pedagógicas que envolvem um “aprender” fazendo.
Nesse sentido, enquanto problemática no tocante ao capítulo apre-
sentado, é possível questionar sobre: Quais os limites e possibilida-
des do uso do LVA em práticas pedagógicas nas aulas de Ciências
Ambientais no ensino fundamental? Nesse contexto, partindo des-
ses entendimentos e das dificuldades encontradas em práticas na
disciplina de Ciências na sala de aula, o presente artigo tem como
objetivo refletir sobre a importância do LVA à luz da produção do
conhecimento das Ciências Ambientais.
O estudo se caracteriza como relato de experiência, realizado com
35 alunos do 6º ano do Colégio Agnus Dei, na cidade de Rio Largo-
-AL. Para a realização deste estudo, foi utilizada uma sequência di-
dática que se utiliza do LVA para ensinar alguns conteúdos de Ecolo-
gia da disciplina de Ciências do Ensino Fundamental, series finais, na
qual todas as atividades desenvolvidas foram registradas em vídeo
servindo de subsídio para a produção do conhecimento.

332
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

A intervenção foi dividida em três etapas: explanação sobre LVA


como recurso didático de aprendizagem; orientação e utilização
do LVA com os conteúdos de Ecologia como área de pesquisa das
Ciências Ambientais, ciclo de vida do sapo, como atividade prática
e discussão em sala de aula para dialogar sobre o entendimento do
aluno sobre a estratégia de ensino LVA trabalhada.
Este capítulo encontra-se estruturado em três seções: sendo a pri-
meira, as notas introdutórias, trazendo uma sinopse da contextua-
lização do uso das TIC no processo de ensino e aprendizagem das
ciências ambientais. A segunda aborda as contribuições do LVA
como estratégia metodológica para o ensino dos conteúdos ine-
rentes às Ciências Ambientais e a terceira apresenta o relato da ex-
periência vivenciada, bem como os procedimentos metodológicos
utilizados para o estudo, além dos resultados e considerações finais.

CONTRIBUIÇÕES DO LVA COMO ESTRATÉGIA METODO-


LÓGICA PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS AMBIENTAIS

A aplicação de ferramentas facilitadoras da mediação e da apren-


dizagem se insere no contexto da educação superior como forma
de melhorar a transposição didática e a aquisição do conhecimento
através do vasto acervo tecnológico apresentado nos atuais mo-
delos de sociedade. Em decorrência dessa demanda Cardoso e Di-
ckman (2012, p.893) afirmam que,
O avanço da tecnologia tem sido extremamente importante
para a sociedade, proporcionando agilidade na comunicação,
otimização dos processos de produção, modernização de equi-

333
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

pamentos, gerando grande facilidade na execução de procedi-


mentos médicos, pesquisas nos mais variados campos de conhe-
cimento, entre outros (DICKMAN 2012, p.893).

A reflexão acima destacou duas características bastante fortes atri-


buídas às TICs. Em primeira instância, a possibilidade de trabalhar
com o realismo virtual e, em segundo lugar, a simulação que am-
bas podem estar inseridas em uma mesma ferramenta tecnológica
como é o caso dos LVA que possibilitam uma transposição dos con-
teúdos estudados de maneira clara sistematizada.
Desse modo, as proposições, até aqui apresentadas, configuram
uma sequência lógica, na qual estabelece que os LVA, além de de-
finir-se, segundo Iowa (2000, p. 10), “como espaços eletrônicos de
trabalho destinados a colaboração a distância e experimentação
em pesquisa ou outra atividade criativa para gerar e distribuir re-
sultados, utilizando as informações distribuídas e as TIC”. Os LVA se
destacam como ferramenta tecnológica que apresenta atividades
interativas por intermédio de simulações, estas fundamentais para
o ensino das ciências ambientais.
Nessa perspectiva, a utilização dos LVA para o ensino viabiliza inú-
meros aspectos condicionantes inerentes ao processo de ensino e
aprendizagem, pois conseguem aumentar o acervo de recursos di-
dáticos dos professores e do mesmo modo, atualiza seus saberes e
dos seus alunos, complementando e ampliando suas estruturas cog-
nitivas. Iowa (2000) destaca algumas características fundamentais
(Figura 1) ao uso deste recurso quando ele reconhece que a mesma:

334
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FIGURA 1 - Características do LVA

FONTE: Adaptado de Iowa, 2000.

Nesse contexto, Ávila et al. (2012) Cardoso e Dickman (2012) contri-


buem com essa discussão quando destacam que asimulação proposta,
preponderantemente, pode tornar o discente como parte fundamen-
tal do processo de ensino, contribuindo para uma interatividade impor-
tante na construção do conhecimento. Os autores consideram ainda
que as situações criadas para a simulação em um laboratório virtual são
capazes de sintetizar o conteúdo, e, também, fazer com que o aluno se
encarregue de organizar sua peculiar forma de aprendizado.
Estudos anteriores como o desenvolvido por Ávila et al. (2012) expli-
cam que os LVA voltados para fins educativos emergem como plata-
formas digitais que objetivam fornecer suporte frente às inúmeras
necessidades educacionais, como a realização de experiências em
Ciências e demais áreas das ciências ambientais sem a necessidade
da presença do usuário em sala de aula, como geralmente ocorrem
nos laboratórios físicos. Os autores afirmam que, além de serem
extensões dos laboratórios reais, os LVA representam simulações

335
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

computacionais de situações propostas pelo professor para experi-


mentar determinada atividade.
Além disso, o desenvolvimento de simulações fortemente associadas
ao método experimental, vem tomando a conotação de saber especí-
fico, deslocando o referencial de atividades vinculadas aos conteúdos
discutidos em sala de aula, para o status de elemento do saber.
Todavia, ao passo de consideramos essencialmente útil para o ensi-
no fundamental, é necessário que se apresente algumas vantagens
como também desvantagens dos LVA, a fim de traçar um paralelo
de viabilidade ou inviabilidade do recurso e proporcionar maior re-
flexão e articulação na preparação do ensino das Ciências com base
nos laboratórios virtuais.
Por fim, vários autores que discutem a abordagem do ensino com a
apropriação dos LVA contribuíram para apontar as possíveis vanta-
gens e desvantagens (KERR, 1964; DILLENBOURG, 1999; MELO et al,
2009;AMARAL et al, 2011) de modo à concretizar a prática pedagógi-
ca e proporcionar uma aprendizagem efetiva.
Dentre as vantagens dos LVA destacam-se:
• O favorecimento da autonomia do aluno;
• O auxílio nas intervenções doprofessor;
• A utilização ampliada nos mais diversos níveis e modalidades
de ensino;
• A constituição de habilidades: 1- observação, 2 - promoção de
métodos científicos de pensamento, e, 3 - manipulação com
incentivo a participação na resolução de problemas;

336
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

• O espaço compartilhado na realização das experimentações;


• O uso simultâneo de fatores tecnológicos + cognitivos =
aprendizagem;
• A aprendizagem colaborativa;
• A ultrapassagem dos problemas éticos relativos ao uso de ani-
mais e seres humanos em certos tipos de experiências - como,
por exemplo, a dissecação de uma rã;
• A proteção do manipulador e dos equipamentos utilizados na
experimentação contra possíveis acidentes.
• Dentre as desvantagens dos LVA destacam-se:
• A não substituição das práticas dos laboratórios reais, isto é,
não existe nenhuma interação com equipamentos reais;
• A não possibilidade de uso deste recurso no dia a dia escolar, de-
vido às condições de infraestrutura e planejamento do professor.
Assim, na seção posterior, será apresentado um relato de experiên-
cia, considerando a validação dos LVA como estratégia didática sig-
nificativamente útil, para o melhoramento das práticas pedagógicas
e na aprendizagem inicial de alunos da educação básica no ensino
das Ciências Ambientais no contexto das TICs.
O relato foi desenvolvido com base na necessidade melhorar a re-
lação ensino-aprendizagem a partir do uso dos laboratórios virtuais
hospedados em domínio público, sem necessidade de autorização
de seus idealizadores ou algum custo para seu uso, priorizando uma
abordagem holística face aos problemas que questionam o atual

337
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

modelo de produção da vida social do aluno e de sua relação com


a natureza. Através das simulações, os alunos poderão entender a
importância de construir um panorama de articulação entre ambien-
talismo e ação educativa, como também constatar que a educação
para as questões relacionadas ao meio ambiente deve ser concebida
de forma integrada, e não como uma coleção de partes dissociadas.

O LVA NAS AULAS DE ECOLOGIA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

Este estudo objetivou analisar de que maneira o uso do LVA como


estratégia didática contribui significativamente para o ensino de
Ecologia nos anos finais do ensino fundamental, proposto como ins-
trumento didático que além de permitir a aquisição de conhecimen-
to também pode gerar momentos de prazer e descontração em sala
de aula, sendo um real elemento motivador para o ensino.
A prática do LVA foi aplicada em fevereiro de 2017, em uma turma
com 35 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Estes tinham ida-
de entre 10 e 12 e foram selecionados para a análise por já terem
estudado Ecologia em aulas anteriores à aplicação da prática, assim,
foram considerados o conhecimento prévio.
Para avaliar a efetividade laboratório, a técnica escolhida para a co-
leta de dados foi qualitativa através da observação direta e a discus-
são em sala após a prática. A socialização da estratégia didática LVA,
na turma acima citada, aconteceu em roteiro de quatro momentos
que serão abordados a seguir.

338
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

No primeiro momento, foram apresentados, brevemente, alguns


aspectos interessantes da proposta do plano de aula, tais como
conceito, definição, características, importância, as vantagens e difi-
culdades, os experimentos virtuais que poderiam ser desenvolvidos
tanto dentro como fora da sala de aula.
No segundo momento, após a explanação sobre o laboratório como
estratégia didática foi demonstrada a experimentação virtual ”o ci-
clo de vida do sapo, onde foi acessado o site e passando por cada
aba possível de interação para que o aluno entendesse que não se
tratava apenas de uma atividade lúdica e sim uma ferramenta didáti-
ca, visto que dentro do laboratório existe um passo a passo a seguir:
• começando com os hiperlinks com textos informativos dos
conteúdos abordados para estimular o aluno a relembrar ou
tirar dúvidas;
• Vídeos-aula autoexplicativas;
• Quiz, com perguntas cronometradas que exige do aluno aten-
ção e conhecimento;
• Simulação, também cronometrada, para testar as habilidades
de conhecimento, agilidade e raciocínio rápido.
No terceiro momento,o espaço foi aberto para o aluno fazer uso do
laboratório e percorrer o passo a passo necessário para a interação,
o chamado a refletir sobre a prática aplicada, os conhecimentos ad-
quiridos, além de verificar o entendimento e assimilação do conteú-
do tanto na explanação como do conteúdo aplicado.

339
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

No quarto momento, relacionado aos resultados da pesquisa, pode-


-se ressaltar os seguintes os resultados da pesquisa:
1ª Etapa: Explanação sobre o que é Laboratório Virtual de Aprendiza-
gem (LVA) no ensino das ciências ambientais (Figura 2).
FIGURA 2 – Momento de Explicação das vantagens e desvantagens do LVA

FONTE: Acervo pessoal, 2017

Neste momento da experiência, foi transmitido para os alunos o


que é o LVA e como este pode ser utilizado para o ensino de conteú-
dos relacionados às Ciências Ambientais. Para tanto, questionou-se
sobre o conhecimento prévio que tinham em relação às Ciências
Ambientais e sua função social diante das problemáticas ambien-
tais, bem como, dasTICs em sua vivência cotidiana e no ambiente
escolar. A maioria respondeu que, em relação ao primeiro questio-
namento, eles tinham um pouco mais de conhecimento, pois a esco-
la desenvolvia programas e atividades no ensino de ciências e áreas
afins indutoras das práticas socioambientais a partir de excursões,
estudo do meio e palestras, estimulando o aluno a aprofundar o co-
nhecimento das causas e consequências dos processos predatórios

340
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

e degradadores do meio ambiente. Também no sentido de buscar


sensibilizá-los de modo que possam identificar os responsáveis e as
responsabilidades de cada um na recuperação, conservação e me-
lhoria da qualidade de vida no espaço habitado.
Quanto ao segundo questionamento, a maioria respondeu que
possuía pouco conhecimento, pois só tinha contato com o compu-
tador em casa e, mesmo assim, esporadicamente para pesquisas na
internet ou acesso ao material pedagógico adotado pelo sistema
educativo da escola.
Diante do que foi colocado, a apresentação das vantagens e desvan-
tagens do uso do LVA no ensino das Ciências se tornou muito mais
desafiadora, pois representava uma alternativa viável e interessan-
te para aprimorar o conhecimento, reconhecendo que estes podem
proporcionar um ambiente agradável, motivador, prazeroso e rico
em possibilidades, que torna mais simples e prazerosa a aprendiza-
gem através de várias habilidades.
Na segunda etapa dos resultados, ocorreu aapresentação do passo
a passo do Laboratório Virtual de Aprendizagem (LVA). Neste mo-
mento da experiência, foi exposto para os alunos que entraríamos
no mundo do laboratório virtual através da experimentação ”do
ciclo de vida do sapo o acessando a internet no link http://www.
xdeducation.com.br com as seguintes instruções para os alunos: cli-
quem na aba aprendizagem 3D> Disciplinas> Biologia> ciclo de vida
do sapo. Neste espaço, foi discutido o passo a passo da atividade,
neste LVA existem cinco guias: texto, vídeo, simulação, questioná-
rio ou Quiz que apresenta a escolha do idioma inglês ou português,
links, como é observado na Figura 3:

341
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 3 – LVA do ciclo de vida do sapo

FONTE: http://www.xdeducation.com.br

Na guia texto, é apresentado um breve resumo da vida do sapo como


as fases de vida e suas características e onde acontece cada fase no
habitat. Na guia do vídeo, é exibida uma animação interativa em 3D,
demonstrando o ciclo de vida do sapo destacando etapa de vida do
sapo como ovo, girino até a fase adulta, o período que leva para cada
etapa acontecer. O interessante é que essa guia prepara tanto para o
quiz quanto para a simulação, pois mostra que para evoluir e passar
de fases o animal precisa trocar ou suprimir de membros.
Na guia simulação, o usuário (aluno) acessa uma simulação em 3D
em quatro níveis de interação, cujo objetivo é permitir que o aluno
de forma interativa consiga demonstrar o que aprendeu tanto no
texto quanto no vídeo sobre o habitat, as transformações ocorridas
na estrutura corpórea para que o animal passe de fase e, por último,
pode ir para o quiz para testar os conhecimentos adquiridos, com

342
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

um tempo de duração máxima de um minuto e a opção de ser res-


pondida em inglês ou português.
Ao final da interação no questionário, o aluno se depara com uma tela
de pontuação informando que o aluno obteve entre 0-30 pontos e,
com essa pontuação, indica que o seu conhecimento é insuficiente e
solicita que o mesmo assista a animação mais uma vez para aprender
e melhorar a pontuação; se o resultado for de 31-40, indica a capa-
cidade de melhorar o conhecimento e sugere que o aluno assista a
animação novamente para tentar mais uma vê o quis e por fim se o
resultado for de 41-50 indica que a pontuação é boa e pode continuar
com o quiz sem a necessidade de assistir à animação novamente.
Na guia questionário, acontece uma seleção de 10 perguntas sobre
o conteúdo abordado tanto no texto quanto no vídeo, sem tempo
de duração mínima para responder e as opções de zerar ou verificar
pontuação atingida.
Na quarta fase, foi o momento de interação do aluno com Labora-
tório Virtual de Aprendizagem (LVA) e conclusões sobre a prática
(Figura 4 e 5, respectivamente).

343
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

FIGURA 4 – Interação no nível 1 simulação

FIGURA 5 – Resultado da Simulação

FONTES: Acervo pessoal, 2017.

Neste momento da experiência, permitiu-se a interação dos alunos


com o laboratório virtual através da experimentação do ciclo de

344
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

vida do sapo. Para tanto, dividiu-se a turma em grupos e escolhido


um representante de cada grupo para participar e responder com a
ajuda dos companheiros.
O momento foi muito rico para contexto da área das Ciências Am-
bientais inserida na prática, pois a maioria dos alunos ressaltou que
o LVA representava um mundo novo para o ensino da Ecologia, à
medida que permitiu estudar o ambiente como estivesse envolven-
do-se em situações reais. Nesse sentido, fazê-los compreender, atra-
vés das simulações, as múltiplas formas de interação dos organis-
mos entre si e com o meio, e as transformações que os organismos e
o meio ambiente sofrem ao longo do tempo, bem como estimulan-
do-os a refletir sobre o papel do homem no processo de alteração.
Após a manipulação do laboratório foi proposta a turma uma reflexão
sobre a o uso do LVA como estratégia de ensino. Para a maioria dos
alunos, a estratégia foi apontada como uma proposta promissora, por
ter como objetivo central de trabalho, o desenvolvimento de habilida-
des práticas, de competências específicas, assim como a valorização
do conhecimento, aproximando os conteúdos inerentes às Ciências
Ambientais ao mundo do trabalho e a uma aprendizagem útil.
Ainda durante o momento de reflexão, os alunos apontaram as pos-
sibilidades e limitações do uso desses laboratórios como recurso de
ensino-aprendizagem em relação ao ensino tradicional. Nesta pers-
pectiva, os alunos avaliaram a ferramenta em si, e constataram que,
apesar dos conteúdos estarem fragmentados em guias de interação
ainda oferece estímulo necessários para propiciar o desenvolvimen-
to espontâneo e criativo dos alunos, diferente do ensino tradicional.

345
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ainda dentro desse processo avaliativo, constataram que a ani-


mação ajuda bastante por que interativamente falando, os alunos
acompanham cada evolução e conseguem assimilar melhor os con-
teúdos para responder as perguntas do quiz.
Ademais, consideraram o quiz muito proveitoso, visto que permitia
o aluno visualizar se acertou ou errou a resposta, além de avaliar o
desempenho destes e orientá-los a melhorar o seu conhecimento
através da pontuação alcançada.
Para os alunos, a metodologia foi considera interessante no quesito
manipulação já que o uso do lúdico para ensinar e/ou aprender diver-
sos conceitos em sala de aula permite que as habilidades práticas
com computador sejam demonstradas habilidades, pois estimula
exercício do raciocínio para a (re)construção do seu conhecimento.
Entretanto, também dependem da mediação do professor para o
uso da ferramenta.
Por fim, perceberam que o ensino das áreas de pesquisa das Ciên-
cias Ambientais, por intermédio do LVA, não apresentará apenas
uma sequência didática com um rol de conteúdos conceituais, mas
abrangerá conteúdos procedimentais e atitudinais com enfoque
ecológico de relevância no processo de produção do conhecimento,
na capacidade de inovar no aprender continuamente como instru-
mentos para uma organização mais livre do currículo do aluno.

346
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O emprego das TICs na educação básica é fundamental para o acom-


panhamento do aluno, cujo cotidiano é permeado pela internet e
pelo uso de aparatos tecnológicos. Nesse sentido, este estudo bus-
cou utilizar uma estratégia metodológica, baseada no uso de LVA,
no âmbito do ensino fundamental, contribuindo para melhor com-
preensão dos conteúdos inerentes as Ciências Ambientais, especial-
mente no que condiz a Ecologia, a conhecer e interagir com esses
laboratórios como ferramentas ou metodologias. O estudo permitiu
vislumbrar que tais ferramentas podem propiciar o aproximar do
aluno e professor ao conteúdo estudado como forma de repensar
não só práticas em sala de aula, mas as possibilidades e limitações
do uso desses laboratórios como recursos de ensino-aprendizagem
em diferentes lugares/espaços em relação à educação tradicional,
principalmente nas aulas de Ecologia.
Assim, constata-se que o uso do LVA se constitui uma ferramenta
metodológica que poderia ser utilizada como mediadora entre o
aluno e o conhecimento, principalmente no ensino das Ciências Am-
bientais, cujos conteúdos, apesar de fragmentados no LVA, exigem
interação física do aluno com o meio e isso nem sempre é possível
no ensino tradicional.
A partir da expectativa em torno das vantagens e desvantagens
que os LVA propiciam, no sentido de promover mudanças no en-
sino tradicional aliando-se internet, constatou-se que o aluno está
preparado para interagir a partir dessa ferramenta. Entretanto, é
importante ponderar o fato de que apesar de apresentarem espaço

347
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

virtual, que reproduz o ambiente físico de um laboratório real provi-


do de recursos computacionais que retratam conceitos teóricos de
uma forma interativa, podendo ser acessados de qualquer espaço e
utilizados em sua maioria sem restrições. É necessária a mediação
do professor, visto que esses não só entendem de tecnologia, mas
também de Pedagogia que auxilia nos mecanismos de assimilação
dos conteúdos com os quais os alunos irão interagir.
Portanto, compreende-se que há um longo caminho a ser percorri-
do no que concerne ao potencial do uso dos LVA, visto que os alu-
nos encontram-se preparados, mas dependem da mediação ou in-
termediação do professora.

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ções dos ambientes digitais de aprendizagem. Educação e Pesquisa. São
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348
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

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349
Práticas educativas de cidadania am-
biental para gestão das águas1

Laysa da Hora Santos2


Rosana de Oliveira Santos Batista3

INTRODUÇÃO

Como professores, acreditamos que educar vai além de ‘despejar


conteúdos’ constantes nos currículos, devemos adotar procedimen-
tos metodológicos que possam ser significativos na prática profis-
sional e cotidiana dos aprendizes. Embora alguns conteúdos sejam
de fundamental importância, educar para cidadania transcende os
livros didáticos. Peranteas menções anteriores Oliveira (2010), pon-

1 A produção desse texto ocorreu em virtude da construção de um capítulo da dissertação


de Mestrado no Programa de Pós-Graduação de Mestrado Profissional em Rede Nacional
Para o Ensino das Ciências Ambientais/MPROFCIAMB.
2 Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Sergipe (MPROF-CIAMB/
UFS). E-mail: laysadahora@hotmail.com.
3 Profa. Adjunta do Departamento de Geografia DGE/UFS e da Pós-Graduação em Ciências
Ambientais MPROF-CIAMB/UFS. Doutora em Geografia, Mestre em Desenvolvimento e
Meio Ambiente PRODEMA/UFS. Especialista em Ecologia de Ecossistemas Costeiros ECOS/
UFS.E-mail: rostogeo@hotmail.com.
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

dera como necessário estimulara autonomia de pensar e de agir dos


educandos através de ações e práticas, o que possibilitará uma arti-
culação mais concreta na vida dos indivíduos e educandos, alvo da
discussão desse trabalho.
Os educandos são formados por um conjunto de ensinamentos ad-
quiridos nas instituições que são expostos, a saber: familiar, escolar,
religiosa e social. No entanto, a família educa em um contexto indi-
vidual e pode ser apresentada como a primeira instituição de origem
e destino que o indivíduo faz parte, a segunda compreende a escola,
como instituição de educação formal que educa em um contexto
coletivo. A conexão dessas duas instituições compõe a formação bá-
sica, estimulando nos aprendizes o desenvolvimento do pensamen-
to crítico de modo a favorecer as diversas áreas do conhecimento
(CORTELLA, 2015; FURTADO, 2014).
No processo de formar para cidadania, a escola educa em um contex-
to social versando acoletividade, pois se acredita que, enquanto cada
cidadão compreender apenas o seu reduto como desígnio prioritário,
não conseguirá perceber o outro que deve viver no mesmo patamar
de direitos legalmente constituídos, gerando como consequência
natural (na ordem social) um individualismo exacerbado e de difícil
controle. Para Morin (2003), a ética da compreensão humana é a exi-
gência chave de nossos tempos de incompreensão generalizada.
Ao refletir acerca das questões da cidadania no ambiente escolar,
adentramos na educação básica, que tem como objetivo universal,
desenvolver os aprendizes e assegurar-lhe a formação básica para o
exercício da cidadaniae fornecer-lhe meios para progredir no traba-

351
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

lho e em estudos posteriores. A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de


1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
No Brasil, a educação escolar básica é dividida em três etapas: a
primeira, compreende a educação infantil que tem como finalida-
de o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, comple-
mentando a ação da família. Seguido pelo ensino fundamental, que
normalmente inicia-se aos seis anos de idade e tem por objetivo a
formação básica do cidadão em quesitos como a compreensão do
ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das
artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade. Finaliza-se
as etapas do ensino básico com o ensino médio que tem duração
mínima de três anos e tem como finalidade a consolidação e o apro-
fundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental,
bem como a preparação básica para o trabalho e a cidadania do edu-
cando (BRASIL, 1996).
A missão da educação é “ampla, árdua e desafiadora, a saber: formar ci-
dadãos que busquem a constituição de uma sociedade sustentável, cida-
dãos que tenham atitudes proativas e criativas capazes de gerar meios
que preservem e melhorarem a vida do planeta” (OLIVEIRA, 2010. p. 4).
Destarte, esta ação necessita de um envolvimento mais consisten-
te dos aprendizes que ajude a gerar benefícios a curto e em longo
prazo, versando o uso de estratégias que estimulem a preservação
e conservação da água, no tocante à minimização dos problemas
socioambientais. Uma vez que a qualidade de vida do planeta está
inteiramente ligada a existência dos recursos hídricos. Para Chaves-Ne-
to (2013), a água representa uma média de 70 a 90% do peso dos seres

352
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

vivos, chegando a ultrapassar 90% em alguns animais marinhos. Tra-


ta-se de um elemento essencial para manutenção da vida no planeta.
A ampliação das possibilidades de aumento da qualidade dos recursos
hídricos e mitigação da degradação dos atributos dos meios físico, bió-
tico e antrópico, faz com que as diversas áreas do conhecimento, que
permeiam a educação ambiental, enfatizem as questões trabalhadas
pela cidadania ambiental, as quais são adequadas às comunidades es-
colares para um melhor desenvolvimento de práticas dentro dessa te-
mática ambiental que atua na defesa da vida, em que cada um pode do
seu modo promover o equilíbrio ambiental do planeta (BRASIL, 1997a).
As práticas de Cidadania Ambiental, com a consistente articulação
entre os âmbitos, familiar – social – escolar, para o âmbito municipal,
é uma possibilidade no avanço da formação de cidadãos conscien-
tes e de estímulo à aprendizagem que contribui no relacionamento
dos indivíduos com o meio ambiente que os cercam. E, para além
dessa questão, que vise possibilitar a abertura de um novo caminho
ampliando os horizontes para os futuros profissionais. Diante desses
contextos, o objetivo do presente texto é contribuir paraa reflexão
sobre valores e formas de fortalecimento da educação, mediante
o processo ético na escola, na especificidade dos recursos hídricos,
tendo em vista a transformação de hábitos e práticas sociais na
construção de uma educação para cidadania.

