Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
lógico, Paul Smalley, continuam sua imensa exposição da doutrina cristã. Como
o primeiro volume, este é marcado pelo uso constante da Escritura associado a
referências a grandes teólogos e é escrito para todo o povo de Deus, em linguagem
que é mais pastoral que metafísica. Este segundo volume cobre as áreas vitais de
Antropologia e Cristologia e mantém o estilo de uma verdadeira ‘dogmática ecle-
siástica’ que lembra a obra dos grandes pastores-teólogos da igreja. Um modelo
de clareza, esta obra promoverá doxologia, maturidade e mais pesquisa. Eis aqui
o melhor do ensino cristão, instruindo o estudante de Teologia, fornecendo aos
pastores um manual que enriquece o sermão e dando aos cristãos em crescimento
uma fonte de consulta que os informará e nutrirá, além de lhes proporcionar infin-
dável prazer teológico!”
Sinclair B. Ferguson, Professor de Teologia Sistemática, Reformed
Theological Seminary; Professor associado de Ligonier Ministries
“Escrito com grande clareza e total simplicidade, este volume é totalmente con-
fiável para estudo e ensino. É assim que a teologia sistemática deve ser feita –
tendo em mente o pastor no púlpito e o povo nos bancos. Os autores devem ser
elogiados por nos darem este volume de alto gabarito, acadêmico, mas acessível
e que honra a Deus.”
Rob Ventura, Pastor, Grace Community Baptist Church, North Providence,
Rhode Island; coautor de A Portrait of Paul e Spiritual Warfare
“Beeke e Smalley escreveram uma obra útil para a igreja em geral que ensina aos
cristãos o que eles devem crer e como devem amar, mas não sacrificaram o rigor
acadêmico para alcançar esses objetivos.”
J. V. Fesko, Professor de Teologia Sistemática e Histórica, Reformed
Theological Seminary, Jackson, Mississippi
“Joel Beeke continua suas décadas de serviço a Cristo e sua igreja apresentando suas
reflexões maduras sobre a natureza da teologia sistemática. Esta obra é totalmente
confiável, bem escrita, facilmente compreensível e minuciosamente pesquisada.”
Richard C. Gamble, Professor de Teologia Sistemática, Reformed
Presbyterian Theological Seminary
“Joel Beeke é um raro dom à igreja, um líder cristão notável que combina as habi-
lidades de um teólogo culto, um mestre, um grande historiador e, além disso, de
um pastor amoroso. Teologia Sistemática Reformada é uma mina de ouro virtual
de doutrina bíblica que é sistematicamente organizada, cuidadosamente analisada,
historicamente investigada e pastoralmente aplicada.”
Steven J. Lawson, Presidente, OnePassion Ministries; Professor
de Pregação, The Master’s Seminary; Professor associado de
Ligonier Ministries
Conselho Editorial
Cláudio Marra (Presidente)
Christian Brially Tavares de Medeiros Produção Editorial
Filipe Fontes Tradução
Heber Carlos de Campos Jr Vagner Barbosa
Joel Theodoro da Fonseca Jr Revisão
Misael Batista do Nascimento Alan Rennê Alexandrino Lima
Tarcízio José de Freitas Carvalho Filipe Delage
Victor Alexandre Nascimento Ximenes Mauro Filgueiras Filho
Editoração e capa
OM Designers Gráficos
Beeke, Joel R.
B414t Teologia Sistemática Reformada / Joel R. Beeke,
Paul M. Smalley. –- São Paulo: Cultura Cristã, 2023.
v. 2: 1136 p.
Título original: Reformed Systematic Theology
ISBN: 978-65-5989-249-5
1. Teologia sistemática. 2. Doutrina cristã. 3. Vida
devocional. I. Smalley, Paul M. II. Título.
CDU-230.1
Sueli Costa - Bibliotecária - CRB-8/5213
(SC Assessoria Editorial, SP, Brasil)
A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo Reformado e Presbiteriano de compreender
a Escritura. São esses símbolos a Confissão de Fé de Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora oficial de uma denominação confessional,
cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem
aspectos que refletem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos
os pontos de vista apresentados. A posição da denominação sobre pontos específicos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.
E para
Tom Nettles e John Woodbridge,
dois professores de seminário que me ensinaram a amar a história cristã
e a ler os grandes livros de teólogos
que exaltam a Cristo desde séculos passados;
e
John Owen (1616–1683),
o primeiro teólogo puritano cujos escritos eu li,
arauto da glória de Cristo, nosso Profeta, Sacerdote e Rei.
