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JEAN-JACQUES ROUSSEAU

APRESENTAÇÃO
AULA 11

[GCH102 – INTRODUÇÃO À FILOSOFIA]

PROF. LEO RENNÓ


O CASO ROUSSEAU
• A força do pensamento de Jean-Jacques Rousseau nos coloca as seguintes questões:
– O que torna um filósofo verdadeiramente grandioso?
– O que faz do seu pensamento algo de incontornável, a necessidade de compreendê-lo
uma tarefa indispensável, irresistível?

• A marca segura de um sistema filosófico é sua intervenção radical em nossa maneira


de ver e de pensar a nossa realidade.
– Rompimento de nosso hábito de pensamento (a “senhora das crenças”, Meditações
Metafísicas, Descartes).

• Rousseau pode ser visto como o filósofo mais crítico da história da filosofia ocidental.
• Rousseau desafia a ideologia do Iluminismo e, com isso, ataca o âmago da
modernidade europeia.
TÓPICOS DA AULA
I. O Iluminismo
II. Definição rousseauísta de filosofia (Primeiro Discurso)
III. Introdução ao Segundo Discurso de Rousseau
III.1. Prefácio
III.2. Parte I (descrição do estado de natureza)
a. Ser humano físico
b. Ser humano metafísico
c. Ser humano moral
IV. Parte II (narração da degradação humana)
I. O ILUMINISMO
• Apresentação dos aspectos mais gerais do Iluminismo.
– O Iluminismo se desenvolve durante o século XVIII (“Século da Filosofia”).
– Período histórico em que ocorre a “maioridade” intelectual do saber filosófico.
• Ernst Cassirer, A Filosofia do Iluminismo:
“Tal é o sentido verdadeiramente fecundo do pensamento iluminista.
Manifesta-se menos por um conteúdo de pensamento determinado do que
pelo próprio uso que faz do pensamento filosófico, pelo lugar que lhe confere
e pelas tarefas que lhe atribui. O século XVIII, que se autointitulou
orgulhosamente o “Século da Filosofia”, justificou essa pretensão na medida
em que devolveu efetivamente à filosofia seus direitos originais, em que a
restabeleceu em sua significação primeira, sua significação verdadeiramente
‘clássica’” (2ª Ed. Ed. Unicamp, 1994, p. 11).
• Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios.
– Obra colossal, publicada em 17 volumes, entre 1751 e 1765.
– Projeto editorial inicial de Diderot e D’Alembert e, em seguida, com o apoio de Louis de
Jacourt e d’Holbach.
– A organização sistemática dos conhecimentos (herança de Aristóteles e de Plínio, o
Velho, História Natural) atende à ideia central do Iluminismo: progresso.
– O progresso moral da humanidade decorre do avanço dos conhecimentos, o que
pressupõe a maturidade da própria razão universal.

• Rousseau reagiu aos princípios fundamentais do Iluminismo e, com isso, atacou o