353
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O desenvolvimento deste texto é de cunho bibliográfico, em con-


cordância com Martins e Theóphilo (2009, p. 54), “procura explicar
e discutir um assunto, tema ou problema com base em referências
publicadas em livros, periódicos, revistas, enciclopédias, dicionários,
jornais, sites, CDs, anais de congressos”, entre outros. Como base
metodológica, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, ativemos aten-
ção para livros; revistas; teses; dissertações; monografias; periódi-
cos tanto no âmbito da Ciências Ambientais, quanto às demais áreas
das ciências humanas e sociais, valendo-se do método descritivo
qualitativo. As pesquisas foram realizadas em fontes secundárias.
Desta forma, vislumbrou-se ter acesso a informações abrangentes
sobre as temáticas pesquisadas.
Nessa direção, como aporte teórico para entender as questões que
se relacionam a relação educação para cidadania na especificida-
de dos Recursos Hídricos baseamos nos seguintes autores: Aguiar
Netto (2010); Bacci e Pataca (2008); Chaves-Neto (2013); Moreira
et al., (2011); Philippi Junior (2004) e Vargas (1999). No tocante às
temáticas: educação, cidadania, desenvolvimento sustentável e
ética ambiental baseamo-nos nos seguintes autores: Alvim (2012);
Araújo (2007); Branco (2010); Coelho e Mello (2011); Cortella (2015);
Furtado (2014); Jacobi et al., (2003); Leff (2008); Limão (2007); Lodi
e Araújo (2002); Machado (1999); Melazo (1999); Moreira (2002);
Morin (2003); Oliveira (2010) e Santos et al., (2013). Para além, dos
livros, teses, dissertações, monografias, artigos, e revistas, foram
consultados instrumentos legais como: Leis, Decreto-Lei, Resolu-

354
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

ções, Relatórios e Declarações de conferências pertinentes às ques-


tões refletidas nesse texto.
Após leitura analítica dos materiais supracitados, construímos uma
reflexão acerca da problemática em tela, a fim de trazer à tona a
discussão que permeia a relação sociedade-ambiente, no tocante ao
processo de construção da cidadania ambiental, ética e meio ambien-
te, mediante a relação recursos hídricos e ambiente escolar. Assim,
em nossas considerações finais estão dispostas as reflexões acer-
ca da cidadania ambiental que contribui de forma satisfatória para
uma educação voltada à conservação e reconhecimento da impor-
tância dos bens naturais, que fortalece o processo de formação da
identidade social e cultural das comunidades escolares com o lugar
de vivência e permanência (LODI; ARAÚJO, 2007). Compreendendo
que, ao desenvolver teorias e práticas de cidadania ambiental, esta
contribuirá na formação educacional dos alunos, transformando-os
em sujeitos sociais mais comprometidos com suas práticas no que
se refere a gestão dos recursos hídricos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O planeta terra possui uma teia emaranhada de cursos d’água, que


ignoram as fronteiras nacionais. No mundo, a água tornou-se um
bem dotado de valor econômico presente em todos os processos
da vida humana, a saber: das indústrias alimentícias, têxteis, auto-
mobilísticas, farmacêuticos e inúmeros outros processos (AGUIAR
NETTO; GOMES, 2010). Os recursos hídricos, que são as águas doces
utilizáveis para a maior parte das necessidades humanas, é um recur-

355
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

so natural bastante escasso, representando 2,7% da disponibilidade


hídrica mundial, sendo a quantidade disponível para o consumo hu-
mano inferior a 1%, pois a maior parte é encontrado em estado sólido
e, o restante, distribuído em aquíferos e lençóis subterrâneos, rios,
lagos e pântanos e, a menor parte, na atmosfera (VARGAS, 1999).
A problemática socioambiental, ao questionar as práticas de uso inten-
sivo dos recursos hídricos, propõe a participação da sociedade na ges-
tão dos seus recursos atuais e potenciais, bem como no processo de
tomada de decisões para a escolha de novos estilos de vida na constru-
ção de futuros possíveis, sob a ótica da sustentabilidade ecológica, com
a mitigação das disparidades socioambientais (JACOBI et al., 2003).
Um problema socioambiental que vem se intensificando nas últimas
décadas é a poluição dos recursos hídricos. Esse tipo de poluição
pode ser causado de forma natural ou através de intervenções hu-
manas, sendo pela drenagem de áreas agrícolas e urbanas, pelo de-
pósito de resíduos sólidos em locais inapropriados, por esgotos do-
mésticos e por efluentes industriais (PHILIPPI JUNIOR etal.,2004).
As preocupações inerentes à preservação da água está prevista em
documentos oficiais como a Declaração Universal dos Direitos da
Água de 1992, aborda no Art. 3°, que “os recursos naturais de trans-
formação da água, em água potável são lentos, frágeis e muito limi-
tados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade,
precaução e parcimônia” (ONU, 1992).
Levantar discussões sobre a questão da água potável, da necessida-
de do seu controle e da preservação das áreas de mananciais, con-
siste em ações fundamentais ao mundo em que vivemos. Segundo

356
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Alvim (2012), o ser humano que causa prejuízos ao meio ambiente


com quaisquer atos de poluição, dentre outras a hídrica, contribuie-
mações antrópicas, com as modificações negativas do meio natural.
Como salientou Vargas (1999), nos países periféricos os rios locali-
zados em bacias próximas às zonas urbanas ficam expostos a cons-
tante poluição orgânica por meio dos lançamentos, praticamente
sem tratamento, de efluentes sanitários de residências e empresas,
a poluição inorgânica, oriunda de micropoluentes lançados pelas in-
dústrias, bem como, a poluição dos lençóis freáticos e dos rios por
nitratos devido ao uso inadequado de adubos químicos e agrotóxi-
cos na agricultura.
Nessa dimensão, vislumbrado a necessidade legal de proteger um
bem de todos, é criada a Lei 9.433 de janeiro de 1997, que institui a
Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de
Gerenciamento dos Recursos Hídricos no Brasil. Os dispositivos que
compõe essa lei parte do princípio de que a colaboração é fundamen-
tal para o delineamento de um futuro mais adequado em termos de
disponibilidade hídrica. Para promover tal colaboração a Lei cria um
sistema de gestão dotado das seguintes características: Descentrali-
zação, Participação, Integração, Coordenação e Financiamento Com-
partilhado. A referida lei introduz princípios, objetivos e instrumentos
para a gestão eficiente, efetiva e eficaz da água (BRASIL, 1997b).
Com a criação da resolução n° 357/2005 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA) é enquadrada e classificada as águas do
país. Alterada pelas resoluções 410/2009 e 430/2011 do mesmo con-
selho, dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes
ambientais para o seu enquadramento.

357
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

O processo de institucionalização dos sistemas de recursos hídricos


culminou coma criação daLei 9.433/97, que foi fortalecida em 2006,
através do Plano Nacional de Recursos Hídricos, buscando o aperfei-
çoamento do sistema de gestão integrada e participativa das águas
no país, ressaltando que a consolidação da gestão participativa de-
pende de educação e cooperação entre os diferentes agentese ato-
res desse processo (BRASIL, 2006).
Discorrer acerca da importância da água e contribuição dos povos
tradicionais para construção de uma sustentabilidade dos corpos
hídricos requer um olhar que envolva a empatia pelo outro, pois,
como foi divulgado na Declaração de Thessaloníki4: a pobreza torna
a educação e outros serviços sociais inviáveis, e um dos problemas
a que se converte essa pobreza é a degradação ambiental. Logo, a
redução da pobreza é reconhecida como uma meta essencial e indis-
pensável para a sustentabilidade de um povo (MMA, 1998).
Desta maneira Leff (2008), ressalta que para a construção do saber
ambiental se faz necessário “integrar as sabedorias e práticas tra-
dicionais de manejo dos recursos naturais as ciências, as técnicas e
as ações de fomento da educação que servirão de suporte às estra-
tégias do desenvolvimento sustentável” (LEFF, 2008, p.150), esses
saberes visam traspassar as barreiras do unitário buscando assim,
compreender a relevância dos saberes tradicionais e a integração

4 Documento instituído na Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade, Ed-


ucação e Consciência Pública para a Sustentabilidade, realizada na cidade de Thessaloníki
na Grécia.

358
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

desses saberes em cada ciência, intuindo com a integração desses


saberes promover a preservação ambiental.
A água é, portanto, um bem essencial à vida e percebido como re-
curso natural importante para o desenvolvimento de diversas ativi-
dades sociais e econômicas. Entretanto, mesmo havendo uma pe-
quena quantidade disponível para o consumo humano, a poluição
dos recursos hídricos é um problema grave, tornando-se necessário
a instituição da Política Nacional de Recursos Hídricos para proteção
de um bem comum, que deve acontecer a partir de gestão partici-
pativa conectada à educação e cooperação dos agentes e sujeitos
envolvidos neste processo.
A complexidade ambiental de problemas como a escassez da água
no mundo engloba uma preocupação com o desenvolvimento sus-
tentável que auxilia na tomada de decisão dos sujeitos possibilitan-
do o que Jacobi et al. (2003) elucida como: “mudanças sociopolí-
ticas que não comprometam os sistemas ecológicos e sociais que
sustentam as comunidades” (p.191). As preocupações em não afe-
tar os sistemas que são aportes inerentes ao processo de desenvol-
vimento sustentável são plausíveis a todo processo.
Alvim alerta para desacertos do processo de sustentabilidade no
que diz respeito à postura que deveria ser adotada para mudanças
emergentes no que abrange os valores humanos e sociais segundo
“um pensamento ecossistêmico multidimensional que respeite o
ambiente físico-natural” (ALVIM, 2012. p.135). Nesse contexto, a em-
patia e o respeito para com o outro e suas necessidades, são pontos
cruciais para a promoção de uma nova visão das responsabilidades
sociais adequadas ao que propõe o processo de desenvolvimento

359
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

sustentável. Com uma perspectiva de avanço a este processo de de-


senvolvimento, Alvim elucida que,
o indivíduo deverá propor alternativas de desenvolvimento e
valorizar o seu entorno, partindo sempre de uma visão coletiva,
mas sem perder seus valores individuais. Assim, o homem con-
seguirá entender sua função social, bem como sua capacidade
de usufruir os recursos naturais existentes, de forma que o con-
sumo seja consciente, isto é, sem que se comprometa o uso dos
mesmos para as futuras gerações (ALVIM, 2012, p.137).

Embora existam distintas formas de compreensão do conceito de


desenvolvimento sustentável adotamos o viés que contempla os
três pilares – tripé (Figura 1), a saber: 1- sustentabilidade social bus-
ca garantir os “patamares mínimos e progressivos de qualidade
de vida” e o respeito à igualdade e aos direitos humanos de todos
os indivíduos; 2- a sustentabilidade econômica se detém na “redu-
ção da desigualdade e fomento do diálogo”, buscando alcançar a
prosperidade econômica da sociedade e tornar eficiente a ativida-
de econômica, promovendo empregos justos e salários dignos para
os cidadãos, e 3- a sustentabilidade ambiental versa “racionalização
das relações do homem com os recursos naturais e ecossistemas”,
especialmente aqueles que não são renováveis ou são fundamen-
tais ao suporte de vida, ponderando, assim, a água como o recurso
essencial para manutenção da vida (COELHO e MELLO, 2011, p.13).
O desenvolvimento sustentável necessita do equilíbrio entre o tripé
da sustentabilidade para que funcione em todas as dimensões. O
que foi proposto na conferência Rio+205 acerca do desenvolvimen-

5 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada na cidade


do Rio de Janeiro.

360
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

to sustentável necessitaria ser acessível a todos, gerando assim um


país democrático e igualitário para todos (BRASIL, 2012).
FIGURA 1– Os três pilares do desenvolvimento sustentável

FONTE: Adaptado de Limão, (2007).

ORGANIZAÇÃO: Santos, (2017).

Destarte, poderia ser exigido dos cidadãos práticas e disseminação


de sustentabilidade, o que atualmente, para alguns, não passa de
algo utópico e inviável, quando visto pelo viés das desigualdades
sociais em que vivemos. Um educando que vive abaixo da linha
da pobreza sendo privado de acesso a direitos básicos, estima-se
que tenha dificuldades em ser propulsor de qualquer coisa que não
seja para atender às necessidades básicas – alimentação, abrigo,
segurança – de sua família, o que poderá afetar a compreensão da
sua função na sociedade, apreciando o homem como um animal
instintivo, que em primeira instancia sempre priorizará o suprimento
das necessidades básicas de manutenção a vida.

361
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Com efeito, a desigualdade social é uma das causas de desequilíbrio


ambiental, a Constituição Federal do Brasil de 1988 (C.F.), prevê, em
seu Art. 225, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologica-
mente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se (...) o dever de defendê-lo e preser-
vá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988). Porém,
o “todos” que a C.F. faz menção é hoje representado por uma mi-
noria que concentra as riquezas do Brasil, favorecendo ainda mais
a má distribuição de renda e a desigualdade social, uma vez que
indivíduos que carecem de suprimentos básicos, provavelmente,
não priorizam reflexões de questões comoa preservação do meio
ambiente, pois concentraram suas energias na busca por sanar as
suas necessidades intuindo salvar a própria vida.
Nessa dimensão, é para além dos saberes tradicionais, que carre-
ga formas de desenvolver o manejo dos recursos naturais de forma
sustentável, as leis, os decretos-lei, as resoluções e as conferências
de instância mundial, nacional e regional estão sendo realizadas e
designadas para a promover e fortaleceras ações que venham miti-
gar problemas socioambientais, vislumbrando um país desenvolvi-
do de forma sustentável.

Ética e Educação na Construção da Cidadania Ambiental


Aprender a ser cidadão e a ser cidadã é, entre outras coisas,
aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade,
justiça, não-violência, aprender a usar o diálogo nas mais dife-
rentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida
coletiva da comunidade e do país (LODI e ARAÚJO, 2007, p.69).

362
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Os educandos são formados a partir de um princípio básico, o da


liberdade de escolha, que podem dar origem a uma vida com bene-
volência e malevolência. Por se tratar de alternativas pessoais, todo
indivíduo pode sujeitar-se ambas as escolhas. Concordando com o
entendimento de Cortella (2015) “a ética está ligada a ideia liberda-
de” (p.15). Nós decidimos como agir, somos livres para atuar diante
de ações e práticas que visam a preservação dos recursos naturais
(CORTELLA, 2015).
De acordo com a compreensão de Bacci e Pataca (2008), este tema
deve estar presente tanto no âmbito formal e não-formal da edu-
cação, envolvendo abordagens da ética e da formação do cidadão
consciente, que entende a água como um bem que pertence a um
sistema maior, integrado a um ciclo dinâmico.
A ideia de ecologia é um questionamento de ética ambiental, o que
incumbirá, a cada ser humano, desempenhar comportamentos
conscientes acerca da preservação dos recursos hídricos, construin-
do, assim, o que compõe a moral praticada com base nos valores
estabelecidos pela ética, mesmo que para ser exercida necessite da
junção teoria e prática não existe ética individual, será sempre uma
construção conjunta (CORTELLA, 2015).
Nas últimas décadas, intensificaram-se as preocupações inerentes
à temática ambiental e as iniciativas dos variados setores da socie-
dade para o desenvolvimento de atividades e projetos no intuito de
educar as comunidades, sensibilizá-las para as questões ambientais
e mobilizá-las para a adoção de posturas benéficas ao equilíbrio am-
biental (SANTOS et al., 2013).

363
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Segundo Melazo (2005), o processo de sensibilização, de conscien-


tização e conhecimento sobre o fato do indivíduo se sentir parte do
meio ambiente, envolve todo o processo de percepção ambiental
presente na Educação Ambiental, despertando, na sociedade, ações
positivas que sensibilizem os indivíduos e educandos da importância
de se preservar o meio ambiente, contribuindo para um menor
nível de impacto ambiental e uma melhor qualidade de vida para as
comunidades urbanas.
A principal função da Educação Ambiental é a formação de cidadãos
conscientes, preparados para a tomada de decisões e atuando na
realidade socioambiental, com um comprometimento com a vida, o
bem-estar de cada um e da sociedade, tanto a nível global como local
(MOREIRA, 2002). Trabalhar com a consciência ambiental perpassa
pela visão holística de Homem, fazendo-se necessário, de acordo com
Branco (2003), a interdisciplinaridade entre as disciplinas ministradas
nas escolas. Para Machado (1999), educar para cidadania deve também
assumir o papel de semear valores universais adaptado a cada cultura.
Para tanto, os educandos precisam ser estimulados em suas ações
individuais para que possam relacionar de forma significante os con-
teúdos aplicados em sala de aula com o seu cotidiano, tais como:
a utilização da água vista de forma lúdica em projetos mais abran-
gentes que transcendam os limites pessoais e impregnem práticas,
ações, e possibilidades com um significado político social mais amplo.
Como afirma Araújo (2007), a escola deve incluir em seus ensina-
mentos a democracia social favorecendo o despertamento para a
aprendizagem enquanto instituição pública criada pela sociedade
onde tem como dever.

364
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Educar as futuras gerações, deve se preocupar também com a


construção da cidadania, nos moldes que atualmente a enten-
demos. Se os pressupostos atuais da cidadania têm como base
a garantia de uma vida digna e a participação na vida política e
pública para todos os seres humanos e não apenas para uma pe-
quena parcela da população, essa escola deve ser democrática,
inclusiva e de qualidade, para todas as crianças e adolescentes
(ARAÚJO, 2007, p.12).

Com os desígnios propostos pelo exercício da cidadania, a prática


educacional deverá conter elementos capazes de educar, preparan-
do e capacitando os alunos para que os mesmos possam desenvolver
competências e apropriarem-se de ensinamentos que sejam úteis,
não apenas em ambientes formais como as escolas, mas, também,
nos ambientes os informais como a comunidade em que reside.
A escola é uma importante referência para as comunidades que,
além da função de formação pessoal, exerce influência social, sendo
o espaço onde é desenvolvido o conhecimento, e acontece a trans-
missão valores, estando no centro do debate práticas sustentáveis,
com a missão de orientar as presentes e futuras gerações sobre as
mudanças sociais, econômicas e ambientais (MOREIRA et al., 2011).
Para além do respeito ao meio ambiente, a educação facilita na am-
pliação dos horizontes e deverá auxiliar no desenvolvimentodo po-
tencial do educando, valorizando a criatividade e a capacidade de
resolver problemas. Investir na capacidade de comunicação e ino-
vação dos educandos é algo frutífero, quando acompanhados por
propostas e ações que visem a melhoria da qualidade de vida e do
ambiente em que vivem.

365
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

CONCLUSÃO

A análise e reflexão a respeito das temáticas, educação, recursos


hídricos, desenvolvimento sustentável, ética e cidadania ambiental,
abordadas nessetexto, perpassa a educação na contemporaneida-
de mostram-se pertinentes, não apenas na busca de respostas para
situações críticas no âmbito escolar, mas também no momento em
que se percebe que as ações educativas, em geral, necessita ser vista
com outros olhares, para que tenha uma maior eficácia no cumpri-
mento do maior objetivo de um educador, ensinar e aprender, pois
são fatores fundamentais para o crescimento e desenvolvimento
dos indivíduos em todos os âmbitos.
A prática da Cidadania ambiental no âmbito da educação básica
oferece possibilidades de avanços no processo educacional e de es-
tímulo a aprendizagem, além de contribuir no relacionamento dos
indivíduos com o meio que os cercam e possibilita a abertura de um
novo caminho para os futuros profissionais, contribuindo positiva-
mente para uma educação voltada a conservação dos bens naturais,
buscando contribuir para tornar os educandos, adultos mais cons-
cientes dos problemas cotidianos que englobam a natureza e a so-
ciedade em geral.
Nesta acepção, considerar metodologias alternativas mostra-se
uma eficiente maneira de resgatar a motivação do aluno para o
aprendizado e para um conjunto de valores e princípios que têm
sido ignorados, despertando-os para o conhecimento e para a vida.
Percebe-se, também, a importância de despertar junto aos profes-
sores, aos educandos, a sociedade, em suas variadas relações, o for-

366
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

talecimento do conhecimento científico não apenas por seu conteú-


do disciplinar, mas principalmente por seu estímulo ao mundo de
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370
Ciências ambientais no ensino fun-
damental: diálogos sobre a água

Felipe da Fonseca Souza1


Núbia Dias dos Santos2

INTRODUÇÃO

A discussão sobre o ambiente e suas interações ultrapassa a orga-


nização de uma conjuntura local. É pertinente considerar o espaço
enquanto totalidade, frequentemente produzido, organizado e
modificado pelas dinâmicas da natureza e da ação humana a qual
abrange diferentes esferas de acontecimentos. Desse modo, a inte-
ração entre ambiente e sociedade é configurada por uma comple-
xidade de fatores simultâneos inseridos num espaço em constante
transformação, a Natureza.

