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Marquese, R B
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FUNDAÇÃO EDITO RA D A UNESP

Presiden te do Conselho Curad or


M arcos M acari ANTONIO CELSO FERREIRA
Dire to r-Presidente
José Castilho M arques N eto HOLIEN GONÇALVES BEZERRA
Editor-Executivo
Jézio Hern ani Bo mfim Gu tierre
TANIA REGINA DE LUCA
Conselho Edito rial A cad êmico (Orgs .)
An to ni o Celso Ferrei ra
Cláudio A nto nio Rab ello Coelh o
José Ro b erto Ernandes
Lui z Gonzaga Marchezan
M aria do Rosário Lo ngo M o rtatti
M aria Encarnação Beltrão Sposito
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Pa ul o César Corrêa Bo rges
Roberto André Krae nkel
Sérg io Vi cente M o tta
Edito res-A ssistentes
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Ü HISTORIADOR
Anderso n N oba ra
D enise Katchuian Do gnini
Dida Bessan a
E SEU TEMPO

SBD-FFLCH-USP

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Série Encontros com a História - ANPUH

DEDALUS-AceNo-FFLCH

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editora
20900114559 unesp .
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© 2007 Edito ra UN ESP I


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-1
Apresentação 7

CIP - Brasil. Catalogação na fonte 1 O historiador sem tempo 11


Sind icato Na cional dos Editores d e Livros, RJ
·= Antonio Celso Ferreira
H 58
O historiado r e seu tempo: encontros co m a h istória/Anto ni o Cel so 2 Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil.

~I
Ferreira, Ho lien Gonçalves Bezerra, Tania Reg ina De Luca (Orgs.) . - São
Convergências e discordâncias 27
Paulo: Editora UNESP: ANPUH, 2008.
Textos apresentados no XVIII Enco ntro Reg ional de História d a ANPUH Maria Stella Martins Bresciani
São Paulo, realizado de 24 a 28 de julho de 2006 na UN ESP
ISBN 978-85-7139-8 55-9
1. História. 2. Historiografia . 3 . Historiadores. I. Ferreira, Antonio
,I 3 Da senzala à co lônia: quarenta anos depois
Emília Viotti da Costa
53

Celso, 1952-. 11 . Bezerra, Holien Gonçalves, 1937-. 111. De Luca , Tania


Regina, 1957-. IV Associação Nacional dos Professo res Universitários de 4 Estrutura e agência na historiografia da escravidão:
História (Brasil). Núcl eo de São Paulo.
a obra de Emília Viotti da Costa 6 7
08 -3 143. CDD: 901
CDU: 93 1.1 Rafael de Bivar Marquese

5 "Nunca tive vocação para turista do passado nem para


colecionadora de memórias ... " - um tributo a Emilia Viotti da
Costa e aos quarenta anos de Da senzala à co lônia 83
Editora afi liada: Cristina Wissenbach

6 Imprensa e ensino na ditadura 95


~
Asodad6n de Ed:tlorialcs Unh'erstt.arta.s
I I
Assodaça.o Braatldr'a de Maria de Lourdes Monaco Janotti
de Amb1.::a ta.una y d Carfbc Edltoraa Untvc:rsltártas

7 A Revista do Brasil ( 1916-1944 ): notas de pesquisa 117


Tania Regina de Luca
4
ESTRUTURA E AGÊNCIA NA HISTORIOGRAFIA
DA ESCRAVIDÃO: A OBRA
1
DE EMíLIA V1on1 DA CosTA
Rafael de Bivar Marquese·

