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Aula 02

PC-MG (Delegado)
Legislação Penal e
Processual Penal
Especial

Autores
Prof.: Vitor de Lucca, 21 de Abril de 2023
Prof.: Ivan Marques
Estratégia Carreira Jurídica
PC-MG (Delegado) Legislação Penal e Processual Penal Especial - Prof.: Vitor de Lucca, Prof.: Ivan Marques

Sumário
Considerações Iniciais ........................................................................................................................................ 4

Registro e Porte.................................................................................................................................................. 6

1 - do registro ................................................................................................................................................. 6

2 -Do Porte ................................................................................................................................................... 10

Crimes em espécie ........................................................................................................................................... 15

1 - Posse irregular de arma de fogo de uso permitido ................................................................................. 15

2 - Omissão de cautela ................................................................................................................................. 20

3 - Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido....................................................................................... 24

4 - Disparo de arma de fogo ......................................................................................................................... 28

5 - Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito ........................................................................... 31

6 - Comércio ilegal de arma de fogo ............................................................................................................ 38

7 - Tráfico internacional de arma de fogo.................................................................................................... 41

Liberdade Provisória ........................................................................................................................................ 43

Disposições Gerais............................................................................................................................................ 45

1 - Competência da Justiça Estadual ............................................................................................................ 45

2 - Destruição dos Objetos Apreendidos ...................................................................................................... 45

3 - Referendo popular................................................................................................................................... 45

4 - Banco nacional de perfil balístico ........................................................................................................... 46

Questões com comentários ............................................................................................................................. 46

Promotor ........................................................................................................................................................................ 46

Defensor ......................................................................................................................................................................... 47

Delegado de Polícia ........................................................................................................................................................ 48

Lista de Questões ............................................................................................................................................. 48

Promotor ........................................................................................................................................................................ 48

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Defensor ......................................................................................................................................................................... 48

Delegado de Polícia ........................................................................................................................................................ 49

Gabarito............................................................................................................................................................ 49

Promotor ........................................................................................................................................................................ 49

Defensor ......................................................................................................................................................................... 49

Delegado de Polícia ........................................................................................................................................................ 49

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É interessante iniciar essa aula mencionando que o porte ilegal de arma de fogo foi a priori previsto no nosso
ordenamento jurídico como uma mera contravenção penal estabelecida no art. 19 do Decreto-Lei 3688/41
(Lei das Contravenções Penais). Todavia, diante da crescente onda de violência instalada no nosso país na
década de 90, o legislador resolveu transformar tal conduta em crime, com a edição da Lei 9.437/97. Ocorre
que a Lei 9.437/97 mostrou-se insatisfatória em vários aspectos, inclusive redacionais, para melhor
disciplinar a posse e porte de arma de fogo no Brasil, motivo pelo qual o legislador infraconstitucional elabora
uma lei mais rigorosa, qual seja, a Lei 10.826/03, também conhecida como Estatuto do Desarmamento, que
representou um enorme avanço quando comparado com a legislação antecedente, notadamente por elevar
as penas para o crime de porte de arma, por tipificar também como crime o porte e posse de munição e o
tráfico internacional de armas, e ainda dar outras providências (regras de restrição à venda, registro e
autorização para o porte de arma de fogo, etc.). Vale ainda destacar que o art. 36 da Lei 10.826/03 revogou
expressamente a lei 9437/971.

A Lei 10826/03 (Estatuto do Desarmamento) versa sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo
e munição, bem como acerca do Sistema Nacional de Armas – SINARM, define crimes e dá outras
providências.

SINARM é um órgão instituído no Ministério da Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em
todo o território nacional (art. 1º da Lei 10826/03), que tem por finalidade manter cadastro geral, integrado
e permanente das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do SINARM, e
o controle do registro dessas armas.

O art. 2º da Lei 10826/03 estabelece as competências do SINARM: I – identificar as características e a


propriedade de armas de fogo, mediante cadastro; II – cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e
vendidas no País; III – cadastrar as autorizações de porte de arma de fogo e as renovações expedidas pela
Polícia Federal; IV – cadastrar as transferências de propriedade, extravio, furto, roubo e outras ocorrências
suscetíveis de alterar os dados cadastrais, inclusive as decorrentes de fechamento de empresas de segurança
privada e de transporte de valores; V – identificar as modificações que alterem as características ou o
funcionamento de arma de fogo; VI – integrar no cadastro os acervos policiais já existentes; VII – cadastrar
as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos policiais e judiciais; VIII – cadastrar
os armeiros em atividade no País, bem como conceder licença para exercer a atividade; IX – cadastrar
mediante registro os produtores, atacadistas, varejistas, exportadores e importadores autorizados de armas
de fogo, acessórios e munições; X – cadastrar a identificação do cano da arma, as características das
impressões de raiamento e de microestriamento de projétil disparado, conforme marcação e testes
obrigatoriamente realizados pelo fabricante; XI – informar às Secretarias de Segurança Pública dos Estados
e do Distrito Federal os registros e autorizações de porte de armas de fogo nos respectivos territórios, bem
como manter o cadastro atualizado para consulta. Parágrafo único. As disposições deste artigo não

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Art. 36 da Lei 10826/03: É revogada a Lei 9437, de 20 de fevereiro de 1997.

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alcançam as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus
registros próprios.

Reparem que as armas de fogo das Forças Armadas e Auxiliares (Polícias Militares) estão sob supervisão do
SIGMA (SISTEMA DE GERENCIAMENTO MILITAR DE ARMAS), órgão instituído no Ministério da Defesa, no
âmbito do Exército, com circunscrição em todo o território nacional, encarregado de manter cadastro geral,
permanente e integrado das armas de fogo importadas, produzidas e vendidas no país, de competência do
SIGMA, e das armas de fogo que constem dos registros próprios.

Em resumo, há 2 sistemas:

SINARM: sistema SIGMA: sistema


destinado às destinado às
armas em geral armas militares

O objeto da Lei nº 10826/03 é o SINARM, órgão vinculado ao Ministério da Justiça e operado pela Polícia
Federal.

Observe que as apreensões de armas de fogo, inclusive as decorrentes de procedimentos judiciais e policiais,
assim como o extravio, furto e roubo, devem ser comunicadas ao SINARM de forma que a ocorrência seja
anotada no respectivo cadastro.

Notem ainda que o fechamento de empresas de segurança privada e transporte de valores também deve ser
comunicado ao SINARM. É também função do SINARM cadastrar os armeiros em atividade no país, assim
como conceder licença para exercer essa profissão. Lembre-se que armeiro é o profissional encarregado de
preparar, modificar, reparar e fabricar armas. Em resumo, armeiro é o mecânico de armas.

Os bens jurídicos tutelados nas figuras típicas pela Lei 10826/03 são a segurança pública e a incolumidade
pública, que são interesses da coletividade, ou seja, de todo o meio social. Por essa razão, o sujeito passivo
desses crimes sempre é o Estado, a coletividade, ou seja, é um crime vago (sujeito passivo é um ente sem
personalidade jurídica). Eventualmente pessoas individuais podem figurar também como sujeitos passivos
(Ex: art. 13 do Estatuto do Desarmamento – Omissão de cautela). Os delitos do Estatuto do Desarmamento
são de perigo abstrato, ou seja, para a sua configuração não necessitam demonstrar a existência de um
perigo no caso concreto.

Em regra, a Justiça Estadual será a competente para processar e julgar os delitos do Estatuto do
Desarmamento, pois os bens jurídicos protegidos pelo Estatuto do Desarmamento não versam sobre
interesse da União Federal, nos termos do art. 109, da Constituição Federal. Excepcionalmente, a
competência será da Justiça Federal quando a infração penal for praticada em detrimento de bens, serviços
ou interesse da União e suas entidades autárquicas ou empresas públicas, ex vi do art. 109, IV, da

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Constituição Federal. Exemplo: Tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 do Estatuto do


Desarmamento2) será julgado pela Justiça Federal, pois nesse caso viola interesse da União Federal. Exemplo
2: Delito tipificado no Estatuto do Desarmamento praticado a bordo de navio ou aeronave (art. 109, IX, da
Constituição Federal) será julgado pela Justiça Federal.

Os delitos de arma de fogo descritos no Estatuto do Desarmamento são exemplos de normas penais em
branco heterogênea, eis que o preceito primário da norma penal é complementado por um ato
administrativo (fonte diversa da lei em sentido formal). Na espécie, a listagem de armas de fogo, acessórios
e munições, assim como a permissibilidade, ou não, do uso são complementados pelo Decreto nº 9847, de
25 de junho de 2019 (decreto que regulamenta a Lei 10826/03, de 22 de dezembro de 2003 e dispõe sobre
registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – SINARM
e define crimes). Em outras palavras, o Decreto de nº 9847/19 integrará os tipos penais do Estatuto do
Desarmamento. Por exemplo, o conceito de arma de fogo de uso permitido é dado pelo art. 2º, I, do Decreto
de nº 9847/19. Essa definição é fundamental para a configuração dos delitos dos art. 12 (posse irregular de
arma de fogo de uso permitido) e 14 (porte irregular de arma de fogo de uso permitido), ambos da Lei
10826/03.

Da mesma forma, o conceito de arma de fogo de uso restrito ou proibido é dado pelo art. 2º, II e III, do
Decreto nº 9847/2019. Essa definição é importante para a configuração do delito de posse ou porte ilegal de
arma de fogo de uso restrito (art. 16 do Estatuto do Desarmamento).

O objeto material dos delitos do Estatuto do Desarmamento são armas de fogo, munições e acessórios. De
acordo com o art. 21, VI, da Constituição Federal, a União Federal, por meio do SINARM, com circunscrição
em todo o território nacional, tem competência para autorizar e fiscalizar a produção e o comércio das armas
de fogo.

REGISTRO E PORTE

1 - DO REGISTRO

Art. 3º da Lei 10826/03: É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente.

Parágrafo único. As armas de fogo de uso restrito serão registradas no Comando do Exército, na
forma do regulamento desta Lei.

2
Art. 18 da Lei 10826/03: Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de
fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

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É obrigatório o registro da arma de fogo no órgão público competente. Vale dizer, as armas de fogo de uso
permitido devem ser registradas no SINARM (Sistema Nacional de Armas), ao passo que as armas de fogo de
uso restrito devem ser registradas no SIGMA (Sistema de Gerenciamento Militar das Armas).

Deste registro será expedido o denominado certificado de registro de arma pela Polícia Federal, com
autorização do SINARM. Esse certificado de registro de arma seria o equivalente ao documento de identidade
da arma de fogo e apresenta duas finalidades:

• Comprovar a propriedade da arma;

• Autorizar o titular (proprietário) a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência
ou domicilio, ou dependência desses, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o proprietário ou
responsável legal pelo estabelecimento ou empresa (art. 5º, caput, da Lei nº 10826/03).

O SINARM autoriza a aquisição da arma de fogo, ao passo que a expedição do certificado de registro de arma
de fogo é da Polícia Federal. Frise-se que a aquisição de arma de fogo fora dos critérios legais caracteriza o
delito do art. 14 da Lei 10826/03 (porte ilegal de arma de fogo de uso permitido).

Observem que atualmente todo registro de arma é precário, isto é, temporário. Não existe mais o registro
de cunho vitalício. Lembre-se que os registros realizados antes do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03)
perderam o caráter vitalício, porquanto o art. 5º, § 3º da citada lei3 também exigiu a sua renovação nesses
casos.

Os requisitos para adquirir arma de fogo são cumulativos:

A) ter, no mínimo, 25 anos de idade (art.3º, II, do Decreto nº 9847/19)


B) declarar a efetiva necessidade, apresentando os fatos e as razões do pedido (art. 4º, caput, da Lei
10826/03)
C) comprovar idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo judicial. A comprovação nesse
se dá mediante certidões negativas de antecedentes criminais (art. 4º, I, da Lei 10826/03)
D) comprovar ocupação lícita e residência certa (art. 4º, II, da Lei 10826/03)

3
Art. 5º, §3º, da Lei 10826/03: O proprietário de arma de fogo com certificados de registro de propriedade expedido por órgão
estadual ou do Distrito Federal até a data da publicação desta Lei que não optar pela entrega espontânea prevista no art. 32 desta
Lei deverá renová-lo mediante o pertinente registro federal, até o dia 31 de dezembro de 2008, ante a apresentação de documento
de identificação pessoal e comprovante de residência fixa, ficando dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das
exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta Lei. OBS: O prazo a que se refere o art. 5º, § 3º, da Lei 10826/03
foi prorrogado até 31 de dezembro de 2009, pela lei 11.922, de 13 de abril de 2009.

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E) comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo (art. 4º, III, da
Lei 10826/03). OBS: A pessoa que já está autorizada a portar arma de fogo não precisa comprovar esse
requisito para a aquisição da arma de fogo.

Como já mencionado, a cada 3 anos o registro da arma deve ser renovado, com a demonstração dos
requisitos “c”, “d” e “e” (art. 5º, §2º, da Lei 10826/03).

O SINARM expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos os requisitos legais, em nome
do requerente e para a arma indicada, sendo intransferível esta autorização.

Por sua vez, a aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente à arma registrada
e na quantidade estabelecida no regulamento da Lei 10826 (art. 4º, §2º, do Estatuto do Desarmamento).

Efetivada a venda, a empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições é obrigada a comunicar
o fato à autoridade competente, bem como manter detalhado banco de dados acerca das características das
armas vendidas e dos respectivos compradores (art. 4º, §3º, da Lei 10826/03).

A comercialização de armas de fogo acessórios e munições entre pessoas físicas também necessitará de
autorização do SINARM (art. 4º, §5º, da Lei 10826/03).

As aquisições de arma de fogo de uso restrito dependem de autorização do Comando de Exército, salvo as
aquisições feitas pelos Comandos Militares (art. 27 do Estatuto do Desarmamento).