1 Graduado em Geografia. Universidade Federal de Sergipe. Mestrando em Ensino de Ciên-


cias Ambientais pelo Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional Para o Ensino das
Ciências Ambientais – PROF-CIAMB/UFS. felipeffs12@gmail.com
2 Doutora em Geografia. Universidade Federal de Sergipe. Professora Associada do Depar-
tamento de Geografia (DGE/UFS) e Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional Para o
Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS). nubisantos85@gmail.com
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Constata-se que, desde o século XVI, a natureza passou a ser com-


preendida como exterior ao homem e, assim, objeto passível de
apropriação e de dominação. Esse processo resulta e contém um
paradigma científico-social dominante impetrado na sociedade
(SANTOS, 2002) onde cada saber é especializado, compartimenta-
do, afim de aperfeiçoar os mecanismos de obtenção de lucro, ele-
var a produção de bens e de mercadorias, estabelecer parâmetros
de dominação de áreas visando à apropriação seletiva, individual e
privada do espaço. Tais fatos foram consolidados a partir da natura-
lização de um modelo de ciência pautado na fragmentação do co-
nhecimento e na dissociação homem e natureza.
Dessa maneira, o conhecimento científico passou, então, a defender
os preceitos estabelecidos por Descartes (1596-1650), ao compreen-
der que a ciência faria da pessoa humana o senhor e o possuidor
da natureza. Nessa concepção, epara compreender perfeitamente
essa questão, caberia ao homem abstrair a natureza do contexto da
vida à sua volta, e, assim, reduzi-la a maior simplicidade e dividi-la ao
máximo de partes possíveis. Esse processo derivou a fragmentação
do saber e a separação entre mente e corpo. Como resultado, tem-
-se a fragilização da percepção do homem como totalidade, o que
comprova como o método de Descartes contribuiu para o reducio-
nismo da explicação dos fenômenos naturais (SANTOS, 2002; LEFF,
2000; MORIN, 2011; CHADDAD e GHILARDI, 2012).
A partir dessa construção social, o homem passou a desenvolver
e reproduzir um circuito de relações padronizadas, divididas, nas
quais o conhecimento era cada vez mais fragmentado em diferentes
áreas do saber, pensando no universo como um organismo, contido

372
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

de sistemas independentes e compartimentados. Na prática, dificul-


ta-se a ideia de abrangência de natureza na totalidade do espaço,
restrita apenas ao meio natural, intacto.
Partindo desses preceitos, o pensamento complexo, elaborado por
Morin (2011), contribui para questionar a emergência de uma ciência
pautada no desenvolvimento da compreensão e da cidadania huma-
na, num pensamento complexo, ecologizado, capaz de relacionar e
contextualizar diferentes saberes ou dimensões da vida no ambien-
te, sem dissociar o homem da natureza. Abordagem essa que trans-
cende a simples explicação da realidade com base em fenômenos
isolados conforme expresso no modo cartesiano de fazer ciência.
Desse modo, é mister observar que o ensino das ciências ambien-
tais se paute na interdisciplinaridade, na interação do conhecimento
complexo. Busca-se fundamentar em diferentes áreas do saber e en-
trelaçá-los para a compreensão dos fenômenos de modo discursivo,
relacionado e pertinente (LEFF, 2000). Nesse caráter interdiscipli-
nar, será possível observar a interação entre ambiente e sociedade,
considerando a contribuição de diferentes saberes em seu nível de
contribuição, a fim de ensinar a compreensão e ressignificar a identi-
dade dos sujeitos, levando-os a sentir o ambiente dentro do próprio
eu, observando a natureza de dentro para fora (MORIN, 2011).
Constata-se, assim, que a problemática da naturalização do modo
de apropriação da natureza configura-se como fator estrutural na
sociedade. Fato esse que explica a contraditória atual situação de
passividade dos seres humanos diante da degradação dos rios, por
exemplo, onde a poluição e o uso desregrado das águas atingem
todo o ecossistema no qual o próprio homem está inserido. Para

373
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tanto, o ensino das ciências ambientais ao ser inserido nas unidades


de ensino, potencializa o início de um despertar da autocrítica dos
alunos sobre alguns questionamentos relacionados à condição do
homem como parte da natureza.
Sendo assim, este estudo contempla a construção de uma aborda-
gem teórico-prática que objetiva discutir como o exercício do en-
sino das ciências ambientais pode contribuir para a desconstrução
de conceitos historicamente construídos acerca da apropriação da
natureza e, especificamente, quanto ao uso da água. Para tanto, no
transcurso do ano letivo, a abordagem ambiental foi desenvolvida
em caráter transversal e para sedimentar as abordagens realizadas,
optou-se pela realização de uma oficina pedagógica aplicada com
alunos do 6° ano do Ensino Fundamental do Educandário Arco Íris,
localizado no povoado Colônia Treze, município de Lagarto/SE, mé-
dio curso do Rio Piauí. A oficina foi realizada em dois dias letivos
composta por dois momentos. No primeiro momento, realizou-se
um debate investigativo, em caráter de diagnóstico, visando conhe-
cer o nível de compreensão e percepção dos alunos sobre a atual si-
tuação do Rio Piauí e, como segunda fase desse primeiro momento,
os alunos foram instigados a levarem as inquietações e indagações
para casa a fim dialogarem com os membros da sua família. No se-
gundo momento, foram discutidas e debatidas as questões realiza-
das em sala juntamente com os resultados das indagações advindas
dos diálogos em família. Após essas discussões, os alunos construí-
ram materiais de divulgação os quais denunciam e retratam a atual
situação do rio, ao tempo em que refletiram sobre a importância da
sociedade rever a sua visão da natureza como recurso.

374
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Para tanto, este trabalho fundamenta-se, inicialmente, na discussão


sobre o espaço enquanto totalidade, afinal, é nele que as interações
ocorrem, bem como na necessidade do ensino das ciências ambien-
tais, o qual é preciso constituir-se, inicialmente, do debate interdis-
ciplinar, observando que a ciência ambiental vai muito além da edu-
cação ambiental, da questão ambiental e do saber ambiental (LEFF,
2000). Essa ciência, no debate pós-moderno, integra a complexidade
de diversos sistemas, seja ele econômico, social, político, natural ou
espiritual (BOFF, 1999). Portanto, é necessário discutir tais interações
para fundamentar-se na importância da questão socioambiental e
compreender que ensinar a ciência ambiental é ensinar a compreen-
são do ambiente na complexidade de suas relações (MORIN, 2011).
Nessa perspectiva, este trabalho está estruturado numa aborda-
gem teórico-empírica na qual, no primeiro momento, discute-se a
complexidade da abordagem ambiental e a importância do diálogo
de saberes interdisciplinares para compreensão do ambiente e para
a ressignificação da essência do ser na natureza. Assim, insere-se a
discussão da totalidade espacial, considerando que todos estão re-
lacionados no ambientee essa interação se dá na transversalidade
das relações socioambientais, verificando-se que o próprio homem
é detentor de espaço em sua composição corpo-alma-espírito, por-
tanto, é necessário reconhecer-se enquanto sujeito desse espaço
para pensar a sua complexidade. Em seguida, é abordada a sociali-
zação da oficina pedagógica e suas contribuições a partir do ensino
das ciências ambientais para o despertar da autocrítica dos alunos
sobre a água e o seu lugar na natureza.

375
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

OLHAR PARA A NATUREZA É OLHAR PARA SI:


O HOMEM E OS CUIDADOS COM A CASA COMUM

Para a compreensão da abrangência do estudo das ciências ambien-


tais, é importante observar a totalidade do espaço na complexidade
das relações humanas e ambientais, intrínsecas na natureza, as quais
integram outras áreas do conhecimento, e que estão interligados.
A complexidade nessa análise das interações surge da crítica de San-
tos (2002) ao fracionamento científico da ciência moderna, no qual o
homem especializou-se em áreas isoladas, fragmentando o diálogo
entre os distintos saberes e inviabilizando a visão ampliada do am-
biente, ocasionando, cada vez mais, a apropriação da natureza, o que
foi intitulado como crise do paradigma científico dominante. Como se
observa, o pensamento complexo de Edgar Morin (2011) questiona
a emergência de uma ciência pautada no desenvolvimento da com-
preensão e da cidadania humana, de um pensamento complexo, eco-
logizado, capaz de relacionar e contextualizar diferentes saberes ou
dimensões da vida. Ou seja, é preciso desnaturalizar o processo de
apropriação do ambiente como recurso de exploração a serviço da
reprodução do capital e ver/enxergar o homem como animal, parte
da natureza, ambos componentes de um espaço dinâmico.
As experiências vividas pelo homem em seu espaço de vivência re-
presentam um campo de infinitas relações e interações com o am-
biente natural. Pensar a compreensão do espaço vivido, a partir
dessas experiências, é considerar a importância de cada indivíduo e
do seu modo de vida como materialização e ressignificação da iden-
tidade do lugar. Para isso, é importante buscar a compreensão da

376
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

totalidade espacial na natureza e na vida social para compreender


como ambos estão entrelaçados no ambiente.
Para Santos (2012), a noção de todo espacial está ligada à compreen-
são sobre o espaço de Lefebvre (1969) onde:
A totalidade desempenha papel primordial, tanto metodologi-
camente como teoricamente. Observa que a investigação so-
mente ultrapassa o nível do empírico quando norteada por uma
teoria calçada na noção do todo articulado, e essa totalidade se
justifica pela realidade do que temos de compreender tanto na
natureza, quanto na vida social, que se apresenta de maneira
complexa. (SANTOS, 2012, p. 60).

O espaço, para Santos (1978, p. 122) “é um verdadeiro campo de for-


ças cuja formação é desigual. Eis a razão pela qual a evolução espacial
não se apresenta de igual forma em todos os lugares”. Desse modo, o
espaço é passível de modificação, de acordo com a dinâmica de seus
agentes de produção e organização, o qual não pode ser compreendi-
do de maneira reduzida a uma única parte (SANTOS, 1978).
Conforme salienta Saquet e Silva (2008), o espaço, além de instân-
cia social que tende a reproduzir-se, é também uma instância subor-
dinada à lei da totalidade, que dispõe de certa autonomia, manifes-
tando-se por meio de leis próprias. Assim, o espaço organizado é
também uma forma resultante da interação de diferentes variáveis.
O espaço social corresponde ao espaço humano, lugar de vida e tra-
balho, sem definições fixas. O espaço geográfico é organizado pelo
homem vivendo em sociedade e, cada sociedade, historicamente,
produz seu espaço como lugarde sua própria reprodução (SANTOS,
1978; SAQUET e SILVA, 2008).

377
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Desse modo, a análise propiciada pelo ensino das ciências ambien-


tais estimula o despertar da natureza na humanidade, instigando a
autocrítica dos alunos acerca da natureza na essência do ser, res-
gatando o humano em sua identidade e espaço da subjetividade
interior corpo-alma-espírito, buscando o autorreconhecimento de
que a realidade está interconectada sob o mesmo espaço, no qual
é necessária a compreensão enquanto totalidade, utilizando a visão
interdisciplinar para enxergar o todo.
Corroborando com a ideia de apropriação e dominação sobre a na-
tureza, Francisco I (2015) chama a atenção para a subjetividade do
olhar sobre si e sobre a casa comum, a terra, fundamentando-se na
espiritualidade do homem e da natureza.
O homem esquece de que nós mesmos somos terra. O seu cor-
po é constituído pelos elementos do planeta; o seu ar permite-
-nos respirar, e a sua água vivifica-nos e restaura-nos. A violência
que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se
nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e
nos seres vivos (FRANCISCO I, 2015, p. 04).

Dessa forma, a abordagem complexa e interdisciplinar das ciências


ambientais considera o diálogo de saberes como prática e exercí-
cio metodológico para a compreensão dos fenômenos contidos no
ambiente. O resgate da espiritualidade e da humanidade do homem
pode contribuir para essa ressignificação do ser humano enquanto
natureza. A água que vivifica e restaura o ser humano é um elemento
natural, que vem sendo atingido por efluentes, usos desenfreados,
redução das matas ciliares e tantos outros fatores, os quais refletem
a emergência de um novo contrato social, no qual o bem natural não
seja transformado em recurso, o ambiente seja reconhecido como

378
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

intrínseco ao homem e o rio seja vivificado diante de um despertar


da identidade humana enquanto natureza em si e para si. Corrobo-
rando com essa assertiva Leff (2000), acrescenta:
Reconhece-se que os problemas ambientais são sistemas com-
plexos, nos quais intervêm processos de diferentes racionalida-
des, ordens de materialidade e escalas espaço-temporais. A pro-
blemática ambiental é o campo privilegiado das inter-relações
sociedade-natureza, razão pela qual seu conhecimento deman-
da uma abordagem holística e um método interdisciplinar que
permitam a integração das ciências da natureza e da sociedade;
das esferas do ideal e do material, da economia, da tecnologia e
da cultura (LEFF, 2000, p.21).

O ensino das ciências ambientais se apropria do caráter interdisciplinar


para alcançar a totalidade do ambiente, considerando os diferentes sa-
beres e as diferentes organizações espaciais intrínsecas, para além do
que defende a Educação Ambiental em seu caráter crítico e emancipa-
tório ao propor a ressignificação dos sujeitos em sua essência.
Para Fazenda (2003), a interdisciplinaridade é a interação do conhe-
cimento como um todo, é o buscar se fundamentar em diferentes
áreas do saber e entrelaçar a compreensão de determinado fenô-
meno de modo discursivo, complexo, relacionado e pertinente. É no
caráter interdisciplinar que será possível compreender a interação
entre ambiente e sociedade, considerando cada especificidade em
seu nível de contribuição para ensinar a compreensão, e a identida-
de terrena aos sujeitos (FAZENDA, 2003; MORIN, 2011). Do mesmo
modo, Leff (2000) defende a noção de interdisciplinaridade, onde:
[...] se aplica tanto a uma prática multidisciplinar (colaboração
de profissionais com diferentes formações disciplinares), assim
como ao diálogo de saberes que funciona em suas práticas, e

379
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

que não conduz diretamente à articulação de conhecimentos


disciplinares, onde o disciplinar pode referir-se à conjugação de
diversas visões, habilidades, conhecimentos e saberes dentro de
práticas de educação, análise e gestão ambiental, que, de algum
modo, implicam diversas “disciplinas” formas e modalidades de
trabalho, mas que não se esgotam em uma relação entre disci-
plinas científicas, campo no qual originalmente se requer a inter-
disciplinaridade para enfrentar o fracionamento e a superespe-
cialização do conhecimento (LEFF, 2000, p. 22).

Na escola, essa abordagem se insere propondo a desconstrução


de conceitos e práticas que são estruturalmente inseridos na dou-
trinação sociocultural de apropriação dos recursos naturais. Nesse
contexto, a aplicabilidade do debate socioambiental se insere de
maneira conjunta a construção da cidadania humana, estimulando o
despertar do aluno para o natural e biológico em que ele faz parte,
o qual propõe que a sociedade não tem uma imunidade social e cul-
tural aos fatores naturais, por mais que tenham conquistado poder
de transformação sobre os recursos do planeta, o homem é apenas
um ser racional em meio à totalidade da natureza.
Muito semelhante ao que acontece com os discursos sustentáveis
precedidos da crise hídrica vivenciada nos últimos anos, cuja culpa
atribui-se ao clima, ao estado, às indústrias, aos sujeitos, mas não
se faz a ligação entre os aspectos. O rio é uma porção do espaço
dotada de significados e representatividade que detém o direito de
existir tal qual a humanidade existe, respeitando seus limites. É pre-
ciso voltar a olhar para o ambiente da mesma maneira que olha para
si e relacionar a complexidade de suas relações em meio a efluentes,
desmatamentos, barramentos, desperdício e zelar pela conservação
da sustentabilidade daquele ecossistema como parte do próprio eu.

380
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Entende-se que o ensino das ciências ambientais deve propor a com-


preensão da abordagem interdisciplinar para as interações socioam-
bientais, não sendo confundido com a Educação Ambiental, a qual
também pode ser abordada na perspectiva interdisciplinar, crítica e
emancipatória, todavia analisando contextos científicos em espaços
isolados. A educação Ambiental é entendida na Política Nacional de
Educação Ambiental em seu artigo 1º:
Entendem- se por educação ambiental os processos por meio
dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas
para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do
povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade
(BRASIL, 1999).

Para Carvalho (2008), a Educação Ambiental deve considerar a mu-


dança de atitudes pela sociedade, e não apenas comportamentos iso-
lados, mas uma construção coletiva. E, para seguir esse modelo cientí-
fico, deve propor uma perspectiva ética, crítica e emancipatória a fim
de sensibilizar a sociedade quanto ao seu comportamento em relação
ao ambiente, estimulando à formação de práticas sustentáveis que
auxiliem na construção de uma consciência ambiental que possibilite
garantir formas sustentáveis na relação sociedade-natureza.
É de acordo com esses preceitos que a análise do ambiente como
fenômeno isolado é insuficiente para chegar à resolução dos
problemas vivenciados pela sociedade planetária. Contudo, o que
fazer diante de tal realidade? Como contribuir para despertar um
olhar aguçado, crítico, reflexivo dos nossos discentes? Entendemos
a necessidade de se ampliar a dimensão do fenômeno socioambien-
tal para a escala global, contribuir para que os indivíduos reflitam e

381
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

pensem sobre o contexto daquele fenômeno frente à complexidade


de fatores e ambientes envolvidos na problemática ambiental. A títu-
lo de exemplo podemos destacar, dese modo, para quantos sujeitos
o rio São Francisco, o rio Piauí contém representatividade espiritual e/
ou simbólica? Até onde é possível apreender as noções imateriais que
envolvem o rio e a pessoa humana? O rio é uma propriedade huma-
na? Quantos seres vivos estão sendo afetados no momento em que
a água deixa de ser ambiente natural para ser recurso, mercadoria,
elemento privado de alguma atividade econômica?
A compreensão advinda das discussões e dos debates contribui
para a compreensão do processo histórico ao se considerar o fenô-
meno inerente a diferentes escalas de análise espaços temporais a
qual perpassa do contexto global, ao global/multidimensional, ao
complexo. É na construção dessa concepção de saberes que a ciên-
cia ambiental pode proporcionar o ensino da condição humana, da
identificação do homem consigo mesmo, com a sociedade em que
está inserido (MORIN, 2005).
Parte-se da compreensão que a educação deve ser o elo de ligação
entre a afetividade e a identidade dos saberes com a construção do
conhecimento científico. Quando o homem se percebe na condição
de sujeito, ele pode visualizar o seu papel/condição enquanto socie-
dade e parte de um ambiente, reconhecendo a importância da natu-
reza (física) e de um saber ambiental e desenvolver uma consciência
ecológica (MORIN, 2011; LEFF, 2000).
O desenvolvimento da sustentabilidade pode ser atingido a partir
da representatividade daquele ambiente para com os sujeitos, va-
lorizando os saberes tradicionais na construção de uma identidade

382
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

terrena, a qual inspira respeito e pertencimento ao ecossistema e, des-


se modo, propor a construção coletiva dos cuidados com o ambiente
e consigo mesmo, buscando um gerenciamento participativo dos ele-
mentos naturais (TUAN, 1980, REBOUÇAS, MARQUES e BADIRU, 2015).
Conforme acrescenta Tuan (1980), ao discorrer sobre a repre-
sentatividade e o pertencimento ao ambiente, o autor insere as
imagens da topofilia como derivadas da realidade circundante.
Destaca que as pessoas atentam para aqueles aspectos do meio
ambiente que lhes inspiram respeito ou lhes prometem susten-
to e satisfação no contexto da finalidade das suas vidas. Dessa
maneira, as imagens mudam à medida que as pessoas adquirem
novos interesses e poder (TUAN, 1980).
Desse modo, o ensino das ciências ambientais parte para uma pro-
posta muito mais abrangente que a análise de um contexto ou fe-
nômeno isolado. A ciência ambiental utiliza da prática de transfor-
mação social através da Educação Ambiental, do Saber Ambiental e
dos diferentes saberes tradicionais e representativos para analisar
a interação entre o ambiente e a sociedade na dinâmica do espaço
como um todo, onde estão inseridos homem e natureza em meio a
uma complexidade de fatores que dialogam entre si. Nesse sentido,
entender o ambiente é olhar sobre si enquanto natureza e compo-
nente de uma casa comum. No entanto, esse processo ainda se ma-
nifesta como desafio, na medida em que a natureza, os ambientes fí-
sicos são apropriados como mercadoria, bens de uso privado, para a
reprodução ampliada do capital. Diante dessa realidade, buscamos
analisar qual o significado que o rio Piauí apresenta para os alunos
do Educandário Arco Íris como meio de compreensão das caracte-

383
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

rísticas do ambiente que o aluno está inserido e relacioná-las aos


diferentes debates diariamente apresentados na sala de aula atra-
vés dos mais diversos conteúdos. A perspectiva é que o aluno com-
preenda que a discursão ambiental é transversal e está presente em
todas as aulas, já que todas as relações estão inseridas no ambiente.

DO CONSUMO AO DESPERDÍCIO: QUAL O SIGNIFICADO DO


RIO PIAUÍ?

Diante da problemática enfatizada sobre a aplicabilidade da discus-


são sobre o ambiente e os cuidados com a casa comum, foi propos-
to aos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental do Educandário
Arco Íris, localizado no município de Lagarto, médio curso do Rio
Piauí, uma oficina pedagógica, realizada nos dias 05 e 06 de dezem-
bro de 2016. Assim, teve como intuito conhecer qual o olhar dos alu-
nos sobre o rio e problematizar a importância dos cuidados com os
elementos da natureza a fim de rever a visão da água como mero
bem de apropriação e de consumo para uma perspectiva holística
de cuidado, integração, identidade e pertencimento.
O período de realização foi propício, uma vez que esse momento
serviu como um momento de reflexão e de consolidação dos conhe-
cimentos ambientais debatidos em sala de aula de maneira trans-
versal, ao longo do ano letivo. Todos os conteúdos (espaço rural e
espaço urbano; coordenadas geográficas; cartografia; fusos horá-
rios; geossistemas da terra, entre outros) estão inseridos dentro do
ambiente e discutem a questão ambiental de maneira transversal
durante todo o período letivo. Além da transversalidade nos conteú-

384
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

dos, os alunos vivenciaram o despertar da natureza interior em dinâ-


micas de grupo realizadas com toda a comunidade escolar. A título
de exemplo, podemos ilustrar o corredor de toque, uma dinâmica
de humanização das relações entre os membros da comunidade es-
colar. Nela, todos foram convidados a participar: os indivíduos fo-
ram estimulados a confiarem uns nos outros e se deixarem conduzir
pelo outro, respeitando o espaço de ambos, fortalecendo o respeito
mútuo e exaltando a essência do instinto coletivo de cuidado com o
outro e com a natureza.
Conforme afirma Boff (1999), a partir da maneira como o ser hu-
mano é recebido e acolhido pelo outro, inicia sua experiência de
lealdade e de confiabilidade com o outro e com a própria nature-
za, a partir do desenvolver da dimensão humana da espiritualida-
de. Assim, quando o aluno é estimulado a resgatar esse instinto
do cuidar, ele desenvolve uma representatividade do ambiente a
qual possibilitará uma maior compreensão para com as questões
ambientais e o desenvolvimento de uma sensibilidade ecológica
(BOFF, 1999; MORIN, 2005).
Dessa maneira, a realização desta atividade foi pensada devido a fre-
quentes dificuldades vivenciadas em sala de aula, ao ser retratado o
tema ambiente, quando, então, se impunha a necessidade de resga-
tar e ligar as temáticas, conteúdos e atividades até então realizadas,
para que houvesse a ligação com o óbvio. Tem-se clareza da dificul-
dade em associar nossas atividades cotidianas como ambientais. Os
alunos ainda apresentavam resistência em incorporar as experiên-
cias vividas como estando ligadas ao espaço ambiente, assim como
linkar os conteúdos das disciplinas e o discurso da problemática

385
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ambiental como componente material da totalidade curricular. Em


geral, esse tema é pensado pelos alunos e professores como algo
distante da sua realidade, que merece ser abordado apenas em
disciplinas como Ciências e Geografia, ou até relacioná-las às Ar-
tes quando se propõe alguma atividade lúdica, sempre buscando
conscientizar sobre o papel de cada um, o que não estimula uma
coletividade, nem o diálogo de saberes que dificilmente é propos-
to pela escola.
Nesse sentido, foi observado que existia um distanciamento dos
alunos para com o rio ou até mesmo com a bacia hidrográfica, era
comum ouvir falas do tipo: “Rio Piauí? Onde fica?”, “Esse é o nome do
rio da barragem?” ou até mesmo, “Ninguém bebe daquela água não,
professor. Ali só serve para gasto!”, ou seja, os alunos reproduzem
um discurso sociocultural que invisibiliza o rio enquanto ecossiste-
ma natural, observando apenas a sua utilidade enquanto recurso
passível de apropriação, naturalizando o consumo da água em cará-
ter de mau uso e gestão mesmo sabendo da sua importância na vida
dos seres vivos.
Para início de conversa, foi apresentado em sala o conceito de bacia
hidrográfica, mostrando aos alunos que eles estão inseridos num
mesmo espaço em que o Rio Piauí percorre, fazendo a ligação com o
Perímetro Irrigado Piauí, que é abastecido pela água daquele rio, de
onde é produzido grande parte dos alimentos que chegam à mesa
daquelas crianças. Nesse mesmo diálogo foi apresentado o caminho
complexo da água até uma residência, na intenção de estimular no
aluno a visão de que aquela água responsável em irrigar as planta-
ções do vizinho é a mesma que chega à torneira da sua casa, e am-

386
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

bas são retiradas daquele rio relatado em sala. O mesmo rio que recebe
efluentes da cidade e é poluído com os esgotos e chorume do lixão. O rio
que recebe o lixo da casa dos próprios sujeitos que usufruem dele. A partir
de então, alguns questionamentos foram levantados:
• Qual a importância da água para a nossa vida e para a nossa história?
• De onde vem a água que utilizamos em nossa residência?
• Como anda a saúde do Rio Piauí?
• Qual a relação entre a saúde do rio e o consumo da água?
• Que significado tem o Rio Piauí para você?
• De que forma podemos contribuir para reduzir o desperdício
e cuidar dos ferimentos do nosso rio?
As questões levantadas impulsionaram um debate em sala de aula
que levou à compreensão de que a natureza tem o direito de exis-
tir e ocupar o seu espaço sem necessariamente ser apropriado pelo
homem. Foi observado ainda que as crianças têm uma relação de
distanciamento com o rio, o qual não é nem percebido por muitos e,
posteriormente ao debate, passou a ser visto de maneira diferente.
A partir da discussão sobre o lugar da natureza no homem, é pos-
sível despertar uma visão questionadora sobre o que significa essa
apropriação naturalizada dos recursos naturais e observar como
esse fenômeno ocorre no ambiente percebido pelos alunos.
Na sequência do debate foram apresentadas imagens atuais da bar-
ragem do Rio Piauí (Figura 1) e, a partir de então, elencamos alguns
fatores que podem contribuir para a situação exposta nas imagens
como os vários barramentos do rio no decorrer do seu curso para

387
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

uso individual, a instalação de empresas de grande porte às suas


margens, uso desenfreado da água para irrigação e abastecimento
residencial, levando o aluno a observar que o rio está perdendo seu
volume de água e que a relação com a sociedade a sua volta é so-
mente de uso e apropriação, sem levar em consideração toda a bio-
diversidade de um ecossistema que está sendo invadido e destruído
em contrapartida aos usos desenfreados naquele ambiente.
FIGURAS 1 e 2– Barragem Dionizio Araújo Machado, visão oeste e visão leste, Rio Piauí, Lagarto-Sergipe.

