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Os Maias

O episódio final: o passeio de Carlos e Ega (Cap. XVIII)

O último capítulo funciona como o epílogo do romance, dez anos depois de acabada a
intriga; o passeio final de Carlos e Ega em Lisboa ocorre, pois, dez anos depois.

É semelhante aos outros objetivos críticos e diferente porque tem uma dimensão ideológica e
o processo de representação é de caráter simbólico. Os espaços percorridos estão
impregnados de conotações históricas e ideológicas.

Os espaços percorridos por Carlos e Ega podem agrupar-se em três conjuntos:

- o da estátua de Camões que, triste, evoca o passado glorioso da epopeia portuguesa


(anterior a 1580) e desperta um sentimento de nostalgia. Com efeito, encontra-se perdida e
envolvida por uma atmosfera de estagnação.

- os aspetos ligados a Portugal absolutista (anterior 1820): é a parte antiga da cidade.


Embora recusado por Carlos, este tempo não deixa de manifestar uma autenticidade
nacional, destruída pelo presente afrancesado e decadente.

- o que domina o presente (o tempo da Regeneração, a partir de 1851), tempo de decadência,


do fracasso da restauração, da destruição. As tentativas de recuperação não mobilizaram o
país, quer porque são de alcance muito restrito (caso do monumento dos restauradores),
quer porque são imitações erradas de modelos culturais alheios (caso do francesismo).

O Ramalhete integra-se neste conjunto no sentido em que, atingido pela destruição e pelo
abandono, pode funcionar como sinédoque da cidade e do país, retirada a dimensão
individual. Os sinais de abandono e de decadência evidenciam uma atmosfera de destruição
e de morte como se o Ramalhete constituísse um testemunho da desagregação da família. A
contemplação da casa provoca em Carlos uma comoção profunda, que se associa a uma
perceção subjetiva do tempo, para além de acentuar o sentimento de nostalgia do passado.
Este sentimento leva os dois amigos a caracterizarem-se como românticos, isto é, indivíduos
inferiores que se deixam governar pelo coração. No entanto, concluem que os que se regem
pela razão não passam de indivíduos desconsoladores e desconsolados.

A aceitação passiva do destino corporiza a teoria sobre a existência exposta por Carlos a
Ega. Baseada no desprendimento e no desengano, esta filosofia representa a entrega de
Carlos a uma espécie de ataraxia. A adoção desse “fatalismo muçulmano” representa, ainda,
a consciência do fracasso pessoal que o arrasta para a desistência, para o imobilismo, numa
atitude que é fruto irónico da desilusão e do desencanto. Contudo, ao correrem para
apanhar o americano, os dois amigos revelam a impossibilidade de assumir coerentemente a
teoria de vida exposta, porque, apesar de se reconhecer que as ideias supremas da
existência se resolvem em “desilusão e poeira”, há, ainda, solicitações prosaicas (“paio com
ervilhas”) que valem uma corrida ofegante. Esta corrida pode simbolizar o ressurgimento do
interesse de viver, carente de estímulos que inspirem a reativação da vitalidade humana.

O final da obra encerra uma crítica a toda uma geração, representada por Carlos e Ega, que,
tendo falhado todos os seus projetos, se deixa afogar em fatalismos ocos e desistência de
tudo, exceto do encontro com os amigos e outras banalidades quotidianas. O pessimismo do
fim do século apagara a chama da aventura e o desejo de mudança da Geração de 70 e deu
lugar aos Vencidos da Vida.

Em conclusão, o plano da crónica dos costumes, que constitui o espaço social de Os Maias,
possibilitou um exame profundamente crítico da alta sociedade lisboeta da segunda metade
do século XIX. Este espaço social será também precioso para detetarmos algumas
coordenadas da estética naturalista.

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