“Que formosos são sobre os montes os pés
do que anuncia as boas-novas,
que faz ouvir a paz, que anuncia coisas boas,
que faz ouvir a salvação,
que diz a Sião: o teu Deus reina!” (Is 52.7).
—Paul M. Smalley
Abreviaturas........................................................................................................ 13
Tabelas................................................................................................................ 15
Prefácio............................................................................................................... 17
Bibliografia..................................................................................................... 1003
Índice geral...................................................................................................... 1051
Índice de textos da Escritura........................................................................... 1077
Jesus veio para que pessoas conhecessem a verdade (Jo 8.31-32; 18.37). Quando
a cruz despontou no horizonte, nosso Senhor Jesus orou ao seu Pai: “(...) a vida
eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a
quem enviaste” e intercedeu pelo povo que o Pai lhe tinha dado: “Santifica-os na
verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.3,17). Cristo nos trouxe a verdade – o
conhecimento de Deus que dá vida e produz santidade. Por meio dessa palavra
verdadeira, Deus aplica à nossa vida a obra salvadora de Cristo na cruz.
O trabalho de um teólogo sistemático é reunir a verdade da Sagrada Escritura
e apresentá-la de um modo que, pelo poder do Espírito Santo, ilumine a mente
e inflame o coração para dirigir toda a vida para a glória de Deus. A publicação
deste segundo volume marca o meio do caminho de nossa tentativa de produzir
uma teologia sistemática que seja bíblica, doutrinária, experiencial e prática. Aqui
discutimos os tópicos da criação, natureza humana, pecado e alianças de Deus e
a pessoa e obra de Cristo.
Somos profundamente gratos ao Senhor por sua bênção sobre este projeto.
Nunca poderíamos ter produzido esta teologia sistemática sem a ajuda de outros
homens e mulheres que são instrumentos nas mãos do Senhor. Somos devedores
a muitos pastores e teólogos (do passado e do presente) cujos ensinos têm alimen-
tado nossa alma ao longo dos anos. Agradecemos a Justin Taylor, por seu apoio ao
projeto, a Greg Bailey, por sua habilidosa edição dos manuscritos, e ao restante
da equipe de Crossway por sua ajuda na publicação e promoção deste conjunto de
livros. Nossa escrita foi frequentemente esclarecida pelas sugestões editoriais de
Ray Lanning e Scott Lang. Também queremos agradecer aos seguintes teólogos
por sugerirem refinamentos de porções deste livro: Robert Oliver, Steve Wellum
e Stephen Myers. E somos muitos devedores ao amor e às orações de nossas que-
ridas esposas, Mary Beeke e Dawn Smalley, as quais são mulheres que colocam
em prática a teologia cristã.
Acima de tudo, damos graças ao Deus trino pelo Mediador. Escrever sobre a
pessoa e a obra de Jesus Cristo nos mostrou novamente que Deus habita em luz
inacessível e que nossa tentativa de descrever a glória de Cristo é apenas o balbu-
ciar de crianças. Soli Deo gloria!
ANTROPOLOGIA:
A DOUTRINA
DO HOMEM
I. Introdução à Antropologia
A. O que é Antropologia teológica?
B. Por que estudar Antropologia?
1. Sua importância na Bíblia
2. Sua relação integral com outras doutrinas
3. Seu valor para outras disciplinas acadêmicas
4. Suas implicações para crises existenciais contemporâneas
5. Seu impacto no ministério prático
C. Como o mundo aborda a Antropologia?
1. O homem definido pelo idealismo filosófico
2. O homem definido pela biologia física
3. O homem definido por desejos sexuais
4. O homem definido pela prosperidade material
5. O homem definido pela liberdade individual
6. O homem definido pelos relacionamentos sociais
7. O homem definido pela saúde emocional
8. O homem indefinido pelo absurdo existencial
D. Como a Bíblia aborda a Antropologia?
1. O estado original de inocência
2. O estado de natureza caída
3. O estado de graça
4. O estado de glória
3. O poder do Criador
4. A autoridade do Criador
5. A sabedoria do Criador
6. A bondade do Criador
7. Conhecendo e celebrando a glória do Criador
D. Questões sobre a doutrina da criação
1. Gênesis 1 é um mito?
2. Gênesis 1–2 é uma narrativa histórica?
a. Narrativa histórica versus poesia
b. Genealogias
c. Cristo
3. Deus criou ex Nihilo?
a. Gênesis 1.1
b. Deus criou todas as coisas
c. Hebreus 11.3
d. Colossenses 1.16
e. Romanos 4.17
f. Visão bíblica de Deus
4. Como devemos interpretar os seis dias de criação?
a. Agostinho: criação instantânea, dias alegóricos, Terra jovem
b. A visão da lacuna: longas eras em Gênesis 1.1-2
c. A visão do dia-era: seis dias como uma sequência de seis
longas eras
d. A visão da estrutura: seis dias como metáfora estruturada
e. A visão do dia do calendário: seis dias literais em
sequência cronológica
5. A ciência prova que o mundo tem bilhões de anos de idade?
6. A Bíblia é compatível com a evolução neodarwinista?
a. Problemas racionais e empíricos com a evolução
b. Evolução e verdade bíblica
i. Criação em seis dias
ii. Criação por fiat divino sobrenatural
iii. Criação de cada ser vivo “segundo a sua espécie”
iv. A ordem dos dias da criação
v. Sofrimento e morte de animais antes da queda
vi. Gênesis 2.7
vii. Gênesis 2.21-23
7. O dilúvio foi global ou local?
a. Destruição total
b. Dando sentido ao texto
c. Uma perturbação geológica
1. Feminismo
2. Movimento pelos direitos dos homossexuais
3. Transgenerismo
B. Ensino bíblico básico sobre gênero
1. Identidade de gênero e os dois sexos biológicos
2. O homem como líder autoritativo, a mulher como
ajudadora capacitadora
C. Ensino bíblico básico sobre sexo
1. Atividade sexual e reprodução
2. Atividade sexual e relacionamento conjugal
D. Ensino bíblico básico sobre homossexualidade
1. Ensino do Antigo Testamento sobre homossexualidade
2. Ensino do Novo Testamento sobre homossexualidade
3. O conceito moderno de orientação sexual
VII. A constituição do homem
A. Unidade e dualidade
1. Terminologia bíblica para aspectos da constituição humana
a. Fôlego (hebraico n#sh~m~h)
b. Alma (hebraico n#Ph#sh; grego psych)
c. Espírito (hebraico r%~h; grego pneuma)
d. Coração (hebraico l#B ou l#B~B; grego kardia)
e. Rins (hebraico K!ly~h; grego nefros)
f. Mente (grego nous; cf. hebraico l#B ou l#B~B)
g. Carne (hebraico B~sh~r; grego sarx)
h. Osso (hebraico ‘#Ts#m; grego osteon)
i. Corpo (grego swma; cf. hebraico b~sh~r)
2. A unidade funcional da pessoa humana
3. A dualidade de corpo e espírito (vs. monismo antropológico)
4. Objeções à dualidade da constituição humana
a. A dualidade bíblica é meramente funcional
b. O holismo bíblico deve controlar toda a doutrina do homem
c. Dualidade leva a uma visão de mundo dividida
d. Uma combinação de unidade e dualidade não é plausível
5. A constituição humana contrastada com a dos anjos e animais
a. Homens e anjos
b. Homens e animais
B. O corpo humano
1. A bondade do corpo como criação de Deus
2. A importância do corpo para a santidade
3. A salvação do corpo na esperança cristã
C. A alma humana
a. A punição de perda
b. A punição de sentimento
3. O pecado é totalmente punido com ira absolutamente justa
XIV. O pecado e o crente
A. A humilde resposta do crente ao pecado
1. Confissão de pecados
2. Arrependimento para com Deus
3. Fé em Cristo
4. Oração pela graça do Espírito
5. Vigilância contra a tentação
6. Combate contra o pecado e Satanás
7. Ação de graças ao Pai
B. A paradoxal experiência de pecado do crente
1. Perdão da culpa, mas com a devida vergonha
2. Libertação do domínio do pecado, mas com corrupção remanescente
3. Certeza de salvação, mas com temor ao Senhor
a. A santidade do nosso Pai
b. O preço da nossa redenção
c. A condição da nossa certeza
C. A fervente esperança do crente por completa purificação do pecado
XV. O sofrimento e o crente
A. A participação dos santos nas aflições de um mundo caído
1. Sofrimento em solidariedade com sua raça caída
2. Sofrimentos dos juízos de Deus contra sua nação
B. Os propósitos paternais de Deus para a aflição dos seus santos
1. Deus os humilha profundamente
2. Deus expõe seus pecados
3. Deus purifica sua corrupção
4. Deus os atrai para si
5. Deus os conforma a Cristo
6. Deus expande sua alegria
7. Deus aumenta sua fé
8. Deus os desacostuma deste mundo
9. Deus os prepara para sua herança celestial
C. A comunhão dos santos com Cristo na aflição
1. A piedade de Cristo
2. A perseverança de Cristo
3. O poder de Cristo
4. As orações de Cristo
5. A presença de Cristo
6. O plano de Cristo
Introdução à Antropologia
Era parte da sabedoria cristã que “ele mesmo sabia o que era a natureza humana”
(Jo 2.25). Esse conhecimento capacitou o nosso Senhor Jesus a lidar habilido-
samente com pessoas que variavam de fariseus a prostitutas. Cristo entendia as
pessoas. Sendo a luz do mundo, ele se revelou a nós e nos revelou a nós mesmos
(Jo 3.19; cf. 15.22). Nosso Senhor Jesus não apenas fez declarações “Eu sou”, mas
também fez algumas afirmações muito importantes “vós sois”.1
Uma verdadeira Antropologia é fundamental para decisões éticas corretas e
sábias. Grande parte da confusão de nossa época surge de falsas antropologias.