388
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FONTE: ARAÚJO, 2016.

Sendo assim, foi proposto aos alunos que levassem os questiona-


mentos para casa e conversassem com seus pais, amigos e/ou res-
ponsáveis, e mostrassem a importância de cuidar da nossa casa co-
mum, a representatividade do Rio Piauí, e a necessidade que este
tem de viver para além do domínio do homem.
No dia seguinte, os alunos foram questionados sobre a conversa
com seus familiares e todos chegaram à conclusão de que era preci-
so fazer mais em relação ao rio e a sociedade. Em seguida, foi apre-
sentado o conceito de coletividade, dando início, assim, ao segundo
momento da oficina, a livre confecção de materiais de divulgação
em relação ao significado da água e da natureza em geral, como

389
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ponto de partida para uma ressignificação de conceitos e práticas


com os quais todos estão acostumados e propor um gerenciamento
coletivo das águas.
FIGURA 2 – Oficina pedagógica – Confecção de materiais.

FONTE: SOUZA, 2016.

FIGURA 3 – Oficina pedagógica – Mostra de materiais em sala de aula.

FONTE: SOUZA, 2016.

A oficina pedagógica abordou uma proposta de ensino das ciências


ambientais de forma lúdica, na qual foi necessário dialogar sobre
geografia, linguagens, medidas, artes, histórias, ciências, religiões,
afetividades e cidadania, absorvendo todos esses saberes a fim de
tornar possível ensinar uma compreensão, a de que a água não é um

390
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

recurso a ser explorado, mas um bem coletivo, sendo de suma im-


portância que os alunos passem a refletir sobre a natureza e iniciem
o caminho reverso da dominação, modificando comportamentos e
atitudes em busca de uma construção coletiva de sociedade. Para
isso, é muito importante que o ensino das ciências ambientais seja
trabalhado em sala de aula não apenas numa única disciplina, mas
que integrem as discussões diárias como papel do cidadão em zelar
pela conservação da natureza, podendo contribuir para a formação
de sujeitos ecológicos, dinâmicos e atuantes na sociedade.
A resposta da oficina foi sentida não somente naquela turma, mas
entre os colegas professores quando pensam em iniciar um debate
sobre o ambiente, nos alunos que passam a adotar um olhar diferente
sobre a natureza, sobre o rio, os quais sentem-se instigados em de-
bater sobre a abrangência das histórias e das alterações na paisagem
daquele lugar. Este olhar ressignifica um pontapé inicial para uma ca-
minhada de desconstrução de conceitos e quebra de paradigmas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ciência e a tecnologia conquistaram aos homens muitas possibi-


lidades, mas a parcela da população que tem acesso a elas ainda é
bastante restrita, demonstrado que esses saberes não se constituí-
ram e não se organizam com base em um espírito altruísta, cosmo-
polita e humanitário, mas que, longe da neutralidade, servem a in-
teresses de nacionalidade e capital (SANTOS, 2002; AGUIAR, 2014).

391
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ao contrapor as fragmentações dos paradigmas científicos para a


compreensão do ambiente, a ciência ambiental propõe considerar
o ambiente enquanto espaço na totalidade, onde é preciso adotar a
complexidade da interação de relações socioambientais para iden-
tificar a diversidade dos fenômenos e como estes dialogam entre si,
seja a partir de práticas sustentáveis, ou não.
Através da formação crítica das comunidades escolares envolvidas é
possível sensibilizar e contextualizar com os alunos a importância da
natureza como bem essencial à vida, parte daquele espaço, mostran-
do a sociedade que ela também é natureza, e que também é parte da-
quele mesmo espaço produzido e organizado em meios as relações
socioambientais, e que estes bens não são propriedade humana.
Constata-se que as relações entre ambiente e sociedade poderão
ser mais afetivas, e menos exploratórias, e o ensino das ciências
ambientais pode despertar esse olhar sobre o ambiente. Um olhar
construído gradativamente em suas ações, visto que a sociedade
vivencia uma crise de paradigma que é também civilizatória e cultu-
ral dada por fatores históricos, sociais e econômicos construídos ao
longo da história do homem (AGUIAR, 2014).

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Recursos Hídricos na Fronteira da Interligação entre os Saberes. In: MARQUES,
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BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano - composição pelo tema. Petrópo-
lis: Ed. Vozes, 1999.

392
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei nº 9.7995, de 27 de abril de 1999. Dis-


põe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Am-
biental e dá outras providências. DiárioOficial da República Federativa do Bra-
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São Paulo: Martins Fontes, 1996.
FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003.
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Juremir Machado da Silva. 3ª ed. Porto Alegre: Sulina, 2005.
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Catarina Eleonora F. da Silva. 2ª ed. rev. São Paulo: Cortez, 2011.
REBOUÇAS, G.M. MARQUES, V. T. BADIRU, A. I. Interdisciplinaridade, com-
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ção. Aracaju, v.4, n.1. p. 101 – 114. Out. 2015.

393
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

SANTOS, B. de S. Um discurso sobre as ciências. Porto: Aprofundamento, 2002.


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SAQUET, M. A. SILVA, S. S. Milton Santos: concepções de geografia, espaço
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TUAN-YI-FU. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio
ambiente. São Paulo: DIFEL, 1980.

394
Nas águas do Rio Pitanga: o estudo
integrado do ambiente e da
relação sociedade natureza no
ensino fundamental

Valtenisson Correa de Oliveira1


Núbia Dias dos Santos2

INTRODUÇÃO

O processo históricodetransformação do espaço pelo homemé mar-


cado pela apropriação do meio. A necessidade de sobrevivência dos
grupos humanos fez da natureza a base da sua existência. Mas, na
sociedade contemporânea, o afastamento do homem do conheci-

1 Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe; Mestrando em Ensino de


Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional Para o Ensino das
Ciências Ambientais – PROF-CIAMB/UFS; Professor da Rede Estadual de Ensino do Estado
de Sergipe. tenissondejesus@hotmail.com
2 Doutora em Geografia pela UFS; Professora Associada do Departamento de Geografia.
Membro do corpo docente permanente do MPROFCIAMB e PRODEMA. Integrante do DA-
GEO. nubisantos85@gmail.com
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

mento holístico dos elementos de sua sobrevivência, desintegrou o


olhar de sua condição humana de existir. E, como resultado, mante-
mos um ambiente degradado pelos desmatamentos, queimadas e
poluições, entre outros.
Entende-se, contudo, que tais ações são produzidas e intensificadas no
sistema econômico capitalista, onde prevalece o modelo de sociedade
projetado pelos interesses individuais e de grupos econômicos agentes
do capital, em detrimento da vida e do conjunto da sociedade.
Diante dos efeitos nocivos da influência teórica e prática deste mo-
delo de organização social, constata-se a necessidade de uma nova
abordagem,a qual requalifique e reconecte a relação sociedade-na-
tureza, de maneira que o homem volte a se enxergar como nature-
za, como parte do espaço e do ambiente para além da sua condição
de usuário da mesma. Esse olhar permitirá enxergar os usos destina-
dos pelo homem ao ambiente, e dentre estes, com o corpo hídrico,
objeto da nossa investigação.
Destarte, a escola torna-se o espaço ideal para a proposição desta
discussão. Uma vez que, a retotalização do conhecimento, através
do diálogo e troca de saberes comosalunos e a comunidade escolar,
conduz a um caminho reflexivo importante para se alcançar a alme-
jada e necessária compreensão ambiental do rio, da relação socieda-
de natureza e do seu processo histórico de afastamento.
Assim, a escolha da temática da pesquisa foi instigada pela vivência
no curso do rio Pitanga, que passa sob a Rua Dom um, no Bairro
Santa Maria-Município de Aracaju, em dois momentos distintos. O
primeiro foi quando o ambiente do rio era visualizado pelos mora-

396
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

dores do antigo povoado Terra Dura e bairro São Conrado, pois a


existência da água, a visualização do seu curso e a sua preservação,
permitia uma aproximação entre sociedade e natureza, através das
atividades de recreação, pesca, dessedentação e caça. Já o segun-
do, foi o contato com o ambiente do rio degradado, e os diálogos
com os alunos nas salas de aula na Escola Professor Benedito de
Oliveira, revelaram como a degradação ambiental favoreceu o des-
conhecimento da existência do rio pelos alunos e a naturalização
desse processo como consequência do progresso.
Assim, o presente artigodebate, a importância da água do rio Pitan-
ga para a vida dos alunos da Escola Estadual Professor Benedito de
Oliveira, através das atividades realizadas em sala de aula, durante
a disciplina Geografia. Para tanto, foram realizadas pesquisas biblio-
gráficas, em seguida analisamos e refletimos sobre o conteúdo do
livro didático que versa sobre águas continentais e bacias hidrográ-
ficas (BOLIGIAN, 2012, p. 128-133), para, na sequência, realizarmos
a atividade em formato de Oficina pedagógica como momento de
reflexão-ação-reflexão sobre a relação sociedade natureza, em re-
lação a água enquanto vida, bem de uso, ou mercadoria, bem de
troca, ambiente hídrico do curso d’água e a importância da nature-
za e do rio Pitanga. Nessa etapa, aplicamos questionários os quais
serviram para conhecer a percepção dos alunos sobre o rio Pitanga
e quais elementos e situações contribuíram para a construção da
leitura da realidade apresentada e debatida em sala de aula pelos
alunos, para, então, debatermos com eles sobre a relação preda-
tória sociedade natureza e como essa relação se reflete no nosso
cotidiano, como superar a naturalização desse processo e construir

397
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

uma nova forma de ser e estar na natureza, superando a atual visão


dicotômica e de dominação.

HOMEM É NATUREZA: DESCONSTRUINDO A


DICOTOMIA NA ESCOLA

A escola historicamente foi instituída e concebida visando atender aos


interesses das classes dominantes. Na Idade Moderna, tais interesses
materializaram-se com o incremento de unidades de ensino formal as
quais retroalimentam ideologicamente esse modelo de pensamento,
que dificulta a visão de totalidade e afasta a compreensão e leitura
crítica e reflexiva da realidade pela comunidade escolar.
Assim, a organização dos currículos, a compartimentação do saber
fragmentado em disciplinas, representam um processo de pensa-
mento orientado para manter a classe trabalhadora inserida em um
contexto limitado da realidade. Para isso, a escola (re)produz um
pensamento fracionado, dicotômico e reducionista da realidade e
das relações ambientais.
Diante dessa realidade processual, torna-se compreensível a visão
e percepção dos alunos do Colégio Estadual Professor Benedito Oli-
veira, sobre o curso de água existente na sua localidade e a naturali-
zação da degradação ambiental do rio Pitanga.
Assim, como salienta Leff (2008, p. 15) temos uma crise civilizacio-
nal humana expressa nos efeitos produzidos pelo uso predatório da
natureza, uma vez que a racionalidade econômica baniu a natureza

398
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

da esfera da produção, gerando processos de destruição ecológica


e degradação ambiental.
A natureza faz parte do cosmos, da vida planetária. Integra-se ao hu-
mano, como nos recorda Gonçalves (2006, p. 37), “temos insistido em
que toda sociedade, toda cultura, cria um determinado conceito de na-
tureza, ao mesmo tempo em que cria e institui suas relações sociais”.
Desta forma, a superação da racionalidade econômica atual, exige a
mudança de paradigma e de pensamento, como destaca Boff (2008,
p. 1-2), ao propor “um novo paradigma de convivência que funde
uma relação mais benfazeja para com a Terra e inaugure um novo
pacto social entre os povos no sentido de respeito e de preservação
de tudo o que existe e vive”.
O problema está, como afirma Leff (2008), na não aceitação das cau-
sas da crise socioambiental, em decorrência dos planos de crescimen-
to econômico. Segundo Gonçalves (2006, p.27) “talvez seja agora in-
teressante localizar de onde brota essa visão de natureza entre nós.”
Assim, o afastamento do homem da compreensão da natureza
como sua essência, parte da necessidade de interesses econômicos
de um pequeno grupo de homens, chamados capitalistas, que não
visualizam a limitação das condições finitas humana no Planeta.
Contudo, para alcançarmos uma abordagem totalizante na socieda-
de relativa a natureza, é necessário dá voz e visibilidade aos sujei-
tos sociais que vivem dentro desta visão. Nesse sentido, Gonçalves
(2006) confirma, exemplificando que as comunidades indígenas
apresentam um paradigma ideal para a compreensão homem-natu-
reza. A partir desse ideal, “inaugura-se uma nova ternura para com a

399
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

vida e um sentimento autêntico de pertença amorosa à Mãe-Terra”


(BOFF, 2008, p. 9-10).
É imprescindível ressaltar que a sociedade em geral, e os alunos
em particular, integram a natureza. No entanto, existe o desafio
de reconstrução de uma visão integrativa das condições de existên-
cia dos seres humanos no ambiente físico e do rio, em específico.
Assim, torna-se importante resgatar a visão integrada da água do
rio Pitanga, que mesmo estando degradada e tornada invisível pela
poluição advinda dos efluentes domésticos e industriais, no bairro
Santa Maria, a sua nascente, o seu ser, a sua essência continua como
fonte de vida pelo seu curso. No próximo capítulo, entenderemos
como se dá a relação água-sociedade.

ÁGUA E SOCIEDADE

Os alunos devem compreender a água como fonte indispensável de


sobrevivência dos seres humanos, da mesma forma como foi abor-
dado no capítulo anterior, a natureza. Por isso, a importância do uso
sustentável sem comprometer o processo natural de reposição do
ciclo hidrológico, e nem a qualidade.
A água é um elemento da natureza que gera altercações, discórdias
e confrontos entre as partes interessadas em utilizá-la. Conforme
Bacci e Pataca (2008, p. 211) “na sociedade em que vivemos, a água
passou a ser vista como recurso hídrico e não mais como um bem na-
tural, disponível para a existência humana e das demais espécies.”

400
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

A relevância do tema dá-se, principalmente, quando observamos a


disposição de água potável para a sobrevivência dos seres huma-
nos. E o curso do rio é uma das formas de visualizar a concretização
dessa importância pelo homem. Entretanto, para compreender o
rio, é necessário analisá-lo no contexto da totalidade da bacia hidro-
gráfica a que pertence e sua importância na relação sociedade natu-
reza, como bem salienta Silva (2015, p.94):
Os elementos naturais que compõem uma bacia hidrográfica
como: rios, riachos, lagos, vales, marés, dentre outros, sempre
tiveram, ao longo da história da humanidade, papel relevante e
estratégico nos processos de firmação e desenvolvimento das
civilizações (SILVA, 2015, p.94).

Assim, os usos poderão se instituir nos cursos da bacia hidrográfi-


ca de forma integrada a lógica totalitária do espaço, ou seja, enxer-
gando o rio como recurso, ou de forma destoante, compreendendo
como manutenção da vida:“Seja em meio rural seja em urbano, os
usos da água na bacia hidrográfica são determinados pelos grupos
que a ocupam, e sua interferência no meio físico ocorre em razão
dos interesses desses grupos” (BACCI e PATACA, 2008, p. 219).
Entretanto, é imprescindível ressaltar que as bacias hidrográficas
não são receptáculos passivos da interferência do homem, há tam-
bém uma construção de uma dinâmica própria pelos rios. Bacci e
Pataca (2008, p. 219) afirmam que “as bacias são, então, palco de
processos naturais ao mesmo tempo que sofrem modificações pelo
homem”. Assim como salienta Silva (2015, p. 96), ao considerara
bacia hidrográfica “como sendo um sistema aberto, sustentando-se
num equilíbrio dinâmico em função das constantes trocas de maté-

401
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ria e energia, assim como em função de ciclos e flutuações que são


processos variados e entrelaçados que ocorrem no seu interior”.
No entanto, o modelo de organização da sociedade, nesse proces-
so, tem gerado diversos problemas socioambientais, na verdade,
tem-se uma crise, diante do volume e da intensidade dos problemas
decorrentes dessa relação assimétrica sociedade natureza, gerando
como destacam Bacci e Pataca (2008, p.211) “aumento da pobreza,
na falta de saneamento básico, na poluição dos rios e aquíferos, na
derrubada das matas, na expansão agropecuária, na urbanização e
industrialização, na ocupação das áreas de mananciais, na má ges-
tão dos recursos hídricos disponíveis.”
Entretanto, para superar o quadro catastrófico destinado à nature-
za e ao ambiente dos rios, é necessário discutir um novo modelo
de gestão hídrica, inserindo-se a escola nesse processo. Além dis-
so, de forma imediata é imprescindível construir uma proposta de
gestão, como coloca Tucci (2008, p.97) que o ambiente “atenda às
necessidades da população, garantindo harmonia do homem e da
natureza”. E a interdisciplinaridade nas escolas contribui com essa
visão holística e integrada do rio na sociedade, auxiliando na gestão
ambiental e hídrica enquanto exercício de cidadania.

A INTERDISCIPLINARIDADE COMO COMPREENSÃO DA


PROBLEMÁTICA DA ÁGUA PELOS ALUNOS

A interdisciplinaridade não é uma sugestão metodológica que se im-


põe como um caminho pré-definido, pelo contrário, exige-se a cria-

402
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

ção de seus próprios artifícios, que sejam coesos com os objetivos


que se pretende alcançar. Desta forma, não existem modelos de in-
terdisciplinaridade, mas uma caminhada metodológica baseada nos
diálogos das áreas.
Diante da degradação das águas urbanas dos rios, faz-se necessário um
esforço de contribuição dos conhecimentos das disciplinas de Geogra-
fia, História e Ciências, no ensino fundamental, para compreensão e in-
terpretação da totalidade da problemática da água pelos alunos.
É a partir deste contexto que se constrói o sujeito na sociedade. O
momento, como menciona Morin (2003), repensar a reforma é re-
formar o pensamento, é o ponto de partida para superar a estrutu-
ra irreflexiva que reproduz o ser no mundo. Não podemos olhar os
elementos que formam o lugar onde se vive, por diversas lentes dos
saberes, mas devemos buscar o conhecimento através da percep-
ção do sujeito em diálogo com os saberes.
No entanto, a compreensão do conhecimento se dá primeiro com a
percepção. O aluno visualiza e reflete o que está percebendo e, ao
dialogar com a escola disciplinar, fruto da ciência moderna, bifur-
cam por diversos caminhos que não alcançam de maneira organi-
zada o conhecimento. A solução, desta forma, seria uma mudança
metodológica que os saberes dialogassem.
Assim, a integração da interdisciplinaridade e da percepção, possi-
bilita um conhecimento holístico e compreensivo no ambiente es-
colar. Freire (2001, p.261) corrobora dizendo que “a experiência da
compreensão será tão mais profunda quanto sejamos nela capazes

403
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

de associar, jamais dicotomizar, os conceitos emergentes da expe-


riência escolar aos que resultam do mundo da cotidianidade”.
Como afirma Morin (2003, p.100), “a sociedade produz a escola, que
produz a sociedade”, desta maneira, os professores promovendo
um ensino integrado, pelo diálogo dos saberes, nos ambientes es-
colares, oferecerão aos alunos a possibilidade de enxergar o conhe-
cimento de forma viva e significativa. Contribuindo, assim, para uma
reflexão sobre o protagonismo dos alunos na sociedade.
Desta forma, a compreensão pelo aluno, do uso sustentável da nature-
za depende da visão interdisciplinar: “O trabalho interdisciplinar faz di-
retamente apelo à reflexão. Desdobra-se sobre saberes já constituídos
a fim de instaurar, sobre eles, uma crítica” (CARVALHO, 2009, p.232).
Segundo Bacci e Pataca (2008, p.219), “os estudos podem partir do
conhecimento das bacias hidrográficas como eixo norteador e res-
gatar a história ambiental local, a fim de desenvolver nos estudantes
uma visão integrada dos diferentes fatores”.
Portanto, o ensino dos saberes, de forma interdisciplinar sobre a
água produz uma aprendizagem libertadora. A educação, dentro
de uma perspectiva metodológica de participação ativa do alunado,
possibilita a atuação de cidadãos atuante nas causas ambientais.

A SALA DE AULA COMO REFLEXÃO DA ÁGUA

Os corpos hídricos são utilizados no mundo de diversas formas,


como, por exemplo,na geração de energia, no abastecimento para
consumo humano, na irrigação para o cultivo de alimentos, na na-

404
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

vegação e na pesca. A partir da década de 1960, houve uma intensa


degradação da natureza pela ação do homem.
Tundisi (2014) lista as diversas formas de degradação das bacias hi-
drográficas, entre elas, podem-se citar: desmatamento e erosão do
solo, poluição atmosférica e contaminação do ar, solo e água, degra-
dação de rios (construção de canais, construção de reservatórios,
hidrovias), e degradação das várzeas, entre outras.
Assim, nas aulas de geografia, foram realizados diálogos com os alu-
nos do 6º ano do ensino fundamental, na Escola Estadual Professor
Benedito de Oliveira, localizada no bairro São Conrado, no município
de Aracaju, no Estado Sergipe, acerca do rio Pitanga, objeto de es-
tudo desse artigo. Esse é afluente da margem direita do rio Sergipe,
possui maior extensão e nascente localizado no município de São
Cristóvão. Parte do seu curso percorre o bairro Santa Maria no tre-
cho que abrange a avenida Dom Um (Imagem 1).
IMAGEM 1 – Trecho do Rio Pitanga no Bairro Santa Maria-Município de Aracaju/SE. 2017.