Nas últimas duas décadas, a historiografia sobre a escravidão negra no


Brasil verificou notável salto. Os estudos cresceram d e modo exponencial,
fruto da institucionalização da pesquisa histórica por diversos programas de
pós-graduação em todo o Brasil, assim como o arco temático por eles abran-
gido se diversificou . Demografia da população escrava (família, estrutura
de posse, crescimento vegetativo); tráfico n egreiro transatlântico e tráfico
interno de escravos; escravidão no campo, em atividades voltadas à expor-
tação ou ao mercado interno; escravidão urbana; escravidão na pecuária, na
mineração e no extrativismo; alforria e inscrição dos libertos na sociedade
colonial e imperial; resistência escrava; culturas e identidades escravas, suas
articulações com o passado africano e suas intersecções com os mundos do
trabalho; normas e práticas legais relacionadas ao cativeiro; ideologia da es -
cravidão e movimento antiescravista: a lista dos temas é longa, e todos eles
geraram debates próprios que seguem motivando o aprofundamento das
investigações (Schwartz, 2001, cap.1).
No momento exato em q ue se iniciava esse arranque historiográfico, veio
a lume a segunda edição de Da senzala à colônia, de Emília Viotti da Costa.
P ublicado originalmente em 1966, pela editora Difusão E uropéia do Livro, o
livro adquirira na década seguinte o estatuto d e clássico, isto é, uma obra fun -
damental que influencia decisivamente o curso dos debates no campo em que

1 Agradeço en ormemente a Sylvia Basseto o convi te para participar, com Maria C risti na Cortez
Wissenbach , da mesa-redonda em homenagem aos quarenta anos de publicação de D a senz ala
à colônia, e, sobretudo, a honra de dividi-la com a própria professora Emília Viotti da Costa.
* Departamento d e História da FFLCH/ USP.
68 ESTR UTURA E AGÊN CIA N A HISTORIOGRAFIA DA ESCRAVIDÃO O HISTORIADOR E SE U TEMPO 69