Stephen Wellum estrutura a questão de maneira provocativa: “Somos criaturas
de dignidade porque somos criados à imagem de Deus? Ou somos meramente
animais, subprodutos de um processo evolutivo impessoal, coisas que podem ser,
tecnologicamente falando, manipuladas e refeitas para quaisquer fins que consi-
deremos melhores?”2
Claro, o homem não é o maior assunto para nossa mente contemplar. Há uma
razão para que o primeiro locus considerado na teologia seja a doutrina de Deus
(teologia propriamente dita). Contudo, a Bíblia reflete de volta uma imagem de
nós mesmos, assim como um espelho reflete a face do homem, de maneira que
olhemos para nós mesmos e façamos as mudanças necessárias (Tg 1.23-24). Esta é
a função da Antropologia: usar a Palavra de Deus como um espelho no qual vemos
o que somos para que, pela graça, nos tornemos o que devemos ser.
1
Mateus 10.31; Lucas 16.15; João 8.23,44,47; 10.26.
2
WELLUM, Stephen J. “Editorial: The Urgent Need for a Theological Anthropology Today”, Southern Baptist
Theological Journal 13, nº 2 (verão, 2009): p. 2 (artigo completo, p. 2-3).
3
Essa é uma das máximas inscritas em Delfos e frequentemente citada por filósofos gregos. Veja PAUSA-
NIAS. Description of Greece. W. H. S. Jones e H. A. Ormerod (trad.). Cambridge, MA: Harvard University Press;
Londres: William Heinemann Ltd., 1918, 10.24.1, Perseus Digital Library, http://www.perseus.tufts.edu/hopper/
text?doc=Paus.+10.24&fromdoc=Perseus%3Atext%3A1999.01.0160.
4
CALVIN, John. Institutes of the Christian Religion. John T. McNeill (org.); Ford Lewis Battles (trad.). 2 vols.
Filadélfia: Westminster, 1960, 1.1.1. [Publicado no Brasil pela Editora Cultura Cristã sob o título As Institutas, 3ª ed.
Edição Clássica. São Paulo: Cultura Cristã, 2022 (N. do T.)].
5
Para um estudo do que é a Teologia e de como ela é feita corretamente, veja RST, 1:39-173 (capítulos 1–9).
6
Somos devedores, por várias ideias presentes neste capítulo, a ERICKSON, Millard J. Christian Theology. 3ª ed.
Grand Rapids, MI: Baker, 2013, p. 424-35.
Deus é essencial para seu entendimento correto”, pois “o homem não é somente a
coroa da criação, mas também o objeto do cuidado especial de Deus”.7
Visto que é bom estudar as obras de Deus (Sl 92.4-5; 111.2), muito mais
devemos estudar o clímax da obra criadora de Deus, que é a criação do homem
(8.4), a quem ele colocou acima de todas as suas outras obras (v.6). Esse estudo
nos permite exclamar com adoração: “Ó Senhor, Senhor nosso, quão magnífico
em toda a terra é o teu nome!” (v. 1,9). Calvino disse sobre o estudo do homem:
“Entre todas as obras de Deus, eis aqui o mais nobre e mais notável exemplo de
sua justiça, sabedoria e bondade.”8
A Palavra de Deus serve de modelo para nós de uma atenção saudável à Antro-
pologia. Grandes porções da Escritura consistem em narrativas históricas e esbo-
ços pessoais que expõem para nós o caráter de homens e nações. Livros inteiros,
como Rute e Ester, não descrevem milagres e não contêm revelações proféticas
(embora a secreta providência de Deus esteja no pano de fundo), mas relatam
somente as ações fiéis de pessoas piedosas, seja de uma camponesa ou de uma
rainha. Provérbios foca muito na vida humana no mundo de Deus, fornecendo
declarações piedosas que iluminam a natureza humana e identificam diferentes
tipos de pessoa. A Bíblia também contém grandes declarações doutrinárias sobre
o homem, como “Façamos o homem à nossa imagem” (Gn 1.26) e “estando vós
mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2.1).