FONTE: Google Maps, 2017

405
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Assim, verificou-se, no rio, um intenso processo de degradação am-


biental (Foto 1), o registro fotográfico revela o processo antrópico,
através dos lançamentos de dejetos realizados no rio, como lixo e
efluentes domésticos, que o torna poluído e visualizado mediante a
coloração escura.
FOTO 1. Degradação Ambiental nas Águas do Rio Pitanga-Bairro Santa Maria. Aracaju/SE. 2016

FONTE: Valtenisson Oliveira, 2016.

O universo da pesquisa, foi composto por 110 alunos (distribuídos


nas turmas: 6º D, 30 alunos, 6º E, 30 alunos, 6º F, 25 alunos, e 6º G, 25
alunos). As atividades foram desenvolvidas nos dois primeiros horá-
rios de aula, com duração de cada horário de 50 minutos.
O plano de aula, nesta temática, teve como objetivo central com-
preender a produção das relações socioambientais na bacia hidro-
gráfica. Deste modo, os caminhos metodológicos para alcançar tal
finalidade foi: compreender a sociedade como parte do ambiente,
enxergar a importância da água na sociedade, conhecer a degrada-

406
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

ção ambiental como processo histórico, discutir a interdisciplinari-


dade, refletir sobre os caminhos para a recomposição da visão inte-
grada do homem.
Para compreender a sociedade como parte do ambiente, estimula-
mos os alunos a pesquisarem sobre bacia hidrográfica, utilizando
como conteúdo base o texto do livro didático (BOLIGIAN, 2012, p.
87). Em seguida, foi realizada a técnica da observação da imagem,
para, na sequência, realizarmos o debate com base na pergunta pro-
blematizadora: o que o homem precisa para estar vivo? As respostas
mais frequentes registradas foram “água, ar, terra e o sol”. Parti-
mos, então, para identificar a degradação ambiental presenciada
nesses elementos. O sol nenhum registro. A Terra, derrubada das
árvores. O Ar, as queimadas. E a água, a poluição dos mangues com
lixo e esgoto. Na sequência, questionamos se alguém se manifestou
contrário ou realizou alguma ação para impedir a degradação am-
biental mencionada. Porém, todos relataram que não, e justificaram
suas atitudes, ou por sentirem vergonha, ou receio em se manifes-
tar ou por considerar a ação desnecessária.
Percebe-se que os alunos compreendem a importância dos elemen-
tos condicionais para existência dos seres humanos, mas quando se
trata de viver a prática da relação integrada sociedade natureza e
do discurso ambiental, ocorre um distanciamento. Morin (2003, p.
37) corrobora para discussão afirmando, “Conhecer o humano não é
separá-lo do Universo, mas situá-lo nele. [..]“Quem somos nós?”é in-
separável de “Onde estamos, de onde viemos, para onde vamos?”.
Desta forma, é necessário instigar os alunos para que se enxerguem
como parte do ambiente. Por isso, o objetivo dessa etapa foi iden-

407
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tificar a percepção dos alunos sobre o rio. Assim, foi aplicado um


questionário, contendo seis questões abertas e uma fechada; so-
licitou-se, no primeiro momento, a resposta das quatros questões
iniciais, após resolução destas, houve a explicação da localização do
rio Pitanga, e iniciou-se a resolução das três ultimas questões.
1. O que é um rio?
2. Desenhe o seu rio.
3. Existe rio no percurso do seu dia-dia? Se sim, diga o nome ou
localização do rio.
4. Você sabe onde se localiza o rio Pitanga?
5. Sabendo-se da localização do rio Pitanga, você acredita que ele
é um rio? Justifique sua resposta. (Observe as respostas das
questões 1 e 2)
6. Descreva o ambiente do rio Pitanga.
7. Desenhe o rio Pitanga.
As duas primeiras perguntas buscaram-se identificar o conceito de
rio dos alunos, na sua forma escrita e artística, as respostas associa-
ram o rio: a um curso, fauna, flora e água (representado na cor azul)
identificando o rio como não poluído. Assim, as cores do desenho
(Foto 2) e as respostas escritas (Tabela 1) demonstram a predomi-
nância da construção de um rio, sem degradação ambiental e sem a
presença do homem.
FOTO 2 – Desenho do aluno

408
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FONTE: Valtenisson Oliveira, 2017.

Esse rio desenhado representa o que a condição humana precisa


para viver, mas não são os rios da sua vivência, e o mais interessante
o homem não se insere nessa construção simbólica. Enfim, as dico-
tomias são visualizadas entre o modelo de rio projetado e o modelo
de rio de sua vivência, e entre o conceito de rio sem homem (natu-
reza) e o rio com o homem (espaço humanizado). “É total a separa-
ção entre a natureza e o ser humano. ” (SANTOS, 2010, p. 49)
TABELA 1 – Amostra das respostas dos alunos sobre: O que é um rio?
“Poça de água grande” Aluno 1.

“Um buraco cheio de água” Aluno 2.

“Espaço que passa água” Aluno 3.

“É uma valeta bem larga e funda cheia de água, do lado e da outra cheia de árvores e ani-

mais” Aluno 4.
FONTE: Atividade da sala de aula 2017.

409
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

As respostas das questões 3 e 4 constatou uma grande unanimidade


da invisibilidade e do desconhecimento do rio Pitanga pelos alunos,
e com esclarecimento da localização do rio, e as repostas das ques-
tões 5, 6 e 7 apresentaram aos alunos o rio degradado que está, e
o desafio de fazer enxergar os alunos o rio que existe na bacia hi-
drográfica. A visão do trecho do rio, faz o aluno não enxergar a sua
totalidade, e Santos (2010) vai indicar como causa o reducionismo
da ciência moderna.
TABELA 2 - Amostra das respostas dos alunos: O Pitanga é um rio?
“Não. Porque é cheio de lixo” Aluno 1.

“Não. Acho que ele é poluído, parece mais um esgoto” Aluno 2

“Não. Porque parece uma maré cheia de lixo” Aluno 3.

“Não. Por que parece uma fossa” Aluno 4.

“Não. Porque é muito poluído. ” Aluno 5.

FONTE: Atividade da sala de aula 2017.

Após a identificação da percepção dos alunos, foi utilizado o livro di-


dático (Foto 3) para torna visível a totalidade do rio Pitanga na bacia
hidrográfica. O capítulo sobre águas continentais e, principalmente,
no tema bacia hidrográfica, observou-se as imagens, a estruturação
e o conceito da bacia hidrográfica.

410
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FOTO 3 – Livro Didático do 6º ano

FONTE: Valtenisson Oliveira. 2017.

Deste modo, para entender o rio Pitanga como produto da totalida-


de das relações socioambientais estabelecidas na bacia hidrográfica,
foi apresentado para os alunos o mapa aerofotogramétrico (Foto
4): “A bacia hidrográfica pode ser tomada como local das atividades
voltadas para ensinar o método geral de conceber a história da água
no planeta”(BACCI e PATACA, 2008, p. 219).
A partir dele, foi possível visualizar as formas espaciais construídas
pela ocupação da sociedade, demonstrando a localização do rio Pi-
tanga na bacia hidrográfica do rio Sergipe, e concebendo a expli-
cação holística, através da interdisciplinaridade, a História (com ex-
plicação no tempo do ambiente do rio Pitanga), Geografia (com a

411
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

explicação das formas espaciais), Matemática (com os cálculos de


distância, utilizando o mapa) e a Ciência (com as espécies de seres
vivos que desenvolvem no rio Pitanga).
FOTO 4 – Mapa Aerofotogramétrico de Sergipe

FONTE: Valtenisson Oliveira. 2017.

Portanto, uma das maiores dificuldades na sociedade, é desconstruir


o ideal individualista e mercadológico do ambiente. O despertar nos
alunos por um modelo que contemple a satisfação permanente das
necessidades humanas e a manutenção das propriedades naturais
da água do rio, de maneira sustentável, é o modelo paradigmático
necessário para relação homem/natureza.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As análises contribuíram para compreender a relação homem e na-


tureza. Assim, observou-se que os usos do rio são definidos pela to-

412
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

talidade do espaço, ou seja, pela relação dos grupos sociais que agem
na bacia hidrográfica e os sistemas produtivos do espaço geográfico.
O corpo hídrico é precioso e seu manejo deve implicar procedimen-
tos capazes de preservar suas qualidades, evitando assim que de-
grade e se esgote. Portanto, para manter seu uso, além da formação
da consciência social a respeito, necessita-se estabelecer uma políti-
ca de gestão de águas firmados em modelos de utilização racional.
Deste modo, a interdisciplinaridade nas escolas é uma etapa eficaz
na condução da problemática da água. Entretanto, é necessário en-
tender que a abordagem busca retotalizar o conhecimento, para
compreender as relações envolvidas com água.
Por conseguinte, a análise sobre a relação homem e rio, buscou refletir as
problemáticas que são geradas, quando não se pondera no uso da água,
o pensamento de preservação da vida humana. Assim, a discussão sobre
a água nas escolas objetiva, também do educando, uma postura reflexi-
va, proativa e disseminadora do uso racional da água no espaço vivido.
É imprescindível ressaltar que as propostas metodológicas sobre
a problemática paradigmática do conhecimento, buscam uma res-
posta à crise civilizacional. Assim, o conhecimento holístico pela so-
ciedade, busca religar o homem a natureza que sempre esteve pre-
sente, encontrado apenas essa relação nas sociedades tradicionais.
Por isso, é importante expor, através das provocações aos alunos,
o conhecimento empírico construído pela sociedade, para que se
possa enxergar quem somos nós em nossos discursos e prática no
ambiente. E a partir disso, trabalhar o exercício do protagonismo
dos alunos na gestão ambiental hídrica do espaço vivido.

413
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

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414
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

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TUNDISI, José Galizia.Recursos hídricos no Brasil: problemas, desafios e es-
tratégias para o futuro.Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2014.

415
Educação ambiental: uma contribui-
ção para (re) significação do
saber ambiental

Gilmara de Souza Neto1


GenésioJosé dos Santos2

INTRODUÇÃO

Esse artigo é resultado de algumas leituras que nos fizeram refletir


acerca da percepção ambiental. Nestas leituras e nos temas aborda-
dos como: Complexidade, Ética Ambiental, Percepção, Interdiscipli-
naridade, Transdisciplinaridade, concepções epistemológicas, entre
outros, nos fizeram repensar as problemáticas ambientais e, sem
dúvida, ressignificar nossa percepção.

1 Mestranda em Ensino das Ciências Ambientais (Universidade Federal de Sergipe – PROF-


CIAMB/UFS). Especialista em Educação de Jovens e Adultos (FANESE); Graduada em
Geografia (UFS). Membro do Grupo de Pesquisa Território, Cultura e Representações/
CNPq. Professora da Rede Estadual de Ensino (SEED/SE).E-mail: gilmarageo17@gmail.
com. http://lattes.cnpq.br/5044629008929138
2 Professor Adjunto e Vice Chefe do DGE/UFS - Líder do Grupo de Pesquisa Território, Cultura
e Representações/CNPq. E-mail:genesio250754@gmail.com
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Diante do despertar conceitual, propomo-nos a desenvolver, junto


aos estudantes do Colégio da Rede Estadual de Ensino de Aracaju,
uma possível ressignificação do saber ambiental, no entanto, faz-se
necessário transpor as barreiras, os limites preestabelecidos pelo
conhecimento especializado. Desta forma, foi preciso desenvolver
o projeto intitulado de Sergipe: nossas paisagens, nossas memórias,
com o intuito de promover a integração entre as áreas do conheci-
mento dentro de uma abordagem interdisciplinar a partir da propos-
ta da Educação Ambiental. Vamos esclarecer que, de acordo com
as macrotendências político-pedagógicas da Educação Ambiental,
existem, atualmente, três tendências que se destacam: a conserva-
cionista, a pragmática e a crítica.
Tais macrotendências político-pedagógicas, de acordo com Layrar-
gues e Lima (2014), estabelecem-se a partir de visões mais ampliadas,
contudo, a corrente conservacionista e a corrente pragmática, como
denunciam as práticas pedagógicas, vão atuar apenas como forma de
mitigar as problemáticas ambientais. Desta maneira, não se busca re-
solver ou esclarecer as causas do problema, mas se aponta equivoca-
damente as consequências, assim para Layrargues e Lima (2014) ama-
crotendência conservacionista “se expressa por meio das correntes
conservacionista, comportamentalista, da Alfabetização Ecológica”,
assim esta tendência tem como fundamentação:
A interpretaçãoe o discurso conservacionistas que conquista-
ram a hegemonia do campo da Educação Ambiental no Brasil em
seu período inicial foram vitoriosos, entre outras razões, porque
se tornaram funcionais para as instituições políticas e econômi-
cas dominantes, conseguindo abordar a questão ambiental de
uma perspectiva natural e técnica, que não colocava em ques-
tão a ordem estabelecida (LIMA, 2011, p. 149).

417
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Neste sentido, a concepção conservacionista traz, em seu corpo,


uma proposta eminentemente simplista, pois não questiona a es-
trutura social vigente em sua totalidade, desvinculando aspectos
essenciais como a política, a economia, a cultura, entre outros, es-
vazia-se o sentido de reflexão sobre as questões ambientais. A ver-
tente pragmática aparece como uma derivação da corrente conser-
vacionista, apresentando apenas soluções para problemática do lixo
urbano-industrial nas cidades, como um dos temas cada vez mais uti-
lizados nas práticas pedagógicas, ignorando os agentes produtores
do lixo e o elevado consumismo como uma prática social inadequada,
confirma-se como correspondente dos interesses mercadológicos.
Com a ampliação das discussões em torno da Ecologia Política, foi
possível ressignificar a identidade da Educação Ambiental, desen-
volve-se, então, a tendência crítica, com uma visão emancipatória,
transformadora e popular,
Isso porque essa opção pedagógica se nutriu do pensamento
Freireano, dos princípios da Educação Popular, da Teoria Críti-
ca, da Ecologia Política e de autores marxistas e neomarxistas
que pregavam a necessidade de incluir no debate ambiental a
compreensão dos mecanismos da reprodução social de que a
relação entre o ser humano e a natureza é mediada por relações
socioculturais e de classes historicamente construídas (LAYRAR-
GUES; LIMA, 2014).

A partir da apresentação das macrotendências politicas-pedagógi-


cas, temos ciência, de que a corrente crítica se apresenta como a
mais coerente e completa, atendendo aos nossos anseios, portanto,
se estabelece como nossa linha de pensamento, confirma-se como

418
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

nosso campo de abordagem na Educação Ambiental que procura-


mos desenvolver junto aos estudantes.
Diante da perspectiva crítica, elaboramos um incipiente projeto em
Educação Ambiental, que tem por objetivo promover o conheci-
mento e o reconhecimento das manifestações culturais em Sergipe,
resultado das expressões dos povos indígenas, africanos e portu-
gueses que neste espaço se entrelaçaram, assim como apresentar o
estudo dos territórios e das territorialidades que, para Saquet (2009,
p. 88), “elas dão-lhes identidade e são influenciadas pelas condições
históricas e geográficas de cada lugar”, assim fazendo análises das
forças, das lutas de poder que se desenrolaram neste substrato es-
pacial, avaliando os elementos naturais e aqueles transformados
pelo trabalho humano dentro da perspectiva da Educação Ambien-
tal, com o intuito de reestabelecer as complexas relações socioam-
bientais, partindo do conhecimento local para o geral/ global.
Dentro dessa proposta, temos como objetivos específicos: 1. Elen-
car as atribuições da Educação Ambiental, com objetivo de esclare-
cer os movimentos que colaboram para expansão desta concepção
de ensino, numa perspectiva interdisciplinar; 2. Celebrar a vida em
seus mais amplos aspectos, buscando desenvolver nos estudantes
a capacidade de reflexão acerca de posturas sustentáveis no intuito
de integrar os ambientes, repensar a nossa Casa: o planeta Terra em
comunhão com a sociedade; 3. A promoção do protagonismo estu-
dantil, através de ações pautadas na participação efetiva dos estu-
dantes no desenvolvimento de habilidades e na busca pelo saber; 4.
A possível ressignificação docurrículoescolar, procurando aproximá-lo
da realidade vivenciada em nosso Estado; 5. Apresentar algumas das

419
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

produções e manifestações socioculturais do nosso povo e socializá-


-las com a comunidade escolar, assim como possibilitar conhecimentos
econômicos, políticos e físicos concernentes ao estado de Sergipe; 6.
Provocarreflexões relacionadas aosprocessos sociais quepromovem
preconceitos, discriminações e racismos; e, finalmente, 7. Despertar
uma consciência coletiva e de solidariedade, na qual o trabalho de um
interfere/contribui para o trabalho do outro.
Diante das atividades metodológicas, o que exatamente nós quere-
mos ressignificar? Pretendemos fazer com que os estudantes com-
preendam que o saber ambiental está em tudo e deve estar em to-
dos, reestabelecer o conceito de complexidade, retomar os saberes
das complexas relações entre o homem e os ambientes no sentido
de transpor o conhecimento tão violentamente esfacelado. Deacor-
do com Leff (2007, p.43), “o desenvolvimento da sociedade no seu
meio ambiente e as suas interações são processos naturalmente
interdisciplinares”, neste sentido, seria preciso ressignificar a per-
cepção ambiental, se fazer entender que o ambiente está em nosso
cotidiano, nas nossas práticas e atitudes diárias, faz-se necessário
uma reconexão das áreas do conhecimento, numa visão holística,
provocando a compreensão de que tudo está interligado, que há
uma interdependência.
Em consonância com Leff (2007), entendemos que, para alcançar
o saber ambiental, é preciso articular as emoções, fazer o outro
compreender a necessidade de interagir com o ambiente e sentir-se
parte dele. Proteger os biomas (os ecossistemas), proteger nosso
planeta, proteger a humanidade e as variadas formas de vida.

420
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Precisamos provocar nos estudantes uma mudança de comporta-


mento, um olhar mais crítico diante da arrebatadora propaganda
midiática, na qual se evidenciam manipulações das relações sociais
e suas práticas, estas com o intuito de nos convencer a consumir
desatinadamente. A programação midiática persiste em promover
a omissão dos fatores da degradação, negligencia os processos de
envenenamento dos ambientes, promove o comprometimento da
vida (da fauna e da flora), alimenta uma cultura de exploração do
homem pelo homem para a otimização dos lucros, em benefício
dos agentes mercadológicos. Pensamos que, para extinguir este
processo alienatório, como orienta Leff (2007, p.44), seria preciso
uma “ruptura epistemológica em diferentes paradigmas do conhe-
cimento, que gera a emergência do saber ambiental e sua possível
‘internalização’”.
Assim, podemos concluir que é necessário mudar o filtro, trazer no-
vos sentidos para a verdadeira compreensão do saber ambiental,
este, com um sentimento de pertencimento interiorizado, como
uma promoção da vida, trazendo-o para o campo das emoções, das
prioridades sentidas. Buscar transcender o conhecimento, levar o
saber ambiental ao campo da racionalidade corporificada.

COMO (RES) SIGNIFICAR O SABER AMBIENTAL?

Há uma pergunta que não quer calar: como ressignificar o saber


ambiental? Procuramos em dicionários alguns significados sobre o
que seria ressignificar. Encontramos definições que apontam para o

421
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

sentido de que ressignificar seria dar novo significado de algo ou de


alguém ou fazer novo significado de algo ou de alguém.
Sendo assim, entendemos que ressignificar seria uma das
capacidades que possuímos e quase não percebemos, de rever
situações, acrescentar novos elementos, compreender algo ou al-
guém de uma nova maneira, darmos um novo sentido àquilo que já
estava cristalizado em nosso sistema de valores e crenças.
A partir dessa reflexão, o que buscamos então ressignificar? Temos
a compreensão de que a disciplina de geografia é, por si só, inter-
disciplinar, pois esta ramificação da ciência dialoga com várias áreas
do conhecimento, pois ela (a geografia) sempre bebe em diversas
fontes. Isto é um privilégio diante da hiperespecialização do conhe-
cimento, contudo, afirma Leff (2007, p.43)que “A interdisciplinari-
dade ambiental estabelece a transformação dos paradigmas esta-
belecidos do conhecimento para internalizar um saber ambiental”.
Então, para que se estabeleça uma transformação dos paradigmas,
como propõe Leff, seria preciso transcender o que entendemos
atualmente como prática de ensino. As metodologias escolares
continuam pautadas em disciplinas isoladas que pouco dialogam.
Temos a impressão de que, na escola, por mais que se discutam as
questões ambientais, não há necessariamente um entendimento do
que realmente propõe a Educação Ambiental. As discussões acer-
ca das problemáticas ambientais estão sendo trabalhadas de forma
isolada, como se fossem elementos a parte ou externos a nós, às
vezes, como se pertencessem exclusivamente as conhecidas “ciên-
cias naturais”.

422
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Vamos destacar algumas das características acerca da interdiscipli-


naridade em acordo com a Educação Ambiental, para Dias (1992): a)
Aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo espe-
cífico de cada disciplina, de modo que se adquira uma perspectiva
global; e b) Destacar a complexidade dos problemas ambientais e,
em consequência, a necessidade de desenvolver o senso crítico e as
habilidades necessárias para resolver tais problemas.
Neste sentido, buscamos estabelecer atividades que promovam uma
integração do conhecimento, condensando, momentaneamente, as
disciplinas curriculares. Com a efetivação do Projeto Sergipe: nossas
paisagens, nossas memórias, pudemos aplicar ações metodológicas
que contribuem com a Educação ambiental e consequentemente
com o saber ambiental. Observe a tabela abaixo para compreensão
das atividades propostas.
QUADRO: Procedimentos Metodológicos Gerais

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS GERAIS

Excursão pedagógica direcionada a turma do Primeiro Ano do


Ensino Médio. Nosso destino: Comunidade do Pontal da Barra,
1. Excursão pedagógica
município de Barra dos Coqueiros/SE. Com o objetivo de se
fazer uma análise socioambiental.
De acordo com a temática sugerida em torno das microrregiões
sergipanas, cada turma escolhe dois ou três oradores que
2. Seminário apresentem em resumo os aspectos ambientais (elementos
naturais e socioculturais) da região especificada, e ministrar
breve palestra para todas as outras turmas da escola.
Todos os estudantes e seus trabalhos estiveram sob a orientação
dos professores para pesquisa especificada. A partir da proposta
3. Pesquisa da Educação Ambiental, aulas foram ministradas para as turmas
sobre os aspectos socioambientais gerais de Sergipe (cultural-
Bibliográfica -histórico, economia, aspectos morfoclimáticos, entre outros),
além de pesquisa individual apresentada ao professor como
parte da avaliação. Objetivando inseri-los no contexto temático.

423
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS GERAIS

Através de pesquisa historiográfica, vídeos, documentários, en-


tre outros, os estudantes passaram a conhecer de forma mais
4. Apresentações
aprofundada as tradições culturais e reconhecer a importância
folclóricas
dos grupos folclóricos de Sergipe. A partir destas pesquisas, foi
possível prepará-los para as apresentações culturais.
Propomos para todas as turmas a construção de: Literatura de
Cordel, painel imagético/informativo, maquete e H.Q (história
5. Exposição dos em quadrinhos). Estes trabalhos serão roteirizados pelas pes-
trabalhos quisas orientadas e de acordo com a microrregião pré-definida
para as turmas. No dia da culminância serão expostos para
própria comunidade escolar apreciá-los, onde serão avaliados.
FONTE: Projeto Sergipe: nossas paisagens, nossas memórias.