se in screve. Nos anos que se seguiram à sua primeira edição, a autora passou historiográfica por aq ui ocorrida nas últimas duas d écadas muito ganh ou
por um período bastante conturbado , fruto d e sua cassação pelo AI -5, de seu ao focar os escravos como suj eitos históricos ativos na construção d e seu
subseqü ente exilio e de sua inscrição no m eio universitário norte-am ericano. devir. Todavia, certa ênfase unidimensional n a capacidade d e os escravos
No co m eço da d écada de 1980, no entanto, diante da nova conjuntura polí- agirem como suj eitos tem condu zido, por vezes, a certos exageros inter -
ti ca qu e se abria no Brasil , Viotti da Costa se sentiu motivada a republicá-lo. pretativos, que levam a se perder d e vista as determinações estruturais qu e
A edi ção d e 1982 , a cargo da editoria Ciências Humanas, se, por um lado, estabeleciam os parâmetros para a ação d esses sujeitos históricos. Pretendo
manteve intacto o texto original, por outro, trouxe novo prefácio, no q ual a indicar como a proposição de Viotti da Costa para se examinar a agência
autora esclarecia os pontos teóricos e os eixos centrais de interpretação do li - dos sujeitos sociais, sempre se tendo em conta o campo de possibilidades
vro, ao m esm o tempo que avaliava, em longos rodapés, a historiografia pos- historicamente dado para a ação humana, pode nos ajudar a evitar tais pro-
terior à su a primeira edição. Em sua última nota, Viotti da Costa expôs uma blemas. Para tanto, o texto foi dividido em duas partes. Na primeira, procu -
verdadeira agenda de pesquisas para o tema da escravidão no século XIX ro inscrever muito brevem ente a obra d e Viotti da Costa no campo doses-
brasileiro (Costa, 1989, p. 54). A passagem é extensa, e, já que foi relem- t udos marxistas sobre a escravidão negra nas Américas e, em especial, no
brada por minha co lega C ristina Wissenbach, não cabe citá- la novamente Brasil; na segunda, de forma também sucinta, abordo o tema d a estrutura e
(ver, neste li vro, p .87. De todo modo, mais de vinte anos d ep ois d e escritas da agência em Coroas de glória, lágrimas de sangue.
aquelas palavras, pode-se afirmar sem exageros q ue a agenda proposta por
Emíl ia Viotti da Costa foi cumprida. Contudo, o ponto teórico central do -*
prefácio à segunda edição, q ual seja, o "pressuposto de que são os homens (e
n ão as estruturas) que fazem a história, se bem que a façam d entro de con- A tradição de estudos marxistas sobre a escravidão negra nas Améri cas
dições d eterminadas" (o que por su a vez exige que o pesquisador investigue se iniciou , grosso modo , com os intelectu ais caribenhos na d écada d e 1930 .
as inter -relações entre " as condições objetivas do processo de produção" e as D e fato, Cyril J ames , com seu The Black ]acobins, p ublicado originalmente
"condições subjetivas dos agentes históricos"), foi, salvo poucas exceções, em 1938 (edição revista e ampliada em 1963), e Eric Williams, em Capita -
d eixad o de lado pelas pesquisas q ue examinaram os temas elencados naque- lism and S lavery, de 1944 (baseado em uma tese de doutorado defendida em
le rodapé . Com o Viotti da Costa explicitou em diversas ocasiões (ver, por Oxford no mesmo ano da primeira edição do livro de James), apresentaram
exemplo , Vinci de Moraes & Rego, 2002, p.65-93), esse ponto unifica toda o que pode ser considerado as matrizes do debate nesse campo (Patterson ,
su a produção, dt:rivando d e uma clara combinação entre os postulados da 1977, p.427). Em seus livros, James e '.Villiams criticavam duramente a in -
escola dos Annales e certas leituras marxistas, algo que de resto ela comparti- terpretação dada pela historiografia canônica do Império inglês ao processo
lhou com outros colegas d e geração e de universidade. A conjugação en con- de abolição da escravidão negra nas Antilhas, então compreendido como
trou seu melhor desenvolvimento não em Da senzala à colônia, publicado fruto exclusivo do humanitarismo e idealismo dos antiescravistas m etropo -
quando a autora tinha 38 anos, e sim em seu mais recente Coroas de glória, litanos, e dialogavam, ao m esmo tempo, com o contexto político mais am -
lágrimas de sangue, editado originalmente em inglês em 1994 (Costa, 1998). plo do movimento pan-africanista e do nacionalismo caribenho.2 Havia, no
Em meu rápido comentário em homenagem aos quarenta anos de lança-
2 Como bem d estacou l.val Oxaal, "ambos os estudos ressaltavam o papel decisivo do conflito
m ento da primeira edição de Da senzala à co lônia, vou tratar do modo pelo
de classes na hi stória. Williams atacou a complacência moral associada ao entendimento bri -
qual Emília Viotti da Costa trabalhou as mediações entre estruturas histó- tânico de seu passado escravista; James procurou demolir a mentira histórica da passividade
ricas e agên cia dos suj eitos sociais n essa segunda obra, procurando indicar negra sob a escravidão. Ambos eram trabalhos radicais de investigação escritos da perspec -
tiva de in telectuais negros marginalizados, cuj as experiências os tomaram conscientes d a
em que m edida ela traz su gestões teóricas e m etodológicas relevantes para hi pocrisia que subjazia à autocongratulação piedosa d a metrópole a respeito das relações com
a historiografi a corrente sobre a escravidão n egra no Brasil. A renovação suas colônias" (apud Sheridan, 1987, p.3 26).
70 ESTRUTURA E AGÊNC IA N A HISTORIOGRAFIA DA ESCRAVIDÃO O HISTORIADOR E SEU TEM PO 71

