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O ALUNO COMO INVENÇÃO

RESENHA

Maria das Graças Simão Dias Leite*

GIMENO S. J. O aluno como invenção. Tradução de Daisy Vaz de


Moraes. Porto Alegre: Artmed, 2005.

J osé Gimeno Sacristán é catedrático de universidade da área de Di-


dática e Organização Escolar. É atualmente professor da Faculda-
de de Filosofia e Ciências da Educação da Universidade Complutense
de Madrid e da Universidade de Salamanca, assim como professor co-
laborador em outras universidades nacionais e estrangeiras. Obras: A
educação que ainda é possível; Poderes instáveis em Educação; Com-
preender e transformar o Ensino; O currículo: uma reflexão sobre a
Prática; Educar e conviver na Cultura Global.
Gimeno Sacristán (2005) elabora seu texto sobre a invenção do
aluno detalhando o assunto em duas partes. Na primeira, refere-se ao
sujeito que será escolarizado. Na segunda, pretende resgatar o valor do
sujeito escolarizado como um referente essencial para projectar, desen-
volver e avaliar a qualidade da educação. Neste livro, o renomado autor
espanhol, cujas obras sobre Currículo são fontes para a educação brasi-
leira, redireciona o olhar para os alunos, cujo desenvolvimento como
pessoas e cidadãos deve ser o objetivo principal da educação, com vista
a um futuro melhor para todos. Gimeno oferece dados e argumentos
para resistir ao apelo das correntes de pensamento dominantes, as polí-
ticas utilitárias e o academismo que sacralizou os conteúdos do ensino
- aprendizagem, como se fossem a própria substância da cultura perante
a qual se devem render os profanos.

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Quando se refere à preocupação pela qualidade de ensino-aprendi-
zagem, ele inunda com argumentos os discursos acerca do presente e futuro
dos sistemas educativos, mostrando que a qualidade da educação exige
contemplar e dirigir-se ao aluno, que ao melhorar enquanto pessoa,
aprendente e cidadão acabam por aperfeiçoar a própria sociedade.
Gimeno Sacristán (2005) afirma que construímos os sujeitos que
participam nos diversos cenários em que nossas vidas transcorrem, através
da educação. A partir dessa idéia, ele diz que o aluno é uma construção
social inventada pelos adultos ao longo da experiência histórica, porque
são os adultos (pais, professores, cuidadores, legisladores ou autores de
teorias sobre a psicologia do desenvolvimento) quem têm o poder de orga-
nizar a vida dos não-adultos. Esses são controlados por aqueles que usam o
poder para impor normas de conduta, leis e autoridade sobre o outro.
Pelas experiências relatadas pelo autor, é natural ser aluno e vê-
lo em nossa experiência cotidiana, considerando como certo o papel
dessa pessoa freqüentar instituições escolares diariamente. A socieda-
de, também considera normal a escolaridade das crianças e jovens, po-
rém, se esquece que inventamos um paradigma para englobar na figura
do aluno, a criança, o menor, a infância. Na verdade, são atribuições
que fazemos aos sujeitos nessas condições, permitindo que essa catego-
ria aluno propicie e “obrigue” os sujeitos nela envolvidos a serem de
uma determinada maneira.
Na concepção de Sacristán, a idéia de aluno, com todas as con-
tradições que encontramos nos significados do termo, permite entender
que “ser escolarizado é a forma natural de conceber aqueles que têm a
condição infantil”.Nesse sentido, a categoria aluno é uma forma social
por antonomásia de ser menor ou de viver a infância e a adolescência,
isso significa que a escolaridade cria uma cultura de como vemos e nos
comportamos com os menores. Portanto, a carga semântica da palavra
aluno enxuga todo o entendimento que temos de menor escolarizado.
Para o autor espanhol, “ninguém nos ensina, nos narra ou nos teoriza o
que é ser um aluno”, segundo ele, não é preciso.
De todas essas concepções, entendemos que a criança (o menor,
o aluno) ocupa um papel central na sociedade. A partir da idéia de que a
criança é diferente do adulto e deve ocupar um lugar distinto no univer-
so social, reforça a idéia de que a criança é sempre, em qualquer socie-
dade ou grupo cultural diferenciada do adulto. Essa diferença sempre é
marcada pela imposição das idéias, dos conceitos que os “maiores” pro-
jetam nos menores.