ORGANIZAÇÃO: Gilmara de Souza Neto

Nos procedimentos metodológicos gerais, demonstramos as ações


empreendidas com a intenção de articular as pesquisas bibliográfi-
cas e as ações pedagógicas. Estas ações pedagógicas procuraram
criar uma ponte entre o conteúdo e a realidade do nosso Estado. As
atividades foram extensivas para todas as turmas do turno matuti-
no da escola onde os trabalhos foram realizados. Com essas ativi-
dades, pretendemos avaliar tanto a participação individual quanto
o trabalho coletivo, para tanto, fez-se necessário aplicar atividades
no último bimestre, direcionadas para o citado projeto com o intuito
de que progressivamente se estabelecesse uma relação de aproxi-
mação entre o conteúdo e o conhecimento em parte da realidade
deste Estado, ao mesmo tempo em que buscávamos desenvolver
os trabalhos em equipe.
Então, propomos que cada turma escolhesse uma das 13 microrre-
giões do estado de Sergipe, com exceção dos sétimos anos e o tercei-
ro ano do Ensino Médio, que ficaram com subtemas gerais (biomase

424
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

antropoceno), por conta das pesquisas que já estavam em andamen-


to nestas turmas aplicadas pela professora da área de Biologia. Poste-
riormente, cada turma foi dividida em seis subgrupos, que se respon-
sabilizaram por um dos subtemas sugeridos, que ficaram organizados
assim: grupo a) literatura de Cordel; grupo b) palestra; grupo c) ma-
quete; grupo d) H.Q (História em Quadrinho); grupo e) painel imagé-
tico e o grupo f) apresentação de dança folclórica.
Durante o desenvolvimento do projeto, ocupamos a sala de leitu-
ra com a aprovação da equipe gestora e dos docentes. Nesta sala,
mesas bem amplas serviram de apoio para a construção das maque-
tes, para a confecção dos painéis, elaboração dos cordéis, roteiriza-
ção das histórias em quadrinho, entre outros. No acervo da escola,
constam 12 exemplares de um excelente Atlas Geográfico de Sergi-
pe (Organizado pela professora Dra. Vera França), onde parte das
pesquisas foram feitas, também acessamos outras fontes através
de pesquisa online. O acesso às informações foi facilitado, na medi-
da do possível, pois temos consciência das limitações econômicas e
sociais da maioria dos estudantes daquele espaço de ensino.
Podemos destacar o prestimoso envolvimento dos educandos, que
dividiram uma única sala para construção dos produtos, onde a cola-
boração entre eles e as próprias turmas, se manifestaram de modo ex-
tremamente benéfico. Os grupos de danças folclóricas intercalaram
os horários, para ter acesso à sala de multimídias, onde compartilha-
vam uma única caixa de som necessária para os ensaios.
No decorrer dos processos de pesquisa e do desenvolvimento dos
produtos, todos foram continuamente avaliados. As anotações
eram feitas cotidianamente e ao final dos trabalhos foram contabi-

425
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

lizados o envolvimento e o comprometimento dos discentes, além


da qualidade dos produtos que os estudantes construíram. Ao final
do bimestre, com as pesquisas e os trabalhos concluídos, apresen-
tamos para a comunidade escolar. A culminância foi organizada em
dois dias, nos quais se alternaram as exposições dos produtos, pa-
lestras e as apresentações folclóricas.
Todas essas ações e produções foram voltadas para um sentido am-
biental, para uma melhor compreensão da Educação Ambiental. Se
a nossa intenção é desenvolver uma ressignificação do saber am-
biental dos estudantes, então precisamos desenvolver um olhar di-
ferenciado, uma postura renovada com a finalidade de alterar o sig-
nificado estabelecido, pois percebemos através dos debates, rodas
de conversa, e exercícios direcionados (com questões pertinentes à
temática) que os atuais significados estão dotados de graves distor-
ções entre o ser e o ambiente, apontando para os variados aspectos
da separação cartesiana.
Ressignificar os saberes, especificamente o saber ambiental, acredi-
tamos que seja um trabalho de notável relevância para a educação,
pois, diante das atuais necessidades da relação de ensino e aprendi-
zagem, precisamos redirecionar nossas práticas educativas na ten-
tativa de ampliar a percepção ambiental destes estudantes.
No sentido de ampliar nossas avaliações, recorremos a outros ins-
trumentos/procedimentos tais como: registros em vídeos e foto-
grafias, jogos (roleta-ambiental, trilha, bingo), palavras cruzadas,
desenho em folha com a temática do projeto, os próprios produtos
construídos pelos estudantes (maquetes, H.Q, literatura de cordel,
painel imagético, danças folclóricas) também fizeram parte do re-

426
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

pertório de práticas/procedimentos, nos quais os estudantes, atra-


vés da arte e literatura, puderam expressar substancialmente o seu
olhar sobre aquela temática socioambiental.
Para compreendermos as relações entre a comunidade escolar e a
sociedade, nos direcionamos em uma linha teórica fenomenológica,
usamos de procedimentos metodológicos que, de acordo com Tri-
viños (1987, p. 150), “o objetivo seria o de atingir o máximo de cla-
reza nas descrições dos fenômenos sociais”, ou seja, através destas
metodologias, foi possível identificar ou mesmo perceber, a possi-
bilidade de se fazer uma análise através das respostas às ações e as
práticas pedagógicas efetivadas durante e após o projeto.
Diante de uma perspectiva de reanálise das bases epistemológicas
de fundamentação do pensamento escolar e naturalmente do currí-
culo, evidencia-se a necessidade de buscar uma nova compreensão,
um novo sentido/significado do saber ambiental, precisamos, então,
atuar nas bases sob as quais se manifestam o conhecimento.
Percebemos que, na atual situação escolar, o conhecimento está
dividido, está compartimentado em disciplinas que quase não dia-
logam, e isso tem dificultado a ampliação da percepção. Acabamos
por não relacionar as partes, desestruturando o conhecimento
como o todo, entendemos que a educação escolar fica assim fra-
gilizada, o ensino fragmentado e o aprendizado, de acordo com a
nossa percepção, fica bruscamente prejudicado.
A fragmentação do saber produz um desconhecimento, uma “ce-
gueira”. A escola corrobora com tais práticas fragmentatórias, os
professores, talvez de forma impensada ou não, trabalham junto as

427
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

“suas” disciplinas de modo isolado, desconectando o conhecimen-


to que tem uma base única. Diante do conhecimento esfacelado, os
estudantes acabam criando grandes dificuldades em contextualizar,
de integrar os saberes.
O currículo tem sido uma das ferramentas de perpetuação destas
práticas individualizadas, desconectadas, pois se estabelece de for-
ma verticalizada, organizando a escola por espaços pré-definidos
e determinantes através da estrutura disciplinar. Podemos pensar
o currículo como sendo também instrumento de formação ideo-
lógica, assim, para Silva (2003, p.24), “O currículo é um dos locais
privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, representação e
domínio, discurso e regulação”. De maneira intencional, o currículo
permeia as relações entre os sujeitos que habitam o espaço escolar,
o currículo oculto se evidencia na postura, nas falas, nas tomadas
de decisões daqueles que gerenciam as ações na escola. Para Silva
(2003,p.25), “O currículo corporifica relações sociais”.
Para relacionar o conhecimento e contextualizá-lo, devemos ter a
preocupação em integrar as atividades e conteúdos das diferentes
áreas do saber ministradas na escola e costurá-las com a realidade
vivenciada pela comunidade escolar. Este desafio tem o intuito de
contribuir com o processo de ressignificação do saber ambiental dos
estudantes. Instigar a capacidade de interrelação entre os grupos
envolvidos, motivar professores e estudantes, trazer o sentido de
cooperação, integração do conhecimento, é uma provável maneira
de dinamizar as práticas pedagógicas e estimular o aprendizado.
Tais práticas pedagógicas, acreditamos, precisam estar em conso-
nância com os objetivos do projeto, nossa busca persiste em conhe-

428
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

cer e reconhecer as questões socioambientais do nosso Estado, por


isso, a excursão a Comunidade do Pontal da Barra, que objetivou
avaliar o modo de vida da Comunidade e a relação desta com o Rio
Japaratuba e suas percepções e concepções ambientais. Conhecen-
do tal comunidade, estariam os estudantes, diante de um recorte
social, mas de um valioso exemplo para percepção ambiental.
Através do olhar investigativo dos estudantes, que precisaram se
despir de certos preconceitos para identificar e analisar dados im-
portantes para apreensão do conhecimento e o desenvolvimento
de uma análise mais aproximada da realidade, construindo alguns
conceitos e, principalmente, reconhecendo e valorizando os sabe-
res populares, que são, em nossa concepção, estes variados aspec-
tos que se fazem primordiais para uma reconstrução do pensamen-
to e reavaliação do conhecimento.
Entendemos que através das pesquisas, dos trabalhos produzidos
por Morin (2003) não há uma negação às ciências, entretanto, há
a necessidade de questionar os meios e as formas como estão sen-
do pautados os pressupostos científicos. Há uma busca para que as
avaliações metodológicas sejam revistas, que sejam reconsidera-
das. Neste sentido, Morin (2007, p.99) afirma que“ O conhecimento
científico elaborou a sua especificidade metodológica, os seus prin-
cípios e as suas próprias regras, que fazem dele um conhecimento
objetivo e universal”.
Diante de uma sociedade que vem se desenvolvendo a partir dos
conceitos e preconceitos orientados pelas bases epistemológicas
da “ciência”, e esta ainda se associou aos interesses do capitalismo
industrial, acabou por firmar um dos pactos mais violentos de explo-

429
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ração e expropriação da humanidade. Estamos inseridos em uma ló-


gica de vida ditada pelos fundamentos capitalistas, que se apresen-
tam de forma devastadora, temos a impressão de que grande parte
da sociedade passou a gostar mais dos produtos que das próprias
pessoas. Temos convicção de que alguns, não poucos, fizeram do
consumismo, do acúmulo de riquezas o seu objetivo de vida. Pas-
samos a cultuar objetos, como diz Leff (2000, p. 24) “coisificamos o
ser” e consequentemente o mundo.
Nesta proposta, fazemos uma reflexão sobre “A perspectiva am-
biental que consiste num modo de ver o mundo no qual se eviden-
ciam as interrelações e a interdependência dos diversos elementos
na constituição e manutenção da vida (BRASIL 2002, p. 173)”. Estu-
dar as relações do homem com a natureza, dentro de uma perspec-
tiva etnológica e ambiental, onde se entrelaçam o meio físico e os
aspectos culturais, com todas as suas representações, iconografias,
signos e significados, nos reporta a ideia de território que, de acordo
com Souza (2000, p.78), “é fundamentalmente um espaço definido
e delimitado pore a partir de relações de poder”, este pensamento
também nos leva a compreensão de que a escola enquanto insti-
tuição formadora e reformadora do conhecimento precisa repensar
suas práticas e interagir com a realidade, assim, preparando os su-
jeitos para compreender tais relações de poder que determinam as
diretrizes das relações socioambientais.
Para tanto, é preciso definir algumas diretrizes regimentais do pro-
cesso educativo no espaço escolar. Segundo Bussmann (1977, p. 38),
o projeto político-pedagógico, “ao ser discutido, elaborado e assumi-
do coletivamente, oferece garantia visível e sempre aperfeiçoável da

430
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

qualidade esperada no processo educativo e, assim, sinaliza o proces-


so educativo como construção coletiva dos professores envolvidos”.
É na análise deste entendimento que se insere a importância coletiva
do projeto político-pedagógico (PPP) da escola. Este instrumento
representa, incontestavelmente, a convergência de falas e sentidos
que por vezes partem de fronteiras divergentes, mas, na escola,
precisam encontrar uma direção e uma forma de caminhar, em
nome da efetivação de uma proposta, da concretização de um pro-
jeto de trabalho.

AVALIAÇÃO E RESULTADOS

Não podemos mensurar, nem mesmo quantificar os valores, os


sentidos, os sentimentos que puderam ser ressignificados durante
e pós o projeto, contudo, podemos perceber nas expressões, nas
atitudes, nas posturas, entre outros, um sujeito que busca continua-
damente um sentido, um propósito de ser e de estar aqui. Respeitar
o outro e se reconhecer no outro, faz-se necessário diante de uma
sociedade que em parte ainda está embrutecida por equívocos pa-
radigmáticos desenvolvidos ao longo da nossa história, onde siste-
mas de competição, seleção e exclusão foram institucionalizados,
provocando certo confronto entre sujeitos, desarmonizando os gru-
pos, promovendo a separação, as segregações entre algumas socie-
dades, perdeu-se o sentido de outridade.
Na semana que se seguiu a culminância, organizamos procedimentos
avaliativos para gerar reais análises e diagnósticos dos nossos traba-

431
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

lhos. Em acordo com os estudantes, organizamos um grupo focal, este


grupo reuniu representantes indicados pelas turmas para discutirmos
as temáticas pertinentes as nossas práticas/ações pedagógicas.
Como são 10 turmas, convocamos os dez representantes das tur-
mas, mais dois dos representantes dos grupos de danças folclóricas
e temáticos, e incluindo a moderadora-mediadora no total formou-
-se um grupo com 13 participantes. Os grupos focais para Verga-
ra (2004, p. 56) “é um grupo reduzido de pessoas com as quais o
pesquisador discute sobre o problema a ser investigado, de modo
a obter mais informações sobre ele, dar-lhe um foco”. A partir
deste grupo foi possível identificar algumas falhas no processo do
projeto e na sua aplicação, assim como demonstrar fatos positivos,
a exemplo da construção de determinados valores, identificação de
comportamentos distintos, enfim ampliação da percepção.
Para ampliar a percepção, acreditamos que seja preciso escutar os
estudantes, entender que o diálogo faz parte do processo, fazê-los
compreender que há necessidade em se discutir temas pertinentes
às questões socioambientais. Em uma linha dialética, precisamos
aprender a ouvir, como a refletir e a questionar.Para vencer o silên-
cio, seria necessário romper com a estrutura hierarquizada da esco-
la, que, por muitas vezes, acaba assumindo uma postura autoritária
e não dialógica.
Para Freire (1979,p.73), “a cultura do silêncio seria produzida pelas
forças dominantes que incapacitam os sujeitos, não os permitindo
se expressar, ou mesmo refletir sobre as condições políticas e a sua
realidade”. Diante da postura antidialógica, os sujeitos são obriga-
dos a ouvir sem se posicionar, dificultando às análises, as reflexões,

432
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

as tomadas de decisões em prol de si mesmo e da sociedade, pois


esta (a sociedade) também se posiciona de modo desarticulado, fa-
vorecendo o opressor.
Através da análise metodológica, dos procedimentos empreendi-
dos a partir da conclusão do supracitado projeto, percebemos que
nossos estudantes conseguiram apreender determinados conheci-
mentos concernentes ao nosso Estado, através das respostas afe-
ridas nos jogos, nas atividades de autoproduções literárias, assim
como puderam reconhecer, em grande parte, o valor embutido nas
tradições culturais, diagnosticado com as apresentações folclóricas.
Estas, por sua vez, trazem em seu corpo a história de um povo, cujo
conteúdo fazemos parte, que precisamos nos reconhecer nestas
expressões folclóricas, desmistificando pensamentos e/ou atitudes
que levem a ações preconceituosas, discriminatórias e/ou racistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que, enquanto educadores, precisamos orientar nos-


sos educandos, sensibilizá-los, encaminhá-los para uma consciência
mais unificada, sinalizando os caminhos para uma sociedade mais
justa, com propósitos coletivos. Entendemos que deve prevalecer
o pensamento de que “todos somos um”. Para isto, necessitamos
desenvolver sujeitos capazes de discernir e atuar em sociedade de
modo equilibrado e raciocinado, promovendo certa harmonia entre
os seres e o próprio planeta.

433
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Então nos perguntamos, será possível ressignificar o saber ambien-


tal dos educandos? Acreditamos que sim. É possível! Contudo, en-
tendemos que não é algo fácil, nem imediatamente quantificável.
Seria um processo contínuo,uma busca por novos conhecimentos,
novas vivências, outros sentidos e percepções que se entrelaçam
formando uma teia para suposições e interpretações continuadas.
Podemos compreender que a educação precisa ter um sentido de
eterna incompletude, pois, ao se tratar de educação nada está aca-
bado, finalizado ou fechado é sempre um recomeço, há sempre uma
necessidade de se repensar.
De acordo com Fazenda (2003, p.12), a “importância da busca da es-
sencialidade, do encontro do sentido da pesquisa e nele o encontro
das ilhas de paz anunciadas”, faz com que compreendamos que, com
o auxílio e a participação do grupo de professores, vamos momenta-
neamente diluir as “ilhas” disciplinares, colocando as suas competên-
cias a disposição de um único sentido, de um tema axiomático. Para
isto, precisamos estender nossas empreitadas para toda comunidade
escolar numa perspectiva interdisciplinar, arrematado com o Projeto
intitulado de Sergipe: nossas paisagens, nossas memórias.
Fazenda (1994, p.22) ainda nos lembra de que o pesquisador do tipo
especial, no caso o interdisciplinar, “empenha-se em reparti-lo com
os outros, principalmente porque percebeu o valor que sua expe-
riência pode ter para seus colegas educadores e para a história da
educação”. Tais experiências, que tratam, em nosso caso, dasques-
tões ambientais,vivenciam aspectos da complexidade, que busca
uma experiência interdisciplinar,nos leva a vislumbrar grandes desa-
fios para a nobre tarefa do ensinar.

434
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Para Freire (2002, p.25), “ensinar não é transferir conhecimento,


mas criar as possibilidades para a sua construção ou a sua produ-
ção”. Alimentar nos estudantes a capacidade investigativa é dar-
-lhes liberdade para buscar o saber. Motivá-los a produzir textos,
redações, argumentações, roteirizar trabalhos e pesquisas sobre
determinados temas, possibilitar a tão almejada consciência críti-
ca nos educandos, promover o desenvolvimento da capacidade de
reanalisar suas próprias produções e comportamentos diante das
necessidades sustentáveis dos ambientes que precisam estar embu-
tidos na sociedade, constituem nossos objetivos.
Portanto, ensinar seria contribuir de forma incisiva para a assunção
de sujeitos. Encaminhar pessoas dispostas a interferir, interagir com
os diversos seguimentos da sociedade. Formar cidadãos capazes de
compreender o local onde se inserem e a relação deste com o mun-
do. Formar sujeitos com a capacidade de avaliar criticamente a sua
atual condição e vislumbrar o seu futuro. Por fim, entendemos que
todo este trabalho de ressignificação do saber ambiental, seria uma
contribuição para formação e a emancipação dos sujeitos.

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437
A educação ambiental no projeto
político pedagógico do projovem
campo saberes da terra

Maria José da Silva Souza1


Núbia Dias dos Santos2

INTRODUÇÃO

A temática da educação ambiental no Projeto Político Pedagógico-


-PPP é um tema deveras importante, principalmente, porque ela
vem assumindo acertada repercussão no meio acadêmico, em detri-
mento da atual necessidade de mudança de atitude perante a rela-
ção sociedade natureza. Tal tema também se demonstra polêmico,
pelo fato de que todo PPP traz implícito, em sua proposta, qual o
modelo de sociedade se pretende formar ou reforçar.

1 Licenciada em Educação Física. Universidade Federal de Sergipe. Mestranda pelo Progra-


ma de Pós-Graduação em Rede Nacional para o Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CI-
AMB/UFS). mariajosessa@yahoo.com.br
2 Doutora em Geografia. Universidade Federal de Sergipe. Professora Associada do Depar-
tamento de Geografia (DGE/UFS) e Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional para o
Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS). nubisantos85@gmail.com
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Dentre as diversas experiências educativas no Brasil, o Projovem


Campo Saberes da Terra configura-se como um programa nacio-
nal de inclusão dos jovens, em educação do campo, implementado
pelo MEC-Ministério da Educação, por meio da SECADI-Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, ao
qual, desde 2008, estados e municípios puderam efetuar a adesão
e o executarem, em parceria com a União. Este tem como finalida-
de proporcionar formação integral ao jovem do campo por meio
de elevação de escolaridade, tendo em vista a conclusão do ensino
fundamental com qualificação social e profissional e potencializar a
ação dos jovens agricultores para o desenvolvimento sustentável e
solidário do campo brasileiro. (BRASIL, 2002).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais-PCN (2005) preveem a Edu-
cação Ambiental, para o sistema de ensino formal, que esta seja
efetuada numa relação de transversalidade, conectada através das
áreas de ensino, a fim de que seja criada uma visão ampla e integral
na prática educativa.
A proposta se justifica dada à possibilidade de que as ciências, re-
presentadas pelas disciplinas/áreas de conhecimento, reflitam,
problematizem e construam um conhecimento que se traduza em
significados que levem a práticas de (re)conexão com o ambiente.
Ambiente entendido como a interligação entre as relações da natu-
reza (fauna e flora) com o homem (individual e social).
Para que isto ocorra, é preciso entender como a ciência moderna
foi concebida e de como influenciou na especialização e individuali-
zação do conhecimento, da educação, da produção, da sociedade e
das pessoas, o que levou a um modo de pensar racional, que dester-

439
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

ritorializou as nações, quando globalizou parâmetros de sociedade,


de família, de economia, de indivíduo, ocasionando uma dissociação
entre o ser e o ter, baseado em um modelo de vida de estímulo ao
competitivismo, ao individualismo, ao consumismo, de forma que o
ter se sobrepôs à essência do ser do homem.
Tudo isto ocasionou uma ruptura, uma fragmentação, uma visão de
natureza/ambiente como recurso a ser explorado, e, para que haja
a (re)conexão, é necessário mudar o pensamento e a prática, para
também influenciar outras pessoas a mudarem, a partir do descorti-
namento do que foi feito na nossa forma de pensar, para que a partir
daí, as práticas educacionais abordem condutas coletivizadas e so-
lidárias, desde o planejamento até a execução, num movimento de
avaliação, replanejamento e continuidade de ações (MORIN, 2010).
Sendo assim, para o estudo e a prática da educação ambiental, aco-
lhemos a contribuição da teoria da complexidade, desenvolvida por
Morin (2010), o qual discute que a fragmentação do conhecimento
do mundo poderá ser substituída por uma compreensão contextuali-
zada, interligada, totalizada do mundo. Da mesma forma, Leff (2016)
nos convida a pensar temas como a complexidade, a interdisciplinari-
dade e o saber ambiental, a fim de que possamos construir um saber
heterogêneo, dialogado, para compreender o mundo de forma con-
textualizada e interligada, possibilitando um novo olhar, para além
do predomínio de alguma área do conhecimento e/ou do saber, mas
fincado na unidade para um saber equilibrado, sem hierarquização
do humano à natureza, gerando, assim, um olhar de unidade e em
detrimento da exploração. Um olhar que ultrapasse a contempla-

440
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

ção, em que o homem seja capaz de olhar para o ambiente e se en-


xergar nele.
Nesse sentido, o presente trabalho visa compreender qual a relação
que o Programa Projovem Campo Saberes da Terra estabelece com
a temática da Educação Ambiental, bem como a que sujeitos edu-
cativos do campo este programa está pretendendo atender, qual a
proposta curricular utilizada e, no Estado de Sergipe, desde quando
e onde o referido programa vem sendo executado.
A pesquisa se justificou por ser pioneira na proposta de temática da
Educação do Campo vinculada à Educação Ambiental, em Sergipe.
Almeja-se, assim, que possa ser utilizada como base para futuros es-
tudos acadêmicos e pedagógicos.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental,


pois, para Gil (2007), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e
artigos científicos. O estudo foi desenvolvido a partir da análise quali-
tativa do Projeto Político Pedagógico do Programa Projovem Campo
Saberes da Terra à luz das concepções da Educação Ambiental.
Dentre as várias concepções de Educação Ambiental, acolhemos a
definição de Layrargues (2014), denominada Educação Ambiental
Crítica, por entendermos que ela se conjuga com o pensamento da
complexidade (MORIN, 2010), ao discorrer que as questões ambien-
tais impõem soluções abrangentes e não reducionistas, e, além de

441
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

incluir na sua significação o conjunto complexo da existência con-


temporânea, considerando o social, o político, e o econômico, ao
tempo em que procura também ressignificar as falsas dualidades
instituídas pelo cartesianismo entre sujeito e objeto do conhecimen-
to, entre o individual e o coletivo social, entre a natureza recurso e a
natureza bem da humanidade, entre o homem e a natureza.
A coleta de dados foi realizada em duas etapas. A primeira etapa se
constituiu de leitura e análise documental do Projeto Político Peda-
gógico para verificar o perfil político do documento e a estrutura bá-
sica que o compõe. Foi verificada também a abordagem da temática
ambiental nele contida, bem como a conceituação dos sujeitos do
campo a que o programa visa atender.
A segunda etapa foi constituída pela verificação da existência de turmas
funcionando através do Programa Projovem Campo Saberes da Terra,
no Estado de Sergipe, para responder, dentre outras perguntas, onde
e como estão sendo executadas. Para isso, foi realizada uma entrevista
semiestruturada no Núcleo de Educação do Campo do Departamento
de Educação da Secretaria de Estado da Educação de Sergipe.
Em seguida, esses dados foram organizados para a devida análise e
abordadas nos tópicos relativos à fundamentação teórica do PPP, de
maneira que foram utilizadas três problematizações, quais sejam: 1)
Qual o sujeito este PPP visa atender?; 2) A educação ambiental está
transversalmente presente no PPP do programa?; 3) No Estado de
Sergipe, desde quando e onde o referido programa vem atuando?

