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ANÁLISE DA COMPETITIVIDADE DA CADEIA PRODUTIVA

DA CARNE BOVINA DO ESTADO DE SÃO PAULO1

Hildo Meirelles de Souza Filho2


Fabiano Tito Rosa3
Marcela de Mello Brandão Vinholis4

1 - INTRODUÇÃO1234 suprimento de animais, financiamento, extensão


rural e infraestrutura, também devem ser analisa-
O Brasil é o principal exportador no dos. O presente artigo tem como objetivos identifi-
mercado mundial de carne bovina, sendo que São car e analisar o papel de fatores críticos na compe-
Paulo destaca-se como maior exportador e se- titividade dessa cadeia, bem como propor ações
gundo maior produtor nacional do produto. Porém, para o seu desenvolvimento.
a participação do Estado no mercado vem se re-
duzindo e, nos últimos anos, a maior parte dos
investimentos produtivos têm se concentrado nas 2 - MATERIAL E MÉTODOS
regiões centro-oeste e norte do País. Em 2007,
São Paulo produziu 1,37 milhão de toneladas Nesse trabalho, assume-se que a com-
equivalente carcaça de carne bovina e exportou petitividade está relacionada com a capacidade de
1,16 milhão de t. No entanto, a participação paulis- uma empresa, região ou país de manter e expan-
ta na produção e exportação nacional retraiu-se. dir mercados de forma sustentada. Nesse sentido,
Entre 2005 e 2007, a produção e as exportações alguns indicadores têm sido utilizados para avaliar
de carne bovina de São Paulo, em volume, au- a competitividade, tais como a participação de
mentaram 5,1% e 1,1%, respectivamente, enquan- mercado (market-share) e a lucratividade (no caso
to no Brasil, seguindo a mesma ordem, os aumen- das empresas) (FERRAZ; KUPFER; HAGUE-
tos foram de 8,4% e 18,4% (SCOT CONSULTO- NAUER, 1996). Tratam-se de indicadores de
RIA, 2008). competitividade revelada, que medem um estado
A redução da importância da produção ou condição de competitividade, mas não mostram
paulista de carne bovina no contexto nacional tem os seus determinantes. Para solucionar essa lacu-
sido atribuída à perda de competitividade de sua na, vários autores têm ressaltado a importância de
pecuária de corte. A recente expansão da pecuária se avaliar os fatores que indiquem o potencial de
nas regiões centro-oeste e norte do País tem sido competitividade. A predição do potencial competiti-
realizada em condições de menores custos, es- vo pode ser realizada por meio da identificação e
pecialmente com terra e alimentação animal mais análise de direcionadores de competitividade (VAN
baratas. Entretanto, outros aspectos críticos para a DUREN; MARTIN; WESTGREN, 1991; SILVA;
competitividade da cadeia, como tecnologia, segu- BATALHA, 1999; SILVA; SOUZA FILHO, 2007).
rança dos alimentos, rastreabilidade, certificação, Em trabalho precursor na cadeia de carne bovina
tributação, relações de mercado, coordenação do brasileira, IEL; CNA; SEBRAE (2000) analisaram
vários direcionadores de competitividade, tais co-
1
mo: comércio exterior, condições macroeconômi-
Este artigo apresenta resultados do projeto “Uma agenda
para a competitividade da indústria paulista, cadeia de
cas, tributação, legislação sanitária, tecnologia, in-
carne bovina”, coordenado e financiado pela Fundação sumos, gestão das firmas, relações de mercado e
Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) e pelo Instituto consumo.
de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT),
com a colaboração do GEPAI/DEP/UFSCar. Registrado no
No presente artigo o referencial teórico
CCTC, IE-65/2009. acima foi utilizado com objetivo de identificar os
2
Economista, Doutor, Professor do Departamento de Enge- fatores críticos da competitividade da cadeia de
nharia de Produção da UFSCar (e-mail: hildo@ufscar.br). carne bovina do Estado de São Paulo.
3
Zootecnista, Mestre, Scot Consultoria (e-mail: fabiano.tito@ Para a realização do estudo foram utili-
minerva.ind.br). zadas informações secundárias, obtidas junto a
4
Engenheira Agrônoma, Mestre, Pesquisadora da EMBRA- órgãos do governo, institutos de pesquisa, ban-
PA Pecuária (e-mail: marcela.vinholis@dep.ufscar.br). cos de dados de empresas privadas e associa-

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ções de classe, além de dados primários obtidos a tributação (Quadro 2).