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Após algumas discussões, Sacristán expõe análises sobre o que é
ser aluno, evidenciando que esse termo é equivalente a menor que está
na infância. Ambos os conceitos, infância e aluno compartilham de um
mesmo significado porque foram construídos simultaneamente. Mes-
mo assim, a categoria aluno faz parte da condição infantil e da do me-
nor nas sociedades escolarizadas, já a infância é hoje uma categoria
distinguida socialmente na evolução da criança, ou seja, numa etapa da
vida em que está sendo escolarizada.
O autor continua fazendo uma reflexão entre os termos menor,
aluno e infância, dizendo que os dois primeiros englobam situações de
pessoas muito heterogêneas. Relata que não existe infância, mas sujei-
tos que a experimentam em algumas coordenadas e circunstâncias que
diferem para cada um deles e para cada grupo social. Na realidade, o
adulto vê a criança como menor e esta se reconhece como inferior, frá-
gil, pequena diante dos mais velhos os quais imita constantemente. O
autor do livro toma emprestadas as palavras de Garrido e Requena
(1996), para completar essa definição, dizendo que, a idade é um dos
critérios importantes que regula a organização coletiva da dependência
dos menores, em relação aos adultos. Entende-se que, a forma de ser
aluno será uma forma de ser sujeito, significando que o desenvolvimen-
to é favorecido ou dificultado pela escola e, o aluno está nas escolas e
na organização dos efeitos que os sujeitos adultos impõem como capa-
cidades.
Portanto, estar escolarizado é uma forma de proteger e preencher
a condição inacabada do ser humano. Assim a escolaridade daria, de
forma organizada, a continuidade da dependência familiar dos meno-
res. Esses foram adquirindo sua identidade autônoma nas relações com
os adultos, conseqüentemente, ambos se dividiram em dois mundos
sociais: o espaço familiar e o espaço escolar. A partir dessa divisão,
com a “cessão” dos menores para as escolas, a crise foi (e ainda conti-
nua sendo) dos pais que delegavam seus poderes e esperanças aos pro-
fessores que viriam a ser seus substitutos especializados. Vemos que,
novo grupo social – os estudantes – surgiu quando segregou o conjunto
dos menores do mundo dos adultos ocupando-os com a escola. Esse
grupo cria condições de uma figura co - figurativa que desvaloriza as
relações hierárquicas, entre os indivíduos do mesmo grupo de idade.
Dentro dessa perspectiva, partimos do pressuposto de que a idéia
de infância, de menor ou a de aluno são criações nossas radicadas em
realidades culturais discursivo - práticas a partir das quais dotamos de

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significado essas categorias. Ser aluno é uma circunstância da infância,
uma forma de vivê-la em algumas determinadas sociedades. Essa con-
dição não é algo universal, pois que todas as crianças não estão
escolarizadas, nem estão em uma escolaridade semelhante do ponto de
vista qualitativo. O autor afirma que todos os alunos pequenos são cri-
anças, mas nem todas as crianças são alunos.
Tomando por base essas afirmações, Sacristán retoma ao conceito
de aluno, dizendo que ser aluno foi e continua sendo uma experiência e
uma condição social fundamentalmente dos menores, que deu a eles pre-
sença e identidades singulares, como classe social diferenciada e reco-
nhecida. Se o aluno é aquele que é educado e ensinado, a constituição
dessa figura deve ocorrer ao mesmo tempo em que a daqueles que desem-
penham as funções recíprocas: a de quem o educa e ensina. Nessa con-
cepção, Sacristán classifica o professorado como a figura resultante da
acumulação de quatro processos históricos: como suplente que irá assu-
mindo o papel dos pais no cuidado, guia e educação dos menores, perten-
centes à burguesia e às classes altas; como substituto encarregado de cuidar,
vigiar e moralizar os filhos das famílias que não podem ou não querem
desempenhar essa função; como “especialista” que assume o quase mo-
nopólio da difusão de alguns saberes que foram impostos como úteis pres-
tigiosos e legítimos e, finalmente como figura leiga que assume em nome
da sociedade, representada pelo Estado, a missão de educar e difundir um
determinado projeto cultural a serviço dos interesses gerais daquela.
Na segunda parte do livro, Sacristán enfatiza o sujeito
escolarizado, tentando contextualizar a interseção (aluno/ menor), as-
sim como sua apropriação no contexto educacional. O autor mostra que
em sua origem, aluno era aquele a quem o professor ensinava belas -
artes (pintura, escultura, etc) que seguia um professor. A partir do sécu-
lo XX, essa condição social começou a ser generalizada para aqueles
que freqüentavam os diferentes níveis do sistema educacional. Ao se
estender a condição de ser aluno a todos os menores, um desses papéis
implica o outro, produzindo-se ocultamentos e fusões tanto no plano
discursivo (o que se pensa ou se acredita de um e de outro) quanto nas
práticas ou formas de tratá-los.
Quanto ao papel dos adultos (os pais), faz parte do senso comum
deles considerar que os professores e professoras são os chamados para
intervir no desenvolvimento dos menores, porque as relações pedagó-
gicas que mantêm com estes são, afinal de contas, prolongamentos cul-
turais das relações entre pais e filhos. Em resumo, o menor é o não -