Cumprindo uma promessa lançada à época da campanha eleitoral, o Presidente da República Jair Bolsonaro
editou o decreto nº 9.647/2019, que promoveu profundas alterações no Decreto anterior, dos quais destaco
as seguintes: 1) modificação das regras que regulamentam a aquisição de armas de fogo de uso permitido;
b) aumento do prazo de validade dos registros de armas de fogo de uso permitido; c) aumento do prazo
de validade dos registros de armas de fogo de uso restrito; d) renovação automática da validade dos
certificados expedidos até a data da sua publicação

Como vimos, um dos requisitos cumulativos para a aquisição da arma de arma de fogo de uso permitido é a
declaração de efetiva necessidade, consoante determina o art. 4º, caput, da Lei 10826/03. Antes do referido
ato infralegal confeccionado em 2019, a Polícia Federal não considerava como válidas argumentações
genéricas (Exemplo: a notória violência urbana na cidade do Rio de Janeiro), devendo restar demonstrada
no plano concreto a efetiva necessidade da posse da arma de fogo. Pois bem. O Decreto nº 9847/19 tornou
mais flexível o preenchimento desse pressuposto. Em primeiro lugar, o referido decreto traz consigo a
presunção de veracidade dos fatos aduzidos pelo requerente acerca da efetiva necessidade, ou seja, basta a
pessoa alegar que está sofrendo ameaça para que a Polícia Federal considere esse fato como verdadeiro,
sendo despicienda qualquer demonstração de ameaça na realidade. Além disso, esse Decreto estabeleceu
que o indeferimento do pedido para aquisição de arma de fogo será comunicado ao interessado em
documento próprio e apenas poderá ter como fundamento: I - a comprovação documental de que: a) não
são verdadeiros os fatos e as circunstâncias afirmados pelo interessado na declaração de efetiva
necessidade; b) o interessado instruiu o pedido com declarações ou documentos falsos; ou c) o interessado
mantém vínculo com grupos criminosos ou age como pessoa interposta de quem não preenche os requisitos
para obtenção da aquisição da arma de fogo; II - o interessado não ter a idade mínima de 25 anos de idade;

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III - a não apresentação de um ou mais documentos ligados à identificação pessoal, idoneidade moral,
ocupação lícita e residência fixa, capacidade técnica e aptidão moral.

Contudo, em sede de controle abstrato de constitucionalidade, ao julgar a flexibilização da aquisição de


armas de fogo por meio de decreto presidencial, o Supremo Tribunal Federal firmou a seguinte tese: A
flexibilização, via decreto presidencial, dos critérios e requisitos para a aquisição de armas de fogo
prejudica a fiscalização do Poder Público, além de violar a competência legislativa em sentido estrito para
a normatização das hipóteses legais quanto à sua efetiva necessidade (Informativo 1069 do STF - ADIs
6119/DF, 6139/DF e 6466/DF, rel. Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 20.9.2022). Do exame
do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, já consideradas as incorporações provenientes do direito
internacional sobre direitos humanos, é possível concluir que (a) o direito à vida e à segurança geram o dever
positivo do Estado ser o agente primário na construção de uma política pública de segurança e controle da
violência armada; (b) não existe direito fundamental de possuir armas de fogo no Brasil; (c) ainda que a
Constituição Federal não proíba universalmente a aquisição e o porte de armas de fogo, ela exige que sempre
ocorram em caráter excepcional, devidamente justificado por uma particular necessidade; (d) o dever de
diligência estatal o obriga a conceber e implementar mecanismos institucionais e regulatórios apropriados
para o controle do acesso a armas de fogo, como procedimentos fiscalizatórios de licenciamento, de registro,
de monitoramento periódico e de exigência de treinamentos compulsórios; e (e) qualquer política pública que
envolva acesso a armas de fogo deve observar os requisitos da necessidade, da adequação e da
proporcionalidade. Nesse contexto, não cabe ao Poder Executivo, no exercício de sua atividade
regulamentar, criar presunções de efetiva necessidade para a aquisição de uma arma de fogo distintas das
hipóteses já disciplinadas em lei, visto se tratar de requisito cuja demonstração fática é indispensável,
mostrando-se impertinente estabelecer a inversão do ônus probatório quanto à veracidade das
informações constantes na declaração de seu preenchimento. Com base nesse entendimento, o Plenário
do STF, por maioria, em apreciação conjunta, referendou (i) a decisão que: (i.1) concedeu com efeitos ex
nunc a medida cautelar para suspender a eficácia do art. 12, § 1º e § 7º, IV, do Decreto 5.123/2004 (com
alteração dada pelo Decreto 9.685/2019); do art. 9º, § 1º, do Decreto 9.785/2019; e do art. 3º, § 1º, do
Decreto 9.845/2019; e (i.2) concedeu a cautelar para conferir interpretação conforme à Constituição ao art.
4º do Estatuto do Desarmamento; ao inciso I do art. 9º do Decreto 9.785/2019; e ao inciso I do art. 3º do
Decreto 9.845/2019, fixando a orientação hermenêutica de que a posse de armas de fogo só pode ser
autorizada às pessoas que demonstrem concretamente, por razões profissionais ou pessoais, possuírem
efetiva necessidade; (ii) a decisão que concedeu, com efeitos ex nunc, a medida cautelar para: (ii.1) dar
interpretação conforme a Constituição ao art. 4º, § 2º, da Lei 10.826/2003, para se fixar a tese de que a
limitação dos quantitativos de munições adquiríveis se vincula àquilo que, de forma diligente e proporcional,
garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos; (ii.2) dar interpretação conforme a Constituição ao
art. 10, § 1º, I, da Lei 10.826/2003, para fixar a tese hermenêutica de que a atividade regulamentar do Poder
Executivo não pode criar presunções de efetiva necessidade outras que aquelas já disciplinadas em lei; (ii.3)
dar interpretação conforme a Constituição ao art. 27 da Lei 10.826/2003, a fim de fixar a tese hermenêutica
de que aquisição de armas de fogo de uso restrito só pode ser autorizada no interesse da própria segurança
pública ou da defesa nacional, não em razão do interesse pessoal do requerente; e (ii.4) suspender a eficácia
do art. 3º, II, a, b e c do Decreto 9.846/2019; e (iii) a decisão que concedeu, com efeitos ex nunc, a medida
cautelar para: (iii.1) dar interpretação conforme a Constituição ao art. 4º, § 2º, da Lei 10.826/2003; ao art.
2º, § 2º, do Decreto 9.845/2019; e ao art. 2º, § 3º, do Decreto 9.847/2019, fixando a tese de que os limites
quantitativos de munições adquiríveis se limitam àquilo que, de forma diligente e proporcional, garanta
apenas o necessário à segurança dos cidadãos; e (iii.2) suspender a eficácia da Portaria Interministerial
1.634/2020-GM-MD.

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Os requisitos da ocupação lícita e de residência fixa, da idoneidade moral e da inexistência de inquérito


policial ou ação penal, bem como a capacidade técnica para o manuseio da arma de fogo serão comprovados,
periodicamente, a cada cinco anos, junto à Polícia Federal, para fins de renovação do Certificado de Registro
(art. 5º, §8º, do Decreto nº 11.366/23).

O Pretório também firmou posicionamento no sentido de ser inconstitucional, por violar competência da
União para legislar sobre materiais bélicos, norma estadual que reconhece o risco da atividade e a efetiva
necessidade do porte de arma de fogo ao atirador desportivo integrante de entidades de desporto
legalmente constituídas e ao vigilante de empresa de segurança privada (Informativo 1069 do STF - ADI
7188/AC e ADI 7189/AM, rel. Min. Carmen Lúcia, julgamento virtual finalizado em 20.09.2022)

A lei nº 13870/2019 introduziu o §5º no art. 5º do Estatuto do Desarmamento para melhor aclarar a posse
de arma para os proprietários de área rural. Segundo o art. 5º, 5º, do Estatuto do Desarmamento, aos
residentes em área rural, considera-se residência ou domicílio toda a extensão do imóvel rural. Com isso,
o titular do certificado de Registro de Arma de Fogo tem o direito de ter a posse de arma não só na sede da
fazenda/sítio como em todo o restante da propriedade rural (terreno).

2 -DO PORTE
O porte autoriza o agente a trazer consigo a arma em todos os lugares que estiver. Já o registro da arma
confere ao agente apenas a posse, ou seja, somente o direito de ter a arma em casa ou empresa da qual é
proprietário ou responsável legal. Em outras palavras, a posse autoriza o agente a manter a arma intra
muros, no interior de residência ou local de trabalho. Por sua vez, o porte autoriza o agente a manter a arma
extra muros, ou seja, fora da residência ou local de trabalho.

Como já falamos, em regra, a autorização para porte de arma de fogo de uso permitido, em todo território
nacional, é atribuição da Polícia Federal e somente será concedida após autorização do SINARM, salvo em
2 exceções:

1) Os responsáveis pela segurança de cidadãos estrangeiros em visita ou sediados no Brasil. Exemplo:


segurança de um cantor estrangeiro. No caso, a autorização para o porte de arma será do Ministério da
Justiça (art. 9º da Lei 10826/03).
2) Colecionadores, atiradores, e caçadores, bem como representantes estrangeiros em competição
internacional oficial de tiro realizada no território brasileiro. Nessas situações será expedido pelo Comando
do Exército apenas um porte de trânsito de arma de fogo, que autoriza o transporte de um local para
outro. Cuida-se de uma guia de tráfego ou de trânsito (art. 9º da Lei 10826/03).

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A regra consagrada no art. 6º, caput, do Estatuto do Desarmamento4 é pela proibição expressa de
alguém portar arma de fogo de uso permitido, salvo em situações expressamente previstas em lei em razão
da função desse agente ou após autorização obtida junto à Polícia Federal, após concordância do SINARM.

Vamos falar primeiro sobre o porte legal ou funcional.

O porte legal ou funcional é aquele que decorre de expressa previsão legal. Nessa situação é dispensada a
autorização da polícia federal.

Este porte funcional ou legal pode ser:

a) em tempo integral, isto é, mesmo fora do serviço. Exemplos: integrantes das Forças Armadas, policiais
civis ou militares e bombeiros.

b) apenas durante o serviço. Exemplos: seguranças dos Tribunais do Poder Judiciário e do Ministério Público,
empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores.

É importante ainda destacar que as Leis Orgânicas da Magistratura e do Ministério Público estabelecem
respectivamente o porte de arma para juízes5 e para membros do Parquet6. Nesses casos, ainda que exista
o porte legal de arma, é necessário o registro da arma de fogo. É o entendimento do STJ sobre o tema (STJ
— REsp 1.327.796/BA).

O Supremo Tribunal Federal ao analisar a prerrogativa dos magistrados conferida no art. 33, V, da LOMAN
entendeu que os magistrados não estão dispensados da comprovação da capacidade técnica para
manusear a arma, bem como da demonstração da aptidão psicológica. Precedente do STF: AO 2280.

De acordo com o art. 6º do Estatuto do Desarmamento, é proibido o porte de arma de fogo em todo o
território nacional, salvo para casos previstos em legislação própria e para:

I – os integrantes das Forças Armadas. Poderão portar, em âmbito nacional, arma de fogo de propriedade
particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço.

4
Art. 6º, caput, da Lei 10826/03: É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para casos previstos em
legislação própria e para:

5
Art. 33 da LOMAN: São prerrogativas do magistrado: V – portar arma de defesa do pessoal;

6
Art. 42 da Lei nº 8625/93: Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo
em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato
formal de licença ou autorização.

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II – os integrantes da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis,
Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares e da Força Nacional de Segurança Pública. Poderão
portar, em âmbito nacional, arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva
corporação ou instituição, mesmo fora de serviço. OBS: O porte de arma de fogo a que têm direito os
policiais civis não se estende aos policiais aposentados (Informativo 554 do STJ).
III - Integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000
(quinhentos mil) habitantes. Poderão portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela
respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço.
IV - Integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de
500.000 (quinhentos mil) habitantes, bem como dos Municípios que integrem regiões metropolitanas,
quando em serviço. OBS: Em sede de controle abstrato de constitucionalidade, em prol do princípio da
isonomia, o STF firmou entendimento que o guarda municipal pode portar arma de fogo em serviço ou
fora dele, pouco importando o número de habitantes no município (ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI
5948/DF)
V - Agentes operacionais da Agência Brasileira de Inteligência e os agentes do Departamento de Segurança
do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República. Poderão portar, em âmbito nacional,
arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo
fora de serviço. Devem comprovar capacidade técnica e de aptidão psicológica.
VI – Integrantes da Polícia do Senado Federal e a Polícia da Câmara dos Deputados. Poderão portar, em
âmbito nacional, arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou
instituição, mesmo fora de serviço. Devem comprovar capacidade técnica e de aptidão psicológica.
VII - Integrantes do quadro efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos
e as guardas portuárias. Devem comprovar capacidade técnica e de aptidão psicológica.
VIII - Empresas de segurança privada e de transporte de valores constituídas. As armas utilizadas por essas
empresas são apenas para o serviço, e devem pertencer exclusivamente às empresas. O extravio e a perda
de arma devem ser comunicados pela diretoria ou gerência da empresa à Polícia Federal, que enviará as
informações ao SINARM a fim de que sejam tomadas as providências cabíveis. A omissão na comunicação
acarretará responsabilidade penal (art. 13, parágrafo único, da Lei 10826/03).
IX - Integrantes das entidades de desporto legalmente constituídas, cujas atividades esportivas demandem
o uso de armas de fogo, observando-se, no que couber, a legislação ambiental. É o caso dos clubes de tiro.
Nesse caso, o porte somente é autorizado no momento em que a competição é realizada.
X - Integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e de Auditoria-Fiscal do Trabalho,
cargos de Auditor-Fiscal e Analista Tributário. Devem comprovar capacidade técnica e de aptidão
psicológica.
XI - Tribunais do Poder Judiciário descritos no art. 92 da Constituição Federal e os Ministérios Públicos da
União e dos Estados, para uso exclusivo de servidores de seus quadros pessoais que efetivamente estejam
no exercício de funções de segurança, na forma de regulamento a ser emitido pelo Conselho Nacional de
Justiça - CNJ e pelo Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP. Os servidores do quadro efetivo do
Ministério Público e o Poder Judiciário que exercem funções de segurança podem portar arma de fogo, de
acordo com regulamento próprio. As armas de fogo utilizadas pelos servidores serão de propriedade,
responsabilidade e guarda das respectivas instituições, somente podendo ser utilizadas quando em
serviço, devendo estas observar as condições de uso e de armazenagem estabelecidas pelo órgão
competente, sendo o certificado de registro e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal em
nome da instituição.
XII - Integrantes do quadro efetivo de agentes e guardas prisionais poderão portar arma de fogo de
propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço,

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desde que estejam: a) submetidos a regime de dedicação exclusiva; b) sujeitos à formação funcional, nos
termos do regulamento; c) subordinados a mecanismos de fiscalização e de controle interno;

É importante destacar que Guarda municipal é uma instituição ligada ao Poder Executivo Municipal, de
natureza civil, armada e uniformizada, que tem como finalidade a proteção dos bens, serviços e instalações
do Município, segundo aponta o art. 144, §8º, da Constituição Federal.

