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Belém – PA
2019
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Belém – PA
2019
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Data:___ /02/2019
Banca examinadora:
____________________________________________ Orientador(a)
Profa. Dr. Paulo Murilo Guerreiro do Amaral
Universidade do Estado do Pará
AGRADECIMENTOS
tirar algumas dúvidas e aos meus amigos de curso, em especial ao Pedro Yuri Viana
por ser um companheiro durante esses anos.
Ao meu namorado Fábio da Costa, pelo carinho, companheirismo e apoio
fundamental. Obrigada por torcer por mim independente de tudo.
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Serguei Firsanov.
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RESUMO
ABSTRACT
The focus of this research is on the theme of regionality and covers the trajectory of
Serguei Firsanov, a foreign musician who lived in Pará State (Northern Brazil) from
1991 to 2015. We intend to understand how the "regionality of Pará" emerges as much
from his compositional work and from his work as a teacher at Instituto Estadual Carlos
Gomes, in the city of Belém. His contact with aspects of regional culture would have
occurred in a remarkable way, considering he was the one who remained in the locality,
for the longest time, among many foreigners in that school of music. Reflections on his
compositions and passages of his musical life, especially in the classroom focusing
the relationship with his students, should corroborate the construction of a regionality
that is, at least, quite sui generis, in view of Firsanov is a foreigner, or considering a
possible regionality in his erudite musical creation, or even in his pedagogy, occurs in
a little clearly observable way.
LISTA DE ABREVIATURAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 1
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 28
1
INTRODUÇÃO
Embora eu tenha sido sua aluna por cerca de apenas um ano, entre 2014 e
2015, o professor tornou-se, para mim, espécie de referência no campo da música.
De meu ponto de vista, Firsanov possuía notável saber musical, motivo pelo qual teria
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Para Suertegaray (2005, p. 55) a região pode ser entendida como espaço
identitário para um determinado grupo social, no interior do qual regionalidades se
manifestam embaladas por hibridismos do político, do econômico e do cultural
enquanto representações construtoras e fortalecedoras de identidade.
Para Habermas (apud Miranda, 2012, p.1) o ser humano é responsável pela
condução de sua biografia, construindo novas identidades, ao longo de sua existência,
a partir de fragmentações e rupturas de velhas identidades que abrem campos de
possibilidades para o estabelecimento de outras interações sociais.
época, de modo a exercer grande influência sobre as pessoas, suas ações, atitudes
e interpretações de acontecimentos; 4) identidade étnica, que abrange não somente
traços físicos, mas também a cultura familiar, ou mesmo a identificação do indivíduo
com sua terra, seu povo e/ou seus descendentes; e 5) identidade nacional, fortemente
ligada ao sentimento de pertencimento ao país de origem ou de moradia por longo
tempo.
Para falar em memória coletiva, importa dizer que a memória individual deve
estar em consonância com a memória de outros membros do grupo social, uma vez
que se faz necessário, individualmente, evocar um evento que também faça parte da
vida da comunidade à qual cada sujeito pertence (SILVA, 2010, p. 249).
1.3 – MÉTODO
compositor, dentre as quais Glória Caputo, Jonas Arraes, Dione Colares de Souza, e
Luiz Moraes, o Pardal.
2.1- O PROFESSOR
Até os anos 1970, o IECG oferecia vagas apenas para piano, violino e canto
lírico. Em seguida houve mudanças na estrutura pedagógica da Instituição, em
decorrência da lei Nº 5692/71, de 1972 e da vinculação de sua grade curricular ao
nível técnico (BARROS & VIEIRA, 2015). A nova estrutura abriu possibilidades para
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Mas não foi apenas na orquestra que Serguei Firsanov se destacou. Mostrou-
se profícuo em diferentes atividades musicais, incluindo a de professor de instrumento
(viola e violino) e de outras disciplinas do currículo do curso técnico do IECG.
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O Serguei veio pra cá. Eu só sabia que ele era professor de viola. Mas, na
verdade, ele começou a fazer de tudo. Porque ele foi ser professor de viola,
de violino, de contraponto (...). O meu objetivo era ter professores de alto nível
pra montar o [curso de] Bacharelado. Então (...) faltava, pra mim, professor
de teorética. Eu falo porque teoria pra nós é uma coisa. Teorética é outra. É
a pessoa que domina todo o universo da teoria musical. Então vem desde a
teoria, solfejo, análise musical, contraponto... Porque na Rússia, acho que é
um dos únicos lugares que forma teoréticos. Eles sabem tudo da área.
(CAPUTO, 2018).
O aluno europeu, além do estímulo no âmbito familiar, conta com uma estrutura
curricular que propicia o aprendizado musical em idade pré-estabelecida. Esse
modelo de ensino contribui para o desenvolvimento pleno do aluno, no instrumento
musical, desde a mais tenra idade. Em contrapartida, o aluno brasileiro carece, ainda,
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Acho que aqui tem muitas pessoas talentosas, no entanto vejo que
falta um sistema de Educação Musical onde possa se fazer uma
revisão geral. Por exemplo no sistema musical russo tem padrão de
idade. A pessoa de 9 anos de idade pode entrar, mas não no ensino
profissionalizante. Para viola tem que estudar violino antes. Tem
programa para todos os níveis de alunos. (FIRSANOV apud ARRAES,
2011).