entanto, diferença significa ti va na a bo rdagem d os do is au tores. Se, n o tra- o escravo não fig ura como agente ativo, como suj eito da História. A exceção
balho d e E ric William s, as fo rças econôm icas tudo regiam , como se observa é exatamente o trabalho da historiadora do "grupo", se podemos considerá-lo
como tal. Emília Viotti da Costa , em seu clássico Da Senzala à Colônia, intro-
em sua fam osa tese dupla sobre as relações en tre escravidão e capi ta lis mo , :~
duz a luta escrava como um fator decisivo, embora não suficiente, na derrocada
n o livro d e J am es as ações dos escravos, ainda q ue conformad as por condi -
da escravidão. Eu, aliás, acho que a historiografia recente tem a dívida de reco-
ções historicam ente d ad as, con stituíram o centro d a atenção (Blackburn ,
nhecer essa dimensão de seu trabalho. (Vinci de Moraes & Rego, 2002, p.324)
2002, p .39 -41 ).
Seja com o for , tan to um com o ou tro tiveram , nas décad as d e 1940 e 195 0, Com efeito, apesar de a citação n ão aparecer em seus rod apés, Da sen-
uma recep ção relativam ente fri a no uni verso d a historiografia anglo -saxô - z ala à colônia guardou m ais prox imidad e com jacobinos negros do qu e com
nica, quando n ão francamente hostil (Sh erid an , 1987, p .320). W illiam s, Capita lismo e escravidão.
contudo, foi b astante lido p or aqui n a virad a d os anos 195 0 p ara os an os A leitura e o d eb ate das obras desses histo riadores caribenhos fizeram
1960. Como p arte d a reação ao m odelo explicativo freyriano para o p as- parte, n a d écad a de 1960, da profunda renovação internacional ocorrida n o
sad o escravista e o presente d as relações raciais brasileiras, um grupo in - campo d a historiografia sob re a escravid ão negra nas Américas , para a qual,
formal d e cientistas sociais e histori ad ores que então trabalhavam n a U ni - diga -se d e p assagem , a produ ção d os sociólogos e hi storiad ores de São P aulo
versid ad e d e São Paulo, e d o q u al faz ia p arte E mília Viotti d a Costa, muito muito con t ribuiu 4 A re novação cond uziu , na d écad a seguinte, à formação
se valeu d a obra d e William s p ara examinar o peso d a escravidão n a for - d e "escolas historiográficas" fundad as em temas e ab ordagens particu lares,
m ação social e econômica d o Brasil. A d esp eito d a diversidad e d os tem as q ue p aulatinam ente as isolaram um as das ou tras. É certo q ue, por vezes,
tratad os - que abrangeram d esd e a crise d o sistem a colonial portugu ês n a ocorre diálogo entre elas, m as q ue e m geral se limita ao empréstimo d e m é-
América (N ovais, 1979) até as relações raciais em São P aulo n o p ós-abo li - tod os p on t uais. Sob o risco de um a excess iva simplifi cação, vale n om ear
ção (Bastide & Fernandes, 1955) - e d o tratam ento teórico e historiográfico ao m en os t rês d essas grandes verten tes d e investigação . A primeira é a d a
dis tinto d e cada um d e seus trab alhos, a ch am ad a "escola p aulista" en cam - história quantitativa, expressa nas pesqui sas qu e recorrem às ferramentas
p ou p or comple to a dupla tese d e E ric William s. d a cliom etria e nos trab alhos a resp eito d a d em ografia d a escravidão , cuj a
T al ad oção foi um d os elem entos que levaram alguns historiad ores a interface com a história social é m ais acen tuad a. A segunda é a dos estudos
afirmar que, nas publicações d essa " escola", os escravos foram reduzidos que tratam d o problem a intelectual d a escravidão, examinando a n atureza
a m eros autômatos d as estruturas econ ômicas . Este é o caso d a crítica d e d as críticas e d as defesas d a instituição e, eventualmente, suas relações com
Sidney C halhoub a Fernando H enrique Cardoso a respeito da "coisifi.ca- o surgimento d o capitalism o. Por fim , h á as pesquisas sobre a vida escra -
ção" do escravo na obra do sociólogo (Ch alh oub , 1990, p .37 -42), ampla- va, com pelo m en os três outras subdivisões, q ue n ão raro se mesclam: os
m ente citad a n os últimos quinze anos em teses e publicações acad êmicas. trab alhos sobre resistência escrava; os estudos sobre cultura escrava e su as
N o entanto, se a crítica pod e ser válid a para os sociólogos, ela é inadequad a articulações com o p assado africano, e os que abordam a cultura escrava e
p ar a o livro d e Viotti d a Costa. A d iferença foi salientad a p or João José R eis suas relações com os mundos d o trabalho .
em recente entrevista: nos trabalhos d a "escola paulista", afirmou , Excetuando-se o caso da cliom etria, o m arxism o teve p apel importante
em todos os d em ais campos da historiografia sobre a escravidão n egra nas
A m éricas, m as um m arxism o muito informado por G ram sci e p ela verten -
3 A escravidão das plantations e o tráfico negreiro tra nsatlântico, articul ados ao mercado me-
tropolitano por meio do co mé rcio triangu lar, tiveram peso decisivo para a acumu lação de
capitais q ue levou à eclosão d a Revo lução Industrial (tese 1), que, ao vin gar, exigiu a abolição 4 Bas ta lem b rar o aporte decisivo dos li vros d e Florestan Fernandes , Fe rnando Henrique Car-
do monopólio , do tráfico negreiro e da própria escravid ão co mo co nd ições necessárias para doso e E m íli a Viotti d a Costa, entre outros, para os trabalhos d e David Brion Davis (1988) e
s ua expansão (tese 2). Eu gene Genovese (1979 ), matriciais na virada histo ri ográfica dos anos 1960.
72 ESTRU TU RA E AGÊN CIA N A HISTOR IOG RAFIA DA ESCRAVIDÃO O HISTO RIAD O R E SEU TEM PO 73