Com o advento do Estatuto Geral das Guardas Municipais (Lei nº 13.022/2014) houve uma ampliação de
interpretação para admitir uma participação mais ativa dos guardas municipais com a segurança pública nos
municípios, tudo em perfeita sintonia com a atuação da Polícia Militar, Polícia Civil e Polícia Federal (art. 5º,
IV, IX, XI, XV, XVII, XVIII da Lei nº 13.022/2014)

Acerca do porte de arma dos integrantes da Guarda Municipal, o Estatuto do Desarmamento realiza uma
distinção entre cidades em decorrência do número de habitantes. Vejamos:

O porte de armas nas capitais dos Estados e nos Municípios com mais de 500.000 habitantes é permitido
em tempo integral. (art. 6º, III, do Estatuto do Desarmamento)
O porte de armas será apenas durante o serviço nos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e
menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, bem como dos Municípios que integrem regiões
metropolitanas, quando em serviço. (art. 6º, IV, do Estatuto do Desarmamento)

Contudo, essa distinção feita pelo Estatuto do Desarmamento em relação aos guardas municipais foi
rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle abstrato de inconstitucionalidade, por
malferir o princípio da isonomia, nos seguintes termos: É inconstitucional a restrição do porte
de arma de fogo aos integrantes de guardas municipais das capitais dos estados e dos
municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes e de guardas municipais dos
municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil)
habitantes, quando em serviço. (STF. Plenário. ADC 38/DF, ADI 5538/DF e ADI 5948/DF, Rel.
Min. Alexandre de Moraes, julgados em 27/2/2021 - Informativo 1007 do STF). Com isso, é
dizer que os guardas municipais possuem o direito a porte de arma de fogo (de propriedade particular ou
fornecida pela Instituição), em serviço ou até mesmo fora de serviço, pouco importando o número de
habitantes na cidade.

Os guardas municipais receberam formação funcional em estabelecimento de ensino de atividade policial.

Para o particular, a autorização para o porte de arma de fogo de uso permitido é de competência da Polícia
Federal e só será concedida após autorização do SINARM (art. 10, caput, da Lei 10826/03). Para tanto, será
emitido um documento denominado porte de arma de fogo, que é pessoal, intransferível e revogável a
qualquer tempo, sendo válido apenas com relação à arma nele especificada e com apresentação do
documento de identificação do portador.

Os requisitos para a obtenção do porte de arma de fogo de uso permitido estão estampados no art. 10, §1º,
do Estatuto do Desarmamento:

• Demonstrar a sua efetiva necessidade, por exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça à
integridade;

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• Comprovar idoneidade e inexistência de inquérito policial ou processo criminal. Tal prova se faz por meio
de certidões negativas.

• Comprovar ocupação ilícita e residência certa;

• Comprovar capacidade técnica e aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo.

• Apresentar documentação de propriedade da arma de fogo e seu certificado de registro.

A autorização de porte de arma de fogo perderá automaticamente sua eficácia caso o portador dela seja
detido ou abordado em estado de embriaguez ou sob efeito de substâncias químicas ou alucinógenas.

De acordo com o art. 20 do Decreto n. 9847/2019, a autorização não gera o direito de portar ostensivamente
a arma de fogo, ou de adentrar, ou com ela permanecer, em locais públicos, tais como igrejas, escolas,
estádios desportivos, clubes, ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas, em razão de eventos de
qualquer natureza. A não observância desse comando acarreta na cassação da autorização e na apreensão
da arma de fogo.

Outros casos: A) Caçadores de subsistência: Aos residentes em áreas rurais, que comprovem depender do
emprego de arma de fogo para prover sua subsistência alimentar familiar, será autorizado o porte de arma
de fogo na categoria "caçador" (art. 6º, §5º, da Lei 10826/03). Esse porte de arma de fogo de uso permitido
será concedido pela Polícia Federal.

B) Empresa de segurança privada e transporte de valores: o porte de arma será expedido pela Polícia
Federal em nome da pessoa jurídica, cujos empregados, nominal e trimestralmente relacionados, poderão
portar arma de fogo somente em serviço (art. 7º da Lei 10826/03).

C) Agremiações esportivas, empresas de instrução de rito, colecionadores, atiradores, caçadores e


representantes estrangeiros em competição oficial de tiro: O Comando do Exército expedirá porte de
trânsito (guia de tráfego) e as armas de fogo deverão ser transportadas desmuniciadas (art. 9º da Lei
10826/03).

Armas de brinquedo

Estabelece o art. 26, caput, da Lei 10.823/2.003:

“São vedadas a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de brinquedos, réplicas e


simulacros de armas de fogo, que com estas se possam confundir. Parágrafo único. “Excetuam-
se da proibição as réplicas e os simulacros destinados à instrução, ao adestramento, ou à coleção
de usuário autorizado, nas condições fixadas pelo Comando do Exército”.

Observe que muito embora o art. 26 do Estatuto do Desarmamento proíba essa conduta, o legislador não
estabeleceu como criminosa referida proibição. Assim, é correto dizer ser atípica a conduta de fabricar,
vender ou portar arma de brinquedo.

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CRIMES EM ESPÉCIE

1 - POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

Art. 12 da Lei 10826/03: Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição,
de uso permitido, em desacordo com determinação legal, ou regulamentar, no interior de sua
residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou
o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Antes de iniciar o estudo desse crime, vamos relembrar a diferença entre posse e porte de arma. O porte
autoriza o agente a trazer consigo a arma em todos os lugares que estiver. Já o registro da arma confere ao
agente apenas a posse, ou seja, somente o direito de ter a arma em casa ou empresa da qual é proprietário
ou responsável legal. Em outras palavras, a posse autoriza o agente a manter a arma intra muros, no interior
de residência ou local de trabalho. Por sua vez, o porte autoriza o agente a manter a arma extra muros, ou
seja, fora da residência ou local de trabalho.

O delito de posse irregular de arma de fogo abrange duas situações:

a) A aquisição e a posse irregular de arma de fogo de uso permitido (acessório e munição) em residência
ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho. Em resumo, no caso concreto sequer houve
o registro da arma de fogo;
b) A não renovação do registro da arma de fogo de uso permitido (acessório e munição) no período
estabelecido no regulamento. Nesse caso, há o registro da arma de fogo, porém esse registro
encontra-se vencido.

Objetividade jurídica: é o controle da propriedade de armas e a incolumidade pública, ou seja, a coletividade


é colocada em risco com a conduta do art. 12 da Lei 10826/03. Lembre-se que estamos diante de um delito
de perigo abstrato (presume-se de modo absoluto o risco à segurança coletiva, sendo despiciendo a
demonstração de qualquer perigo no caso concreto).

Objeto Material7: arma de fogo de uso permitido, acessório ou munição. Se a arma de fogo, acessórios ou
munição for de uso restrito ou proibido, o delito será o do art. 16 do Estatuto do Desarmamento (Posse ilegal
de arma de fogo de uso restrito). Também será o crime do art. 16, parágrafo único, IV, do Estatuto do

7
Objeto Material: é a pessoa ou coisa em que recai a conduta criminosa.

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Desarmamento se a arma de fogo, ainda que de uso permitido, estiver com a numeração, marca, ou qualquer
outro dado de identificação raspado, suprimido ou alterado8.

Arma de chumbinho não é considerada arma de fogo. Logo, o fato é atípico. Partes da arma não é acessório.
O cano da arma não é acessório, mas sim parte da arma.

Sujeito ativo: Na primeira parte do tipo penal do art. 12 do Estatuto do Desarmamento (no interior de sua
residência ou dependência desta), o crime é comum (ou geral), isto é, qualquer pessoa pode cometer esse
delito. Já na segunda parte do tipo penal do art. 12 do Estatuto do Desarmamento (no seu local de trabalho),
o delito é próprio, pois somente pode ser cometido pelo proprietário ou responsável legal do
estabelecimento ou empresa. Dessa forma, o crime será de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido
(art. 14 do Estatuto do Desarmamento) se o crime for praticado por pessoa que não for o responsável legal
pela empresa e nem o proprietário. Em outras palavras, o empregado que não for o representante legal da
empresa responderá pelo art. 14 do Estatuto do Desarmamento.

Sujeito passivo: É a coletividade. É um crime vago (sujeito passivo é um ente sem personalidade jurídica).

Tipo objetivo. São 2 as ações nucleares típicas: 1) Possuir significa ter a posse da arma de fogo de uso
permitido, acessório ou munição como possuidor ou proprietário, de maneira prolongada. Exemplo: O dono
da arma de fogo de uso permitido que a possui no interior do cofre de sua residência, sem ter o certificado
de registro); 2) Manter significa conservar, guardar a arma sob seu cuidado em nome de terceiro, por algum
motivo. Exemplo: Sobrinho guarda a arma de seu tio, dentro do armário, enquanto este viaja.

Elemento espacial do tipo penal: O crime deve ser praticado na residência (local habitado pelo agente) ou
dependência desta (local vinculado a casa. Exemplos: quintal, celeiro, edícula, garagem, jardim, etc.) ou no
local de trabalho do agente, desde que este seja o seu proprietário ou responsável legal.

OBS: Fora desses locais, a posse de arma de fogo, acessório ou munição configurará o delito de porte ilegal
de arma de fogo de uso permitido (art. 14 do Estatuto do Desarmamento9).

Não configura o delito do art. 12 da Lei 10826/03 se o agente tiver a posse irregular de arma de fogo em
residência de terceiro. Afinal de contas, o fato não encontrará correspondência com o artigo 12 da Lei 10826,
porém responderá por delito mais grave, qual seja, de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei 10826/03).

8
Art. 16, parágrafo único, da Lei 10826/03:

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação
raspado, suprimido ou adulterado.

9
Art. 14, caput, da Lei 10826/03: Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que
gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso
permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar:

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Elemento normativo do tipo penal. Corresponde às expressões ”em desacordo com determinação legal ou
regulamentar”. Para a caracterização do tipo penal do art. 12 da Lei 10826/03 é necessário que as ações de
possuir ou manter sob guarda arma de fogo, acessórios ou munições sejam praticadas em desrespeito aos
requisitos descritos na Lei 10826/03 ou de seu Regulamento. Exemplos: 1) Posse de arma de fogo sem o
registro concedido pela autoridade competente (art. 5º, §1º, da Lei 10826/03); 2) posse de arma de fogo
com prazo de validade expirado (art. 5º, § 2º, da Lei 10826/03).

Elemento subjetivo do tipo penal: É o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de praticar a conduta de
possuir irregularmente arma de fogo de uso permitido. Não há a modalidade culposa (art. 18, §único, do
Código Penal10)

Consumação: O delito de posse irregular de arma de fogo é consumado no momento em que a arma ingressa
na residência ou local de trabalho. Estamos diante de um crime permanente, ou seja, cuja consumação se
prolonga no tempo por vontade do agente. Logo, em razão disso, é possível a ocorrência da prisão em
flagrante a qualquer momento (art. 303 do CPP11).

Tentativa: Inadmissível. Ou o agente possui ou não possui arma de fogo de uso permitido nos locais
mencionados no art. 12 da Lei 10826/03. Ou o agente mantém a arma de fogo nos locais descritos no art. 12
da Lei 10826/03 ou não mantém.

Arma de fogo e prova pericial: Se a arma de fogo for totalmente imprestável para efetuar disparos será
considerada obsoleta. Nessa situação, o registro não é necessário e, por conseguinte, não há que se falar no
crime delineado no art. 12 do Estatuto do Desarmamento (posse irregular de arma de fogo de uso permitido)
e nem do art. 14 do mesmo diploma legal (porte irregular de arma de fogo). Será hipótese de crime
impossível por absoluta ineficácia do meio (art. 17 do Código Penal12). Todavia, se a arma for relativamente
imprestável para realizar disparos, o crime do art. 12 da Lei nº 10826/03 permanece intacto, pois é possível,
em algumas circunstâncias, ter disparo com a referida arma.

Violência doméstica e posse irregular de arma de fogo de uso permitido: De acordo com o art. 22, I, da Lei
11340/0613, o agente que tiver arma de fogo registrada em sua residência pode ter esse registro suspenso

10
Art. 18, §único, do CP: Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando
o pratica dolosamente.

11
Art. 303 do CPP: Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

12
Art. 17 do Código Penal: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do
objeto, é impossível consumar-se o crime.

13
Art. 22 da Lei 11340/06: Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz
poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre
outras:

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pelo magistrado, caso pratique violência doméstica ou familiar contra a mulher. Lembre-se ainda que essa
suspensão pode ser decretada de maneira cautelar, pois tem por finalidade proteger a mulher do perigo
gerado pelo simples fato de o agente permanecer com arma em sua residência. Após a decisão judicial
decretando tal suspensão se o agente mesmo assim mantiver arma de fogo em casa incorrerá no delito do
art. 12 do Estatuto do Desarmamento.

Abolitio criminis temporária. O art. 30 do Estatuto do Desarmamento (com a redação dada, sucessivamente,
pelas Leis 10.884/2004, 11.118/2005 e 11.191/2005) concedeu prazo aos possuidores e proprietários de
armas de fogo de uso permitido ou restrito ainda não registradas para que solicitassem o registro até 23 de
outubro de 2005, mediante apresentação de nota fiscal ou outro comprovante de sua origem lícita, pelos
meios de prova em direito admitidos. A redação do art. 30 da lei 10826/0314 até o advento da Lei 11911/05
mencionava apenas arma de fogo, o que forçava concluir que tal dispositivo legal abrangia tanto as armas
de fogo de uso permitido como também as armas de fogo de uso restrito.

