Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Cada vez mais e com maior insistência, pastores, missionários e teólogos têm
evidenciado a importância missiológica de um novo paradigma para a vida e missão da
igreja. Estes têm exigido uma redefinição da natureza da Igreja, de sua missão, sua
1
Texto publicado em: BARROZO, Victor; GOMES, Ozean; CARDOSO, Samuel. (Org.). Uma teologia para
chamar de nossa. São Paulo: Editora Reflexão, 2015, p. 21-38.
2
Mestre em Ciências da Religião pela PUC Minas, por onde também é especialista. Pós-graduado em
Sociologia pela UGF, graduado em Ciências Teológicas pela FBN. Membro da Fraternidade Teológica
Latino-Americana (FTL-B) e da Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR).
razão de ser, sua relação com o Reino de Deus e seu chamado no mundo. Engen (1996,
p. 32), falando da cadência do tema da missão, diz:
O que torna nova a discussão e revisitação do termo missão nos nossos dias, é
que ela está sendo atacada não só a partir de fora, mas também a partir de dentro de suas
próprias fileiras. A crítica do tema nos dias atuais se dá pelo fato de que se quer, a partir
da revelação total bíblica e do contexto no qual se quer anunciar o evangelho, desde a
congregação local, teologizar uma compreensão e ação de missão que possa abarcar
todo o conselho de Deus e alcançar todas as dimensões da existência humana com a
mensagem da cruz.
Todavia, antes mesmo que se possa tentar relacionar um novo tipo de
congregação missionária no mundo, é preciso compreender de fato o que seja a missão
dessa igreja. Faz-se necessário, desse modo, um novo modelo pelo qual se fará a
interpretação da natureza e objetivos dessa missão afim de que mais fielmente ao
ensinamento bíblico total e em resposta as atuais necessidades do mundo
contemporâneo se possam através das congregações locais protagonizar uma
participação efetiva do evangelho na sociedade em que está inserida.
Com a busca de novos referenciais que possam nortear o pensamento e ação das
igrejas na atualidade, vê-se instalada uma crise profunda. Pode-se observar que a
identidade e dinamismo do povo de Deus, durante toda a história, estão intrinsecamente
relacionados à compreensão e compromisso com a sua vocação missionária no mundo.
Sendo assim, a crise na missão torna-se uma crise ainda mais ampla visto que afeta a
questão do próprio significado de igreja e qual seu objetivo e metas a partir de sua auto-
compreensão.
O problema inicial se dá no próprio conceito de missão. Visto que a palavra
missão não é encontrada na Bíblia, depara-se imediatamente com um problema de
metodologia. O que é missão? Qual sua natureza e propósitos? Como essa missão
justifica, afeta e objetiva a vida individual e coletiva da congregação local? São essas e
muitas outras perguntas que provocam uma „‟crise de identidade‟‟ na igreja do mundo
atual. Se, em relação a igreja, não se sabe a natureza e objetivo de sua existência,
dificilmente, deste modo, ela poderá protagonizar efetivamente a vocação que lhe é
intrínseca no mundo.
Diferentes respostas têm sido dadas ao longo dos anos a partir de diferentes
pressupostos e compromissos teológicos. É importante destacar o fato de que a
compreensão de missão nunca é algo que possa se definir plenamente. A respeito disso,
Bosch (2002, p. 10) nos diz:
Todavia, longe de pensar que não existam bases firmes bíblico-teológicas para a
missão da igreja, mesmo tendo em vista a consideração acima feita por Bosch, é preciso
entender que estas sim existem. Porém, Carriker (1992, p. 2) nos diz que:
Para Bosch (2002), no que diz respeito à crise na missão contemporânea, ela se
manifesta em três áreas: o fundamento, os motivos e meta e a natureza da missão. Por
bastante tempo, a base que sustentava o empreendimento missionário era mínima.
Assim, o subsídio elementar que dava forma as práticas missionárias durante muito
tempo apoiava-se na interpretação e percepções parciais do ensinamento bíblico a
respeito da missão dessa igreja. Desse modo, a compreensão de sua natureza e
consequentemente de seus motivos e metas, tornavam-se ambíguos e indefinidos.
“Um fundamento inadequado para a missão e motivos e metas missionários
ambíguos estão fadados a acarretar uma prática missionária insatisfatória”, atenta Bosch
(2002, p. 22). Por isso é necessário se repensar o conceito de missão em nossos dias
para que não venha a se cair no erro de, pela ignorância bíblica e teológica,
negligenciarmos o que essa missão nos designa a fazer a luz do que a igreja é. Assim
sendo, Engen (1996, p. 48-49) adverte para o fato de que:
O termo missão (do latim missio, enviar) foi usado primordialmente pelos
jesuítas para descrever a propagação da fé católica entre aqueles que não eram membros
da igreja católica. Historicamente, é compreendido como a propagação do cristianismo,
ainda que, muito freqüentemente, a ocidentalização dos pagãos caminhasse lado a lado
com sua cristianização. O termo específico missão, contudo, não era usado para as
atividades de alcance da igreja, tal como conhecemos hoje. Até os séculos XVI e XVII,
missão era um termo teológico utilizado exclusivamente com referência a Trindade
quando se falava do envio Deus-Filho ou Deus-Espírito Santo.
