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Ricardo Reis

Poema
«Mestre, são plácidas»
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Monet, Nenúfares, pormenor (1906).


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Mestre, são plácidas Mas decorrê-la,
Todas as horas Tranquilos, plácidos,
Que nós perdemos, Tendo as crianças
Se no perdê-las, Por nossas mestras,
Qual numa jarra, E os olhos cheios
Nós pomos flores. De Natureza...

Não há tristezas À beira-rio,


Nem alegrias À beira-estrada,
Na nossa vida. Conforme calha,
Assim saibamos, Sempre no mesmo
Sábios incautos, Leve descanso
Thomas Cole, Oxbow, pormenor (1836).
Não a viver, De estar vivendo.
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O Tempo passa, Colhamos flores.
Não nos diz nada. Molhemos leves
Envelhecemos. As nossas mãos
Saibamos, quase Nos rios calmos,
Maliciosos, Para aprendermos
Sentir-nos ir. Calma também.

Não vale a pena Girassóis sempre


Fazer um gesto. Fitando o Sol,
Não se resiste Da vida iremos
Ao deus atroz Tranquilos, tendo
Que os próprios filhos Nem o remorso Mary Cassatt, Verão (c.
1894).
Devora sempre. De ter vivido.
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I. Viver «conforme calha» Filosofia de vida assente
na moral epicurista e estoica

«são plácidas / Todas as horas / — Viver a passagem do tempo de forma


Que nós perdemos» não angustiada
«Não há tristezas / Nem alegrias / — Manter uma atitude de indiferença
Na nossa vida.» perante as paixões e os sentimentos
intensos
«Sempre no mesmo /
Leve descanso / De estar vivendo.» — Fruir de forma tranquila o presente

«Não vale a pena / Fazer um gesto.» — Demonstrar uma atitude imperturbável


(ataraxia)
«Saibamos, quase /
Maliciosos, / Sentir- nos ir.» — Aceitar o destino
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II. O Mestre

Alberto Caeiro Destinatário do discurso do sujeito poético

Propósito do discurso:
explicar como se deve viver

Devemos viver imitando as crianças

«Tendo as crianças / por nossa mestras»

Crianças = Símbolo da existência tranquila

Van Gogh, Criança com


uma laranja (1890).

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