Análise da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina


através de aplicação de questionários semiestru- Após o workshop, iniciou-se à fase de
turados a agentes-chave do setor. checagem, validação e análise dos fatores críticos
A limitação de tempo e de recursos e a previamente identificados, bem como a identifica-
abrangência do estudo levaram à opção pelo en- ção e a análise de novos fatores, por meio de
foque metodológico denominado “pesquisa rápi- informações e estatísticas de bancos de dados de
da”, que tem sido amplamente utilizado em análi- domínio público, como o do Serviço de Inspeção
ses de sistemas agroalimentares. É bastante Federal (SIF), o do Instituto de Economia Agrícola
pragmático e utiliza, de forma combinada, méto- (IEA), o do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
dos de coleta de informações convencionais, no tística (IBGE), o da Companhia Nacional de Abas-
qual o rigor estatístico é flexibilizado em favor da tecimento (CONAB) e o do Departamento de
eficiência operacional (SILVA; SOUZA FILHO, Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Também
2007). O método de pesquisa rápida é caracteri- foram utilizadas informações do banco de dados
zado por três elementos principais: o uso maximi- da Scot Consultoria (2008), empresa privada
zado de informações de fontes secundárias, a localizada em Bebedouro, no Estado de São Pau-
condução de entrevistas informais e semi-estru- lo, especializada em levantamento e análise de
turadas com agentes-chave da cadeia em estudo informações para o mercado agropecuário.
e a observação direta dos estágios que a com- Porém, como é característico do setor
põem (SOUZA FILHO; BUAINAIN; GUANZI- de carne bovina, nem todas as informações ne-
ROLLI, 2007). cessárias para a condução do trabalho eram de
A metodologia proposta inicia-se com fácil acesso. Muitas dessas informações depen-
uma minuciosa busca de informações já disponí- diam de fontes primárias. Portanto, foram realiza-
veis por meio de fontes secundárias. Assim, exis- das entrevistas semiestruturadas com os agen-
te a necessidade de acesso aos anuários estatís- tes-chave do setor (Quadro 3), que consistem em
ticos, aos estudos anteriores, aos artigos acadê- perguntas e questões apresentadas de forma
micos, aos artigos de imprensa, aos relatórios simples e direta, a fim de proporcionar mais liber-
governamentais, às análises de associações dade para o entrevistador e para os entre-
comerciais, de organismos internacionais, ONGs, vistados. A utilização dessa estrutura deveu-se a
entre outras fontes. Informações gerais de natu- três motivos principais:
reza quantitativa e qualitativa são obtidas, o que a) A entrevista direta possibilita não só um me-
permite um pré-diagnóstico da cadeia logo nos lhor esclarecimento quanto às perguntas do
primeiros estágios do estudo. O pré-diagnóstico questionário, como também permite, e talvez
pode revelar eventuais lacunas de informações, seja esse o fator mais importante, a obtenção
que são preenchidas por meio de coleta primária de informações adicionais;
(SILVA; SOUZA FILHO, 2007). b) Questionários semiestruturados permitem que o
Em um workshop realizado na sede da entrevistado tenha maior liberdade de opinião,
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo não ficando restrito às opções apresentadas;
(FIESP), em São Paulo, em 19 de outubro de c) O universo pesquisado é formado por profis-
2007, que contou com a presença de agentes- sionais de empresas e elos distintos (insumos,
-chave da cadeia produtiva da carne bovina do produção, abate e processamento), o que tor-
Estado de São Paulo (Quadro 1), foram pré-iden- naria um questionário estruturado não adaptá-
tificados os principais fatores críticos da competi- vel a todos eles.
tividade da produção de carne bovina no Estado. O questionário foi dividido em três se-
Como fatores positivos, ou seja, que favorecem a ções: abate e processamento, comércio exterior
competitividade de São Paulo, foram citados: as e pecuária (produção). Cada uma delas era com-
condições de infraestrutura logística, o status posta por uma série de perguntas a fim de identi-
sanitário, o nível de tecnologia e de gestão de ficar, descrever e avaliar a importância dos fato-
pecuaristas e empresas frigoríficas e o mercado res de competitividade para cada uma dessas
consumidor. Como fatores negativos, que preju- operações. Aos entrevistados foi dada a liberdade
dicam a competitividade do Estado, foram apon- de acrescentar qualquer outro tipo de informação,
tados: a diminuição das áreas de pastagem e do além de apontar fatores críticos adicionais não
rebanho (oferta de gado), o elevado valor da incluídos nos questionários.
terra, os custos de produção relativamente altos e Por meio das informações secundárias

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QUADRO 1 - Participantes do Workshop


Souza Filho; Rosa; Vinholis

Participante Empresa/Instituição
1 Diário Oficial
2 IPT
3 SINDIFRIO
4 FIESP
5 UNESP Araraquara
6 ABNP e Câmara Setorial da Carne Bovina do Estado de São Paulo
7 UFSCAR e Scot Consultoria
8 IPT
9 Sadia
10 FIESP - DEAGRO
11 Marfrig
12 UFSCAR
13 UFSCAR e EMBRAPA
Fonte: Dados da pesquisa.

QUADRO 2 - Fatores Críticos da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina de São Paulo
Previamente Identificados em Workshop
Positivo Negativo
Infraestrutura logística Diminuição de área e de rebanho
Sanidade Valor da terra
Tecnologia e gestão Custos de produção
Mercado consumidor Tributação
Fonte: Dados da pesquisa.

QUADRO 3 - Agentes-chave Entrevistados


Entrevistado Empresa Área de atuação do entrevistado
1 Associação Brasileira de Novilho Precoce - ABNP Secretaria executiva
2 Associação Brasileira de Novilho Precoce - ABNP Presidência
3 Bellman Nutrição Animal Diretoria
4 Frigorífico Bertin Compra de gado/relacionamento com fornecedores
5 Frigorífico Bertin Compra de gado
6 Frigorífico Bertin Tesouraria
7 Frigorífico Independência Relacionamento com fornecedores
8 Frigorífico Minerva Tributação
9 Frigorífico Minerva Departamento de exportação
10 Frigorífico Olhos D’Água Diretoria
11 Scot Consultoria Diretoria
Fonte: Dados da pesquisa.

e das entrevistas com agentes-chave, os princi- 3 - RESULTADOS E DISCUSSÃO


pais fatores críticos da competitividade da cadeia
produtiva da carne bovina de São Paulo foram Esta seção apresenta uma síntese dos
selecionados, em função de sua importância, e principais resultados alcançados. Encontra-se divi-
analisados. Posteriormente, foram elaboradas as dida em sete subseções e cada uma está dedica-
sugestões de ações, no âmbito das políticas pú- da aos principais fatores críticos encontrados:
blicas, com o objetivo de elevar a competitividade tecnologia, segurança dos alimentos, tributação,
da produção de carne bovina no Estado de São relações de mercado e coordenação, crédito, ex-
Paulo. tensão rural e infraestrutura.

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3.1 - Tecnologia são mundialmente conhecidos e disseminados. As