442
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO PPP DO PROGRAMA


PROJOVEM CAMPO SABERES DA TERRA E DISCUSSÃO
DOS RESULTADOS

A quem o Projovem Campo atende? Camponês ou Agri-


cultor Familiar?

É de fundamental importância em um projeto político pedagógico a


clareza de quais são os sujeitos a serem formados, visto que este de-
monstrará que tipo de sociedade também será formada ou reforçada.
Para a análise em questão, entender a relação que o camponês e o
agricultor familiar mantêm com a terra faz compreender também
qual a sua lógica de sobrevivência e de reprodução social. O campo-
nês mantém uma relação de identidade com a natureza, de forma
que há um cuidado e uma sintonia com o ambiente, onde se obser-
va, por exemplo, o policultivo e a não utilização do veneno como
práticas de pertencimento ao local em que vivem. Em oposição,
para o agricultor familiar, a sua relação com a terra/natureza é de
mercadoria, de exploração.
As características tradicionais de produção e respeito à natureza,
do camponês, traduz-se, na linguagem de Moura (1986, p. 9), como
sendo o camponês aquele que:
[...] se envolve mais diretamente com os segredos da natureza.
A céu aberto, é um observador dos astros e dos seus elementos.
Sabe de onde sopra o vento, quando virá a primeira chuva, que
insetos podem ameaçar seus cultivos, quantas horas deverão
ser dedicadas a determinada tarefa. Seu conhecimento do tem-

443
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

po e do espaço é profundo e já existia antes daquilo que conven-


cionamos chamar de ciência. (MOURA 1986, p. 9).

Diante do exposto, é importante conhecer a história do campesinato


no Brasil, que representa um processo de luta e resistência, conside-
rando que os camponeses foram historicamente explorados e excluí-
dos das políticas públicas para a agricultura. Desta forma, é neces-
sário debater acerca dos conceitos construídos ao longo do tempo,
relativos ao camponês e ao agricultor familiar, no contexto brasileiro.
Por sua vez, Caldart (2013, p.17) conceitua os camponeses como sen-
do “diferentes grupos de trabalhadores e trabalhadoras do campo
cujo processo de reprodução social se faz na contraposição às rela-
ções capitalistas de produção, ainda que subordinado a elas”.
Na mesma linha de pensamento, para Marques, (2008, p. 58), o cam-
pesinato é “uma classe social e não apenas um setor da economia,
uma forma de organização da produção”. Neste sentido, o campo-
nês, mesmo inserido no sistema capitalista, através da manutenção
de características tradicionais de organização social e de produção,
considerada por alguns estudiosos como modo de produção alter-
nativa, mantém algumas características que persistem, no sentido
de produção de vida e de sua relação de respeito à natureza.
O conceito de campesinato, no Brasil, adquire significados distintos,
ao longo das décadas. Nos anos 1950, o movimento camponês re-
cebe a denominação de Ligas Camponesas, que coloca em xeque a
grande concentração de terras e a extrema desigualdade social. De
forma antagônica, surge também o conceito do seu oposto que é o

444
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

latifundiário, o que remete a uma situação de classes. Estas estão


enraizadas em uma longa história de lutas (MARQUES, 2008).
As Ligas Camponesas denunciaram a diferença de classes no cam-
po brasileiro, a expropriação a que estava submetida a classe cam-
pesina, tendo em vista a situação precária que se encontravam os
pequenos produtores, que não possuíam nenhum incentivo finan-
ceiro por parte do Estado, bem como a falta de proteção legislati-
va dos trabalhadores que vendiam sua força de trabalho nas terras
dos grandes possuidores de terras, denominados latifundiários.
Este movimento contou com o apoio de alguns atores sociais, a
exemplo da igreja católica, que teve um papel importante no con-
trole das massas e na formação dos sindicatos rurais, como cita
Andrade (2009, p.82, in: Clifford, 2009, p. 82).
A arregimentação das massas rurais, porém, não é feita apenas
por políticos de esquerda. A Igreja entrou na disputa do contro-
le das massas e padres e bispos passaram a organizar também
seus sindicatos rurais: em alguns municípios ela começa a agir,
sindicalizando os trabalhadores, orientando-os e defendendo-os
nas lutas contra os grandes proprietários quando surgem cho-
ques (ANDRADE, 2009, p. 82 in: CLIFORD, 2009).

Na década de 1970, momento de transição do sistema agrário mo-


nocultor para o urbano industrial, houve deslocamento populacio-
nal do campo para a cidade, dada a inviabilidade imposta aos cam-
poneses de se reproduzirem socialmente nas suas áreas de origem.
Nas cidades, formaram o contingente de mão de obra barata e ca-
dastro de reserva para a indústria. A partir desta década, o conceito
de camponês é substituído pelo de pequeno produtor, para “me-
lhor representar a realidade de um campo submetido pelo Estado à

445
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

desarticulação de seus movimentos sociais e a um conjunto de polí-


ticas de cunho modernizante” (MARQUES, 2008, p. 60).
Nesta época, o que importava era a discussão sobre o desenvolvi-
mento do capitalismo no campo com a modernização da agricultura
e de qual seria o papel do pequeno produtor naquele cenário, o que
contribuiu para a desvalorização do camponês, tendo em vista que
este novo modelo lhe tirou a autonomia e sintonia com a natureza/
ambiente, principalmente na produção dos seus próprios alimentos
que, até então, vinha sendo efetuado através de policulturas, pas-
sando a ser incentivado o modelo produtivo de monocultura, agres-
sivo e exploratório da natureza/ambiente.
Na década de 1990, é proposto e aceito o conceito de agricultor fa-
miliar, em substituição ao de camponês, pois
Essa substituição se dá com base na adoção de uma abordagem
evolucionista sobre o desenvolvimento da história e contribui para
o empobrecimento do debate político em torno da questão agrá-
ria. [...] o emprego do conceito de agricultura familiar passa pela
afirmação de sua diferença em relação ao de camponês, que não
mais se aplicaria às novas realidades criadas a partir do desenvolvi-
mento do capitalismo na agricultura (MARQUES, 2008, p. 61).

Desta forma, a agricultura capitalista, contraditoriamente, também


sobrevive da exclusão dos camponeses, que são sujeitos sociais no/
do campo. E, como sujeitos, possuem uma concepção de ser huma-
no e de ambiente que lhe é própria, e inversa a acepção capitalista
da terra mercadoria. Nesse sentido, os camponeses possuem uma
concepção própria do que seja para eles o campo/a terra, a vida e
lutam por justiça e igualdade social.

446
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Para Marques (2008), o agricultor familiar é um profissional, por estar


integrado ao mercado, sem apresentar qualquer conflito ou contradi-
ção em relação ao desenvolvimento capitalista (ao monocultivo, ao uso
indiscriminado de pesticidas e agrotóxicos, desde que lhe seja garanti-
do o lucro), diferentemente do campesinato, que tem na sua relação
com a terra/natureza a materialização do seu modo de vida.
No contexto do PPP do Projovem Campo Saberes da Terra, quando este
se refere aos sujeitos educacionais para quem o programa foi criado,
reconhece a agricultura familiar como uma forma de organização do
trabalho, por meio do controle sobre as decisões referidas à produção,
à cultura e à criação a serem exploradas, restritas ao grupo familiar. No
referido tipo de agricultura, “a produção destina-se ao sustento da pró-
pria família e o excedente é destinado ao mercado, contribuindo para
a criação de uma atividade econômica fundamental para o desenvolvi-
mento socioeconômico do campo e do país” (BRASIL, 2008b, p. 26).
Porém, ao justificar a ênfase na agricultura familiar como eixo articu-
lador do programa, o PPP considera que o seu modo de produção e
circulação de mercadorias se funda no trabalho solidário da família
consanguínea e da família comunitária, na qual o trabalho se organi-
za sob outra forma, que não a de abastecimento do mercado:
[...] Dessa forma, o modo de produção está fundado no traba-
lho solidário da família consangüínea e a família comunitária; a
circulação de moeda é menor que a circulação de mercadorias
e serviços e os trabalhos são organizados na base dos mutirões
ou surpresa3, troca de dias e aluguel de mão-de-obra, entre ou-

3 Citação extraída do PPP, na qual, “Surpresa significa uma atividade coletiva que simboli-
za a solidariedade, o festejar coletivo, a cultura do campo, entre outras manifestações”
(BRASIL 2008b, p. 27).

447
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

tras formas produtivas que representam o universo do trabalho


campesino. (BRASIL, 2008b, p. 27).

Sendo assim, percebe-se que o PPP, denomina os beneficiários


do programa de agricultores familiares, mas os caracteriza como
camponeses, referindo-se ao mesmo sujeito, gerando não só uma
confusão de conceitos, mas de sujeitos com concepções de mundo
distintas, podendo, assim, inclusive, reforçar o processo ideológico
de exclusão não só do termo, mas também do significado que se
constitui o campesinato. Sendo assim, havendo a confusão de qual
sujeito se pretende atender, há confusão também de qual é o proje-
to de ser humano e de sociedade a ser formado ou reforçado.

A Educação Ambiental e os “saberes da terra”


do Projovem Campo

Os “saberes da terra” do programa Projovem Campo se relacionam


aos conhecimentos tradicionais, as experiências de vida que os cam-
poneses preservam por meio da sua cultura e de seu trabalho, a par-
tir das especificidades em tratar e se relacionar com a natureza, que
devem ser resgatadas e fortalecidas, através de práticas produtivas
sustentáveis, tendo a agroecologia como fundamento pedagógico
para a promoção da sustentabilidade camponesa.
O programa Projovem Campo pretende cumprir essa tarefa, quan-
do, em seu PPP, prevê que as atividades pedagógicas valorizem
para o campo o desenvolvimento sustentável local, através da ma-
nutenção dos ecossistemas, dos agroecossistemas e das culturas

448
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

locais, estabelecendo ligação, interação e relação com o todo. Esse


desenvolvimento começa com práticas etnoculturais, dos saberes e
tradições dos povos do campo. Além disso, para haver a compreen-
são de sustentabilidade, os sujeitos educativos devem focar nas in-
vestigações e pesquisas, a análise nos aspectos econômicos, sociais
e ecológicos, bem como na agricultura camponesa, nos seus fenô-
menos culturais e relações socioambientais (BRASIL, 2008b).
A Educação ambiental, prevista na legislação brasileira, através da
Lei 9.795/1999, é entendida como processo por meio do qual os indi-
víduos e a coletividade constroem conhecimentos, valores sociais e
atitudes voltadas para a conservação do meio ambiente, essencial à
sadia qualidade de vida. E, no sistema de ensino formal, ela deve ser
desenvolvida como uma prática integrada, contínua e permanente,
em todos os níveis e modalidades de ensino. (BRASIL, 1999).
No programa Projovem Campo, os “Saberes da Terra” dialogam
com a temática ambiental no contexto em que o seu eixo articu-
lador é pautado na sustentabilidade camponesa com ênfase na
agroecologia. Este eixo apresenta uma perspectiva transversal e
metodológica, envolvido nos demais eixos temáticos e nas áreas de
conhecimento para estudar a atividade agrária, partindo do conhe-
cimento experimental local do educando.
A educação, nesse viés, apoia a transição dos atuais modelos de
desenvolvimento rural não sustentáveis para o agroecológico. Isto
ocorre a partir da aplicação dos princípios da ecologia, no manejo de
agroecossistemas sustentáveis, na prática diária dos sujeitos educa-
cionais envolvidos.

449
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

A organização do trabalho educativo assume a concepção de cur-


rículo integrado, compreendido como um processo que articula os
saberes científicos aos saberes populares, em que as atividades edu-
cacionais devem decorrer das experiências vividas pelos educandos,
centradas na discussão de temas sociais, visando sempre analisar
os problemas ligados à realidade do educando, na qual educador
e educando fazem parte de um único contexto educacional, onde
ambos aprendem permanentemente (FREIRE, 1996).
Desta forma, o trabalho educativo proposto pelo programa Projo-
vem Campo contempla a educação ambiental, pois tem como ponto
de partida, e também a sua finalidade, as experiências vividas pelos
educandos, buscando o diálogo com as ciências, através das áreas
de conhecimento, na perspectiva de produção de novos saberes,
que promovam a sustentabilidade camponesa, contemplando, as-
sim, a sua transversalidade.
Porém, mesmo se propondo à transversalidade, esta ocorre quanto
à temática produtiva agrária com base agroecológica. Essa discus-
são permeia, prioritariamente, os processos produtivos com foco
nos agroecossistemas, contudo, pareceu que o seu foco se limitou
aos processos produtivos, sem avançar na problemática do con-
sumo, do mercado e da relação homem e natureza/ambiente. Há
também uma confusão de significados quanto à sustentabilidade
proposta como tema transversal pelo eixo articulador, e o desenvol-
vimento sustentável proposto pelo quinto eixo temático, demons-
trando assim não apenas uma ambiguidade polissêmica, mas sobre
construções conceituais de sujeito e sociedade, nas quais há que se
considerar que a sustentabilidade, “para além da ideia de um ajuste

450
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

econômico a uma norma ecológica”, existe “o ordenamento social


dentro das condições ecológicas, termodinâmicas e existenciais da
vida” (LEFF, 2016, p. 24).
Os beneficiários do programa são jovens agricultores familiares, na
faixa etária entre 18 a 29 anos, que não tenham concluído o ensino
fundamental. Cabe aqui refletir se o parâmetro para esse recorte de
faixa etária realmente é inclusivo, tendo em vista que se aos 29 anos
de idade, o jovem conclui o ensino fundamental, quando já deveria
ter concluído o ensino superior, há que se indagar se, após o progra-
ma, esse jovem do campo foi realmente incluído no sistema de ensi-
no, ou se ocorreu apenas a melhoria nos dados estatísticos. E ainda,
se esse modelo de abordagem serve somente para essa faixa etária
ou deveria ser aplicada a todo o aluno do campo, desde as séries
iniciais, uma vez que se propõe formar o indivíduo para a vida, quali-
ficando-o para que ele opte, de maneira autônoma, em permanecer
no campo ou não, dando-lhe, assim, a opção de escolha.
Dentre os vários princípios que regem o currículo do Projovem Campo
Saberes da Terra, destaca-se o da pesquisa como princípio educativo,
“que pressupõe que a escola e o processo formativo se constituem
em tempos-espaços e práticas socioculturais de vivências democrá-
ticas e solidárias” (BRASIL 2008b, p. 24). Logo, torna-se fundamental
a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos no processo de
aprendizagem, ou seja: educandos, educadores e comunidade.
A organização dos tempos formativos do programa está baseada
na alternância pedagógica, entendida como uma metodologia que
combina períodos integrados de formação na escola e formação na
família/comunidade. Logo, as atividades pedagógicas assumem um

451
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

caráter integrador, pois a seleção dos saberes a serem estudados é


baseada nas ementas dos eixos temáticos e do eixo articulador, con-
frontadas com a realidade do grupo, a partir da qual se elencam os
conhecimentos necessários aos estudos e às pesquisas e às aprendi-
zagens que desejam construir. Sendo assim, o trabalho escolar deve
primar por conteúdos compartilhados entre si e com a vida concre-
ta, a fim de resgatar o enraizamento dos camponeses e a sustenta-
bilidade do campo.
A organização dos eixos temáticos se apresenta na forma de 5 ca-
dernos pedagógicos, conforme a Figura 1, os quais possuem uma
nomenclatura própria e trazem sugestões de atividades pedagó-
gicas, através das quais os sujeitos educativos utilizam elementos
metodológicos, que compõem o percurso formativo do programa.
FIGURA 01– Cadernos pedagógicos do programa Projovem Campo Saberes da Terra

Fonte: Brasil (2008b)

A aplicabilidade da concepção de Educação do Programa


Projovem Campo Saberes da Terra em Sergipe

No Estado de Sergipe, o Projovem Campo está sendo executado des-


de 2009. Em três demandas, o Programa atendeu a cerca de 2.650

452
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

educandos distribuídos em 89 turmas, e 35 municípios. A Tabela 01


demonstra a abrangência do atendimento do programa no Estado.
TABELA 01 – Abrangência de atendimento do Programa Projovem Campo Saberes da Terra no

Estado de Sergipe
Período
Município 2009/2011 2012/2014 2015/2017

Nº TURMAS Nº EDUCANDOS Nº TURMAS Nº EDUCANDOS Nº TURMAS Nº EDUCANDOS

Tomar do Geru 2 65
Estância 1 25
Indiaroba 1 30
Umbaúba 2 60
Cristinápolis 1 35
Tobias Barreto 1 29
Poço Verde 3 75 1 30
Simão Dias 2 52 2 60
Boquim 2 60
Salgado 1 25
Lagarto 1 31
Pedra Mole 1 30
Frei Paulo 1 26 2 63
Malhador 1 35 2 60
Capela 1 32
Japaratuba 1 28 1 30
Rosário do Catete 1 26
Graccho Cardoso 2 60
Nª. Srª. das Dores 1 30
Cumbe 1 30 1 30
Pacatuba 2 70 4 119 2 60
Santana do s. Francisco 1 32
Propriá 2 70
Japoatã 1 34 1 28

453
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Período
Município 2009/2011 2012/2014 2015/2017

Nº TURMAS Nº EDUCANDOS Nº TURMAS Nº EDUCANDOS Nº TURMAS Nº EDUCANDOS

Porto da Folha 2 60 3 98
Gararu 3 87 1 30
São Cristóvão 2 70
N. Sra do Socorro 1 25
Riachuelo 2 60
Laranjeiras 1 27 2 64 2 60
Monte Alegre de Sergipe 1 35 2 55
Nª. Srª da Glória 1 25 1 35 2 60
Feira Nova 1 30
Poço Redondo 3 82 3 78 2 60
Canindé do s. Francisco 2 55 3 84
Total 36 1050 33 1000 20 600
FONTE: Secretaria de Estado da Educação de Sergipe, 2016.

A primeira demanda, que foi realizada no período de 2009 a 2011,


atendeu a 1.050 jovens agricultores, nas 36 turmas e 24 municípios.
A segunda demanda, ocorrida no período de 2012 a 2014, atendeu a
1.000 jovens agricultores, em 33 turmas, de 18 municípios. Já a ter-
ceira demanda, que está em andamento desde julho de 2015, atende
a 600 educandos, distribuídos em 20 turmas, em 12 municípios.
As formações e distribuição das turmas foram feitas a partir da ar-
ticulação dos movimentos sociais do campo e sindicatos dos traba-
lhadores rurais presentes no Comitê Estadual do Campo, em parce-
ria com a Secretaria de Estado da Educação de Sergipe. A seleção
dos professores priorizou critérios como: que o profissional tenha

454
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

alguma ligação com movimentos sociais do campo e/ou experiên-


cia/formação educacional do campo.
A complexidade dessa proposta educativa exige a necessidade de
formações pedagógicas. Estas estão distribuídas em formação ini-
cial, com 40 horas e, ao longo dos dois anos de programa ocorrem
320 horas de formação continuada. No entanto, o planejamento, se-
gundo a SEED, ocorre semanalmente, de modo integrado entre os
professores dasáreas de conhecimento (Figura 02).
FIGURA 02– (a) Planejamento integrado no núcleo de Simão Dias e Poço Verde.
(b) Formação Continuada dos docentes.

CRÉDITOS: Arquivos da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe, 2016.

Na matriz curricular, em Sergipe, está a distribuição da carga horá-


ria relacionada a cada eixo temático, que se correlaciona aos tem-
pos da alternância pedagógica, sendo que, do total de horas, 75%
da carga horária estão direcionadas ao Tempo Escola - TE e, 25% ao
Tempo Comunidade - TC. Além disso, também é demonstrado que
as turmas serão operacionalizadas em alternâncias, eixos temáticos
e áreas de conhecimento e não por séries anuais.
As práticas pedagógicas, seguindo o PPP nacional, são orientadas
por quatro professores que desenvolvem planejamentos e ações de
modo integrado. As áreas de conhecimento discriminadas no Qua-

455
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

dro 01, apresentam a distribuição do Tempo Escola e Tempo Comuni-


dade do Programa e como essas etapas orientam o fazer pedagógico.

QUADRO 01 – Matriz Curricular do Projovem Campo Saberes da Terra no Estado de Sergipe: Organização
dos tempos pedagógicos e carga horária

Áreas de Conhecimento: Linguagens Códigos e suas Tecnologias; Ciências Humanas; Ciên-


cias Agrícolas e Ciências da Natureza e Matemática
Eixo articulador: Agricultura Familiar e Sustentabilidade – 2. 400 horas
Eixos: Temáticos Carga horária Observações
TE 300 horas; As ÁREAS de CONHECIMENTO perpassa-
Agricultura Familiar: Iden-
rão pelos eixos temáticos no sentido de,
tidade, Cultura, Gênero, TC* 100 horas
como produtoras de conhecimento, con-
Etnia
Total 400 horas tribuírem para ampliar a compreensão
das práticas sociais, servindo de referên-
Sistema de Produção e TE 450 horas
cia para que as áreas de estudo re-signi-
Processos de Trabalho no
TC 150 horas fiquem os conteúdos na explicitação da
Campo.
temática estudada.
Total 600 horas
A carga horária total do curso será de-
Cidadania, Organização So- TE 375 horas
senvolvida em tempo bianual sendo,
cial e Política
TC 125 horas 1.800 horas destinadas ao tempo escola
e 600 horas ao tempo comunidade, com
Total 500 horas
possibilidades de operacionalização nas
Economia Solidária e Cida- TE 375 horas seguintes formas de alternância:
dania
TC 125 horas Em quatro horas diárias;
Total 500 horas Em finais de semana, conforme detalha-
Desenvolvimento Sustentá- TE 300 horas mento no calendário escolar.
vel Solidário com Enfoque O ano letivo será estruturado indepen-
TC 100 horas
Territorial. dente do ano civil.
Total 400 horas
FONTE: Secretaria de Estado da Educação de Sergipe, 2016.
*TE – Tempo Comunidade; TC-Tempo Comunidade.

As práticas pedagógicas são desenvolvidas também de acordo com


a especificidade local. Para tanto, segue-se um roteiro de diagnós-
tico da realidade da turma no âmbito externo e interno da turma.

456
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

Observando, dentre outros aspectos, as contradições sociais, o sis-


tema econômico, a relação Homem e Natureza, os sistemas e arran-
jos produtivos.
No Tempo Escola, os educadores e os educandos problematizam e
ampliam os conhecimentos pesquisados no Tempo Comunidade, so-
bretudo, o manejo adequado com o uso dos agroecossistemas. No
trabalho pedagógico, a questão ambiental está presente também em
atividades de representação da realidade e experimentos de fenôme-
nos naturais, como infiltração do solo, por exemplo, (Figura 03).
FIGURA 03– (a) e b) Atividade de representação da comunidade. (c) e
(d) Atividades pedagógicas ligadas a questões experimentais.

CRÉDITOS: Arquivos da Secretaria de Educação do Estado de Sergipe, 2016.