Então, nessa fase em que a minha filha foi estudar com ele, (...) o que eu
pude notar é que ele era um professor exigente com a afinação. Ele não
deixava passar questões de desafinação. Ele parava, corrigia. [...] Então,
mesmo sendo criança, ele fazia com que a criança se escutasse, e era uma
metodologia que ele tocava pra criança tocar. Sempre tinha a parte de
apreciação. Ele tocava, a criança escutava e tentava realizar depois, com a
afinação, com o padrão técnico correto, a postura. E realmente ele não
deixava passar. (SOUZA, 2019).
“Ele falava muito de algumas coisas que (...) tinha criado: o ‘peixinho’. Ele
associava esses movimentos1 com a natureza”. (CAPUTO, 2018). Havia ainda a
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Movimentos corporais que Serguei associava a “personagens”, com intuito de auxiliar no
desenvolvimento da técnica básica nos instrumentos violino e viola. A exemplo disto estão os
movimentos denominados “espantalho” (abaixar o ombro), “serpente” (para trabalhar o pulso),
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Ele era muito detalhista. Por exemplo, ele chamava atenção dizendo: “essa
sonoridade é na ponta do arco ou é no meio do arco”. Mas ele demonstrava
e falava das diferentes sonoridades que o violinista poderia produzir,
dependendo de como ele segurava o arco, como ele atacava e tangia as
cordas. Ele era bem detalhista e bem exigente com relação à sonoridade.
(SOUZA, 2019).
O grande legado dele foi de gerar músicos afinados, com boa arcada, com
sonoridade boa, né? E, assim, é também uma pessoa e um homem que
trabalhava demais. Era comum o pessoal querer fechar o conservatório [a
equipe administrativa] (...) e botando ele pra fora. De manhã cedo até
22h00min, se deixasse. (...) Se deixasse ele chegava até 03h00min da
manhã, escrevendo música; sábado e domingo. E o aluno que queria
aproveitar isso tinha muitas aulas. E ele dava aulas intensas. E ele era muito
estudioso, o Serguei estudava violino e viola todos os dias como um
estudante comum no seu instrumento [...] O Serguei estava praticamente com
os órgãos falindo, muito doente e não parava de dar aula (ARRAES, 2018).
“pássaro” (para trabalhar o cotovelo) e “peixinho” (treinar a flexibilidade dos dedos) (BARROS &
VIEIRA, 2015).
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o aluno conseguisse tocar as coisas. Mas isso faz parte da cultura do Russo.
Apesar da “brabeza” ele era muito mole, mole demais (CAPUTO, 2018).
Seu modo de ensinar fez com que se destacasse como professor, pois
compunha para fins didáticos e/ou de performance. Cito como exemplo a opereta
intitulada “O viajante das lendas Amazônicas”, que compôs em parceria com o poeta
paraense João de Jesus Paes Loureiro. Conforme Caputo (2018), os alunos que
executaram a opereta tinham pouco tempo de estudo no instrumento. Mas
conseguiram se apresentar em público com êxito, graças à pedagogia empreendida
pelo professor.
2
Criada em 1996, a Fundação Amazônica de Música (FAM) tem como objetivos difundir a cultura
musical no Estado do Pará, estimulando a formação de novos musicistas, proporcionando a divulgação
do trabalho destes e da música através de eventos culturais voltados à sociedade, além de incentivar
a inclusão social e a profissionalização de músicos participantes do projeto. Disponível em:<
https://fambelem.com.br/sobre.html>. O Projeto Vale Música, de formação de instrumentistas e
destinado a estudantes jovens de baixa renda, é vinculado à FAM e financiado pela Vale do Rio Doce.
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2.2- O COMPOSITOR
O Serguei começou a ter uma atividade na vida musical. Ele veio pra cá pra
ser professor de viola e acabou se envolvendo com tantas outras coisas na
música... Até porque muita gente foi embora [da orquestra de câmara do
Pará] Na verdade ele foi a pessoa que mais se envolveu com as coisas
regionais de todos os estrangeiros que vieram [do leste europeu, nenhum, né.]
Houve uma simbiose! (CAPUTO, 2018).
[...] Nós viajamos muito juntos. Nós fizemos muita coisa nessa vida sinfônica
e de câmara. Eu coordenava um quinteto de cordas e ele foi violista nesse
quinteto (...) por muito tempo. Então, muitas vezes, nós fizemos concertos de
vários tipos. Nós fizemos várias obras de música de câmera. A sonata do
Carlos Gomes em ré, e esses arranjos dele. Ele fez também um arranjo da
Chacone, de Bach, que também é um arranjo fantástico. (ARRAES, 2018).
Nós nos aproximamos porque ele viu que a minha música era impregnada de
elementos brasileiros (...). E ele se interessava muito por isso. Nessa época
[1990] ele ainda não tava, assim, familiarizado com as coisas do Brasil. Tava
morando aqui, mas toda cultura dele era europeia. Então ele começou a se
interessar (MORAES, 2019).