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inovações tecnológicas mais importantes estão
São Paulo, pela sua característica de relacionadas com aditivos, máquinas, equipamen-
terras de elevado valor, tende a especializar-se na tos e embalagens, sendo desenvolvidas externa-
atividade de pecuária intensiva, ou seja, deve mente às unidades de abate e preparação de
avançar na difusão de sistemas de produção pou- carnes. As inovações nessas áreas são rapida-
padores de terra. De fato, o Estado já apresenta mente colocadas no mercado, sendo os frigorí-
indicadores técnicos acima da média brasileira ficos, em geral, compradores de tecnologias em-
(Tabela 1), principalmente aqueles relacionados à butidas em máquinas e equipamentos.
atividade de engorda, como a taxa de desfrute e a A indústria frigorífica paulista exportado-
produção de carne por área, embora deva se con- ra mantém um nível tecnológico compatível com
siderar que isso não é só fruto de incorporação de os padrões internacionais. Dentre as inovações
tecnologia, mas também resultado do abate de mais significativas, pode-se citar: a desossa me-
animais de outros Estados por parte de frigoríficos canizada, o fluxo de produção contínuo (sistema
paulistas. de paletização e movimentação), a utilização de
Outro indicador de intensificação tecno- túneis de congelamento contínuo, máquinas à
lógica referente à pecuária paulista é a maciça laser para corte dos porcionados, túneis de conge-
presença de confinamentos. Em 2007, de acordo lamento para porcionados (à base de nitrogênio,
com estimativas da Scot Consultoria (2008), o congelando a carne rapidamente) e sistemas de
volume de bovinos confinados em São Paulo, algo embalagem à vácuo. Essas tecnologias são cruci-
em torno de 460 mil cabeças, respondeu por 18% ais para a competitividade pois permitem aumentar
do total confinado em todo o País. No entanto, a a produtividade, com a utilização de sistemas au-
representatividade dos confinamentos paulistas tomatizados, diminuir o número de acidentes,
vem caindo, com destaque para o crescimento reduzir custos e eliminar perdas. Entretanto, há
registrado em Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso heterogeneidade no padrão tecnológico, dado que
do Sul. São Paulo já foi o principal Estado confina- frigoríficos modernos ainda convivem com estrutu-
dor do Brasil, posição ocupada, em 2008, por ras de abate que utilizam tecnologias rudimenta-
Goiás, com mais de 40% do rebanho. res.
A perda de competitividade dos confi- A estratégia de agregar valor aos produ-
namentos de São Paulo está, em grande medida, tos e reduzir a importância relativa da carne com-
ligada ao deslocamento dos rebanhos de cria e modity tem sido largamente adotada pelos gran-
recria, bem como da produção de grãos para o des frigoríficos paulistas. Procura-se atender os
centro-oeste e norte. A porção concentrada das diversos padrões culturais de consumo do merca-
dietas, formada por grãos e resíduos, é justamente do internacional e, especialmente, o crescente
a mais onerosa. Os invernistas paulistas passaram mercado de produtos de conveniência. Isso tem
a ter que buscar animais e grãos a distancias cada levado as maiores empresas a realizar vultosos
vez maiores, o que aumenta os custos com frete e investimentos na criação e lançamento de novos
tributos. produtos. Inovações de produtos destinados ao
A cana-de-açúcar, abundante em São mercado doméstico têm sido expressivas, refletin-
Paulo, é uma boa opção para a composição da do-se em cortes de carne mais especializados,
fração volumosa da dieta de bovinos confinados. com produtos embalados à vácuo e menor quanti-
No entanto, este é justamente o componente mais dade por embalagem. Para o mercado externo
barato da alimentação. Além disso, em função da são produzidos produtos com maior valor agrega-
facilidade de manejo, do aumento do ganho de do e diferenciação, tais como os porcionados,
peso e melhor uso da terra, os confinadores têm enlatados e carne orgânica.
optado, com frequência cada vez mais acentuada, A adoção de tecnologia de informação
pela formulação de dietas de “alto concentrado” na gestão, bem como o seu grau de utilização
(maior porcentagem da matéria seca da dieta muito variável, indo de inexistente, nas empresas
composta por concentrados), ao invés de dietas de menores, particularmente voltadas para o mercado
“alto volumoso” (maior porcentagem da matéria local, até elevado em empresas multiplantas de
seca da dieta composta por volumosos). grande porte. No caso das empresas exportado-
No segmento de abate e processamen- ras, a exigência de rastreabilidade por parte da
to, os processos produtivos das empresas líderes União Europeia (UE) tem levado à adoção de

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TABELA 1 - Índices Produtivos da Bovinocultura de Corte Paulista em Relação às Médias Brasileiras


Souza Filho; Rosa; Vinholis

Quesito São Paulo Brasil São Paulo/Brasil (%)


Lotação (cab./ha) 1,53 1,14 -25
Desfrute (%) 48,25 23,11 - 52
Produtividade (kg carne/ha/ano) 58,06 163,29 181
Mortalidade até a desmama (%) 3 6 100
Natalidade (%) 70 68 -3
Fonte: Scot Consultoria (2008).

sistemas informatizados para armazenamento de tecnologia de alimentos.


dados, controle e emissão de documentos oficiais. É importante destacar que algumas
O nível tecnológico das plantas de abate dificuldades são encontradas pelas empresas para
e processamento instaladas no Estado de São a adoção de novas tecnologias, particularmente
Paulo pode ser considerado igual ou superior ao em treinamento de pessoal e rearranjo de layout.
nível encontrado nos Estados que são grandes Em seu contexto geral, o nível tecnoló-
produtores de carne bovina. Apesar de inúmeras gico de pecuaristas e frigoríficos paulistas encon-
novas plantas terem se instalado nos Estados da tra-se acima da média brasileira, conferindo ga-
região centro-oeste, em São Paulo estão instala- nhos competitivos em termos de custo, de quali-
das unidades das principais empresas que aten- dade, de confiabilidade de entrega e, consequen-
dem ao exigente mercado externo. temente, de acesso aos mercados. Para sustentar
O Estado de São Paulo encontra-se em esse aparato tecnológico, o Estado de São Paulo
posição privilegiada por abrigar importantes institui- possui a melhor estrutura de P&D e de extensão
ções de pesquisa em pecuária bovina de corte e rural do País. No entanto, na comparação com
processamento de carnes. Além de conceituadas concorrentes internacionais, a incorporação de
universidades públicas (USP, UNESP, UNICAMP, tecnologia em São Paulo, principalmente no que
UFSCAR) atuando na pesquisa voltada para a diz respeito à produção pecuária (bovinos), já não
cadeia produtiva da carne bovina, São Paulo conta se mostra tão acentuada. Além disso, a cadeia
com cinco centros de pesquisa da Empresa Brasi- produtiva de São Paulo, altamente dependente da
leira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) nas matéria-prima gerada fora do Estado, acaba sendo
áreas de pecuária, instrumentação agropecuária, negativamente afetada pelo baixo nível tecnológi-
meio ambiente, informática agropecuária e monito- co observado em outras regiões do País.
ramento por satélite. O Estado conta com a Agên-
cia Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (AP-
TA), com cerca de 680 cientistas, que congrega o 3.2 - Segurança dos Alimentos
Instituto Agronômico (IAC), o Instituto Biológico, o
Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL), o Em São Paulo, o órgão responsável
Instituto de Economia Agrícola (IEA), o Instituto de pela inspeção dos estabelecimentos produtores de
Zootecnia (IZ) e o Instituto de Pesca (IP), bem carne bovina para comercialização intraestadual é
como a APTA Regional, formada por 34 unidades o Serviço de Inspeção do Estado de São Paulo
de pesquisa e desenvolvimento divididas em 15 (SISP), que goza de credibilidade junto aos agen-
polos regionais. tes do setor. A produção para exportação e a co-
Há também grande disponibilidade de mercialização interestadual é inspecionada pelo
recursos humanos qualificados para P&D na ca- SIF, que também possui a melhor reputação no
deia de carne bovina. De acordo com o cadastro contexto nacional.
de pesquisadores e de produção bibliográfica São Paulo encontra-se em uma zona
registrados no banco de dados do Conselho Na- considerada pela Organização Mundial de Saúde
cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi- Animal como “livre de febre aftosa, com vacina-
co (CNPq), o Estado de São Paulo detém 22% ção”. Ao final de 2005 teve esse reconhecimento
dos pesquisadores cadastrados na área de agro- suspenso, em função de surtos de febre aftosa
nomia, 22% na área de medicina veterinária, 20% nos Estados do Paraná e Mato Grosso do Sul.
na área de zootecnia e 29% na área de ciência e Essa condição não é suficiente para obter habilita-