Precisamos de autoconhecimento para nossa salvação. Considere a Carta aos
Romanos, talvez a maior exposição do evangelho na Sagrada Escritura. Ela está
cheia de ensinos sobre a obra de Jesus Cristo, sobre como Deus aplica essa obra
pelo Espírito e pela fé e sobre qual resposta devemos dar em amor agradecido.
Contudo, a maior parte dos três primeiros capítulos de Romanos consiste das
terríveis verdades sobre o pecado humano e suas consequências. Evidentemente,
a Antropologia é uma parte crucial do evangelho. Devemos apreciar seu lugar na
Bíblia e estudá-la cuidadosamente.
7
BERKHOF, Louis. Systematic Theology. Edimburgo: Banner of Truth, 1958, p. 181. [Publicado no Brasil pela
Editora Cultura Cristã sob o título Teologia Sistemática. 4ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012 (N. do T.].
8
CALVIN. Institutes, 1.15.1.
Nossa origem como criação de Deus reforça a nossa obrigação moral de obe-
decer aos seus mandamentos. A Antropologia, portanto, lança um fundamento
sobre o qual edificar a nossa ética. O que é certo ou errado no modo como lidamos
com os outros depende muito de quem eles são. Assassinato, adultério, roubo,
mentira – essas violações dos Dez Mandamentos são pecados por causa da natu-
reza daqueles contra os quais os cometemos. O mesmo é verdade sobre questões
éticas a respeito de engenharia genética, clonagem, aborto, eutanásia, racismo e
opressão econômica.
A doutrina da Antropologia interage com todos os grandes ensinos da fé cristã.
Perspectivas corretas em Antropologia fortalecem significativamente o nosso sis-
tema geral de crenças. Perspectivas erradas em Antropologia fazem desmoronar
esse sistema de crenças e podem enfraquecer o próprio evangelho da salvação.
Sempre parecemos a nós mesmos justos e retos, sábios e santos – esse orgulho
é inato em todos nós, a menos que, por provas claras, sejamos convencidos
de nossa própria injustiça. [...] Não somos convencidos disso se olharmos
meramente para nós mesmos e não também para o Senhor, que é o único
padrão pelo qual essa avaliação deve ser feita.10
Uma visão bíblica do homem fará de nós não apenas cristãos melhores, mas
também pais, filhos e amigos melhores, vizinhos, cidadãos, empregados e empre-
gadores melhores.
A doutrina do homem aborda uma questão de interesse vital para todas as
pessoas, porque se refere a cada um de nós. Millard Erickson escreve: “A doutrina
da humanidade é um ponto em que é possível obter um ponto de contato na mente
9
Citado em CALVIN. Institutes, 3.2.25.
10
CALVIN. Institutes, 1.1.2.
y Quem sou eu? Quais são minhas raízes? Pertenço a algo maior que
eu mesmo?
y Por que minha vida é tão dolorosa e confusa?
y O que significa ser humano? Como somos diferentes dos animais?
y Como posso saber o que é certo e o que é errado? Todas as coisas são
meramente relativas?
y Por que estamos na confusão que estamos?
y Por que é que, apesar de nossa notável tecnologia e sistemas de
informação, não conseguimos resolver problemas básicos, como justiça
social e paz mundial?
y Por que pessoas que não são tão diferentes de nós cometem atrocidades
como genocídio, terrorismo, tráfico humano e opressão étnica?
y Para onde nosso mundo está indo? Temos algum motivo para
termos esperança?
A Bíblia nos oferece uma perspectiva sobre a vida humana que responde a
essas questões de um modo que é realista (de modo que podemos lidar sabia-
mente com nós mesmos e com outras pessoas), idealista (de modo que podemos
ter objetivos elevados e dignos) e otimista (de modo que podemos continuar nos
esforçando pelo que é certo com a sólida esperança de fazer diferença).
11
ERICKSON. Christian Theology, p. 427.