Posteriormente, o registro tardio de arma de fogo de uso permitido foi estendido até o dia 31 de dezembro
de 2.008 pela Lei 11.706/08 mas, depois, esse prazo foi prorrogado até 31 de dezembro de 2.009, conforme
art. 20 da lei 11.922/2009. Dessa forma, em virtude de regularização do registro, doutrina e jurisprudência
firmaram os seguintes posicionamento:

1) Os agentes que tenham sido flagrados desde a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento até 23 de
outubro de 2005 com a posse de arma de fogo de uso restrito no interior da própria residência ou
estabelecimento comercial, sem o respectivo registro, não podem ser punidas porque a boa-fé é presumida,
de modo que se deve pressupor que iriam solicitar o registro da arma dentro do prazo. Estamos diante da
denominada abolitio criminis temporária, também conhecida como vacatio legis indireta ou
descriminalização temporária. A contar de 24 de outubro de 2005, as pessoas flagradas com a posse de arma
de fogo de uso restrito ou proibido no interior de sua residência ou de seu estabelecimento comercial devem
ser punidas como incursas no art. 16, caput, do Estatuto do Desarmamento. Aliás, no ponto, destaca-se a
Súmula 513 do Superior Tribunal de Justiça: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003
aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro
sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

2) As pessoas que tenham sido flagradas, desde a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento até a data
de 31 de dezembro de 2009, com a posse de arma de uso permitido não podem ser punidas. Estamos diante
da denominada abolitio criminis temporária, também conhecida como vacatio legis indireta ou

I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei 10826, de 22
de dezembro de 2003;

14
Art. 30 da Lei 10826/03: Os possuidores e proprietários de arma de fogo de uso permitido ainda não registrada deverão solicitar
seu registro até o dia 31 de dezembro de 2008, mediante apresentação de documento de identificação pessoal e comprovante de
residência fixa, acompanhados de nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova admitidos
em direito, ou declaração firmada na qual constem as características da arma e a sua condição de proprietário, ficando este
dispensado do pagamento de taxas e do cumprimento das demais exigências constantes dos incisos I a III do caput do art. 4º desta
Lei. (redação dada pela Lei 11.706/2008)

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descriminalização temporária. Se o fato tiver ocorrido a partir de 01 de janeiro de 2010, o agente responderá
pela prática delitiva do art. 12 do Estatuto do Desarmamento.

A abolitio criminis temporária não se refere ao porte de arma, mas tão somente à posse irregular de arma.
Abolitio criminis de arma de fogo uso restrito - 2003 até 23 de outubro de 2005.
Abolitio criminis de arma de fogo de uso permitido – 2003 até 31 de dezembro de 2009.

Arma de fogo levada a registro depois de superado o prazo legal para regularização: Se o proprietário da
arma de fogo levá-la a registro fora do prazo à Delegacia não deve ser preso em flagrante delito, porquanto
é manifesto a atipicidade da conduta ante a ausência de dolo. Sobremais, o delito em questão não prevê a
modalidade culposa. Na espécie, resta evidente a boa-fé do agente, incompatível com o ânimo de praticar o
tipo penal do art. 12 do Estatuto do Desarmamento.

Classificação do crime A posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art.12 da Lei n. 10.826/2003) é
crime de perigo abstrato, dispensando-se prova de efetiva situação de risco ao bem jurídico tutelado. É ainda
um crime de mera conduta, pois a consumação se perfaz com a prática da conduta, independentemente da
produção de qualquer resultado naturalístico. E também um delito permanente (aquele em que a
consumação se protrai no tempo por vontade do agente).

Cabimento de pena restritiva de direitos: O delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido por
ser cometido sem violência ou grave ameaça e, levando em conta o quantum de sua pena, admite a
substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, se preenchidos os demais requisitos
do art. 44 do Código Penal.

Cabimento de sursis processual: Como se vê, a pena mínima cominada a esse delito não é superior a 1 ano.
Logo, é admissível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9099/95).

Fiança: A autoridade policial pode conceder fiança para esse delito, pois a pena privativa de liberdade
máxima não é superior a 4 anos, nos exatos termos do art. 322 do CPP15.

Ação Penal: Ação penal pública incondicionada.

15
Art. 322 do CPP: A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

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2 - OMISSÃO DE CAUTELA

Art. 13 da Lei 10826/03: Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de
18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que
esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:

Pena – detenção, de (um) a 2 anos, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa
de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de
comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo,
acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois
de ocorrido o fato.

Primeiramente, vale a pena destacar que o artigo 13 do Estatuto do Desarmamento, sob o nomen iuris
omissão de cautela, versa sobre dois crimes. O caput cuida do delito de omissão de cautela propriamente
dito, enquanto o parágrafo único do citado dispositivo legal trata da figura equiparada também denominada
de omissão de comunicação de perda ou subtração de arma de fogo.

Art. 13, caput, da Lei 10826/03:

Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou
pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou
que seja de sua propriedade:

Pena – detenção, de (um) a 2 anos, e multa.

Objetividade jurídica: A incolumidade pública, representada pela segurança coletiva, em razão do perigo
resultante do apoderamento da arma de fogo por pessoa despreparada, e ainda a própria integridade física
do menor de dezoito anos de idade ou deficiente mental, que também fica exposta a risco em tal situação.

Sujeito ativo: É um crime próprio, pois deve ser praticado por pessoa que tenha a posse ou a propriedade
da arma. É importante ainda destacar que não é necessário a existência de qualquer vínculo de parentesco
com o menor ou o deficiente mental.

Sujeito passivo: A coletividade, assim como o menor de 18 anos de idade e o deficiente mental. Não há esse
delito se a vítima for deficiente físico. A lei descreve apenas o deficiente mental.

Haverá o crime em apreço mesmo se a vítima for menor de 18 anos emancipado. O que vale é a idade
biológica para a configuração dessa espécie criminosa.

Núcleo do tipo penal: Deixar de observar as cautelas necessárias significa não tomar o cuidado exigido do
homem médio, negligenciar. É um crime omissivo próprio ou puro, pois o núcleo descreve uma omissão.
Exemplo: O investigador de polícia que deixa a sua arma no interior de uma gaveta da sala, sem trancá-la,
fato que facilitou o apoderamento da arma por seu filho (criança de 7 anos).

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Objeto Material: O tipo penal faz menção apenas a arma de fogo. Logo, a omissão de cautela em relação à
munição e acessórios é fato atípico.

Elemento subjetivo do tipo: Estamos diante de um delito culposo consubstanciado na manifesta negligência
(comportamento omissivo) do proprietário ou possuidor da arma de fogo que deixa de observar as cautelas
necessárias para evitar o apoderamento da arma por pessoas despreparadas (menor de 18 anos de idade e
deficiente mental).

Consumação: É um crime material, pois haverá a consumação do delito com o efeito apoderamento da arma
de fogo pelo menor de 18 anos ou deficiente mental (esse é o resultado naturalístico do crime culposo.
Lembre-se que nos delitos culposo o resultado é involuntário). Dessa forma, se a arma de fogo for esquecida
em cima da mesa, porém, no lugar, não existir nenhum menor de 18 anos de idade ou deficiente mental que
possa ter acesso a ela, não há que se falar em crime, sendo a conduta atípica. É crime instantâneo, pois a
consumação se dá no exato instante em que o menor de 18 anos de idade ou deficiente mental se apodera
da arma de fogo. É também catalogado como crime de perigo abstrato, ou seja, não é necessário que essa
pessoa despreparada (deficiente mental ou menor de 18 anos de idade) tenha apontado essa arma para
alguém ou para ele próprio. Em resumo, não é necessário que alguém tenha sido exposto à perigo para a
configuração desse delito.

Tentativa: É inadmissível. Crime culposo próprio não admite tentativa.

Concurso de crimes: Se uma pessoa, além de ter a posse irregular de arma de fogo, deixar uma arma ao
alcance de um deficiente mental, por negligência, responderá pelos delitos de posse ilegal de arma de fogo
(art. 12 do Estatuto do Desarmamento) e omissão de cautela (art. 13, caput, do Estatuto do Desarmamento),
em concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal).

Conflito aparente de normas: O art. 19, §2º, ”c”, do Decreto-Lei (3688/41 – Contravenções Penais)16 ainda
continua em vigor em relação às armas brancas e as de arremesso ou munição e em relação ao inexperiente
que se apodera da arma. Assim, responderá pela contravenção penal em questão se o agente deixa de tomar
as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 anos ou alienado se apodere de munição, de arma
branca ou de arremesso. Da mesma forma, responderá por essa contravenção penal se o agente deixar de
tomar as cautelas necessárias para impedir que uma pessoa inexperiente se apodere de arma de fogo. A
pena será de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.

16
Art. 19, §2º do Dec-Lei 3688/41: Incorre na pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa, quem, possuindo arma ou
munição:

c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa
inexperiente em manejá-la.

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Pena: Detenção de 1 a 2 anos, e multa. É uma infração penal de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº
9099/95), portanto, de competência do Juizado Especial Criminal. Logo, é cabível tanto a transação penal
como a suspensão condicional do processo.

Fiança: A autoridade policial pode conceder fiança para esse delito, pois a pena privativa de liberdade
máxima não é superior a 4 anos, nos exatos termos do art. 322 do CPP17.

Ação Penal: Ação penal pública incondicionada.

Art. 13, parágrafo único, da Lei 10826/03:

Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e


transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia
Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou
munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte e quatro) horas depois de
ocorrido o fato.

Apesar de inserido no parágrafo único do art. 13 do Estatuto do Desarmamento é um delito diverso da


omissão de cautela (art. 13, caput, da Lei 10826/03). É um crime autônomo.

Repare que o delito de omissão de cautela (art. 13, caput, da Lei 10826/03) é um crime culposo, enquanto o
de omissão de comunicação de perda ou subtração de arma de fogo (art. 13, parágrafo único, da Lei
10826/03) é um delito doloso.

Também vale a pena relembrar que o art. 7º do Estatuto do Desarmamento preconiza que as armas de fogo
utilizadas pelos empregados das empresas de segurança privada e de transporte de valores serão de
propriedade, responsabilidade e guarda das respectivas empresas. Além do mais, o certificado de registro
e a autorização de porte expedidos pela Polícia Federal são confeccionados em nome da empresa. A empresa
também deverá ainda apresentar ao SINARM a relação dos empregados habilitados, nos termos da lei, que
poderão portar armas. Esse porte de armas somente pode ocorrer em serviço.

Objetividade jurídica: O controle das armas de fogo, acessórios e munições em circulação no país. O crime
visa manter o cadastro de armas de fogo junto ao SINARM e do respectivo registro diante dos órgãos
competentes em contínua atualização.

Sujeito ativo: É um crime próprio, eis que somente pode ser cometido pelo proprietário ou diretor
responsável pela empresa de segurança e transporte de valores.

17
Art. 322 do CPP: A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

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Sujeito passivo: É a coletividade, pois há interesse público na veracidade das informações dos cadastros do
SINARM. Vale dizer, essa informação não se restringe aos interesses da empresa de segurança e transporte
de valores. Estamos diante de um crime vago (sujeito passivo é um ente sem personalidade jurídica)

Objeto material: Arma de fogo, acessório ou munição.

Núcleo do tipo penal: Deixar de registrar a ocorrência e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo
ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição. Há uma dupla obrigação imposta ao
proprietário ou diretor responsável pela empresa de segurança e transporte de valores. Vale dizer, é
indispensável o registro da ocorrência em qualquer delegacia estadual e a comunicação à Polícia Federal.

A lei exige a dupla obrigação, pois o tipo penal utiliza a conjunção aditiva “e”, porém se o agente cumpre
apenas uma das obrigações (registra a ocorrência da Delegacia de Polícia ou comunica o fato à Polícia
Federal) mostra-se que não era a sua intenção esconder o fato do Poder Público, ou seja, não há que se falar
em dolo, podendo tal conduta ser resolvida na esfera da responsabilidade civil ou administrativa. Essa
também é a lição do professor Fernando Capez: “Entendemos que, a despeito de a interpretação literal
sugerir que ambas as providências devam ser tomadas, sob pena de haver o aperfeiçoamento típico, a
exigência é de cunho alternativo. Assim, caso o agente registre a ocorrência de furto da arma de fogo na
Delegacia de Polícia estadual, no prazo legal, tal atitude por si só basta para afastar o crime. Da mesma
forma se proceder à comunicação do furto somente à Polícia Federal. É que, na hipótese, cumpriu -se o
objetivo da Lei, qual seja, o de proporcionar às autoridades públicas a ciência imediata do desaparecimento
do bem, de forma a lhes facilitar a sua investigação e a imediata apreensão, impedindo, com isso, que os
artefatos fiquem por tempo demasiado nas mãos de criminosos. Comunicado o desaparecimento ou a
subtração a um órgão público, incumbirá a este entrar em contato com seu congênere, não se podendo partir
da premissa de que a Polícia Estadual e a Federal são departamentos estanques, sem comunicação entre si.
O dever de entrosamento é do Poder Público, não se podendo delegar ao particular tal ônus. Feito isso, o bem
jurídico protegido não sofre qualquer lesão ou perigo de lesão, tornando -se o fato atípico”18.

Elemento temporal: As providências do registro da ocorrência na delegacia estadual e a comunicação à


Polícia Federal deve ocorrer no prazo de 24 horas a contar do fato. É evidente que esse prazo enquanto o
agente não tiver descoberto o furto, o roubo, a perda ou o extravio da arma de fogo, acessório ou munição.
É um delito a prazo, isto é, a lei exige o decurso de um prazo para que o delito se configure.

Elemento subjetivo: É o dolo, ou seja, é indispensável que o agente tome ciência do furto, roubo, perda ou
extravio e se omita intencionalmente no dever de registrar a ocorrência na Delegacia de Polícia e de
comunicá-lo à Polícia Federal no prazo de 24 horas.

Consumação: Estamos diante de um crime omissivo próprio que se consuma com a inércia do agente em
registrar a ocorrência e de comunicar o fato (perda, furto, roubo ou extravio) no prazo de 24 horas. Em outros
termos, ocorre a consumação com o escoamento do prazo de 24 horas mencionado no tipo penal.

18
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. Volume 4. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 383 e 384.

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Tentativa: A tentativa é inadmissível, pois cuida-se de um crime omissivo próprio. Ou o agente comunica o
fato ou se omite.

Pena: Detenção de 1 a 2 anos, e multa. É uma infração penal de menor potencial ofensivo (art. 61 da Lei nº
9099/95), portanto, de competência do Juizado Especial Criminal. Logo, é cabível tanto a transação penal
como a suspensão condicional do processo.

Fiança: A autoridade policial pode conceder fiança para esse delito, pois a pena privativa de liberdade
máxima não é superior a 4 anos, nos exatos termos do art. 322 do CPP19.

Ação Penal: Ação penal pública incondicionada.