núcleo mais fundamental da própria filosofia.
II. DEFINIÇÃO ROUSSEAUÍSTA DE FILOSOFIA
- PRIMEIRO DISCURSO -
• Rousseau, Discurso sobre as ciências e as artes (1750):
“Que é a filosofia? Qual o conteúdo das obras dos filósofos mais conhecidos?
Quais são as lições desses amigos da sabedoria? Ouvindo-os, não os tomaríamos
por uma turba de charlatães gritando, cada um para seu lado, numa praça
pública: “Vinde a mim, só eu não me engano!” Um pretende não haver corpos e
que tudo só existe como representação; o outro, não haver outra substância senão
a matéria, nem outro deus senão o mundo. Este avança não haver virtudes, nem
vícios, e serem quimeras o bem e o mal morais; aquele, que os homens são lobos e
podem, com consciência tranquila, se devorarem. Oh ! grandes filósofos, por que
não reservais para vossos amigos e filhos essas lições proveitosas? Teríeis logo a
recompensa e não temeríamos encontrar entre os nossos alguns de vossos
sectários” (Os Pensadores, 1973, p. 357. Ênfase adicionada).
• Discurso sobre as ciências e as artes (Primeiro Discurso).
– Primeiro prêmio da Academia de ciências de Dijon.
– Responsável pela fama imediata de Rousseau.
• Jean-Jacques Rousseau nasceu em Genebra em 1712, filho de um pai relojoeiro e
uma mãe que se dedicava ao lar e que morreu no parto de Rousseau.
• O jovem Rousseau é inicialmente educado pelo próprio pai, com quem lê as
grandes obras clássicas. Com aproximadamente 10 anos é enviado para um
internato protestante, de onde escapa e começar a vagar pela Europa.
• Rousseau chega a Paris por volta dos seus 30 anos.
• Recusa de Rousseau da definição aristotélica de filosofia: a filosofia (concepção
tradicional) é a arte da mentira e da sedução.
– Definição de filósofo = amigo da filosofia.
– Polis = debate público.
– Construção de um ambiente polêmico, incompatível com a natureza da
verdade.
– Adágio hobbesiano: o homem é o lobo do homem.
• Admissão implícita de Rousseau: a filosofia é uma prática de vida.
– Consequência negativa para os filósofos: aniquilação mútua.
– Consequência positiva para as pessoas comuns: liberação da opressão produzida
pela sedução filosófica.
• Rousseau, Discurso sobre as ciências e as artes:
“Oh ! virtude, ciência sublime das almas simples, serão necessários, então,
tanta pena e tanto aparato para conhecer-te? Teus princípios não estão
gravados em todos os corações? E não bastará, para aprender tuas leis, voltar-
se sobre si mesmo e ouvir a voz da consciência no silêncio das paixões? Aí
está a verdadeira filosofia; saibamos contentarmo-nos com ela e, sem invejar a
glória desses homens célebres que se imortalizam na república das letras,
esforcemo-nos para estabelecer, entre eles e nós, essa gloriosa distinção que
outrora se conhecia entre dois povos: um sabia dizer bem e o outro obrar bem”
(Os Pensadores, 1973, p. 360. Ênfase adicionada).
• Para Rousseau, a filosofia é sobretudo a ciência da virtude (da condução correta)
– Preponderância do domínio da moral sobre o do conhecimento teórico.
– Antecipação da posição de I. Kant sobre a moral (razão prática).
– A sublimidade da filosofia não implica sua raridade: trata-se de um saber
simples, ao alcance de todos os indivíduos, em especial das pessoas comuns.
– A verdade filosófica se encontra no coração humano, não na razão.
– Oposição radical ao projeto enciclopedista do Iluminismo.
• Relação direta entre os Primeiro e Segundo Discurso de Rousseau.
– O Segundo Discurso, ao generalizar os princípios do Primeiro Discurso, radicaliza
as ideias fundamentais de Rousseau.
– Após a publicação do Segundo Discurso (1754), Rousseau foi perseguido por
toda a parte até o fim da sua vida.
III. INTRODUÇÃO AO SEGUNDO DISCURSO DE ROUSSEAU
• O Primeiro Discurso de Rousseau é encerrado com uma oposição entre dizer bem e
agir bem:
– Oposição histórica entre os antigos modos de vida de Atenas e de Esparta.
– Defesa de Esparta e crítica de Atenas.
– O objetivo é enfrentar a civilização corrompida francesa.

• Palavra como instrumento de degradação e como meio de correção:


– Oposição entre o diálogo enquanto discurso articulado (Aristóteles) e a
introspecção como a escuta da natureza.
– Estratégia de Rousseau: paradoxos como estratégia argumentativa para romper as
ilusões produzidas pela filosofia.
– Procedimento inicial de Rousseau: arqueologia da interioridade humana.
– Tesouros do coração humano: os princípios morais.
• A estrutura do Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens (Segundo Discurso) é a seguinte:
a. Advertência.
– Explicação sobre as extensas notas (dezoito) que esclarecem o texto principal.
– Justificativa irônica de Rousseau.
b. Dedicatória.
– O alvo é a república de Genebra.
– Retorno de Rousseau à terra natal e reconversão ao calvinismo.
– Criação de um retrato ideal da comunidade humana.
c. Prefácio.
– Apresentação dos temas básicos e da metodologia a ser empregada.
– Duas figuras dominantes: Sócrates e Buffon.
d. Parte I.
e. Parte II.
III.1 PREFÁCIO
• Rousseau inicia o texto do Prefácio assim:
“O mais útil e o menos avançado de todos os conhecimentos humanos parece-
me ser o do homem* e ouso afirmar que a simples inscrição do templo de
Delfos continha um preceito mais importante e mais difícil que todos os
grossos livros dos moralistas” (Os Pensadores, 1973, p. 233).
– Alusão a Sócrates por meio da inscrição do Templo de Delfos, convertida em adágio da
vida socrática: Conhece-te a ti mesmo.
– Admissão de Rousseau do adágio como a tarefa a ser cumprida pelo Segundo Discurso.
– A verdade não se encontra nos livros e não é objeto de investigação teórica.
• O texto da nota acrescentada à palavra “homem” na abertura do Prefácio diz o
seguinte:
“Desde meu primeiro passo, apoio-me com confiança numa dessas
autoridades respeitáveis para os filósofos, por virem de uma razão sólida e
sublime que somente eles sabem encontrar e compreender” (Os Pensadores,
1973, p. 291nb).
– Reconhecimento da importância de Conde de Buffon (o maior naturalista francês de
todas as épocas) para a investigação.
– As ciências positivas como ponto de apoio não menos importante para a investigação.
• A metodologia a ser empregada por Rousseau é ilustrada no seguinte trecho:
“Como a estátua de Glauco, que o tempo, o mar e as intempéries tinham
desfigurado de tal modo que se assemelhava mais a um animal feroz do que a
um deus, a alma humana, alterada no seio da sociedade por milhares de causas
sempre renovadas, pela aquisição de uma multidão de conhecimentos e de
erros, pelas mudanças que se dão na constituição dos corpos e pelo choque
contínuo das paixões, por assim dizer mudou de aparência a ponto de tornar-
se quase irreconhecível (...) (Os Pensadores, 1973, p. 234. Ênfase adicionada).
– Alusão a Glauco de Antedon (deus marinho da Beócia). Platão recorreu à mesma
imagem na sua obra República (X, 611b-d).
– Rousseau aproveita de Platão apenas a imagem para confirmar a necessidade de
conhecimento do estado original da alma humana.
III.2 PARTE I
• A estruturação do argumento principal do Segundo Discurso é dividida em:
– Pequena introdução (ou exórdio) [7 §§];
Especificação da metodologia.
– Parte I [53 §§];
Descrição da natureza humana original.
– Parte II [59 §§].
Narração da história humana.