12
HOEKEMA, Anthony A. Created in God’s Image. Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1986, p. 2. [Publicado no Brasil
pela Editora Cultura Cristã sob o título Criados à Imagem de Deus, 3ª ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2018 (N. do T.)].
13
ERICKSON. Christian Theology, p. 429.
14
BOSTON, Thomas. An Illustration of the Doctrines of the Christian Religion. In: M’MILLAN, Samuel, org.
The Complete Works of the Late Rev. Thomas Boston, Ettrick, 1853. Reimpressão, Stoke-on-Trent, Inglaterra: Tent-
maker, 2002, 1:177.
15
HOEKEMA. Created in God’s Image, p. 2.
pode resultar em uma ênfase não saudável no intelecto, no mal tratamento ascético
do corpo ou na indulgência descuidada dos desejos físicos. Embora não sejam
tão comuns em nossa presente sociedade materialista, essa elevação do espírito e
degradação do corpo persistem em alguns grupos hoje e podem infectar a igreja.
Paulo escreve que o Espírito Santo predisse a apostasia de pessoas seguindo dou-
trinas demoníacas “[...] que proíbem o casamento, exigem abstinência de alimen-
tos, que Deus criou para serem recebidos, com ações de graças, pelos fiéis e por
quantos conhecem plenamente a verdade” (1Tm 4.3; cf. Cl 2.20-23).
2. O homem definido pela biologia física. O naturalismo, com sua negação
do mundo invisível, reduz todas as coisas à sua existência cientificamente men-
surável e física. Os seres humanos, então, consistem totalmente do material e dos
processos de seu corpo físico, e sua mente é apenas o intercâmbio eletroquímico
do cérebro. Essa crença tem a implicação prática de que nossos problemas estão
todos arraigados na biologia e são resolvidos pela física mecânica e pela química.
Em uma cultura dominada pela teoria da evolução, é comum as pessoas verem
os seres humanos apenas como animais altamente desenvolvidos ou, no caso de
alguns ambientalistas radicais, como o pior dos animais. O homem é nada mais,
nas palavras de Desmond Morris, que “o macaco nu”.16 Aqueles que tratam a vida
humana em um nível meramente biológico nutrem o corpo, mas negligenciam a
alma. Cristo advertiu: “Que aproveita ao homem, ganhar o mundo inteiro e perder
a alma?” (Mc 8.36).
3. O homem definido por desejos sexuais. Esta forma de naturalismo, desen-
volvida especialmente pelo psicanalista Sigmund Freud (1856–1939), afirma que
o conflito psicológico interior geralmente nasce da frustração dos desejos de satis-
fação sexual da pessoa.17 Se o homem é essencialmente um animal desenvolvido,
então, segundo se alega, sua orientação primária é a libido ou energia que busca
sobrevivência e satisfação sexual. Como Erickson observa, essa teoria é adotada
em sua forma mais crua pela indústria da prostituição e da pornografia, que trata as
pessoas como animais que existem somente para dar e receber prazer sexual.18 Na
mídia popular, a falta de satisfação sexual é frequentemente tratada como a mais
miserável de todas as condições. Em tempos mais recentes, as pessoas também
têm se definido por sua “orientação sexual” percebida, de modo que qualquer crí-
tica às suas práticas sexuais é vista como um ato de violência contra a sua própria
pessoa. Essa definição do homem é usada para justificar viver buscando satisfazer
a “concupiscência da carne” (1Jo 2.16).
4. O homem definido pela prosperidade material. Ninguém pode negar que
alimento, roupas e outras coisas básicas são essenciais para a vida ou que o desejo
de ter dinheiro e posses motiva fortemente as pessoas (cf. Mt 6.24-26). Contudo,
nesta perspectiva, os homens são explícita ou implicitamente definidos por aquilo
que possuem. As pessoas geralmente medem umas às outras por suas posses ou
16
MORRIS, Desmond. The Naked Ape: A Zoologist’s Study of the Human Animal. Londres: Jonathan Cape, 1967.
17
FREUD, Sigmund. A General Introduction to Psychoanalysis. G. Stanley Hall (trad.). Nova York: Horace
Liveright, 1920, p. 259-60,267-68.
18
ERICKSON. Christian Theology, p. 431.
por sua utilidade para aumentar sua própria riqueza – o tipo de atitude repreen-
dida pelo apóstolo Tiago (Tg 2.1-5). Essa é a perspectiva teórica do marxismo,
que interpreta a história segundo fatores econômicos e a luta por riqueza, embora
também possa ser a perspectiva prática do capitalismo. O Senhor Jesus advertiu:
“Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza; porque a vida de um
homem não consiste na abundância dos bens que ele possui” (Lc 12.15). Somente
Deus pode ser aquela porção que nos satisfaz na vida e na morte (Sl 73.24-28).