3 - PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO

Art. 14 da Lei 10826/03: Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar,
ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver
registrada em nome do agente. (Vide Adin 3.112-1)

Em que pese o nomen iuris do delito do art. 14 da Lei 10826/03 seja porte ilegal de arma de fogo de uso
permitido, o crime em apreço não se restringe à conduta de portar arma de fogo, acessório ou munição, de
uso permitido. Além de portar, as ações nucleares são deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou
ocultar. Estamos diante de um crime de ação múltipla, também conhecido como de conteúdo variado ou
tipo misto alternativo, ou seja, a realização de mais de uma conduta típica, em relação ao mesmo objeto
material, constitui crime único, conforme determina o princípio da alternatividade.

Objetividade jurídica: É a incolumidade pública, eis que o sentido da norma penal é evitar que pessoas
armadas possam colocar em risco a tranquilidade social.

Sujeito ativo: É um crime comum (ou geral), porquanto pode ser cometido por qualquer pessoa. Se o delito
for praticado pelas pessoas citadas nos arts. 6º, 7º e 8º, da Lei 10826/03 ou se o agente for reincidente

19
Art. 322 do CPP: A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

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específico em crimes dessa natureza, a pena é aumentada em metade (art. 20 do Estatuto do


Desarmamento20).

Sujeito passivo: É a coletividade. É um crime vago.

Objeto material: Arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido. Se a arma de fogo for de uso
restrito, o delito será o do artigo 16, caput, da Lei nº 10826/03. Se a arma de fogo, ainda que de uso
permitido, estiver com a numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou
adulterado, o delito será o do artigo 16, IV, do Estatuto do Desarmamento.

Núcleo do tipo penal: como já vimos, são 13 condutas que caracterizam esse crime de ação múltipla ou de
conteúdo variado, também chamado de tipo misto alternativo, ou seja, ainda que violado mais de um verbo
do tipo penal, na mesma situação fática, o delito será único, não havendo se falar em concurso de crimes.
Vejamos os núcleos do tipo penal do art. 14 do Estatuto do Desarmamento:

a) Portar: trazer a arma consigo sem a licença da autoridade competente. Exemplos: trazer a arma
na roupa, na maleta, etc. Há crime do art. 14 do Estatuto do Desarmamento se a arma é carregada
no interior da bolsa. Precedentes do STJ: REsp 930219-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em
8/11/2007
b) Deter: ter, de forma transitória, por um curto período de tempo, sem o ânimo de posse ou
propriedade;
c) Adquirir: Obter, gratuita ou onerosamente. Exemplo: comprar uma arma de fogo; trocar a arma
por algo;
d) Fornecer: abastecer, dar, prover. Exemplo: dar arma de fogo para alguém. Não confunda com o
tipo penal do art. 17 do Estatuto do Desarmamento (comércio ilegal de arma de fogo), pois nessa
implica uma atividade econômica
e) Receber: aceitar.
f) Ter em depósito: Reter a arma para dela dispor quanto necessário. Exemplo: guardar arma de
fogo em um galpão.
g) Transportar: Levar a arma de um lugar para outro, por qualquer meio de transporte. Exemplo:
levar a arma no porta-malas do carro, em barco, etc.). Assim, transporte de arma de fogo no
interior do veículo configura o delito de porte ilegal de arma de uso permitido (art. 14 do Estatuto
do Desarmamento) e não o delito de posse (art. 12 do Estatuto do Desarmamento).
h) Ceder, ainda que gratuitamente: Permitir o uso, ainda que sem qualquer contraprestação ou
finalidade de lucro. Exemplo: Deixar o primo usar a arma de fogo.

20
Art. 20 da Lei 10826/03: Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se: I - forem praticados
por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; II - o agente for reincidente específico em crimes
dessa natureza.

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i) Emprestar: Entregar a arma para alguém fixando prazo para a devolução. Exemplo: Emprestar a
arma para o tio durante o feriado.
j) Remeter: Enviar a arma de um local para o outro, sem acompanhar o objeto. Exemplo: Enviar a
arma pelo correio.
k) Empregar: Usar, utilizar. OBS 1: O emprego da arma poderá caracterizar outro delito autônomo
ou evidenciar o concurso de crimes entre o porte ilegal de arma de fogo e o outro delito (ex:
homicídio, ameaça, etc.). O delito de porte de arma será absorvido pelo crime de homicídio, desde
que o primeiro crime sirva como meio necessário para a prática do homicídio, sendo, assim,
considerado um ante factum impunível, com base no princípio da consunção. Em outras palavras,
o agente emprega a arma unicamente para cometer o delito de homicídio (crime mais grave),
aplicando-se na espécie o princípio da consunção. Todavia, haverá o concurso de crime caso o
porte não tenha sido o meio necessário para o homicídio. Exemplo: O agente, após cometer o
delito de homicídio na data de 05 de maio de 2018, é encontrando com a mesma arma em via
pública na data de 07 de maio de 2018. OBS 2: Se o agente emprega a arma de fogo de uso
permitido para efetuar disparo em via pública. Nesse caso responderá apenas pelo delito mais
grave (art. 15 da Lei 10826/03). É certo que o delito de disparo de arma de fogo é expressamente
subsidiário, porém o princípio da subsidiariedade só tem aplicação ao crime mais grave. OBS 3:
Não há concursos de crime entre porte de arma e roubo quando forem praticados no mesmo
contexto fático, pois o emprego de arma de fogo já funciona como causa especial de aumento de
pena descrita no art. 157, §2º-A, I, do Código Penal (redação dada pela Lei nº 13.654/18). Logo, o
porte de arma fica absorvido pelo princípio da consunção, pois apresenta-se como ante factum
impunível, ou seja, há uma relação de dependência ou de subordinação entre as duas condutas.
Contudo, se forem praticados em contexto fático diverso, existirá o concurso de crimes entre o
porte de arma e o roubo (aplica-se o mesmo raciocínio já explicitado para o delito de homicídio).
l) Manter sob guarda: conservar a arma sob seu cuidado em nome de terceiro. Exemplo: Guardar a
arma para um amigo no armário da escola enquanto ele viaja.
m) Ocultar: esconder a arma. Exemplo: Enterrar a arma numa praça após matar alguém.

Responderá por um único delito de porte ilegal de arma de uso permitido (art. 14 do Estatuto do
Desarmamento), não se aplicando a regra do concurso formal de crimes, pois restará caracterizada uma
situação única de risco à coletividade. Todavia, o magistrado pode levar em conta a quantidade de armas no
momento da fixação da pena-base (circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal).

O delito de porte de arma de fogo de uso permitido é de perigo abstrato. Assim, conclui-se ser desnecessária
prova de situação de risco a pessoa determinada para a configuração desse delito.

Por ser um crime de perigo abstrato, o delito de porte de arma (de uso permitido e de uso restrito) não
necessita da apreensão do artefato e de sua perícia para a edição do édito condenatório, pois presume-se,
de modo absoluto, o risco à coletividade pelo simples fato de alguém portar arma, acessório ou munição,
sem autorização. Todavia, se a arma for apreendida, ela deve ser periciada (art. 25, caput, do Estatuto do

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Desarmamento21) e caso o resultado pericial conclua pela ausência de potencialidade lesiva, a conduta será
considerada atípica.

Os Tribunais Superiores firmaram entendimento no sentido de que é típica a conduta de portar arma de
fogo desmuniciada, em razão do delito de porte ilegal de arma ser crime de perigo abstrato ou presumido,
bastando, portanto, o mero porte de arma para a sua consumação, independentemente de qualquer
resultado anterior.

Elemento subjetivo do tipo: É o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das 13
condutas referente ao porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido.

Elemento normativo do tipo: diz respeito à expressão “sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”. É consubstanciado na ausência de porte de arma de fogo (documento expedido pela
Polícia Federal) ou da autorização para o porte de trânsito (guia de tráfego expedido pelo Comando do
Exército).

Consumação: É crime de mera conduta, que se consuma com a simples realização de uma das trezes
condutas previstas no tipo penal, independentemente da produção de qualquer resultado naturalístico.

Tentativa: É possível. Exemplo: O agente tenta comprar uma arma de fogo.

Declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 14 do Estatuto do Desarmamento: O


legislador infraconstitucional proibiu a concessão de fiança ao preso em flagrante delito pela prática do delito
de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 da Lei nº 10826/03), salvo se esta arma estiver
registrada em nome do agente, porém a regra em questão tornou-se inócua ante a inexistência de qualquer
óbice para o Estado-Juiz autorizar a liberdade provisória sem fiança. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal
na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3112/DF declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único
do art. 14 do Estatuto do Desarmamento, por entendê-lo desarrazoado, sob o fundamento de que o porte
ilegal de arma de fogo de uso permitido não poderia ser equiparado a terrorismo, tortura, tráfico ilícito de
entorpecentes e crimes hediondos (art. 5º, XLII, da CF). Entendeu ainda que por estarmos diante de um crime
de mera conduta não poderia esse ser igualado aos delitos que causam lesão ou ameaça de lesão à vida ou
à propriedade.

Pena: Reclusão de 2 a 4 anos, e multa. Não é uma infração penal de menor potencial ofensivo. Não admite
a transação penal e nem a suspensão condicional do processo.

21
Art. 25, caput, da Lei 10826/03: As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos,
quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo
máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para a destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na
forma do regulamento desta Lei.

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Fiança: A autoridade policial pode conceder fiança para esse delito, pois a pena privativa de liberdade
máxima não é superior a 4 anos, nos exatos termos do art. 322 do CPP22.

Ação Penal: Ação penal pública incondicionada.

4 - DISPARO DE ARMA DE FOGO

Art. 15 da Lei 10826/03: Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em
suas adjacências em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como
finalidade a prática de outro crime:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável (Vide ADI nº 3112)

Inicialmente é de se destacar que o crime de disparo de arma de fogo é um crime expressamente subsidiário.
Chega-se a essa conclusão pelos termos “desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de
outro crime”. Assim, se a intenção de efetuar disparo de arma de fogo for para praticar o delito de homicídio,
o agente responderá apenas por esse delito do art. 121 do Código Penal. É a aplicação do princípio da
subsidiariedade expressa, ou seja, o agente responderá pelo art. 15 do Estatuto do Desarmamento somente
se a sua finalidade não for praticar o delito mais grave mediante a conduta de disparar a arma de fogo (ex:
latrocínio, homicídio, etc.).

Objetividade jurídica: É a incolumidade pública. A tipificação dessa conduta visa proteger a manutenção da
tranquilidade social.

Sujeito ativo: É crime comum, isto é, pode ser cometido por qualquer pessoa. O art. 20 do Estatuto do
Desarmamento preconiza que a pena será aumentada em ½ (metade) se o crime for praticado por
integrantes dos órgãos, empresas ou entidades referidas nos arts. 6º, 7º e 8º, do Estatuto do Desarmamento
ou se o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza.

Sujeito passivo: A coletividade.

Objeto material: Munição. A arma de fogo para ser disparada necessita estar com munição. Balas de festim
não caracteriza o crime em comento por não causarem perigo.

22
Art. 322 do CPP: A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

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Núcleos do tipo penal: O delito de disparo de arma de fogo pode ser praticado de duas maneiras: a) Disparo
de arma de fogo significa atirar, fazer com que o projétil seja lançado pelo cano da arma de fogo de uso
permitido23; b) acionar a munição significa deflagrar cartucho ou projétil de alguma outra forma ou detonar
a espoleta.

Detonar artefato explosivo (ex: dinamite e bombas) ou incendiário configura o crime mais grave descrito no
art. 16, parágrafo único, III, do Estatuto do Desarmamento 24. Por outro lado, a deflagração perigosa e não
autorizada de fogos de artifícios caracteriza a contravenção penal prevista no art. 28, parágrafo único, do
Decreto-Lei nº 3688/4125. Por fim, a soltura de balões acesos configura o delito ambiental previsto no art.
42 da Lei nº 9605/9826.

Elemento espacial do crime: O fato deve ser praticado “em lugar habitado ou suas adjacências” ou “em via
pública ou em sua direção”.

Lugar habitado: é o local onde residem as pessoas, ou seja, um lugar povoado. Exemplo: vila, cidade, chácara,
sítio, fazenda, distrito, etc.

“Adjacências: local próximo àquele habitado. Não se exige que seja dependência de moradia ou local
contíguo, bastando que seja perto do local habitado. Por consequência, disparar em local descampado ou
em um floresta, não configura a infração.27”

Via pública: é o lugar aberto a qualquer pessoa. Exemplos: praça, avenida, rua, rodovia.

23
OBS: Empregar arma de fogo de uso restrito é mais grave e tal conduta é catalogada no art. 16, caput, da Lei 10826/03.

24
Art. 16, parágrafo único, da Lei 10826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação
regulamentar.

25
Art. 28, parágrafo único, do Decreto-Lei 3688/1941: Incorre na mesma pena de prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois)
meses, ou multa, quem, em lugar habitado ou em suas adjacências em via pública ou em direção a ela, sem licença da autoridade,
causa deflagração perigosa, queima fogos de artifício ou solta balão aceso. OBS: Essa contravenção penal continua em vigor
apenas em relação à conduta de queima de fogos de artifício. Vale dizer, em relação à conduta de soltar balões acesos, o art. 28,
parágrafo único, do Dec-Lei 3688/41 foi revogado pelo art. 42 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9605/98).

26
Art. 42 da Lei nº 9605/98: Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais
formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

27
BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo; RIOS GONÇALVES, Victor. Legislação Penal Esquematizado. 3ª ed. São Paulo: Editora Saraiva,
2017, p. 237.

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Em direção à via pública: O disparo é feito em direção à via pública, pouco importando o lugar de onde a
arma é disparada. Ex: O agente atira da janela de sua residência em direção à praça.

Não é necessário a presença de pessoas no momento do disparo, basta que o local seja habitado. Exemplo:
No momento em que o agente dispara a arma de fogo os habitantes de um pequeno vilarejo estavam
dormindo.

Em resumo, se o local não for habitado, a conduta será atípica, pois a segurança pública não foi exposta à
perigo de lesão.

Elemento subjetivo do tipo: É o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de disparar arma de fogo
ou acionar munição. Repare que o disparo acidental da arma de fogo não é punível, haja vista a inexistência
da figura culposa no art. 15 do Estatuto do Desarmamento, porém se tal conduta atingir alguém, esse agente
poderá responder pelo delito de lesão corporal culposa ou homicídio culposo.

Consumação: É crime de mera conduta. Dessa forma, o crime estará consumado no exato momento em que
ocorre o disparo da arma de fogo ou do acionamento da munição.

Tentativa: É possível. Exemplo: O agente é impedido por terceiro de puxar o gatilho no exato instante que
efetuaria o disparo.