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ção de exportação para muitos países. A UE proi- ca brasileira para aquele mercado.6 No final de

Análise da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina


biu as importações de carne fresca proveniente do 2007, em reunião na Câmara Setorial da Carne
Estado de São Paulo, mesmo considerando que o Bovina do Estado de São Paulo, agentes do setor
Estado já completava dez anos sem focos de propuseram diversas medidas no sentido de re-
aftosa. O parque industrial paulista era, e continua formular o atual sistema, destacando-se maior
sendo, abastecido por grande volume de animais rigor na aplicação de sanções às certificadoras e o
provenientes destes outros Estados, inclusive reaparelhamento da defesa animal do Estado7.
Paraná e, principalmente, Mato Grosso do Sul. Por Além da adoção de um sistema de ras-
esse motivo, sofreu com o embargo. treabilidade para exportação para determinados
Em 2008, o Estado de São Paulo recu- mercados, é também crescente a demanda por
perou o status de zona livre de febre aftosa com certificações privadas (ZIMBRES, 2006). Destaca-
vacinação, bem como a autorização para voltar a se a obrigatoriedade da implantação do Sistema
exportar carne bovina para a UE. Entretanto, o de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Contro-
aumento das exigências relacionadas à rastreabi- le (APPCC), cujos pré-requisitos são as Boas
lidade impediu que, na prática, os embarques para Práticas de Fabricação (BPF) e o programa de
a UE fossem retomados. Procedimentos Padrão de Higiene Operacional
A exclusão da carne paulista do merca- (PPHO). Os frigoríficos que vendem para a Tesco,
do da UE contribuiu para mobilizar um conjunto de maior rede de varejo da Europa, devem atender
iniciativas por parte do Governo do Estado. A Se- aos requisitos do EurepGAP - IFA, denominado
cretaria de Agricultura e Abastecimento criou o GlobalGap a partir de 2007. Projetos para implan-
Projeto "São Paulo Sanidade Risco Zero" para tação das Boas Práticas Agropecuárias (BPA) em
aumentar a eficiência do controle sanitário, bem São Paulo estão sendo desenvolvidos pela EM-
como aumentou o combate aos abates clandesti- BRAPA e Associação Brasileira do Novilho Preco-
nos. Apesar dos avanços, a questão sanitária ce. Em São Paulo encontram-se ainda as princi-
continua sendo um dos fatores mais críticos para a pais certificadoras e laboratórios de calibração do
competitividade dessa cadeia. País. Dos 364 laboratórios participantes da rede
O sistema de rastreabilidade adotado no brasileira de calibração nas diversas áreas de
Brasil (Sistema de Rastreamento de Bovinos - credenciamento, 200 estão localizados no Estado
SISBOV) foi criado para que o País permanecesse de São Paulo, o que representa 55% do total.
como fornecedor da UE. O modelo adotado é Com frigoríficos e pecuaristas atentos às
obrigatório para a carne exportada também para o questões relativas à sanidade, além de possuir um
Chile, mas é voluntário para o mercado doméstico. bom aparato de fiscalização, São Paulo possui
No entanto, a implantação de um sistema de ras- status sanitário reconhecido internacionalmente
treabilidade de bovinos no Brasil enfrenta grandes como área livre de febre aftosa com vacinação, o
dificuldades, considerando a dispersão da produ- que lhe garante, em relação a alguns concorrentes
ção nacional e os sistemas de produção extensiva internos (notadamente das regiões norte e nordes-
e de pequena escala ainda adotados. Os produto- te), acesso aos mercados privilegiados. No entan-
res rurais têm sido acusados de não prestarem to, principalmente em função do País ainda não
corretamente as informações, e as empresas certi- haver erradicado a febre aftosa, está em desvan-
ficadoras de não cumprirem seu papel de controle tagem competitiva frente a concorrentes interna-
das informações prestadas pelos produtores.5 Em cionais como Austrália e Estados Unidos que
2007, o relatório da visita de uma missão da UE acessam os mercados mais ricos e exigentes e
reconheceu os avanços obtidos pelo País no
campo sanitário, mas apontou a rastreabilidade 6
A União Europeia propôs limitar a 300 a lista de dez mil
como um grande problema. O relatório da comis- propriedades até então certificadas pelo novo SISBOV.
são europeia não alterou substancialmente as Para cumprir as exigências da UE, o Ministério da Agricul-
normas vigentes para a exportação de carne fres- tura deverá inspecionar fazendas já certificadas pelos cri-
térios do novo SISBOV, além de auditar os serviços pres-
tados pelas Secretarias Estaduais de Agricultura.
7
Além disso, outras medidas têm sido apontadas para
5
As práticas e controles de sistemas de rastreabilidade de- aumentar ainda mais o controle sanitário no rebanho
vem ser certificáveis. No SISBOV, empresas certificado- nacional, tais como um mutirão sorológico para monitorar
ras, autorizadas pelo MAPA, são responsáveis por atestar o nível de vacinação dos animais das propriedades paulis-
e certificar a veracidade das informações registradas pelo tas e a reativação do Fundo de Desenvolvimento da Pe-
produtor no processo de rastreabilidade. cuária do Estado de São Paulo (FUNDEPEC).