Thomas Brooks (1608–1680) disse: “Quanto mais aumenta o dinheiro, mais
aumenta o amor pelo dinheiro; e quanto mais aumenta o amor pelo dinheiro, mais
a alma fica insatisfeita. É somente um Deus infinito e um bem infinito que podem
preencher e satisfazer a preciosa e imortal alma humana.”19
5. O homem definido pela liberdade individual. Os reformadores tentaram
restaurar a liberdade cristã, livrando-a da escravidão das leis religiosas e doutri-
nas do homem. Mais tarde, os puritanos e vários outros movimentos lutaram pela
liberdade contra aquilo que percebiam ser tirania política. Contudo, na cultura
moderna, a liberdade foi redefinida como a permissão para o indivíduo fazer tudo
o que quiser sem constrangimento, restrição ou repreensão, desde que não cause
dano a outros. Como disse Jean-Jacques Rousseau (1712–1778), “obediência a
uma lei autoprescrita é liberdade”.20 Opressão, então, é a imposição de um padrão
que não escolhemos pessoalmente. William Ernest Henley (1849–1903) capturou
ousadamente o espírito dessa afirmação em seu poema “Invicto”:
19
BROOKS, Thomas. London’s Lamentations: or, a Serious Discourse Concerning that Late Fiery Dispensation
that Turned Our (Once Renowned) City into a Ruinous Heap. Londres: para John Hancock e Nathaniel Ponder, 1670,
p. 194; cf. The Works of Thomas Brooks. Edimburgo: Banner of Truth, 1980, 6:259.
20
ROUSSEAU, Jean-Jacques. The Social Contract, or Principles of Political Right. H. J. Tozer (trad.). Words-
worth Classics of World Literature. Ware, Hertfordshire, Inglaterra: Wordsworth, 1998, 1.8 (p. 20). Rousseau reconhe-
ceu que a liberdade ideal pode ser limitada pelas necessidades da vida em sociedade.
21
HENLEY, William Ernest. “Invictus”. In: UNTERMEYER, Louis, org. Modern British Poetry, 1920, http://
www.bartleby.com/103/7.html.
22
ASIMOV, Isaac. The Foundation Trilogy: Three Classics of Science Fiction. Garden City, NY: Doubleday,
1951–1953. Asimov era um humanista ateu criado no judaísmo.
23
SMITH, Christian; DENTON, Melina Lundquist. Soul Searching: The Religious and Spiritual Lives of American
Teenagers. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 163.
24
HOUSTON, Whitney. “The Greatest Love of All”, letra de Linda Creed, música de Michael Masser, Whitney
Houston. Arista Records, 14 de fevereiro, 1985.
25
SHAKESPEARE, William. Macbeth, ato 5, cena 5.
todas as coisas para seu prazer e faz todas as coisas segundo o conselho da sua
vontade (Ef 1.11; Ap 4.11).
Em cada uma dessas definições, um real componente da vida humana foi
elevado a uma posição que não pode sustentar. Até mesmo o existencialismo
reflete a noção humana de mistério e alienação em um mundo caído. Isso explica
por que cada definição ressoa conosco em certa medida e, no entanto, por fim
não consegue explicar quem somos. Hoekema observou: “Uma forma de avaliar
essas perspectivas seria dizer que são unilaterais, isto é, enfatizam um aspecto do
ser humano à custa dos outros.” Contudo, ele perceptivamente notou o problema
mais profundo: “Já que cada uma dessas perspectivas do homem mencionadas
acima considera um aspecto do ser humano como o principal, sem qualquer
dependência de Deus ou responsabilidade diante de Deus como Criador, cada
uma dessas Antropologias é culpada de idolatria: adora um aspecto da criação
em lugar de Deus.”26
26
HOEKEMA. Created in God’s Image, p. 4.
27
Reformed Confessions, 4:353.
28
WILLARD, Samuel. A Compleat Body of Divinity in Two Hundred and Fifty Expository Lectures on the Assem-
bly’s Shorter Catechism. Boston: B. Green e S. Kneeland para B. Eliot e D. Henchman, 1726, p. 5-6.
29
AUGUSTINE. Enchiridion, cap. 105. In: NPNF1, 3:271. Veja também AUGUSTINE. On Rebuke and Grace,
cap. 33. In: NPNF1, 5:485; e The City of God, 22.30. In: NPNF1, 2:510.
lute contra a luxúria e cresça em santidade; e (4) “plena e perfeita paz”,30 que é a
própria glória.