Disparo de arma de fogo e o porte ilegal de arma de fogo: Leciona o professor Gabriel Habib que “o porte
será considerado ante factum impunível, ficando absorvido pelo delito de disparo de arma de fogo, por força
do princípio da consunção, desde que o porte e o disparo ocorram no mesmo contexto fático. Caso o disparo
e o porte não ocorram no mesmo contexto fático, ou seja, dissociados um do outro, haverá concursos de
crimes, como no caso de o agente já portar a arma de fogo e depois efetuar os disparos 28”.

Declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 15 do Estatuto do Desarmamento: O


Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 3112/DF declarou a
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 15 do Estatuto do Desarmamento, por entendê-lo
desarrazoado, sob o fundamento de que o disparo de arma de fogo de uso permitido não poderia ser
equiparado a terrorismo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e crimes hediondos (art. 5º, XLII, da CF).
Entendeu ainda que por estarmos diante de um crime de mera conduta não poderia esse ser igualado aos
delitos que causam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à propriedade.

Pena: Reclusão de 2 a 4 anos, e multa. Não é uma infração penal de menor potencial ofensivo. Não admite
a transação penal e nem a suspensão condicional do processo.

28
HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais. 10ª ed. Salvador: JusPodvm, 2018, p. 331.

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Fiança: A autoridade policial pode conceder fiança para esse delito, pois a pena privativa de liberdade
máxima não é superior a 4 anos, nos exatos termos do art. 322 do CPP29.

Ação Penal: Ação penal pública incondicionada.

5 - POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder,
ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma
de fogo, acessório ou munição de uso restrito, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§1. Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou


artefato;

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo


de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro
autoridade policial, perito ou juiz;

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou
em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição
ou explosivo a criança ou adolescente; e

VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma,


munição ou explosivo.

29
Art. 322 do CPP: A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade
máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

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§ 2º Se as condutas descritas no caput e no § 1º deste artigo envolverem arma de fogo de uso


proibido, a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.”(Incluído pela Leinº 13.964/19)

Repare que os núcleos do tipo penal do art. 16, caput, do Estatuto do Desarmamento são os mesmos dos
tipos penais descritos nos arts. 12 e 14 do aludido Estatuto, porém o objeto material é diverso, vez que
estamos diante de arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito. Possuir (núcleo do tipo penal do art.
12 da Lei 10.826/03), deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda
que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar. Em resumo, art. 16,
caput, do Estatuto do Desarmamento unificou as condutas de posse (art. 12) e porte (art. 14), versando,
porém, sobre arma de fogo, acessório ou munição de usos restrito.

Em que pese o nomen iuris do delito do art. 16 da Lei 10826/03 seja porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito, o delito em análise não se restringe à conduta de portar arma de fogo, acessório ou munição, de
uso proibido ou restrito. Além de portar, as ações nucleares são possuir, deter, adquirir, fornecer, receber,
ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob
sua guarda ou ocultar. Estamos diante de um crime de ação múltipla, também conhecido como de conteúdo
variado ou tipo misto alternativo, ou seja, a realização de mais de uma conduta típica, em relação ao mesmo
objeto material, constitui crime único, conforme determina o princípio da alternatividade.

Objetividade jurídica: É a incolumidade pública, eis que o sentido da norma penal é evitar que pessoas
armadas possam colocar em risco a tranquilidade social.

Sujeito ativo: É um crime comum (ou geral), porquanto pode ser cometido por qualquer pessoa. Se o delito
for praticado pelas pessoas citadas nos arts. 6º, 7º e 8º, da Lei 10826/03 ou se o agente for reincidente
específico em crimes dessa natureza, a pena é aumentada em metade (art. 20 do Estatuto do
Desarmamento30).

Sujeito passivo: É a coletividade. É um crime vago.

Objeto material: Arma de fogo, acessório ou munição, de uso restrito. Se a arma de fogo for de uso
permitido, o delito será o do artigo 14 da Lei nº 10.826/03. Se a arma de fogo, ainda que de uso permitido,
estiver com a numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado,
o delito será o do artigo 16, §1º, IV, do Estatuto do Desarmamento. OBS: Portar arma de brinquedo,
simulacro ou réplica é fato atípico, vez que não é arma de fogo.

Pluralidade de armas de uso restrito: Responderá por um único delito de porte ilegal de arma de uso restrito
(art. 16 do Estatuto do Desarmamento), não se aplicando a regra do concurso formal de crimes, pois restará
caracterizada uma situação única de risco à coletividade. Todavia, o magistrado pode levar em conta a

30
Art. 20 da Lei 10826/03: Nos crimes previstos nos arts. 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada da metade se: I - forem praticados
por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; II – o agente for reincidente específico em crimes
dessa natureza.

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quantidade de armas no momento da fixação da pena-base (circunstâncias judiciais do art. 59 do Código


Penal).

O delito de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito, descrito no art. 16 da Lei 10826/03, tentados
ou consumados, passou a ser considerado crime hediondo com o advento da Lei nº 13.497/17, que fez um
acréscimo no art. 1º, parágrafo único, da Lei 8072/90. Contudo, com o ingresso da Lei nº 13.964/19 no
ordenamento jurídico pátrio, deixou de ser etiquetado como hediondo o delito de posse ou porte de arma
de fogo de uso restrito. No ponto, houve uma novatio legis in mellius, que terá eficácia retroativa. Vale dizer,
será hediondo apenas a posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido. Vale ainda destacar que a
Lei 13.964/19, conhecida como pacote anticrime, inseriu ainda mais dois delitos do Estatuto do
Desarmamento no rol dos crimes hediondos, quais sejam, comércio ilegal de armas de fogo (art. 17 do
Estatuto do Desarmamento) e tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição (art. 18 do
Estatuto do Desarmamento), segundo se infere do art. 1º, parágrafo único, incisos III e IV, da Lei nº 8.072/90.

Núcleo do tipo penal: como já vimos, são 14 condutas que caracterizam esse crime de ação múltipla ou de
conteúdo variado, também chamado de tipo misto alternativo, ou seja, ainda que violado mais de um verbo
do tipo penal, na mesma situação fática, o delito será único, não havendo se falar em concurso de crimes.
Vejamos os núcleos do tipo penal do art. 14 do Estatuto do Desarmamento:

a) Possuir: ter a posse da arma de fogo, acessório ou munição, de uso proibido ou restrito, como
possuidor ou proprietário, de maneira prolongada.
b) Portar: trazer a arma consigo sem a licença da autoridade competente. Exemplos: trazer a arma
na roupa, na maleta, etc.
c) Deter: ter, de forma transitória, por um curto período de tempo, sem o ânimo de posse ou
propriedade;
d) Adquirir: Obter, gratuita ou onerosamente. Exemplo: comprar uma arma de fogo; trocar a arma
por algo;
e) Fornecer: abastecer, dar, prover. Exemplo: dar arma de fogo para alguém. Não confunda com o
tipo penal do art. 17 do Estatuto do Desarmamento (comércio ilegal de arma de fogo), pois nesse
último há uma atividade econômica.
f) Receber: aceitar.
g) Ter em depósito: Reter a arma para dela dispor quanto necessário. Exemplo: guardar arma de
fogo em um galpão.
h) Transportar: Levar a arma de um lugar para outro, por qualquer meio de transporte. Exemplo:
levar a arma no porta-malas do carro, em barco, etc.). Assim, transporte de arma de fogo no
interior do veículo configura o delito de porte ilegal de arma de uso proibido ou restrito (art. 16
do Estatuto do Desarmamento) e não o delito de posse (art. 12 do Estatuto do Desarmamento).
i) Ceder, ainda que gratuitamente: Permitir o uso, ainda que sem qualquer contraprestação ou
finalidade de lucro. Exemplo: Deixar o primo usar a arma de fogo de uso proibido ou restrito.
j) Emprestar: Entregar a arma para alguém fixando prazo para a devolução. Exemplo: Emprestar a
arma para o tio durante o feriado).
k) Remeter: Enviar a arma de um local para o outro, sem acompanhar o objeto. Exemplo: Enviar a
arma pelo correio.

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l) Empregar: Usar, utilizar. OBS 1: O emprego da arma poderá caracterizar outro delito autônomo
ou evidenciar o concurso de crime entre o porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e outro
delito (ex: homicídio, ameaça, etc.). O delito de porte de arma será absorvido pelo crime de
homicídio, desde que o primeiro crime sirva como meio necessário para a prática do homicídio,
sendo, assim, considerado um ante factum impunível, com base no princípio da consunção. Em
outras palavras, o agente emprega a arma unicamente para cometer o delito de homicídio (crime
mais grave), aplicando-se na espécie o princípio da consunção. Todavia, haverá o concurso de
crime caso o porte não tenha sido o meio necessário para o homicídio, tendo as condutas
ocorridas em contextos fáticos diversos. Exemplo: O agente, após cometer o delito de homicídio
na data de 05 de maio de 2018, é encontrando com a mesma arma em via pública na data de 07
de maio de 2018. OBS 2: Não há concursos de crime entre porte de arma e roubo quando forem
praticados no mesmo contexto fático, pois o emprego de arma de fogo já funciona como causa
especial de aumento de pena descrita no art. 157, §2º-A, I, do Código Penal (redação dada pela
Lei nº 13.654/18). Logo, o porte de arma fica absorvido pelo princípio da consunção, pois
apresenta-se como ante factum impunível, ou seja, há uma relação de dependência ou de
subordinação entre as duas condutas. O fato de o delito ora em análise não atrapalha em nenhum
momento a sua absorção pelo crime de roubo. Contudo, se forem praticados em contexto fático
diverso, existirá o concurso de crimes entre o porte de arma e o roubo (aplica-se o mesmo
raciocínio já explicitado para o delito de homicídio). OBS 3: Segundo jurisprudência do STJ, não
há que se falar em aplicação do princípio da consunção quando dos delitos de porte ilegal de arma
de fogo de uso restrito e disparo de arma de fogo são praticados em momentos diversos, em
contextos distintos (Conflito de Competência de nº 134342/GO, julgado em 22/04/2015).
m) Manter sob guarda: conservar a arma sob seu cuidado em nome de terceiro. Exemplo: Guardar a
arma para um amigo no armário da escola enquanto ele viaja.
n) Ocultar: esconder a arma. Exemplo: Enterrar a arma numa praça após matar alguém.

Elemento subjetivo do tipo: É o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de praticar qualquer uma das 14
condutas referente ao porte ilegal de arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito.

Elemento normativo do tipo: diz respeito à expressão “sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”.

Consumação: Cuida-se de crime de mera conduta e de perigo abstrato. De tal arte, o crime se consuma com
a simples realização de uma das 14 (catorze) condutas descritas no tipo penal, independente da produção
de qualquer resultado naturalístico.

Tentativa: É possível. Exemplo: o agente tenta adquirir uma arma de fogo de uso restrito.

Ação Penal: Pública Incondicionada

Figuras equiparadas: O parágrafo primeiro do art. 16 do Estatuto do Desarmamento preconiza, na verdade,


seis crimes autônomos e distintos daquele contido no caput do art. 16 do citado diploma legal. Vale dizer,
os seis incisos do art. 16 referem-se a seis distintas hipóteses de crime que aproveitam tão somente a pena

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prevista para o art. 16, caput, da Lei 10.826/03. Essa conclusão deriva facilmente da leitura do inciso II, que
prevê como criminosa a conduta de quem modifica arma de fogo para torná-la equivalente às de uso
proibido ou restrito – fazendo alusão, obviamente, às de uso permitido que venham a ser alteradas.

Art. 16, §1º, da Lei 10.826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo


ou artefato.

Esse delito visa punir a ação do agente que dificulta a identificação do responsável por determinada arma de
fogo ou artefato. Logo, o bem jurídico tutelado é a veracidade do cadastro das armas no SINARM.

Suprimir significa eliminar totalmente, retirar o sinal de identificação. Alterar corresponde a modificar,
mudar, rasurar o sinal de identificação.

O Objeto material é a marca, numeração ou qualquer outro sinal de identificação de arma de fogo de
qualquer uso permitido e calibre ou de artefato (explosivo ou incendiário). Observe que o objeto material
também pode ser uma arma de fogo de uso permitido. Assim, no momento em que essa arma de fogo de
uso permitido é “raspada”, ela é equiparada à arma de uso restrito (art. 16, § único, I, da Lei 10826/03).

Essa figura típica pode ser cometida por qualquer pessoa (crime comum). O art. 16, § 1º, I, da Lei 10826/03
visa punir o autor da modificação ou alteração. Assim, se o agente não tiver sido o autor da modificação ou
alteração responderá pela prática delitiva descrita no art. 16, §1º, IV, da Lei 10826/03 (porte ilegal de arma
de fogo de uso restrito).

Art. 16, §1º, da Lei 10.826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torna-la equivalente a arma de


fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro
autoridade policial, perito ou juiz.

Essa figura típica divide-se em duas partes.

A primeira conduta (modificar as características da arma de fogo de forma a torná-la equivalente a arma de
fogo de uso restrito) protege a incolumidade pública. Exemplo: O agente serra o cano da espingarda para
aumentar o seu potencial lesivo.

A segunda conduta (modificar as características de arma de fogo para fins de dificultar ou de qualquer modo
induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz) protege a Administração da Justiça. Na verdade, o agente
pratica uma espécie de fraude processual, pois visa alterar as características da arma de forma a dificultar o
exame pericial. Exemplo: Trocar o cano da arma para dificultar o exame do confronto balístico. O delito se

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aperfeiçoa ainda que o agente não consiga enganar as autoridades (policiais e judiciárias) ou perito. Cuida-
se de um crime formal. É uma figura especial quando cotejada com o art. 347 do CP (fraude processual 31).

Art. 16, §1º, da Lei 10.826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

A expressão fabricar significa manufaturar.

Observe que o objeto material nessa figura típica não é arma de fogo, acessório ou munição, mas sim artefato
explosivo ou incendiário. Exemplo: granada, coquetel molotov, bomba de fabricação caseira, etc.

Essa figura típica derrogou o art. 253 do Código Penal32 no tocante ao artefato explosivo. Em outras palavras,
o art. 253 do CP continua em vigor no que se refere a gases tóxicos ou asfixiantes, bem como em relação a
substâncias explosivas (ex: tolueno), porquanto o Estatuto do Desarmamento diz respeito apenas a artefato
explosivo.

Art. 16, §1º, da Lei 10.826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado.