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pagam melhores preços. As dificuldades na im- criados no Estado, chega ao consumidor do Esta-
plantação de um sistema de rastreabilidade sim- do isenta de ICMS. Entretanto, a aquisição de
Souza Filho; Rosa; Vinholis

ples e eficiente também impactam negativamente carne em outros Estados para venda ou proces-
a pecuária paulista, pois ela é basicamente voltada samento dentro do Estado de São Paulo é tributa-
à exportação. Vale destacar também que a de- da em 7%, sem direito ao crédito outorgado.
pendência de animais de outros Estados aumenta Os frigoríficos localizados em São Paulo
o risco de ocorrência de um acidente sanitário em compram um grande número de animais de outros
São Paulo. Estados para abate. Nessas operações, subme-
A disponibilidade de instituições certifi- tem-se com maior frequência a uma alíquota
cadoras e de pesquisa, bem como de recursos “normal” de ICMS de 12%. A carne fresca ou con-
humanos, conferem vantagem competitiva para o gelada, resultante do abate desses animais, está
Estado de São Paulo. sujeita a uma alíquota de 7%, mas com o crédito
outorgado de 7%, torna-se isenta. Nesse caso,
essas operações geram crédito fiscal para os frigo-
3.3 - Tributação ríficos, correspondentes ao ICMS pago no Estado
de origem dos animais.
A guerra fiscal entre os Estados tem si- As exportações de carne fresca ou de-
do apontada como um dos fatores que perturbam sossada também estão isentas de ICMS pela Lei
a alocação dos recursos na cadeia de carne bo- Kandir (BRASIL, 1996), implicando a possibilidade
vina, especialmente na localização das plantas de os frigoríficos também acumularem crédito
de abate e processamento e na comercialização fiscal. Nesse caso, há duas situações básicas
interestadual de gado. Os Estados usam o Im- possíveis, segundo a origem do gado que gerou a
posto sobre Circulação de Mercadorias e Presta- carne destinada à exportação. Se os animais são
ção de Serviços (ICMS) como instrumento de provenientes de outros Estados, gera-se crédito
proteção de sua indústria, o que leva à prática de fiscal, dado que foi pago ICMS referente a uma
diferentes alíquotas e a um número grande de alíquota de 12%. Se os animais são provenientes
exceções no tratamento tributário. Na comerciali- do próprio Estado de São Paulo, os frigoríficos
zação interestadual de produtos - inclusive ani- estariam isentos de ICMS na sua aquisição e,
mais para abate ou recria, e carne fresca ou de- portanto, não poderiam acumular crédito fiscal nas
sossada - utiliza-se a alíquota do Estado de saí- operações de venda de carne fresca ou desossa-
da. No caso de animais, a alíquota normal é de da para o exterior. Entretanto, na prática, os frigorí-
12% e, no caso da carne fresca, é de 7%. Nos ficos têm sido capazes de acumular crédito de
Estados do Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e ICMS, mesmo nessas condições, por meio de
Minas Gerais, que são grandes fornecedores de uma brecha na legislação fiscal. Se as operações
gado para abate ou recria em São Paulo, as alí- de abate e de processamento forem executadas
quotas são de 12% nas saídas para São Paulo. separadamente, por firmas distintas (duas Razões
Entretanto, os Estados mudam suas legislações Sociais distintas) do mesmo grupo empresarial, a
com grande frequência, concedendo benefícios firma processadora que compra a carne da firma
que alteram o valor efetivamente pago de ICMS. que executa o abate acumula um crédito referente
As alíquotas para comercialização den- a 7% de alíquota dessa operação. Na prática, a
tro dos Estados variam de 0 a 17%, associadas a firma de abate não recolhe esse imposto, dado
um conjunto de benefícios, tais como crédito ou- que faz opção por crédito outorgado de 7% refe-
torgado, crédito presumido e abatimentos na base rente a operações dentro do Estado.
de cálculo. No Estado de São Paulo a comerciali- No caso da carne industrializada, a
zação de animais entre produtor e frigorífico e alíquota de ICMS no Estado de São Paulo é de
entre produtores, dentro do Estado, está totalmen- 18% para operações dentro do Estado. Como o
te isenta de ICMS. Carne fresca ou carne desos- regime de tributação é o normal, gera-se ICMS a
sada vendida dentro de Estado é tributada em 7%. recolher. A exportação de carne industrializada,
Entretanto, nas saídas resultantes do abate dentro entretanto, gera crédito fiscal, dado que o produto
do Estado (desde que não seja carne enlatada ou é também beneficiado pela Lei Kandir.
cozida), o estabelecimento pode optar por um Além dos frigoríficos, os pecuaristas de
crédito outorgado de 7%. Na prática, a carne fres- São Paulo também são grandes compradores de
ca ou carne congelada, proveniente de animais animais de outros Estados para recria. A alíquota

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paga nessas transações é a mesma paga pelos outros insumos (rações, fármacos, etc.) e podem

