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Nesta resenha crítica, abordaremos o livro “Escola e Democracia”, publicado

originalmente em 1983, mas que dialoga com os tempos atuais, onde o professor,
filósofo e pedagogo, Dermeval Saviani, apresenta uma relação dialética entre escola e
sociedade em quatro capítulos.
No primeiro capítulo, o autor apresenta, sobre a perspectiva da marginalidade, as teorias
educacionais não críticas (que entendem a educação como instrumento de equalização
social) e crítico-reprodutivistas (que entendem a educação como instrumento de
discriminação social).
As teorias não críticas consideram a marginalização um desvio e propõe a correção,
considerando a ação da educação sobre a sociedade. As teorias não críticas são
compostas por: pedagogia tradicional, pedagogia nova e pedagogia tecnicista.
A pedagogia tradicional (Pedagogia da Essência) se desenvolveu em meados do século
XIX, em meio à consolidação da burguesia e transformando “súditos em cidadãos”,
propondo uma educação como direito de todos e dever do Estado. É uma pedagogia
diretiva, expositiva, com foco no professor (com caráter decisivo e decisório), na
disciplina, prioriza aspectos quantitativos com base filosófica e lógica. Nessa
pedagogia, o marginalizado é o não esclarecido, o ignorante. O fracasso escolar
impulsionou a teoria da pedagogia nova.
A pedagogia nova (ou escolanovista – Pedagogia da Existência) surgiu no final do
século XIX com o propósito de adaptar o indivíduo na sociedade, ou seja, propõe o
respeito às individualidades com a premissa de que os indivíduos não aprendem da
mesma forma. É uma pedagogia não diretiva com foco no aluno (interpessoal e
intersubjetivo), na espontaneidade, prioriza aspectos qualitativos com bases
experimentais, biológicas e psicológicas. Nessa pedagogia, o marginalizado é o
rejeitado, o “anormal”. O declínio do escolanovismo, já na metade do século XX, foi
marcado pelo afrouxamento das disciplinas, o rebaixamento do nível educacional para
os pobres e o aprimoramento das elites, abrindo espaço para novas correntes como a
“Escola Nova Popular” e o tecnicismo.
A pedagogia tecnicista parte dos pressupostos da neutralidade científica, da
racionalidade, da eficiência e da produtividade. O foco é no processo educacional de
forma objetiva e operacional (inspirado no modelo fabril) e na organização racional dos
meios. É uma pedagogia marcada pelo enfoque sistêmico, microensino, telensino,
instrução programada e máquinas de ensinar. Nessa pedagogia, o marginalizado é o
incompetente, o improdutivo. A marginalidade se agravou pela evasão e repetência e,
particularmente na América Latina, houveram desvios de recursos da atividade-fim para
atividade-meio.
As teorias crítico-reprodutivistas analisam a educação a partir de condicionantes
sociais, ou seja, a marginalidade como um problema social. As teorias crítico-
reprodutivistas apresentadas pelo autor são: teoria do sistema de ensino como violência
simbólica, teoria da escola como Aparelho Ideológico de Estado (AIE) e teoria da
escola dualista.
A teoria do sistema de ensino como violência simbólica é apresentada a partir do livro
“A Reprodução: Elementos para uma teoria de ensino” de Bourdieu e Passeron de 1975.
O livro apresenta um sistema de proposições em um esquema analítico-dedutivo no qual
qualquer sociedade se estrutura em um sistema de forças materiais sob um sistema de
forças simbólicas que reforçam as forças materiais. Segundo a teoria, os marginalizados
são os grupos e/ou classes dominados socialmente, por não possuir força material
(capital econômico) e culturalmente, por não possuir força simbólica (capital cultural) e
isso se dá por uma ação pedagógica institucionalizada, produzindo e reproduzindo o
reconhecimento da dominação.
A teoria da escola como Aparelho Ideológico de Estado (AIE) de Althusser elenca um-
a série de aparelhos ideológicos de Estado como o governo, o exército, a polícia, os
tribunais, as prisões, a família e a escola, sendo a escola, o instrumento mais acabado de
reprodução das produções de tipo capitalista. Althusser defende uma luta de classes e os
AIEs são o alvo e o local desse embate. Segundo o autor, os AIEs funcionam
massivamente pela ideologia e secundariamente pela repressão.