A partir do final do século XVIII, forgjou-se o que ficou conhecido como o
modelo tradicional da missão, da qual a maioria de nossas igrejas locais recebeu por
herança protestante, que tomou forma no movimento missionário moderno. Essa
perspectiva concebia a missão essencialmente em termos de transposição geográfica, ou
seja, entendia a missão como propagação da fé, expansão do reinado de Deus,
conversão dos pagãos e fundação de novas igrejas.
Percebe-se, porém, que o paradigma missiológico que reivindicou as
empreitadas missionárias das igrejas locais nestas últimas décadas, tem apresentado
uma compreensão parcial, descontextualizada e pouco relevante do ensinamento bíblico
a respeito da missão no mundo contemporâneo. Esse modelo gerou dicotomias
prejudiciais às congregações e, consequentemente, tem impedido uma protagonização
da igreja local de forma mais efetiva e integral na cultura. Parte da crise de influência e
relevância da igreja evangélica brasileira na sociedade deve-se a este fator.
Neste sentido, compreender sob quais bases e objetivos se fundamenta a missão
cristã é indispensável para protagonizar uma presença do povo de Deus relevante para a
sociedade hoje no cumprimento da vontade e dos desígnios de Deus. Pode-se observar
que a identidade e dinamismo do povo de Deus, durante toda a história, estão
intrinsecamente relacionados à compreensão e compromisso com a sua vocação
missionária no mundo. Sendo assim, a crise na missão torna-se uma crise ainda mais
ampla visto que afeta a questão do próprio significado de igreja e qual seu objetivo e
metas a partir de sua auto-compreensão.
Na atualidade, a missiologia emergente procura superar a compreensão desta
missão nos termos de uma atividade humana de propagação ou proselitismo para o
reconhecimento da missio Dei: a compreensão de que a missão é primariamente a
missão de Deus e que tudo o que fazemos emana do envio do Filho pelo Pai e da igreja
pelo Filho. Em relação a isto, precisamos fazer uma distinção didática, é necessário
diferenciar e conceituar as palavras “missão” e “missões”, costumeiramente entendidas
como sinônimos.
O primeiro conceito se refere à missio Dei. A missão de Deus diz respeito à
auto-revelação de Deus como aquele que ama este mundo de modo inefável e absoluto.
Descreve a ação de Deus através do povo de Deus e de sua presença no mundo. A
missão não é, pois, primeiramente uma atividade da igreja, mas um atributo divino. A
missão é primária; as missões são secundárias, derivadas da primeira. Sendo a missão
de Deus atividade de Deus, ela abarca tanto a igreja quanto ao mundo. A igreja é
privilegiada em virtude de sua vocação de ser parceira dessa ação de Deus, mas jamais
exclusivamente. Deste modo, as missões, ou, as missiones ecclesiae, referem-se às
diferentes formas adotadas pelas igrejas para por em prática a missão como
participantes da missio Dei. O reconhecido teólogo latino-americano Padilla (2009, p.
63), a respeito da centralidade da missio Dei no entendimento da missão da igreja assim
define a missão:
Nesse sentido, a missão não é algo que surge de um departamento ou até mesmo
de atividades específicas da igreja. Ela se encontra no centro do propósito de Deus para
a igreja. Assim, missão é entendida como uma participação no mundo da existência de
Deus. Algumas outras definições são importantes na construção do entendimento de
missão nessa direção. Segundo González (2008, p. 23):
Ainda que não fechada em um sistema teológico, pois não é esta sua
proposta teológica, a Teologia da Missão Integral requer a observação
de alguns aspectos que a orientam. O fato de ser assim, não a torna
menos teologia, pois como Teologia Latino Americana sua primeira
libertação é metodologia, conforme afirmava Juan Luís Segundo.
Como Teologia, a Missão Integral nesse sentido, não é algo premeditado, mas
fruto das inquietações sobre um engajamento verdadeiro e comprometido da Igreja no
mundo. Surge da práxis para a sistematização e não o inverso. Assim,
panoramicamente, de forma breve, queremos apresentar os caminhos do teologizar a
partir da Missão Integral.
CONCLUSÃO
A discussão em torno da constituição de uma missiologia integral para a
dinâmica das igrejas locais contemporâneas é naturalmente uma questão em aberto.
Entretanto, propomos a Teologia da Missão Integral como novo paradigma missional
que perfaz uma releitura das relações entre missão e teologia favorecendo o
desenvolvimento de uma eclesiologia cada vez mais contextual e relevante. O desafio
que se segue é o de pensar sobre que formas nossas comunidades cristãs podem se
alinhar à esta perspectiva em vista uma presença transformadora no mundo atual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARRIKER, Timóteo. Missão Integral: uma teologia bíblica. São Paulo: SEPAL,
1992.
ENGEN, Charles van. Povo Missionário, povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 1996.
PADILLA, René. Missão integral: ensaios sobre o reino e a Igreja. São Paulo:
Temática Publicações, 1992.