Análise da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina


frigoríficos, variando apenas a base de cálculo ainda repassar créditos fiscais para os frigoríficos.
(valor do animal ou pauta) que é definida pelo Entretanto, nem todos os pecuaristas são capazes
governo do Estado, de origem segundo a idade, de utilizar todo o crédito acumulado. Por um lado,
gênero e destinação do gado (para abate ou para os valores acumulados podem ultrapassar sua
recria). A pauta é utilizada como arma na guerra necessidade de aquisição de insumos e, por outro,
fiscal entre os Estados. Quando no Estado de tanto a indústria de insumos quanto os frigoríficos
origem há falta de gado para abate, é comum o não são capazes de absorvê-lo em sua totalidade.
governo elevar os valores da pauta com objetivo A indústria de insumos rapidamente preenche sua
de encarecer as transações interestaduais e pro- capacidade de absorção com grandes clientes,
teger sua indústria frigorífica. Entretanto, essa enquanto os frigoríficos não são capazes de utilizar
política prejudica outros agentes do sistema agro- o seu próprio crédito fiscal.
industrial: os pecuaristas do Estado de origem, que Além do ICMS, cabe destacar o impacto
perdem a oportunidade de vender animais por da contribuição para o PIS/PASEP e a COFINS.
melhores preços em São Paulo; os pecuaristas de Na cadeia da carne bovina o segmento da pecuá-
São Paulo, cujo custo de aquisição de animais ria beneficia-se de regime especial, pois foram
para recria aumenta; e as unidades de abate insta- reduzidas a zero as alíquotas da contribuição para
ladas em São Paulo, cujo custo de aquisição de o PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre a re-
animais para abate também aumenta. ceita bruta decorrente da venda, no mercado in-
O crédito acumulado pelos frigoríficos terno, de vários insumos. Os frigoríficos, entretan-
instalados em São Paulo pode ser transferido: to, estão sujeitos à incidência não cumulativa da
para outro estabelecimento da mesma empresa; contribuição nos casos em que a carne é vendida
para estabelecimento de empresa interdependen- no mercado interno. Nesse regime, as alíquotas da
te; para estabelecimento fornecedor a título de pa- contribuição para o PIS/PASEP e COFINS são,
gamento das aquisições feitas por estabelecimen- respectivamente, de 1,65% e de 7,6%, permitindo-
to industrial; nas operações de compra de matéria- se o desconto de créditos apurados com base em
prima, material secundário ou de embalagem, custos (BRASIL, 2003). Como resultado, os frigorí-
máquinas, aparelhos e equipamentos industriais. ficos terminam por reduzir o valor efetivamente
Pode ainda ser utilizado para liquidação de débito pago de PIS/PASEP e COFINS.
fiscal e outros fins. Para os grandes frigoríficos As receitas decorrentes de exportação
exportadores, que agregam valor por meio da estão isentas da contribuição (BRASIL, 2002), ou
diversificação de produtos e industrialização da seja, os frigoríficos exportadores possuem um be-
carne, o peso de gastos com insumos nos gastos nefício que não é concedido àqueles exclusiva-
totais são grandes e, portanto, as possibilidades de mente dedicados ao mercado interno. Como a le-
aproveitamento de crédito acumulado são maio- gislação permite o aproveitamento de créditos pre-
res. sumidos calculados sobre o valor do gado bovino
Para conseguir os benefícios acima, o adquirido para abate, esse benefício supera, de
crédito fiscal obtido pelos agentes deve ser de- fato, a simples isenção.
monstrado junto à Secretaria da Fazenda, obede- A análise realizada indica, portanto, que
cendo às regras estabelecidas pela legislação as condições de tributação existentes no País
fiscal do Estado (SÃO PAULO, 1996). É importan- desfavorecem a competitividade da carne bovina
te notar que o crédito acumulado, quando de- paulista. As elevadas alíquotas de ICMS pagas na
monstrado por cálculo simples de apuração, tem comercialização interestadual de animais é a raiz
sido superior ao crédito que pode ser efetivamente principal desse problema, apesar das condições
utilizado de acordo com a legislação. Isso ocorre especiais de tributação criadas por São Paulo.
devido aos procedimentos de apuração autoriza- Dependendo da carga incidente, que sofre grande
dos pela Secretaria da Fazenda. Em geral, gran- influência das estratégias adotadas pelos Estados
des frigoríficos contestam esses procedimentos fornecedores de gado a São Paulo, a compra de
por subestimarem o crédito fiscal utilizável. animais fora dos limites do Estado pode tornar-se
Vale relatar sobre o uso de crédito de inviável. Isso afeta negativamente a gestão de
ICMS por parte dos pecuaristas que esses agen- suprimento da principal matéria-prima, pois interfe-
tes têm utilizado o crédito fiscal principalmente na re na capacidade das indústrias paulistas de aten-
aquisição de máquinas (notadamente tratores) e derem à demanda dentro de prazos e frequências

Informações Econômicas, SP, v.40, n.3, mar. 2010.


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exigidos. Custos elevados e problemas no atendi- sucesso em seus esforços de coordenação, que
mento à demanda criam maiores dificuldades de acabam por gerar benefícios para toda a cadeia
Souza Filho; Rosa; Vinholis

acesso aos mercados. produtiva, seja na implantação de sistemas sim-


ples e funcionais de rastreabilidade, na condução
de programas de classificação de carcaças, ou em
3.4 - Relações de Mercado e Coordenação marketing para ampliar consumo de carne bovina.

Uma melhor coordenação das relações


entre frigoríficos e pecuaristas pode apresentar 3.5 - Crédito
ganhos importantes de competitividade e permite:
implantar mais facilmente mecanismos de rastrea- Recursos para financiamento das ativi-
bilidade, encetar ações no sentido da padroniza- dades nos segmentos da pecuária e de aba-
ção de produtos, reagir mais rapidamente às mu- te/processamento são oferecidos por diversas
danças nos hábitos de consumo, diferenciar mais instituições financeiras brasileiras e internacionais
facilmente os produtos e diminuir a sazonalidade (BNDES, BID, Banco Mundial, etc.), com taxas de
no fornecimento da matéria-prima. Apesar dessas juros atraentes. Bancos privados também ofere-
vantagens, a maioria das aquisições de animais cem recursos, inclusive bancos estrangeiros, como
para abate no Brasil é praticada no mercado spot, o Rabobank, especializados em financiamento de
tendo diferentes procedências de fornecimento e atividades agroindustriais.
padrões. Essas relações têm sido marcadas por Para a pecuária há linhas do Sistema
conflitos de interesses, particularmente no proces- Nacional de Crédito com disponibilidade junto a
so de classificação e determinação dos preços dos bancos estatais e privados. O volume de recursos
animais. pode ser considerado suficiente, embora o acesso
O aumento das exigências de mercado, seja difícil devido às exigências bancárias. No
relacionadas à qualidade de processos de produ- centro-oeste, norte e nordeste os recursos dos
ção e de produtos, e a pressão de custos têm fundos constitucionais são mais baratos e fáceis
levado à aproximação entre produtores e frigorífi- de obter.
cos criando parcerias, programas de classificação Algumas grandes empresas do seg-
de bonificação de carcaças e novas formas de mento de abate/processamento adotam uma po-
comercialização (venda a termo, por exemplo). lítica, ainda tímida, de financiamento para as ativi-
Entretanto, são ações incipientes e sujeitas aos dades de seus fornecedores pecuaristas, tais co-
riscos associados à volatilidade desse mercado. mo compra antecipada, com operações a termo e
Mediante ao embargo europeu anteriormente Cédula de Produto Rural (CPR).
citado, por exemplo, os poucos frigoríficos paulis- Em São Paulo o crédito para indústria
tas que praticavam algum tipo de programa espe- tem como fonte principal os recursos do BNDES,
cial de bonificação dos produtores acabaram can- enquanto para pecuária pode ser obtido principal-
celando a iniciativa temporariamente. mente com o Banco do Brasil e a Nossa Caixa
Ações no sentido de promover e manter Nosso Banco. Até 2007 os recursos do BN-
mecanismos de coordenação mais eficientes po- DES/PROLAPEC ainda não haviam sido destina-
deriam ocupar o centro das atenções das entida- dos ao projeto em São Paulo. Há uma percepção
des de classe do setor, o que normalmente não de que a oferta de crédito para a pecuária em São
acontece. De toda forma, alguns avanços têm sido Paulo é menor do que nos Estados que são bene-
obtidos. Destacam-se, por exemplo, parcerias e ficiados pelos fundos constitucionais e seus pró-
programas especiais de bonificações entre associ- prios programas de desenvolvimento da pecuária,
ações de produtores como a Associação Nacional constituindo-se em uma desvantagem para a
dos Confinadores (ASSOCON), a Associação dos competitividade de São Paulo.
Criadores de Nelore do Brasil (ACNB) e a Associ-
ação Brasileira de Angus (ABA), com frigoríficos
como o Marfrig e o Independência. 3.6 - Extensão Rural
O alcance desses esforços ainda é
relativamente pequeno e, nesse caso, São Paulo São conhecidas as limitações orçamen-
não se difere de outros Estados. Entretanto, al- tárias que conduziram à redução do papel dos
guns concorrentes internacionais têm obtido mais serviços públicos de extensão rural no Brasil. O

Informações Econômicas, SP, v.40, n.3, mar. 2010.