A teoria da escola dualista de Baudelot e Establet exposta no livro “L’École Capitaliste
en France” de 1971 apresenta duas grandes redes de escolas que representam a
sociedade capitalista dividida em burguesia e proletariado. Pela teoria, a escola tem a
missão de reproduzir as relações sociais de produção capitalista e impedir o
desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária.
No segundo e terceiro capítulos, o autor explora a teoria da curvatura da vara de
Lênin que segundo Althusser: “Quando a vara está torta, ela fica curva de um lado e se
você quiser endireitá-la, não basta colocá-la na posição correta. É preciso curvá-la para
o lado oposto” (ALTHUSSER, 1977 apud SAVIANI, 2012, p. 36).
A teoria da curvatura da vara ganha caráter metafórico para a abordagem política do
funcionamento do antigo primeiro grau. Nesse contexto, o autor apresenta suas três
teses políticas (e controversas).
Saviani discorre sobre suas três teses: “do caráter revolucionário da pedagogia da
essência (tradicional) e do caráter reacionário da pedagogia da existência
(nova)” que segundo o autor, resulta de uma necessidade burguesa de legitimação de
desigualdades; “do caráter científico do método tradicional, e do caráter
pseudocientífico dos métodos novos” onde o autor explora o método expositivo e os
cinco passos formais (preparação, apresentação, comparação/assimilação e
generalização para aplicação) de Herbart, três últimos que correspondem ao método
científico indutivo (observação, generalização e confirmação) para sustentar sua tese em
relação ao ensino tradicional em detrimento da “pesquisa” como método empobrecido
e pseudocientífico novo (atividade, problema, coleta de dados, hipótese e
experimentação) e; “de como, quando mais se falou em democracia, menos
democrática foi a escola; e de como, quando menos se falou em democracia, mais a
escola esteve articulada com a construção de uma ordem democrática” onde o autor
afirma que a Escola Nova não é democrática em virtude de suas origens burguesas, da
legitimação das desigualdades e da autoridade do professor na transmissão da cultura da
humanidade.
No terceiro capítulo, o autor sintetiza a “Pedagogia Revolucionária”, crítica, centrada
nas igualdades essenciais entre os homens e que acompanha o caráter dinâmico da
sociedade, difundindo conteúdos vivos e atualizados por meio de método que visa a
alteração qualitativa da prática social, propondo uma relação dialética entre escola e
sociedade e superando tanto a autonomia quanto a dependência absoluta da escola em
relação às condições sociais. Saviani propõe uma reflexão da prática docente e o
seguinte método: prática social (heterogeneidade real), problematização,
instrumentalização, catarse, prática social (homogeneidade possível), resultando em
alteração qualitativa do primeiro para o quinto passo.
Por fim, no quarto capítulo, o autor apresenta onze teses que discorrem sobre as relações
de política e educação, sendo elas fenômenos inseparáveis, mas distintos, rejeitando a
máxima de que “A educação é sempre um ato político”, prevalecendo a distinção
entre a dimensão política na educação e a dimensão da prática educativa, sendo a
interferência da política na educação e da educação na política perceptível quando são
compreendidas desta forma.
.A “Pedagogia Revolucionária” é um marco na educação brasileira e a obra de
Demerval Saviani é fundamental na compreensão das principais teorias de currículo a
partir de sua perspectiva. Demerval distingui o domínio da competência técnica do
objetivo político de promover a socialização do saber sistematizado a partir do
engajamento em projetos de transformação da sociedade. Mesmo tratando de assuntos e
problemas estruturais presentes no mundo contemporâneo, é inegável que o mundo e a
forma como o entendemos evoluiu nos quase quarenta anos que sucederam a primeira
publicação, o que inclui questões relacionadas à globalização, ao multiculturalismo e a
diversidade que culminaram em teorias pós-críticas que agregam novas perspectivas em
relação à escola, sociedade, desigualdade e capitalismo. Seria o fracasso escolar um
projeto de sucesso?

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