O crime em apreço visa proteger a incolumidade pública.

Essa figura típica mostrou-se ser uma importante inovação legislativa, já que o diploma anterior (Lei 9437/97)
somente criminalizava a conduta do agente responsável pela supressão da numeração (art. 16, §1º, I, da Lei
10.826/03). De acordo com o Estatuto do Desarmamento, a mera conduta de o agente estar com a arma de
fogo com identificação prejudicada configura o ilícito penal, independente de não saber quem realmente
raspou a numeração da arma de fogo. Assim, a posse, ainda que em residência, ou o porte, de arma de fogo
com numeração raspada, por si só, caracteriza o crime em tela.

31
Art. 347 do CP: Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa, ou de
pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

32
Art. 253 do CP: Fabricar, fornecer, adquirir, possuir ou transportar, sem licença da autoridade, substância ou engenho explosivo,
gás tóxico ou asfixiante, ou material destinado à sua fabricação:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

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Ainda que a arma de fogo seja de uso permitido, o agente comete o delito do art. 16, §1º, IV, da Lei
10.826/03 e não o delito do art. 12, da citada lei, se o artefato estiver com numeração raspada. Tema já
enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça: “Aquele que está na posse de arma de fogo com numeração
raspada tem sua conduta tipificada no art. 16, parágrafo primeiro, e não no art. 12, caput, da Lei 10826/03,
mesmo que o calibre do armamento corresponda a uma arma de uso permitido (Informativo 364 do STJ).

Objeto material: Arma de fogo (de uso permitido ou de uso restrito) e de qualquer calibre, com a numeração,
marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado (rasurado), suprimido (eliminado) ou adulterado
(fraudado).

É um tipo misto alternativo, pois o cometido de duas ou mais condutas descritas no tipo não acarreta
concurso de crimes, respondendo o agente somente por um delito.

Cuida-se de crime de mera conduta, cuja consumação se perfaz no exato momento da pratica de uma das
condutas descritas no tipo penal.

Art. 16, §1º, da Lei 10.826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição
ou explosivo a criança ou adolescente.

Inicialmente, vale destacar a figura típica em análise, por ser posterior, derrogou o art. 242 do Estatuto da
Criança e do Adolescente33, que continua aplicável a arma de outra natureza, que não seja de fogo. Exemplo:
Armas brancas.

Repare que o tipo penal possui destinatário próprio, qual seja, a arma de fogo, acessório ou munição têm
que chegar ao menor de 18 anos de idade (criança e adolescente).

Art. 16, §1º, da Lei 10826/03: Nas mesmas penas incorre quem:

VI – produzir, recarregar, ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma,


munição ou explosivo.

Essa figura típica foi uma inovação legislativa face à lei anterior (lei 9.437/97). Os núcleos do tipo são:
produzir (criar, elaborar), recarregar (dar nova carga), reciclar (reaproveitamento de alguma matéria),
adulterar (modificar). A munição e o explosivo despontam como objeto material.

Também é um tipo penal misto alternativo, isto é, a prática de duas ou mais condutas descritas no tipo não
gera concurso de crimes, respondendo o sujeito por somente um delito.

33
Art. 242 do ECA: Vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma,
munição ou explosivo.

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Consumação: É um crime de mera conduta. Assim, a consumação ocorre no exato instante da prática das
condutas descritas no tipo penal.

De acordo com a Lei nº 13.964/19, diploma legal responsável por inserir o §2º no art. 16 do Estatuto do
Desarmamento, se o objeto material da conduta descrita no caput ou no §1º desse artigo for arma de uso
proibido, a pena será de reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze). Trata-se de uma qualificadora, incidente,
portanto, na primeira etapa do cálculo trifásico da pena. É crucial ainda destacar o magistério do professor
Renato Brasileiro de Lima: Importantíssimo registrar que o §2º do art. 16, aparentemente olvidando-se que
as condutas previstas no caput e no § 1º (incisos V e VI) do mesmo dispositivo legal abrangem não apenas
armas de fogo, mas também acessórios e munição, fez menção explícita apenas às armas de fogo de uso
proibido. Destarte, na eventualidade de se tratar de posse ou porte de acessório ou de munição de uso
proibido, não nos parece possível tipificar tal conduta no art. 16, §2º, da Lei nº 10.826/03, sob pena de
indevida analogia in malam partem e consequentemente violação ao princípio da legalidade. De fato, fosse
essa a intenção do legislador, o §2º do art. 16 deveria ter sido redigido nos seguintes termos: “ Se as condutas
descritas no caput e no §1º deste artigo envolverem arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido, a
pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 12 anos. Ante o vazio legislativo em relação ao acessório ou munição de
uso proibido, e sem embargo de o caput do art. 16 do Estatuto do Desarmamento, com redação determinada
pelo Pacote Anticrime, fazer referência apenas aos artefatos de uso restrito, queremos crer que tais condutas
deverão ser tipificadas nesta figura do caput, fazendo-se, in casu, verdadeira analogia, porém in bonam
partem34.

6 - COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO

Art. 17 da Lei 10826/03: Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito,
desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar,
em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, e multa.

§1º. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de
prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em
residência.

§2º. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição, sem
autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial

34
BRASILEIRO DE LIMA, Renato. Legislação Especial Criminal Comentada. 8ª ed. Salvador: Juspodivm, 2020, páginas 463/464.

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disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal


preexistente.

Inicialmente, cumpre destacar que a contar da data de 23 de janeiro de 2020, momento em que passa a
vigorar a Lei nº 13694/19, diploma legal conhecido como pacote anticrime, o delito em estudo estará
inserido no rol dos crimes hediondos, nos exatos termos do art. 1º, parágrafo único, III, da Lei nº 8.072.
Cumpre ainda destacar que a Lei nº 13.694/19 promoveu 2 grandes alterações no crime de comércio ilegal
de arma de fogo: 1) Majorou a pena de reclusão para 6 a 12 anos; 2) Previu a figura equiparada no art. 17,
§2º, do Estatuto do Desarmamento, incriminando a conduta de quem vende ou entrega arma de fogo,
acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a
agente policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente.”

Com a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, o art. 18 do Decreto-Lei 3688/4135 restou derrogado
(revogação parcial), tendo sua aplicabilidade restringida às armas brancas.

Em virtude do princípio da especialidade, o art. 17 da lei nº 10826/03 é especial em relação à receptação


qualificada (art. 180, §1º, do Código Penal), afastando sua aplicação.

Objetividade jurídica: É a incolumidade pública. A intenção do legislador é evitar que armas ilegais,
acessórios ou munições circulem pelo país.

Sujeito ativo: Cuida-se de crime próprio, eis que o tipo penal exige uma qualidade especial do agente, qual
seja, ser comerciante ou industrial. Além do mais, o art. 17, parágrafo único, do Estatuto do Desarmamento
ampliou o conceito de atividade comercial ou industrial para equipará-las como qualquer forma de prestação
de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino.

Dessa forma, o armeiro que, sem a autorização competente, faz consertos de arma de fogo no quintal de
sua casa, responde também pelo crime, pois o parágrafo primeiro em comento incrimina qualquer forma de
prestação de serviço. Já o sujeito que não exerce atividade comercial, industrial ou de prestação de serviço
não responde por este delito, mas pode incidir nos crimes de posse ou porte de arma de fogo (art. 12, 14 e
16, todos do Estatuto do Desarmamento).

OBS: Se o delito for cometido por qualquer das pessoas enumeradas nos arts. 6º, 7º e 8º da Lei 10826/03 ou
se o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza, a pena será aumentada em metade.

35
Art. 18 do Dec-Lei nº 3688/41: Fabricar, importar, exportar, ter em depósito ou vender, sem permissão da autoridade, arma ou
munição:

Pena – prisão simples, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas cumulativamente, se o fato não constitui crime contra
a ordem política ou social.

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Sujeito passivo: É a coletividade. Cuida-se de um crime vago.

Objeto material: Arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido ou proibido (restrito). Contudo, se a
arma de fogo, acessório ou munição for de uso proibido ou restrito, incidirá a causa de aumento em metade,
nos moldes do previsto no art. 19 do Estatuto do Desarmamento36.

Núcleos do tipo penal: As condutas são aquelas típicas de comerciantes e industriais: Adquirir, Alugar (ceder
o uso e gozo por determinado período mediante pagamento de preço), Receber, transportar, conduzir,
ocultar, ter em depósito, desmontar (separar as peças), montar (unir peças isoladas para obter uma arma de
fogo), remontar (montar novamente aquilo que foi desmontado), adulterar, vender, expor à venda (exibir
para que alguém compre), utilizar (usar). Cuida-se de um tipo penal misto alternativo, ou seja, a prática de
duas ou mais condutas não acarreta o concurso de crimes, respondendo o agente por apenas um delito.

Elemento normativo do tipo: refere-se aos termos “sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar”. Dessa forma, comete o crime o sujeito que não tem autorização para vender arma,
ou aquele que descumpre determinação legal ou regulamentar.

Elemento subjetivo do tipo: É o dolo, isto é, vontade livre e consciente de praticar qualquer conduta
envolvendo o comércio ilegal de arma de fogo, acessório ou munição. Não existe a modalidade culposa.

Consumação: Cuida-se de crime de mera conduta, cuja consumação se dá no exato momento da ação,
independente do resultado.

Tentativa: É possível. Exemplo: O agente tenta adquirir arma de fogo.

Também estamos diante de um crime de perigo abstrato, pois essa figura criminosa dispensa a
demonstração que pessoa determinada tenha sido exposta a efetiva situação de risco.

Ação Penal: Pública Incondicionada.

Figura equiparada: Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição,
sem autorização ou em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, a agente policial disfarçado,
quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente. Trata-se de
importante inovação legislativa trazida pela Lei nº 13694/19, diploma legal conhecido como pacote
anticrime, com vigência prevista para 23 de janeiro de 2020. Por óbvio, essa norma não tem eficácia
retroativa, por ser uma novatio legis incriminadora, tudo em conformidade com o art. 5º, XL, da Constituição
Federal.

Em primeiro lugar, observa-se a criação de uma nova técnica especial de investigação e também de atuação
do agente policial, qual seja, a figura do agente policial disfarçado, que não deve ser confundida com o

36
Art. 19 da Lei 10826/03: Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou
munição forem de uso proibido ou restrito.

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agente infiltrado37 e nem com o agente provocador38. Repare que a figura do agente policial disfarçado não
induz alguém a praticar crime (elemento existente no agente provocador) e tampouco necessita cativar a
confiança dos integrantes do grupo criminoso (elemento existente no agente infiltrado), caracterizando-se
pelo fato de o policial, sem relevar a sua verdadeira identidade, apresentar-se como um cidadão comum ao
criminoso e, em virtude dessa situação, conseguir dados de conduta criminosa preexistente do agente. O
pressuposto fundamental para que a validade dessa atuação policial é a demonstração de dados probatórios
aptos a revelar que o agente cometeu antes uma conduta criminosa, fato proporcionado pelo disfarce. A
mens legis dessa figura típica foi justamente incriminar a conduta do agente que vende ou entrega arma a
um agente policial disfarçado, sem que tal comportamento configure crime impossível ou flagrante
preparado. Observa-se que em nenhum momento a vontade do criminoso é viciada pelo agente estatal.
Todavia, se a investigação levada ao cabo pelo policial não revelar a conduta criminosa preexistente (ex:
vendedor casual de objetos ilícitos), é de se descartar a presente figura típica.

7 - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO

Art. 18 da Lei 10826/03: Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional,
a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade
competente:

Pena – reclusão, de 8 (oito) a 16 (dezesseis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou
munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente
policial disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal
preexistente.”

Vale acentuar que a contar da data de 23 de janeiro de 2020, momento em que passa a vigorar a Lei nº
13.694/19, diploma legal conhecido como pacote anticrime, o delito em estudo estará inserido no rol dos
crimes hediondos, nos exatos termos do art. 1º, parágrafo único, IV, da Lei nº 8.072. Cumpre ainda destacar
que a Lei nº 13.694/19 promoveu 2 grandes alterações no crime de comércio ilegal de arma de fogo: 1)
Majorou a pena de reclusão para 8 a 16 anos; 2) Previu a figura equiparada no art. 18, parágrafo único, do
Estatuto do Desarmamento, incriminando a conduta de quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou

37
Agente infiltrado é aquele que ingressa na sociedade criminosa com o escopo de colher informes com a finalidade de obter o
seu desmantelamento. O agente infiltrado não age com o indispensável animus associativo, pois visa justamente a destruição
desse grupo criminoso.

38
O agente provocador (teoria da armadilha ou entrapment) está relacionado com a situação do flagrante preparado (ou
provocado ou delito putativo por obra do agente provocador), ou seja, o agente induz os integrantes da organização criminosa à
prática delituosa e, simultaneamente, toma todas as precauções necessárias para que o delito não se consume, aplicando-se, no
ponto, a súmula 145 do Supremo Tribunal Federal (Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível
a sua consumação)

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munição, em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial


disfarçado, quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.

Objetividade jurídica: Incolumidade pública. A intenção do legislador é evitar o comércio internacional e


irregular de arma de fogo, acessório ou munição.

Sujeito ativo: Crime comum (ou geral), pois pode ser cometido por qualquer pessoa. De acordo com o art.
20 do Estatuto do Desarmamento, se o delito for praticado por qualquer das pessoas elencadas nos arts. 6º,
7º e 8º da Lei 10826/03 ou se o agente for reincidente específico em crimes dessa natureza, a pena será
aumentada em metade.

Sujeito passivo: É a coletividade. Cuida-se de crime vago.

Núcleos do tipo penal: Trata-se de tipo penal misto alternativo, isto é, a prática de duas ou mais condutas
previstas no tipo não acarreta em concurso de crimes, de modo de que o agente responde por somente um
crime. São essas as condutas: a) Importar – ingressar em território nacional por terra, água ou ar; b) Exportar
– sair do território nacional por terra, água ou ar; c) favorecer a entrada ou saída do território nacional
significa prestar auxílio para a entrada ou saída dos limites do país.

Objeto material: Arma de fogo, acessório ou munição. Todavia, se a arma de fogo for de uso restrito ou
proibido, haverá a aplicação da causa de aumento em metade, nos exatos termos do art. 19 da Lei 10826/03.

Elemento subjetivo: É o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de praticar qualquer conduta referente ao
tráfico internacional de armas. Não existe a figura culposa.