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Estado perdeu sua função de único e principal acessos, terminais de contêineres e na lentidão na

Análise da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina


provedor de serviços de assistência técnica e ex- liberação de cargas por parte do Ministério da
tensão rural, passando a dividir suas ações com o Agricultura e Receita Federal.
setor privado e organizações de classe.
Na pecuária bovina de corte a assistên-
cia técnica passou a ser oferecida por um conjunto 4 - RECOMENDAÇÃO DE AÇÕES
maior de atores, crescendo a heterogeneidade em
termos de características e formas de organiza- O aumento da competitividade da ca-
ção, entre as quais se destacam: empresas pro- deia depende de um conjunto de ações e estraté-
vedoras de insumos são portadoras de co- gias. Fundamentalmente é necessário, por um la-
nhecimento tecnológico em genética, agroquími- do, desenvolver e difundir tecnologias de produção
cos, medicamentos para animais, equipamentos, pecuária que reduzam os custos da produção
etc.; grandes empresas de abate/processamento, animal e, por outro, agregar valor ao produto final
embora ainda timidamente, estabelecem parcerias que reduza a participação do custo com produção
com pecuaristas, visando a garantia de aquisição animal no custo total dos produtos finais.
de animais, mas vinculados a transferência tecno- O elevado preço da terra e das forragei-
lógica; empresas de consultoria formadas por pro- ras no Estado impõe a adoção de sistemas de
fissionais que oferecem serviços técnicos, inclusive produção que sejam poupadores de terra e façam
em gestão das propriedades rurais e unidades de uso de insumos de mais baixo custo, disponíveis
abate/processamento. na região. Em terras caras há necessidade de
No Estado de São Paulo, apesar da ganhos de produtividade com maior taxa de des-
grande capilaridade do serviço de extensão públi- frute. A difusão de sistemas mais intensivos, além
ca, sua capacidade de atender ao conjunto de do potencial de redução de custos, pode gerar
demandas deteriorou-se, como em outros Esta- ganhos em qualidade.
dos. Entretanto, a presença de novos atores do No âmbito mercadológico, a cadeia pau-
setor privado é relativamente maior, favorecendo lista deve ter como foco a agregação de valor por
sua competitividade. qualidade para poder concorrer com os Estados do
centro-oeste e norte, nos quais os sistemas de
produção adotados são majoritariamente voltados
3.7 - Infraestrutura para produção de commodity. Isso exigiria ações na
área de produção industrial, na pecuária e em as-
Há grandes vantagens logísticas para a nidade animal, conforme já apontado. Além disso,
produção de carnes destinadas à exportação no propõe-se uma política mercadológica que envolva
Estado de São Paulo ou mesmo para exportação a construção de marcas e certificações, bem como
de carnes provenientes de Estados vizinhos. Den- campanhas de orientação aos consumidores.
tre essas vantagens encontra-se a disponibilidade Para alcançar os objetivos é necessário
de malha viária ampla e de boa qualidade, que apoio à pesquisa nas seguintes áreas prioritárias:
permite: redução de custos, com o aumento da desenvolvimento de sistemas de produção pecuá-
vida útil da frota; maior rapidez no transporte entre ria mais intensivos (cria e terminação); sistemas
as plantas industriais e o porto, atendendo melhor integrados de produção lavoura-pecuária; nutrição
à demanda dos clientes em termos de qualidade e (inclusive aproveitamento de resíduos agrícolas) e
agilidade; maior rapidez no transporte entre propri- genética animal; sustentabilidade ambiental; agre-
edades rurais e os abatedouros; e melhor assis- gação de valor aos produtos da carne; aproveita-
tência em caso de incidentes com a carga ou veí- mento de subprodutos e resíduos na indústria e na
culos. Deve-se considerar que a infraestrutura de pecuária, inclusive para geração de biocombustí-
transporte e de apoio logístico nas regiões centro- veis.
oeste e norte do País ainda é precária. Além disso, Em extensão rural cabe tanto o papel do
a maioria das empresas marítimas possui es- setor público quanto privado na difusão de tec-
critórios na cidade de São Paulo, o que torna o nologias e sistemas de produção, a maioria com
desembaraço das cargas mais ágil. resultados já conhecidos. Enquanto o setor priva-
Em que pesem as vantagens aponta- do deve continuar a atender à demanda de pecua-
das, agentes da cadeia sustentam que o porto de ristas e empresas mais capitalizados, sugere-se
Santos perde em eficiência, particularmente nos que a extensão rural pública seja mais seletiva,

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atendendo os produtores de renda mais baixa. tos da guerra fiscal sobre a cadeia paulista.
A difusão de sistemas mais intensivos de Ainda na área tributária, propõe-se a
Souza Filho; Rosa; Vinholis

produção na pecuária e a consolidação de um ampliação do uso de incentivos fiscais para capa-