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adulto a ser guiado e dominado por seus mais velhos, esse se relaciona
com o mundo dos adultos, dentro de uma ordem regida por certos pa-
drões, por intermédio dos quais eles exercem sua autoridade, com a
legitimidade delegada pelas instituições escolares.
Nessa linha de raciocínio, a escola se apóia na busca da imposi-
ção. Ao lançarmos os olhos para o contexto educacional, podemos ob-
servar que a instituição não pode deixar de ser libertadora, por isso não
deve ser motivo para manter o menor no que é, mas partindo de como
são os sujeitos, deve elevá-los e transformá-los, fazendo com que cres-
çam em todas as suas possibilidades, por ser a educação um direito.
Perguntamos então, se procede ao objetivo proposto por Sacristán
na invenção do aluno? Ë possível afirmar que sim, pois podemos con-
ceber o espaço educacional como um lugar de construção critica e re-
flexiva. Isto pode ser pensado a partir da abordagem sócio – histórica
da questão, considerando que o aluno ao ser escolarizado, torna a soci-
edade melhor. Essa observação, apresentada pelo autor do texto, nos
leva a refletir que as escolas são instituições que nasceram e foram se
configurando como espaços fechados, sintetizando um modelo de fun-
cionamento que servisse ao mesmo tempo para as funções de acolher,
assistir, moralizar, controlar e ensinar grupos numerosos de menores.
As análises nos levam a entender que há a valorização do cotidi-
ano enquanto lugar de invenção permanente, porém o processo educa-
cional sempre dependeu das condições macros estruturais, da sociedade
e das políticas educacionais, que impediriam a singularização para a
constituição do sujeito escolarizado, o qual não se constitui sozinho,
pois dentro do âmbito escolar, ele se faz na relação com o outro e, esta
relação é intermediada por ideais daqueles que idealizaram ter como
referente um sujeito escolarizado para projetar, desenvolver e avaliar a
qualidade da educação.
Sacristán conclui seu livro, estabelecendo comparações entre a
pedagogia tradicional e moderna as quais estabeleciam algumas deter-
minadas linhas de ação pedagógica, ou seja, estas linhas de ação apare-
ciam, fundamentalmente, em concepções seguras sobre o conhecimento,
a cultura e a sociedade para a qual servia o tipo de sujeito que tinha de
se construir. Diz também que, a escola deveria educar ensinando todos
aqueles conteúdos que sejamos capazes de apresentar aos estudantes
como valiosos para viver e entender o mundo, para saber qual é seu
papel, quais são as possibilidades que se abrem a eles e a diversidade de
caminhos possíveis pelos quais podemos continuar aprendendo.

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Sacristán faz várias reflexões sobre os conceitos de menor, alu-
no, infância, buscando indícios que nos dêem uma idéia de como foi
construída a categoria que hoje chamamos aluno no âmbito da escola.
Ser aluno é ser estudante (aquele que estuda), ou aprendiz (aquele que
aprende); na verdade, são categorias descritivas de uma condição que
supõe trazerem unidos determinados comportamentos, regras, valores e
propósitos que devem ser adquiridos por quem pertence a essa catego-
ria.
Em síntese, as palavras de Sacristán nos propõem a seguinte re-
flexão: a escola é um meio institucional regulado pelos adultos que, em
princípio, não foi pensado para satisfazer as necessidades dos menores,
tal como hoje os concebemos. Não é preciso esconder o fim emancipador
que damos à educação, ao currículo nem ao papel ativo que o professor
deve assumir para consegui-lo. Nós estamos sendo chamados, então,
para imiscuirmos na vida dos alunos, sendo conseqüentes com as posi-
ções que mantivermos em relação ao desenvolvimento dos menores.
Resumidamente, as reflexões apresentadas por Gimeno Sacristán,
nos levam a entender que a ordem escolar segue uma lógica econômica
de interesses nacionais, que tem a finalidade de reproduzir rotinas
convencionadas pela tradição, de disciplinar o sujeito, através de um
regime de vida para o menor, transformando-o em aluno com base em
um sistema escolar que é prévio a ele. O que podemos extrair do livro
em análise é que as terminologias: o aluno, a criança, o menor ou a
infância são invenções dos adultos, são categorias que construímos com
discursos que se relacionam com as práticas de estar e de trabalhar com
eles. São elaborações dos adultos atribuídas aos sujeitos que pensamos
ter algumas dessas condições.

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