O Programa enfrenta desafios em atender a todos os objetivos pre-


vistos no PPP. A evasão é um deles, ocasionada por vários motivos.
A realidade social da população assistida, a precarização da infraes-
trutura de algumas Escolas, a violência nas comunidades, o atraso
de bolsas para os educandos advindas do MEC e o cansaço que os

457
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

educandos, muitas vezes, apresentam devido ao trabalho que estes


desenvolvem para se reproduzirem socialmente.
A falta de alternância no calendário, de acordo com a dinâmica agrí-
cola, é outro motivo para evasão. No período de plantação e colhei-
ta muitos educandos ficam impossibilitados de executar atividades
pedagógicas nas escolas e nas comunidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que a proposta curricular e metodológica do pro-


grama Projovem Campo Saberes da Terra consiste em um modelo
que contribui para o fortalecimento de políticas públicas de educa-
ção do campo e, por ser uma diferenciada do modelo convencio-
nal, dá ênfase à educação contextualizada e tem a pesquisa como
princípio educativo e de autonomia de pensar e agir do educando,
perante a sua realidade.
A partir dessa prática, os saberes dialogados ultrapassam os limites
da sala de aula, atingindo famílias e comunidades dos educandos.
Esta dinâmica pode contribuir para a transformação das condições
materiais, associativas e simbólicas do grupo que as vivencia resul-
tando em ações práticas sustentáveis para o ambiente.
O PPP do Projovem Campo Saberes da Terra contribui para o de-
senvolvimento da educação ambiental, na medida em que os eixos:
articulador e temáticos, bem como o arco ocupacional de produ-
ção rural familiar, trazem reflexões e práticas agroecológicas que
sugerem o cuidado com a natureza. Há também uma perspectiva

458
EIXO 3– Ensino das Ciências Ambientais: Teoria e Prática

de valorização do conhecimento tradicional do camponês e de suas


formas de produção de existência e resistência. Porém, para além
dos processos produtivos, é necessário avançar na problemática do
consumo, do mercado e da relação homem e natureza/ambiente.
No que se refere aos sujeitos beneficiários da proposta do PPP, há
uma denominação de agricultores familiares, mas a caracterização
destes é a de camponeses, referindo-se ao mesmo sujeito, gerando
não só uma confusão de conceitos, mas de sujeitos com concepções
de mundo distintas. Sendo assim, havendo a confusão de qual sujei-
to se pretende atender, há confusão também de qual é o projeto de
ser humano e de sociedade a ser formado ou reforçado, razão pela
qual não se deve continuar confundindo os referidos conceitos, por
não serem sinônimos.
É importante destacar que, apesar da necessidade de ajustes
conceituais no seu PPP, a proposta metodológica do Projovem
Campo Saberes da Terra se apresenta como base de reflexão para o
fortalecimento de políticas públicas de educação do campo.

REFERÊNCIAS
ANDRADE. M. C. As tentativas de organização das massas rurais– as ligas
camponesas e a sindicalização dos trabalhadores do campo (1963). CLIF-
FORD A. et all. (Org.) Camponeses brasileiros: leituras e interpretações
clássicas. Vol I, São Paulo: UNESP, NEAD, 2009, p. 73 a 85.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996.

459
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

____. Ministério da Educação. Coleção cadernos pedagógicos Projovem


Campo saberes da terra: percurso formativo. Brasília, 2008a.
____. Ministério da Educação. Coleção cadernos pedagógicos Projovem
Campo saberes da terra: projeto político pedagógico. Brasília, 2008b.
____. Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Educação. Programa
Nacional de Educação Ambiental. Brasília, 2005.
CALDART,R. S. (Org.). Escola em movimento no instituto de educação Jo-
sué de Castro. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educati-
va. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GIL, A.C.Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2003.
LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G.F.daC.As Macrotendências Político-Pedagógi-
cas da Educação Ambiental Brasileira. Ambiente & Sociedade. São Paulo v.
XVII, n. 1, p. 40-23, jan.-mar. 2014.
LEFF, E. A aposta pela vida: imaginários sociais nos territórios ambientais
do Sul. Rio de Janeiro: Vozes, 2016.
MARQUES, M. I. M. A atualidade do uso do conceito de camponês. Revista
NERA (UNESP), v. 11, p. 57-67, 2008. Disponível em http://www4.fct.unesp.
br/nera/revistas/12/9_marques_12.pdf
MORIN, E. A cabeça bem feita: Repensar a reforma, reformar o pensamen-
to. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
MOURA. M.M.Camponeses. São Paulo: Ática, 1986.

460
Sobre os Autores

Anézia Maria Fonsêca Barbosa


Professora Efetiva da Universidade Federal de Sergipe (CODAP/PRO-
F-CIAMB-UFS), Membro Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Geoe-
cologia e Planejamento Territorial (GEOPLAN/CNPq – UFS). Doutora
em Geografia (UFS), Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA) (UFPI), Especialista em Geografia (UESPI), Licenciada
em Geografia (UESPI). Principais áreas de atuação: Planejamento e
Ordenamento Territorial, Meio Ambiente, Educação Ambiental, Es-
tudos dos Espaços Sistêmicos.
E-mails: aneziamaria.babrosa@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4375907502464172

Claudionete Candia Araujo


Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de
Sergipe (em curso). Pós Graduada em Gestão Escolar (2005). Gra-
duada em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe (1993).
Supervisora do PIBID da Universidade Federal de Sergipe (em atua-
ção). Docência pela - Secretaria de Estado da Educação - SE. Co-
-orientadora – projeto “Geografia do Paladar no bairro Jabotiana”.
E-mail: claudionetecandia@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1277806194447426
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Diego Silva Souza


Graduado em Engenharia Civil pela Universidade Tiradentes (2017),
Mestrando em Ciências Ambientais pelo PROF-CIAMB UFS, Gra-
duado em Ciências Contábeis pela Universidade Tiradentes (2009),
possuo Especialização latu sensu em Gestão Fiscal e Planejamento
Tributário (2011). Atualmente sou Educador Profissional do Estado
de Sergipe; Professor Assistente I da Universidade Tiradentes, e Tu-
tor EAD do CESAD-UFS atuando no curso de Administração Pública
Bacharelado.
E-mail: dyego2s@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8460050019893487

Francisco de Assis Mendonça


Possui Graduação (UFG, 1983), Mestrado (Geografia Física / Meio
ambiente - USP, 1990), Doutorado (Clima e planejamento urbano
- USP, 1995) e Pós-doutorado (Epistemologia da Geografia - Uni-
versité Sorbonne/Paris I/França, 2005; Estudo do ambiente urbano
- Universidad de Chile - 2014) em Geografia. É Professor Titular do
Departamento de Geografia da UFPR. Membro da CoC - Comissão de
Climatologia da UGI - União Geográfica Internacional (desde 2012),
e do Conselho de Administração da AIC - Associação Internacional
de Climatologia (2003-2006, e desde 2013). Presidente da ABClima
- Associação Brasileira de Climatologia (2002-2004), da ANPEGE - As-
sociação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Geografia (2007-
2009), e membro da direção da ANPPAS (Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Ambiente e Sociedade (2004-2008).
Tem experiência na área de Geografia e Geociências, com ênfase em

462
Sobre os Autores

Geografia e Meio Ambiente, atuando principalmente nos seguintes


temas: Estudo do Ambiente Urbano, Climatologia, Geografia da Saú-
de e Epistemologia da Geografia. É pesquisdor 1A-CNPQ desde 2013.
E-mail: chico@ufpr.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3941384182506697

Jefferson Arlen de Freitas


Possui graduação em Engenharia Química pela Universidade Fede-
ral de Sergipe (1993), mestrado em Engenharia Química pela Esco-
la de Engenharia (1996) da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e doutorado em Engenharia Química (2007) pela Univer-
sidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é Chefe do
Departamento de Engenharia Ambiental (DEAM) da Universidade
Federal de Sergipe (UFS) e professor permanente do Programa De
Pós-Graduação em Mestrado Profissional em Ciências Ambientais
(PROF-CIAMB) da Universidade Federal de Sergipe.
E-mail: jaf68ster@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2858948366210004

Felipe da Fonseca Souza


Mestrando em Ciências Ambientais pelo Programa de Pós-Gradua-
ção em em Rede Nacional para o Ensino das Ciências Ambientais -
PROFCIAMB/UFS. Graduado em Geografia pela Universidade Federal
de Sergipe (2016). Professor da rede Privada de Ensino, lecionando
nos níveis Fundamental e médio, atualmente coordena o Departa-
mento de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Educação
do Município de Lagarto/SE. Bolsista do Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid Geografia/ CAPES) (2014-1016).
Pesquisador voluntário no Programa de Iniciação Científica (PICVOL/

463
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

COPES/UFS), com ênfase na temática do Espaço do Homem Cam-


ponês e suas estratégias de reprodução social no Agreste Central e
Centro-Sul Sergipano (2014-2016).
E-mail: felipeffs12@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2975075101500185

Florisvaldo Silva Rocha


Doutor em Educação (UFRN/2008), mestre em Educação (UFS/1996)
e graduado Licenciatura Plena em Geografia (UFS/1992). Professor
associado III da Universidade Federal de Sergipe, lotado no Depar-
tamento de Educação desde 1996. Professor permanente e pesqui-
sador do Mestrado Profissional em Rede Nacional para o Ensino das
Ciências Ambientais (Profciamb). Tem orientado trabalhos na área
da Educação, com ênfase na relação entre TIC e Educação, além de
também discutir o ensino de Geografia, a Mídia, as Ciências Ambien-
tais e a Didática. Atuando principalmente com os temas: Educação a
Distância, Linguagem Audiovisual, Leitura Crítica da Mídia, História
de Vida, Representação e Meio ambiente, Ensino de Geografia para
os anos iniciais do Ensino Fundamental e Didática. Líder do grupo de
pesquisa EDaPECI (Educação a Distância e Práticas Educativas Co-
municacionais e Interculturais).
E-mail: flory_rocha@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes:http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visu-
alizacv.do?id=K4721168E0

Geane Magalhães Monte Salustiano


Mestranda do curso de Mestrado profissional em rede nacional para
o ensino das ciências ambientais - (MPROF-CIAMB) na Universida-
de Federal de Sergipe 2016-2018.Graduada em Ciências Biológicas

464
Sobre os Autores

e Especialista em Mídias pela UFAL e Educação Ambiental pelo SE-


NAC-AL. Funcionaria pública atuando como Professora de Biologia
da Secretaria de Educação e Desporto do Estado de Alagoas desde
2001.Coordenadora de Controle Ambiental e Recursos Hídricos da
Secretaria de Meio Ambiente de Rio Largo-AL de 2010-2014. Avalia-
dora das obras e artigos de publicação da revista EDUCTE IFAL 2014-
2015. Professora pesquisadora bolsista CAPES atuando no IFAL nos
cursos de EAD de Licenciatura em Ciências Biológicas e Administra-
ção Pública com ênfase em Biologia, Gestão Ambiental e Meio Am-
biente,formação de professores,Educação Ambiental, Saneamento
Básico,Recursos hídricos, Projetos Integradores, Atualidades em
Biologia, Biologia da conservação.
E-mail: geane.monte@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5167424517735214

Genésio José dos Santos


Professor Adjunto e Vice Chefe do DGE/UFS – Mestre e doutor em
geografia pela UFS, Líder do Grupo de Pesquisa Território, Cultura
e Representações/CNPq; Coordenador Adjunto do PEAC (Programa
de Educação Ambiental junto a Comunidades Costeiras do Estado
de Sergipe)/UFS, Professor dos cursos de graduação em geografia/
UFS; professor do PROFCIAMB/UFS.
E-mail: genesio250754@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4736137320702867

Gilmara de Souza Neto


Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambien-
tais pela Universidade Federal de Sergipe. Possui especialização na

465
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

área de Educação de Jovens e Adultos (FANESE); licenciada em Geo-


grafia pela Universidade Federal de Sergipe (2000); atua como su-
pervisora do PIBID (Geografia), através da Universidade Federal de
Sergipe e Coorientadora do PIBIC Jr. - inscrito pelo Colégio Estadual
John Kennedy, com os projetos: Alma Africana, e o Projeto Sergipe:
nossas paisagens, nossas memórias; Professora da Rede Estadual
de Educação (SEED) e integrante do Grupo de Pesquisa Território,
Cultura e Representações/CNPq.
E-mail: gilmarageo17@gmail.com.
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5044629008929138

Jailton de Jesus Costa


É Doutor em Geografia. Geógrafo (Bacharel) e Licenciado em Geo-
grafia. Docente Adjunto da UFS, lotado no CODAP. Docente Perma-
nente do Programa de Pós-graduação em Mestrado Profissional em
Ensino de Ciências Ambientais - PROFCIAMB e do PPG em Desen-
volvimento e Meio Ambiente - PRODEMA. Membro Titular da CPPD
(2014-2017). Ex-Presidente da ADUFS (Gestão 2014/2016) e ex- Secre-
tário Geral da ADUFS (Biênio 2012/2014). Pesquisador do Grupo de
Pesquisa em Geoecologia e Planejamento Territorial/CNPq/UFS e do
GPEA. Publicou, até o momento, 27 artigos em periódicos nacionais
e internacionais, 02 livros, 13 capítulos de livros, além da participa-
ção em 67 eventos científicos no Brasil e no exterior. Áreas de atua-
ção: Geografia Física; Dinâmica e Avaliação Ambiental; Educação
Ambiental; Geoecologia/Fitogeografia Aplicada.
E-mail: jailton@ufs.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/4093650923477755

466
Sobre os Autores

Laysa da Hora Santos


Mestranda em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de
Sergipe (UFS) - MPROF-CIAMB; Graduada em Ecologia Bacharelado
pela (UFS). Gestora de projeto sociocultural; Colaboradora em dois
projetos de pesquisa científica e extensão.
E-mail: laysadahora@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7713868065704013

Luiz Carlos Sousa Silva


Doutor em Geografia pela UFS. Mestre em Geografia, pela UFS. Es-
pecialista em Gestão de Recursos Hídricos, UFS. Bacharel em Geo-
grafia pela UFS. Graduado em Licenciatura em Geografia pela UFS.
Técnico em Edificações pela Escola Técnica Federal de Sergipe e
Atualmente é Coordenador de Recursos Hídricos da Companhia de
Saneamento de Sergipe - DESO, professor de Geografia do ensino
médio na SEED/SE. Pesquisador do GEOPLAN/UFS. Tem experiência
nas áreas de Geografia, Ensino, Meio Ambiente, Recursos Hídricos
e Engenharia Civil. Está Coordenador Geral do Fórum Nacional e
Sergipano de Comitês de Bacias Hidrográficas (FNCBH e FSCBH). É
Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piauí/SE e mem-
bro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CONERH. Professor
Colaborador do PROF-CIAMB/UFS.
E-mail: lsousasilva@uol.com.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9041794900836233

467
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Luiz Ricardo Oliveira Santos


Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional
para o Ensino das Ciências Ambientais da Universidade Federal de
Sergipe (PROF-CIAMB/UFS). Licenciado em Ciências Biológicas e
Especialista em Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar pela
mesma instituição. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Geoeco-
logia e Planejamento Territorial (GEOPLAN/CNPq). É professor de
Ciências e Biologia na Rede Pública de Educação Básica. Possui ex-
periência em Ensino e Pesquisa, atuando, basicamente nos seguin-
tes temas: Educação Ambiental, Educação Básica e Metodologia do
Ensino de Ciências.
E-mail: santos.lro@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6620507389857077

Márcia Eliane Silva Carvalho


Professora Associada do Departamento de Geografia da Universida-
de Federal de Sergipe, membro permanente e coordenadora (2017-
2019) do Mestrado Profissional em Rede Nacional para o Ensino das
Ciências Ambientais (PROFCIAMB/UFS), membro permante do Pro-
grama de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO) e coordenadora de
área do PIBID/Geografia da Universidade Federal de Sergipe. Possui
doutorado (2010) e mestrado (2005) em Geografia pelo PPGEO/UFS
e especialização em Gestão de Recursos Hídricos e Meio Ambiente/
UFS (2000). A graduação foi concluída no curso de Ciências Bioló-
gicas/UFS (1999). Concluiu recentemente o Pós-Doutoramento no
LABOCLIMA/UFPR pesquisando sobre Geografia da Saúde. Atua
nas áreas de Análise Ambiental, Recursos Hídricos e Planejamento
Territorial, Ambiente e Saúde, Educação Ambiental, Biogeografia.

468
Sobre os Autores

Pesquisadora do GEOPLAN - Grupo de Pesquisa em Geoecologia e


Planejamento Territorial/CNPq/UFS. Orienta o Grupo de Estudos:
Geografia, Recursos Hídricos e Problemas Socioambientais.
E-mail: marciacarvalho_ufs@yahoo.com.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9749730002452013

Mariana Morais Azevedo


Mestranda do Programa Profissional em Rede Nacional para o En-
sino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB) - UFS. Possui gradua-
ção em Ciências Biológicas Licenciatura Plena pela Universidade
Tiradentes (UNIT) (2011), Especialista em Didática e Metodologia
no Ensino Superior pela Faculdade São Luís de França (FSLF) (2015)
e em Educação Ambiental: Espaços Educadores Sustentáveis pela
Universidade Federal de Sergipe (UFS) (Em andamento). Professora
da rede privada em Sergipe, atuando principalmente nos seguintes
temas: meio ambiente, tecnologias, aprendizagem e ensino.
E-mail: marimoraisazevedo@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes:http://lattes.cnpq.br/2837087540313210

Maria do Socorro Ferreira da Silva


É Professora Adjunta do Departamento de Geografia da
Universidade Federal de Sergipe e dos cursos de Pós-Graduação
Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) e do Mestrado
do Profissional em Rede Nacional para o Ensino das Ciências
Ambientais (PROF-CIAMB-UFS) Possui graduação em Geografia
Licenciatura Plena e Bacharelado e Mestrado pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul e Doutorado em Geografia pela
UFS. Coordenou o Mestrado Profissional em Rede Nacional para o

469
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS - outubro/2015


a abril/2017). Coordenadora do Programa de Educação Ambiental
com Comunidades Costeiras (Convênio PETROBRAS/FAPESE/UFS
– abril/2016 a agosto/2017). É pesquisadora do Grupo de Pesquisa
em Geoecologia e Planejamento Territorial (GEOPLAN/CNPq/
UFS). É coordenadora de área do PIBID/Geografia da Universidade
Federal de Sergipe. (fevereiro de 2014 a agosto de 2017). Tem
experiência na área de Geografia atuando nos seguintes temas:
Ensino de Geografia, Coleta Seletiva, Gerenciamento de Resíduos
Sólidos Urbanos, Unidades de Conservação, Educação Ambiental,
Planejamento Geoambiental.
E-mail: ms.ferreira.s@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9102269983495726

Maria Inêz Oliveira Araújo


Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Ser-
gipe (1981), mestrado em Educação pela Universidade Federal de
Sergipe (1996), doutorado em Educação pela Universidade de São
Paulo (2004) e pós-doutora pela Universidade do Porto, com bolsa
da CAPES. Atualmente é professora associada III da Universidade
Federal de Sergipe, líder do Grupo de Estudos e Pesquisa de Educa-
ção Ambiental do estado de Sergipe - GEPEASE e pesquisadora da
Sala Verde na UFS. Coordenadora do Projeto Licenciatura em Peda-
gogia no PIBID.Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Educação Ambiental, ensino de Ciências e Biologia, metodologia
e formação de professores.
E-mail: inezaraujo58@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/6081464792679788

470
Sobre os Autores

Maria José da Silva Souza


Professora efetiva da rede estadual de ensino; formadora dos edu-
cadores do Programa Projovem Campo Saberes da Terra, cujo eixo
articulador é a Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Atua ainda
como membro titular representante da Secretaria de Estado da Edu-
cação, no Comitê Estadual de Educação do Campo.
Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Ser-
gipe, especialista em Educação Ambiental com Ênfase em Espaços
Educadores Sustentáveis pela Universidade Federal de Sergipe, e,
Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional
para o Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS), pela Uni-
versidade Federal de Sergipe.
E-mail: mariajosessa@yahoo.com.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3224743212413808http://
lattes.cnpq.br/3224743212413808

Michelle Fraga Lima


Especialista em Gestão Ambiental pela Faculdade Pio Décimo, gra-
duada em Ciências Biológicas Licenciatura Plena pela Universidade
Tiradentes (UNIT), Tecnóloga em Saneamento Ambiental pelo Ins-
tituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Sergipe (IFS).
E-mail: michelle.llc@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/9455841176306034

471
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Núbia Dias dos Santos


Doutorado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe.
Atualmente é professora Associada III da UFS, lotada no Departa-
mento de Geografia, ministrando disciplinas na graduação (Licencia-
tura e Bacharelado) e no Programa de Pós-Graduação em Meio Am-
biente (PRODEMA) e Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional
Para o Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS). Atuou
como coordenadora adjunta do PROF-CIAMB/UFS. Coordenou o Pro-
jeto: Organização e Fortalecimento Sociopolítico das Marisqueiras
do litoral de Sergipe (PEAC/Petrobrás/UFS/IBAMA). Integrou a coor-
denação de área do Programa de Bolsas de Iniciação à Docência (PI-
BID/MEC/CAPES) no âmbito da Licenciatura em Geografia, Campus
São Cristóvão. Orientou no Curso de Especialização Lato Sensu em
Educação Ambiental com ênfase em Espaços Educadores Sustentá-
veis. Coordena pesquisa de iniciação científica no Território do Baixo
São Francisco Sergipano (COPES e FAPITEC). Integra o Grupo de Pes-
quisa em Dinâmica Ambiental e Geomorfologia (DAGEO/CNPq/UFS).
Cursa estágio de Pós Doutorado na UFRN (CAPES).
E-mail: nubisantos85@gmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5506227828682179

Odirley Batista Andrade Moreira


Graduado em Geografia pela Universidade Federal de Sergipe. Pro-
fessor da Rede Estadual de Educação (SEED).
E-mail: odirley26@hotmail.com

472
Sobre os Autores

Rosana de Oliveira Santos Batista


Professora Adjunta do Departamento de Geografia da Universidade
Federal de Sergipe Programa de Pós-Graduação em Rede Nacional
para o Ensino das Ciências Ambientais (PROF-CIAMB/UFS). Doutora
em Geografia PPGEO/UFS. Mestre em Meio Ambiente Rede PRODE-
MA. Especialista em Ecologia e Conservação de Ecossistemas Cos-
teiros e Graduada em Geografia pela Universidade Federal de Sergi-
pe. Professora do Departamento de Geografia/UFS.
E-mail: rostosgeo@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/1059691272448145

Rosemeri Melo e Souza


Pesquisadora do CNPq e Professora Associada do Departamento
de Engenharia Ambiental da UFS. Pós-Doutora em Geografia Física
(Biogeografia) pela GPEM/The Universityof Queensland, Austrália.
Doutora em Desenvolvimento Sustentável/Gestão Ambiental (UnB)
com estágio doutoral Grupo DILIF da Universidade de Lisboa, Portu-
gal. Pesquisadora FAPITEC-SE, Consultora Ad Hoc da CAPES, Mem-
bro Titular do Conselho de Meio Ambiente de Aracaju (2013-2015).
Vice-Presidente da CPPD/UFS (2014-2017). Docente dos Programas
de Pós-Graduação em Engenharia e Ciências Ambientais (PPG&-
CIA), Geografia (PPGEO) e em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA/UFS). Lidera o Grupo de Pesquisas Geoecologia e Plane-
jamento Territorial (GEOPLAN/CNPq). Integra a Rede de Monitora-
mento de Hábitats Bentônicos (ReBentos/GT MM) vinculada à Rede
Clima/MCT e a Rede de Meio Ambiente da América Latina (REIMA).
E-mail: rome@ufs.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/3339056948815053

473
Reflexões teórico-metodológicas e práticas pedagógicas nas ciências ambientais

Tainan Amorim Santana


Professora Assistente da Universidade Federal Rural da Amazônia/
Campus Capanema, lecionando nos cursos de Biologia.Doutoran-
da em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Mestre em
Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Estadual do Su-
doeste da Bahia. Especialista em Educação e Gestão ambiental pela
Faculdade Educacional Araucária. Pesquisadora dos seguintes eixos
temáticos: ensino de Ciências e Movimento CTS, Materiais didáticos
no ensino de Ciências e Biologia e formação de professores (Inicial e
Continuada, com ênfase no mestrado profissional).
E-mail: tainan.santana@ufra.edu.br
Link de acesso ao currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/2332947861267770

Valtenisson Correa de Oliveira


Mestrando do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional
para o Ensino das Ciências Ambientais, da Universidade Federal de
Sergipe. Graduado em Geografia Licenciatura pela Universidade Fe-
deral de Sergipe.
E-mail: tenissondejesus@hotmail.com
Link de acesso ao currículo lattes:http://lattes.cnpq.br/8237543200822716

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