Posteriormente, os teólogos reformularam esse esquema, seguindo o padrão
histórico-redentivo de criação, queda, redenção e consumação. Os teólogos
medievais consolidaram o primeiro e o segundo passo de Agostinho, “antes da
lei’ e “sob a lei”, em um estado espiritual de pecado e incluíram o estado do
homem antes da Queda em seu esquema. O resultado, apresentado nas Sentenças
de Pedro Lombardo (c. 1096–1160)31 e encontrado nos escritos de teólogos como
Johannes Wollebius (1586–1629) e François Turretini (1623–1687), foi a doutrina
da natureza humana em seu estado quádruplo.32 Sua mais famosa exposição pode
ter sido feita por Boston.33 Em resumo, essas afirmações são:
1. O estado original de inocência. Deus criou o homem à sua imagem, o que
fez dele o pináculo e o governante do mundo que era muito bom (Gn 1.26,31).
Nesse estado, o homem era livre para fazer o bem que agradava a Deus e tinha
a capacidade de não pecar (latim posse non peccare). Contudo, ele também era
capaz de pecar (posse peccare) contra Deus.
2. O estado de natureza caída. Depois do pecado de Adão, o coração do
homem continuamente gera mal moral e nada além de mal moral em todos os seus
movimentos (Gn 6.5). Consequentemente, “não há quem faça o bem” (Sl 14.1). A
humanidade caída, sem Cristo, não tem a capacidade de fazer algo que agrade a
Deus, e, portanto, é incapaz de não pecar (non posse non peccare).
3. O estado de graça. Aqueles pecadores unidos a Cristo pela fé produzida
pelo Espírito foram salvos do poder dominador do pecado (Rm 6), mas não de
sua presença em sua alma (Rm 7.14-25). Consequentemente, são capazes de não
pecar, (posse non peccare) e livres para fazer o bem, mas não perfeitamente.
4. O estado de glória. Quando Cristo vier para conduzir seu povo à sua glória,
o cristão se tornará como ele e o verá como ele é (1Jo 3.2). Sua completa salvação
e perfeita comunhão com ele o tornarão incapaz de pecar (non posse peccare).
Nós nos referiremos aos quatro estados, mas nosso foco estará nos estados
de inocência original e de natureza caída, pois são o núcleo da Antropologia.34
Calvino disse: “Esse conhecimento de nós mesmos é duplo: a saber, conhecer
o que éramos quando fomos criados e qual se tornou nossa condição depois da
queda de Adão.”35
30
AUGUSTINE. Enchiridion, cap. 118. In NPNF1, 3:275. Observamos aqui a importância de convicção legal na
teologia agostiniana, um tema retomado na teologia luterana e reformada.
31
LOMBARD, Peter. The Sentences. Giulio Silano (trad.). 4 vols. Toronto: Pontifical Institutes of Mediaeval
Studies, 2007–2010, 2.25.5–6 (2:118).
32
WOLLEBIUS, Johannes. Compendium Theologiae Christianae, 1.8.xii. In: BEARDSLEE, John W., org. e trad.
Reformed Dogmatics, A Library of Protestant Thought. Nova York: Oxford University Press, 1965, p. 65. Daqui por
diante citado como WOLLEBIUS. Compendium, 1.8.xii (65). Veja também TURRETIN, Francis. Institutes of Elenctic
Theology. George Musgrave Giger (trad.); James T. Dennison Jr. (org.). 3 vols. Phillipsburg, NJ: P&R, 1992–1997,
8.1.9 (1:571).
33
BOSTON, Thomas. Human Nature in Its Fourfold State. Edimburgo: Banner of Truth, 1964.
34
O estado de graça é o tema da Soteriologia, e o estado de glória, da Escatologia.
35
CALVIN. Institutes, 1.15.1; cf. 2.1.1.
Cantai ao Senhor
O ensino e orientação de Deus para aqueles que confiam nele
A ti elevo minha alma,
Em ti ponho minha confiança;
Meu Deus, ó, não me envergonhes
Perante inimigos triunfantes.
Salmo 25
Música: Dennis
The Psalter, No. 60
36
DICKSON, David. Exposition of the Tenth Chapter of Job. In: Select Practical Writings of David Dickson.
Edimburgo: The Committee of the General Assembly of the Free Church of Scotland for the Publication of the Works
of Scottish Reformers and Divines, 1845, 1:37.