Elemento normativo: verifica-se na expressão “sem autorização da autoridade competente”. No caso, a


autoridade competente é o Comando do Exército, segundo se infere do art. 24 do Estatuto do
Desarmamento, verbis:

Art. 24 da Lei 10826/03: Excetuadas as atribuições a que se refere o art. 2º desta Lei, compete
ao Comando do Exército autorizar e fiscalizar a produção, exportação, importação, desembaraço
alfandegário e o comércio de armas de fogo e demais produtos controlados, inclusive o registro
e o porte de trânsito de arma de fogo de colecionadores, atiradores e caçadores.

Competência: Esse delito será processado e julgado na Justiça Federal por existir interesse da União Federal
no tocante ao exercício de fiscalização sobre a zona alfandegária (art. 109, IV, da Constituição Federal 39).

39
Art. 109 da CF: Aos juízes federais compete processar e julgar:

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas
entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral.

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Consumação: Cuida-se de crime de mera conduta. Logo, consuma-se no exato instante em que é praticada
cada uma das condutas descritas no tipo penal.

Tentativa: É possível.

Figura equiparada: Incorre na mesma pena quem vende ou entrega arma de fogo, acessório ou munição,
em operação de importação, sem autorização da autoridade competente, a agente policial disfarçado,
quando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal preexistente.” Trata-se de
importante inovação legislativa trazida pela Lei nº 13694/19, diploma legal conhecido como pacote
anticrime, com vigência prevista para 23 de janeiro de 2020. Por óbvio, essa norma não tem eficácia
retroativa, por ser uma novatio legis incriminadora, tudo em conformidade com o art. 5º, XL, da Constituição
Federal.

Em primeiro lugar, observa-se o surgimento de uma nova técnica especial de investigação e também de
atuação do agente policial, qual seja, a figura do agente policial disfarçado, que não deve ser confundida
com o agente infiltrado40 e nem com o agente provocador41. Repare que a figura do agente policial disfarçado
não induz alguém a praticar crime (elemento existente no agente provocador) e tampouco necessita cativar
a confiança dos integrantes do grupo criminoso (elemento existente no agente infiltrado), caracterizando-se
pelo fato de o policial, sem relevar a sua verdadeira identidade, apresentar-se como um cidadão comum ao
criminoso e, em virtude dessa situação, conseguir dados de conduta criminosa preexistente do agente. O
pressuposto fundamental para que a validade dessa atuação policial é a demonstração de dados probatórios
aptos a revelar que o agente cometeu antes uma conduta criminosa, fato proporcionado pelo disfarce. A
mens legis dessa figura típica foi justamente incriminar a conduta do agente que vende ou entrega arma, em
operação de importação, a uma agente policial disfarçado, sem que tal comportamento configure crime
impossível ou flagrante preparado. Observa-se que em nenhum momento a vontade do criminoso foi viciada
pelo agente estatal. Todavia, se a investigação levada ao cabo pelo policial não revelar a conduta criminosa
preexistente (ex: vendedor casual de objetos ilícitos), é de se descartar a presente figura típica.

LIBERDADE PROVISÓRIA
Dispõe o art. 21 da Lei nº 10.826/03:

40
Agente infiltrado é aquele que ingressa na sociedade criminosa com o escopo de colher informes com a finalidade de obter o
seu desmantelamento. O agente infiltrado não age com o indispensável animus associativo, pois visa justamente a destruição
desse grupo criminoso.

41
O agente provocador (teoria da armadilha ou entrapment) está relacionado com a situação do flagrante preparado (ou
provocado ou delito putativo por obra do agente provocador), ou seja, o agente induz os integrantes da organização criminosa à
prática delituosa e, simultaneamente, toma todas as precauções necessárias para que o delito não se consume, aplicando-se, no
ponto, a súmula 145 do Supremo Tribunal Federal (Não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível
a sua consumação)

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Art. 21 da Lei 10826/03: Os crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18 são insuscetíveis de liberdade
provisória.

O legislador quis proibir a liberdade provisória aos delitos de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso
restrito (art. 16 do Estatuto do Desarmamento), comércio ilegal de arma de fogo (art. 17 do Estatuto do
Desarmamento) e tráfico internacional de arma de fogo (art. 18 do Estatuto do Desarmamento). Esse
julgamento foi bem explicado pelo professor Fernando Capez, in verbis:

Nesse panorama jurídico, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, acabou por declarar,
na data de 2 de maio de 2007, a inconstitucionalidade de três dispositivos do Estatuto do Desarmamento, na
ADIn 3.112, dentre eles o art. 21, que negava liberdade provisória aos acusados de posse ou porte ilegal de
arma de uso restrito, comércio ilegal de arma e tráfico internacional de arma. A Suprema Corte considerou
que o mencionado dispositivo legal constituía afronta aos princípios constitucionais da presunção de
inocência e do devido processo legal (CF, art. 5º, LVII e LXI).

Ressaltou -se que, não obstante a proibição da liberdade provisória tenha sido estabelecida para crimes de
suma gravidade, a Constituição não permite a prisão ex lege, sem motivação, a qual viola, ainda, os princípios
da ampla defesa e do contraditório (CF, art. 5º, LV). Além disso, os ministros anularam dois dispositivos do
Estatuto que proibiam a concessão de liberdade, mediante o pagamento de fiança, no caso de porte ilegal
de arma (parágrafo único do art. 14) e disparo de arma de fogo (parágrafo único do art. 15), julgando
desarrazoada a vedação, sob o argumento de que tais delitos não poderiam ser equiparados a terrorismo,
prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes ou crimes hediondos (CF, art. 5º, XLIII). Considerou-se,
ainda, que, por constituírem crimes de mera conduta, embora impliquem redução no nível de segurança
coletiva, não poderiam ser igualados aos delitos que acarretam lesão ou ameaça de lesão à vida ou à
propriedade.

Mencione-se, finalmente, que, a partir das alterações promovidas pela Lei n. 12.403/2011 na sistemática da
prisão e liberdade provisória, prevista no Código de Processo Penal, o agente que praticar qualquer um dos
crimes previstos nos arts. 16, 17 e 18, poderá lograr o benefício da liberdade provisória com fiança (CPP, arts.
322, 323 e 324) ou a liberdade provisória acompanhada de medidas cautelares diversas (CPP, art. 321 c/c o
art. 319). Assim, o agente poderá obter o benefício legal quando ausentes os motivos que autorizam a prisão
preventiva (CPP, art. 321). Desse modo, somente se admitirá a prisão antes da condenação quando for
imprescindível para evitar que o acusado continue praticando crimes durante o processo, frustre a produção
da prova ou fuja sem paradeiro conhecido, tornando impossível a futura execução da pena, ou descumpra
qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (CPP, art. 312, caput e parágrafo
único). Quando não ocorrer nenhuma dessas hipóteses, não se vislumbra a existência de periculum in mora
e não se poderá impor a prisão processual. Importante notar que a Lei n. 12.403/2011 tornou a prisão

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preventiva como o último recurso à disposição do magistrado, pois esta somente será determinada quando
não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (CPP, art. 282, § 6º, c/c o art. 319)42.

DISPOSIÇÕES GERAIS

1 - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL


Embora a Polícia Federal seja o órgão responsável pelos registros das armas de fogo e pela expedição de
autorizações para o porte, bem como o SINARM como o órgão encarregado do cadastro das armas de fogo,
a competência para julgar os delitos do Estatuto do Desarmamento, com exceção do delito de tráfico
internacional de armas (art. 18 da Lei 10826), é da Justiça Estadual, porquanto os crimes em análise não
violam bens, serviços ou interesses da União Federal, suas autarquias ou empresas públicas (art. 109, IV, da
CF).

2 - DESTRUIÇÃO DOS OBJETOS APREENDIDOS


As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não
interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no
prazo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças
Armadas, na forma do regulamento desta Lei (art. 25 da Lei 10826/03).

Repare que mesmos as armas apreendidas que tenham sido empregadas como instrumento para a prática
de outros delitos devem ser endereçadas ao Comando do Exército, não se aplicando o art. 91, II, “a”, do
Código Penal, que determina a perda dos instrumentos do crime em favor da União, cuja detenção ou porte
constitua infração penal.

3 - REFERENDO POPULAR
Em outubro de 2005, o art. 35, caput, do Estatuto do Desarmamento (É proibida a comercialização de arma
de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei) foi
submetido à referendo popular, ocasião em que maioria da população rejeitou tal proibição. Com isso, não
se encontra proibida a venda de armas e munições no território nacional.

42
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Legislação Penal Especial. Volume 4. São Paulo: Editora Saraiva, 2017, p. 453 e 454.

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4 - BANCO NACIONAL DE PERFIL BALÍSTICO


A lei 13.694/19 criou o Banco Nacional de Perfil Balístico (art. 34-A do Estatuto do Desarmamento).

Os dados relacionados à coleta de registros balísticos serão armazenados no Banco Nacional de Perfis
Balísticos.

O Banco Nacional de Perfis Balísticos tem como objetivo cadastrar armas de fogo e armazenar características
de classe e individualizadoras de projéteis e de estojos de munição deflagrados por arma de fogo.

O Banco Nacional de Perfis Balísticos será constituído pelos registros de elementos de munição deflagrados
por armas de fogo relacionados a crimes, para subsidiar ações destinadas às apurações criminais federais,
estaduais e distritais. Esse Banco será gerido pela unidade oficial de perícia criminal.

Os dados constantes do Banco Nacional de Perfis Balísticos terão caráter sigiloso, e aquele que permitir ou
promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial responderá civil,
penal e administrativamente.

É vedada a comercialização, total ou parcial, da base de dados do Banco Nacional de Perfis Balísticos.

A formação, a gestão e o acesso ao Banco Nacional de Perfis Balísticos serão regulamentados em ato do
Poder Executivo federal.

QUESTÕES COM COMENTÁRIOS


Promotor

1. (FCC/Promotor de Justiça da Paraíba/2018) Nos termos do Estatuto do Desarmamento (Lei nº


10.826/2003), a conduta de emprestar a terceiro arma de fogo, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, configura o crime de
a) empréstimo ilegal de arma de fogo.
b) omissão de cautela.
c) porte ilegal de arma de fogo.
d) comércio ilegal de arma de fogo.
e) posse irregular de arma de fogo.

Comentário:

A alternativa correta é a letra C. O fato em tela configura o delito de porte ilegal de arma, nos exatos termos
do art. 14 do Estatuto do Desamamento: Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito,

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transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação
legal ou regulamentar:

As alternativas A, B, D e E estão erradas, eis que destoam do art. 14 do Estatuto do Desarmamento.

2. (MPE-SC/Promotor de Justiça de Santa Catarina/2019)


Se o objeto mediante o qual for praticado o crime de posse de arma de fogo for uma arma de fogo com
numeração suprimida pelo sujeito, ocorrerá um concurso formal de delitos entre a posse e a supressão (Lei
n. 10.826/2003).

Comentário:

O item está errado. A situação em tela configura o crime único estampado no art. 16, §1º, IV, do Estatuto do
Desarmamento. Contudo, se o objeto material for arma de fogo de uso proibido, o delito será qualificado,
nos termos do art. 16, §2º, do citado diploma legal.

3. (MPE-SC/Promotor de Justiça de Santa Catarina/2019)


O crime de porte de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) é um crime de perigo concreto.

Comentário:

O item está errado. Por ser um crime de perigo abstrato, o delito de porte de arma (de uso permitido e de
uso restrito) não necessita da apreensão do artefato e de sua perícia para a edição do édito condenatório,
pois presume-se, de modo absoluto, o risco à coletividade pelo simples fato de alguém portar arma,
acessório ou munição, sem autorização. Todavia, se a arma for apreendida, ela deve ser periciada (art. 25,
caput, do Estatuto do Desarmamento43) e caso o resultado pericial conclua pela ausência de potencialidade
lesiva, a conduta será considerada atípica.

Defensor

4. (CESPE/Defensor Público do Distrito Federal/2019)


O porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ainda
que a arma esteja desmuniciada ou comprovadamente inapta a realizar disparos, configura delito de porte
ilegal de arma de fogo.

43
Art. 25, caput, da Lei 10826/03: As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos,
quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo
máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para a destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na
forma do regulamento desta Lei.

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Comentário:

O item está certo. A apreensão e o exame pericial não são necessários para a configuração do delito do art.
14 do Estatuto do Desarmamento. Cuida-se de crime de perigo abstrato.

Delegado de Polícia

5. (CESPE/Delegado Federal/2018)
O registro de arma de fogo na PF, mesmo após prévia autorização do SINARM, não assegura ao seu
proprietário o direito de portá-la.

Comentário:

O item está certo. Autorizar o titular (proprietário) a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de
sua residência ou domicilio, ou dependência desses, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja o
proprietário ou responsável legal pelo estabelecimento ou empresa (art. 5º, caput, da Lei nº 10826/03).

LISTA DE QUESTÕES
Promotor

1. (FCC/Promotor de Justiça da Paraíba/2018) Nos termos do Estatuto do Desarmamento (Lei nº


10.826/2003), a conduta de emprestar a terceiro arma de fogo, sem autorização e em desacordo com
determinação legal ou regulamentar, configura o crime de
a) empréstimo ilegal de arma de fogo.
b) omissão de cautela.
c) porte ilegal de arma de fogo.
d) comércio ilegal de arma de fogo.
e) posse irregular de arma de fogo.
2. (MPE-SC/Promotor de Justiça de Santa Catarina/2019)
Se o objeto mediante o qual for praticado o crime de posse de arma de fogo for uma arma de fogo com
numeração suprimida pelo sujeito, ocorrerá um concurso formal de delitos entre a posse e a supressão (Lei
n. 10.826/2003).
3. (MPE-SC/Promotor de Justiça de Santa Catarina/2019)
O crime de porte de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003) é um crime de perigo concreto.

Defensor

4. (CESPE/Defensor Público do Distrito Federal/2019)

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O porte de arma de fogo sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, ainda
que a arma esteja desmuniciada ou comprovadamente inapta a realizar disparos, configura delito de porte
ilegal de arma de fogo.

Delegado de Polícia

5. (CESPE/Delegado Federal/2018)
O registro de arma de fogo na PF, mesmo após prévia autorização do SINARM, não assegura ao seu
proprietário o direito de portá-la.

GABARITO
Promotor

1. C
2. INCORRETA
3. INCORRETA

Defensor

4. CORRETA

Delegado de Polícia

5. CORRETA

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