parque industrial diversificado dependem também citação tecnológica e inovação, nos termos previs-
do aumento da oferta de mão-de-obra qualificada tos pela Lei n. 11.196 (BRASIL, 2005), Lei n.
em diversas áreas, tais como BPA e supervisores e 11.487 (BRASIL, 2007b) e Decreto n. 6.260 (BRA-
técnicos de carne. Para tanto, sugere-se o estabe- SIL, 2007a). Além disso, é necessário difundir o
lecimento de programas de formação e treinamen- uso da Lei Paulista de Inovação, aprovada em
to. 2008 (SÃO PAULO, 2008).
O equacionamento dos problemas sani- Considerando a disponibilidade de or-
tários é fundamental para aumentar a competitivi- ganizações públicas e privadas voltadas para o
dade da cadeia tanto em nível internacional quanto desenvolvimento dessa cadeia no Estado de São
nacional, dado que envolve a melhoria de qualida- Paulo, as parcerias público-privadas devem ser
de e obtenção de certificações que abrem mer- priorizadas em diversos âmbitos de promoção de
cados. Nesse sentido, é necessário acelerar ações competitividade dessa cadeia. Destacam-se as
já iniciadas, como as que estão no âmbito do pro- parcerias em extensão rural, pesquisa, qualifica-
jeto “Sanidade Risco Zero”: combate ao abate ção profissional, ações em sanidade, certificação e
clandestino, aumento da eficácia dos sistemas de rastreabilidade.
fiscalização e inspeção municipais, aumento da A solução para os conflitos entre pecua-
eficácia do sistema de rastreabilidade, ampliação ristas e frigoríficos, bem como para a própria me-
da rede de laboratórios para desenvolvimento de lhoria da qualidade da carne bovina, depende da
padrões de produção, execução de ensaios acei- construção e difusão de novas relações de merca-
tos internacionalmente e serviços de análise de do. A criação e uso de um sistema de classificação
qualidade e segurança. de carcaças é um passo importante nessa direção.
As ações de defesa sanitária podem ser Na sequência, encontram-se a construção de
aceleradas por meio da constituição de um fundo canais de negociação coletiva, mecanismos de
privado, formado por contribuições compulsórias precificação e monitoramento.
junto aos agentes da cadeia. Os recursos desse
fundo poderiam ser utilizados em ações estratégi-
cas, inclusive em parcerias público-privadas, para 5 - CONCLUSÕES
desenvolvimento e difusão tecnológica e capacita-
ção profissional. O Estado de São Paulo, definitivamente,
O aumento das exportações depende não é competitivo na comparação com o centro-
também da solução de problemas relacionados à norte do País quando se considera a produção de
infraestrutura logística. Prioridade deve ser dada “carne commodity” para o atendimento dos mer-
às ações que elevem a eficiência no porto de cados de massa. É preciso agregar valor à carne
Santos, em especial em acessos, terminais de do Estado, priorizar as atividades de processa-
contêineres e no tempo para desembaraço de mento que propiciem melhores resultados (a de-
mercadorias. sossa e a industrialização, por exemplo) e conquis-
Na área tributária, a cadeia poderia tar os melhores mercados, tendo o suporte, no
ganhar competitividade por meio de ajustes no campo, de uma pecuária eficiente que abasteça
sistema de apuração e liberação dos créditos de as indústrias locais com matéria-prima de elevada
ICMS que permitam maior aproveitamento e redu- qualidade. Nesse sentido, as prioridades em ter-
ção do tempo de espera para uso efetivo dos cré- mos de políticas devem voltar-se para a pesquisa
ditos acumulados. No médio prazo, espera-se que e a difusão de tecnologias, a difusão de estratégias
a reforma tributária, acordos com Estados vizinhos de agregação de valor à carne, a adoção de certi-
ou no âmbito do Conselho Nacional de Política ficações, a melhoria do status/padrão sanitário e,
Fazendária (CONFAZ) possam reduzir os impac- por fim, a revisão do sistema tributário.

LITERATURA CITADA

BRASIL. Decreto n. 6.260, de 20 de novembro de 2007. Dispõe sobre a exclusão do lucro líquido, para efeito de

Informações Econômicas, SP, v.40, n.3, mar. 2010.


27

apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, dos dispêndios

Análise da Competitividade da Cadeia Produtiva da Carne Bovina


efetivados em projeto de pesquisa científica e tecnológica e de inovação tecnológica a ser executado por Instituição
Científica e Tecnológica - ICT. Diário Oficial da União, Brasília, 21 nov. 2007a.

BRASIL. Lei n. 11.487, de 15 de junho de 2007. Altera a Lei n. 11.196, de 21 de novembro de 2005, para incluir novo
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dos a pesquisa e ao desenvolvimento. Diário Oficial da União, Brasília, 15 maio 2007b.

______. Lei n. 11.196, de 21 de novembro de 2005. Institui o Regime Especial de Tributação para a Plataforma de
Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação - REPES, o Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital
para Empresas Exportadoras - RECAP e o Programa de Inclusão Digital; dispõe sobre incentivos fiscais para a ino-
vação tecnológica; altera decretos-lei e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 22 nov. 2005.

______. Lei n. 10.833, de 29 de dezembro de 2003. Altera a legislação tributária federal e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 30 dez. 2003.

______. Secretaria da Receita Federal. Instrução Normativa SRF n. 247, de 21 de novembro de 2002. Dispõe sobre
a Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado em geral. Diário Ofi-
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______. Lei complementar n. 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito
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sidade de São Paulo, Piracicaba, 2006.

ANÁLISE DA COMPETITIVIDADE DA CADEIA PRODUTIVA


DA CARNE BOVINA DO ESTADO DE SÃO PAULO

RESUMO: Este artigo tem como objetivo avaliar a competitividade da cadeia de carne bovina
de São Paulo. A metodologia de “pesquisa rápida” foi utilizada para avaliar sete direcionadores de com-
petitividade: tecnologia, segurança dos alimentos, tributação, coordenação, crédito, extensão e infra-
estrutura. Os aspectos críticos identificados foram: reduzida oferta de animais para abate, “guerra fiscal”
e custos de produção elevados. Já os aspectos favoráveis foram: infraestrutura logística e de P&D, qua-
lidade da mão-de-obra e a proximidade do principal mercado consumidor. Quanto às ações recomenda-
das, tem-se: incentivo à pesquisa e difusão de tecnologias, estratégias de agregação de valor à carne,
melhoria do status/padrão sanitário e revisão do sistema tributário.

Palavras-chave: agronegócio, bovino de corte, competitividade.

COMPETITIVENESS ANALYSIS OF
SAO PAULO STATE’S BEEF SUPPLY CHAIN

ABSTRACT: This paper evaluates beef supply chain competitiveness in São Paulo. We used
the rapid appraisal methodology to evaluate seven key drivers of competitiveness: technology, food sa-
fety, taxation, market relations and coordination, credit, outreach and infrastructure. Critical factors identi-
fied were: reduced cattle supply, “fiscal war” and high production costs. Favorable factors observed were:
availability of logistic and R&D infrastructure, trained labor and proximity to major consuming market.
Policy recommendations include: support to R&D and technology diffusion, value-adding strategies, im-
provement in sanitary control and review of fiscal system.

Key-words: agribusiness, beef cattle, competitiveness.

Recebido em 08/07/2009. Liberado para publicação em 22/02/2010.

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