“Comecemos, pois, por afastar todos os fatos, pois eles não se prendem à
questão. Não se devem considerar as pesquisas, em que se pode entrar neste
assunto, como verdades históricas, mas somente como raciocínios hipotéticos e
condicionais, mais apropriados a esclarecer a natureza das coisas do que
mostrar a verdadeira origem” (Os Pensadores, 1973, p. 242. Ênfase
adicionada).
– As causas mais básicas acessíveis às ciências são ainda efeitos de uma causa
desconhecida.
Necessidade de alteração do método de investigação.
– Suposição do objeto de exame e dos raciocínios hipotéticos (conjeturais) que
ele autoriza.
– As ciências não são recusadas, mas subordinadas a raciocínios que reconstroem o objeto
de exame.
– A tarefa de reconstrução conjetural do ambiente original da humanidade
nascente (o “jardim do Éden” e de seus primeiros habitantes) é executada na
Parte I.
– A Parte I é composta por três blocos temáticos:
i. Ser humano físico [pp. 243-8];
ii. Ser humano metafísico [pp. 248-56];
iii. Ser humano moral [pp. 256-65].
III.2.a SER HUMANO FÍSICO

• Objetivo geral: recomposição das características físicas do ser humano natural e


do ambiente que lhe era próprio.
– Procedimento análogo ao de Aristóteles (caracterização física do senhor e do escravo).
– Inovação: recuo temporal radical e abordagem específica do elemento natural.
– Rejeição do método genético para explicação do passado do ser humano
natural.
– As ciências fornecem os elementos mínimos necessários para a composição de um
retrato verossímil (ideal, não idealizado).
III.2.b SER HUMANO METAFÍSICO

• Mudança radical de abordagem: foco nos atributos naturais anímicos.


– Articulação entre duas noções (uma filosófica e uma científica):
i. Liberdade
ii. Perfectibilidade.
“A liberdade é uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo em que revela
nossa superioridade e espiritualidade, é o princípio de nossos
desregramentos” (Salinas, Rousseau: O Bom Selvagem, Discurso Editorial,
2007, p. 63).
– Noção metafísica de liberdade.
“A fixidez da espécie e do indivíduo no reino animal contrapõe-se à
capacidade humana de variação. (...) Capaz de adquirir conhecimentos e de
aprimorar ou sofisticar seu equipamento básico – por ex., inventar a
linguagem – o homem é um ser peculiar que não apenas pode aquiescer ou
não às prescrições da natureza, mas além disso, pode se autocriar, construir
para si mesmo uma segunda natureza, distante da primeira (Salinas, 2007, p.
63).
– Noção científica de perfectibilidade (herdada de Buffon).
– A digressão nesta parte sobre a origem das línguas ilustra o movimento
da perfectibilidade: condução do ser humano natural para longe da sua
natureza original (degeneração).
III.2.c SER HUMANO MORAL
• Segunda inversão de perspectiva: atenção à energia que mobiliza certas ações humanas
naturais.
• Definição dos dois princípios básicos rousseauístas:
– Amor de si.
Diferente do amor próprio.
Instinto de autoconservação, que não é causa de violência.
– Piedade.
Capacidade espontânea de identificação com um outro, em especial em
experiências de sofrimento.
Conversão, no estado de civilização, na consciência ou instinto moral.
• Doutrina rousseauísta da bondade natural dos seres humanos.
– Rejeição direta da noção aristotélica de animal político e hobbesiana de animal
egoísta.
IV. PARTE II

• A tarefa da Parte I é descrever os atributos humanos no estado de pura


natureza.
• A tarefa da Parte II é narrar a história de queda da humanidade.
• Críticas ao estado de servidão humana.
– Rejeição explícita da tese da escravidão natural de Aristóteles.

• O esquema básico da Parte II é fornecido pela Política de Aristóteles.


– Etapas da história humana estabelecidas pelas formas de comunidade humana (par,
família, aldeia e cidade) (V. Goldschmidt, Anthropologie et Politique, Vrin, p. 421).
• Tarefa:
– Propor uma sistematização (fichamento detalhado) dos sete
parágrafos referentes à pequena introdução (exórdio) [pp. 241-
243] do Segundo Discurso, procurando identificar o
encadeamento dos argumentos segundo seus núcleos temáticos
específicos.

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