Tanto que uma vez eu estava fazendo um show [...], e lá estava ele, no
cantinho, ouvindo. Depois ele veio falar comigo e perguntava coisas sobre
música brasileira, sobre ritmos brasileiros, né? Então ele pesquisou um pouco
da minha música. Eu sei por que ele me falou isso. Depois eu escrevi um trio
de clarinete, piano, cordas e violino, que ele também se interessou muito
pelos três movimentos serem bem brasileiros. E eu sei que ele estudou isso
e andou pesquisando.
(MORAES, 2019).
autoral de Serguei quanto em seus arranjos, por outro também lançou mão, em sua
obra, de referenciais regionais. Conforme a cantora,
Escrevia direto no papel, o manuscrito (...). Tocava bem piano, escrevia música
constantemente, produzia constantemente. [...] Conversando com ele uma vez,
ele fez essa diferença. Nós conversamos sobre esta diferença, entre
composição e arranjo. Não eram simplesmente arranjos. Eram composições
que tinham elementos de composições daqui [do Pará]. Tudo que ele fez [–],
por exemplo, o disco do Arthur Moreira Lima, [em] que foi gravada a obra dele
[–] foi gravado em Brasília. Então, esse trabalho do Serguei não é arranjo, e
isso nós discutimos. ‘Não Jonas. Não é arranjo. É composição’” (ARRAES,
2018).
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Vê bem! Ele criou aqui, pra nós, a orquestra de violinos. E ele fez todos os
arranjos porque não tem nada escrito pra orquestra de violinos. E você não
vê orquestra de violinos pelo mundo. Então, o sonho do professor Serguei
era levar essa orquestra pra fazer uma turnê pela Europa e pelos Estados
Unidos. Porque ele dizia que só conhecia orquestra de violino lá na terra dele,
na Rússia. (Caputo, 2018).
trazendo exemplos, mas também retomando temas mais abrangentes, tais como
identidade, já tratado em termos teóricos, e diversidade cultural caraterística do Pará,
da Amazônia e do Brasil, que emolduraram, certamente, a marcante passagem do
professor Serguei Firsanov em Belém.
Se não há como saber se, ou, em que medida, Firsanov teria se alinhado a uma
dada perspectiva outsider, importa ressaltar a importância dos “segredos” amazônicos
para a constituição dessa “regionalidade paraense” a que me proponho pensar. De
uma terra de brancos (e aqui me reconheço também outsider, ou mesmo colonizada,
ao reconhecer a Europa como “modelo” do meu próprio processo civilizatório – ou
mesmo a Rússia, como modelo para a formação de musicistas de cordas, por
exemplo), Serguei Firsanov migrou ao Brasil. E ainda, se não bastasse, fez morada
na culturalmente diversificada região amazônica composta por negros, indígenas,
também por europeus, e por híbridos de diferentes raças, credos, sotaques,
vocabulários, paladares, paisagens, corporeidades e sonoridades.
Caputo (2018) relata sobre o amor que Firsanov tinha pelas frutas e comidas
amazônicas, uma vez que, segundo o artista, em nenhum outro lugar do mundo havia
semelhante fartura. Hábito conhecido dos paraenses e incorporado por Serguei
Firsanov foi o de tomar açaí, diariamente. Neste sentido, há situações em que
identidades não se constroem a partir de “traços culturais” claramente identificáveis,
mas de processos de pertencimento (CANDAU, 2018).
Além das frutas e comidas regionais, Serguei reconhecia fartura nas chuvas
abundantes, na fertilidade do solo e na grandiosidade dos rios da Amazônia, tal como
a Amazônia também pode ser compreendida, tanto pelo nativo, em uma perspectiva
real (mas também fantástica), quanto pelas pessoas “de fora”, que idealizam a região,
positivamente ou não. Dione Colares de Souza relata que Serguei Firsanov comparou
a Amazônia a um paraíso sobre o qual leu, ainda quando jovem, em um livro de um
autor russo (COLARES, 2019). Ainda que a Amazônia com a qual Serguei se
confrontou não tenha sido a mesma daquele livro, na Amazônia ele fez morada, como
já disse.
Eu dizia que ele era um russo com alma de paraense. Ele virou um paraense.
Ele tinha esse amor por aqui e gostava daqui de Belém. Ele se encantou e
não voltou mais. Ele se identificou com a nossa terra. Tanto é que ele entrou
na Academia Paraense de Música. E eu, como faço parte, eu disse: “o
Serguei é paraense”. E meti corda, também, e [o] auxiliei. E ele foi aprovado
e considerado músico aqui da terra né? Alma de paraense (MORAES, 2019).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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história. Belém: Programa de Pós-graduação da UFPA, 2015.
CANDAU, Joël. Memória e identidade. Trad. Maria Leticia Ferreira. 1. ed. São Paulo:
Contexto, 2018, p.224.
GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. SANTOS, Tânia Regina Lobato dos. A cultura
amazônica em práticas pedagógicas de educadores populares. IV fórum de
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SOUSA, Mariana Jantsch. A memória como matéria prima para uma identidade:
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