te d os hi storiado res ingleses, sobretudo pela obra d e E. P. Th om p so n . N a Porém, a n ova perspectiva analítica, ao abandon ar o que d enominara
impossibilidad e d e p assar em revista apen as os trab alhos m ais sig nificati- "di scurso estru tural", acabou por jogar fo ra a p oderosa h erança teórica e
vos, vale lembrar o p eso que a produção d e T h ompso n teve para os livros metod ológica das du as primeiras gerações d a escola d os A nnales , que muito
d e E u gen e Gen ovese (197 4 ), D avid Brion Da vis (1999 ) e H erbert G utm an infl uenciara os próprios historiad ores m arxistas ingleses 6 A grande vítima,
(19 76). E ntretanto, é bom q ue se diga que o m arxism o também este ve na aqui, foi a categoria estrutura, substituída pela categoria experiência . Entre
b ase d o cruzam ento entre hist ória e antro pologia que Sidney Mintz vinh a os muitos exemplos que poderiam ser lembrad os, creio que cabe citar um a
praticando em su as investigações d as sociedades caribenhas desde fin s d a p assagem d o belo livro de Robert Slenes, fruto d e ampla e d en sa invest igação
d écada d e 195 0, e que, nos an os 1970 , forneceu as diretrizes p ara boa p arte sobre a família escrava e os p adrões culturais africanos qu e os cativos retive-
d as pesquisas sobre vida escrava nas A m éricas (ver, além de Mintz 1974 , o ram e reinventaram nas sen zalas do sudoeste cafeeiro d o Império do Brasil:
texto programático d e Mintz & Price 2003) .
Parto do princípio de que não é possível entender a dinâmica d a relação en -
A expansão d a historiografia sobre a escravidão brasileira nas d écad as
tre cativo e senhor, nem as contradições e mudanças no sistem a escrav ista, sem
d e 198 0 e 199 0 se fez com base n essas grandes linhas de investigação q ue
"entrar na cabeça" dos escravos, sem conhecer suas armas sim bólicas e suas
h aviam se con solidado na historiografia anglo -saxônica na d écada anterior. possibilidades de ativar e coordenar essas armas entre si. E nfim , se os escravos
Nesta o per ação, a matriz teórica fund am ental p asso u a ser fornecida pelo não eram seres anê micos, triturad os até na alma pelo engenho d o cativeiro, se
m arxism o inglês , incorporado n o m ais das vezes pela obra d os historiad ores tinham uma herança cultural própria e instituições, m esm o q ue im perfeitas,
no rte- american os. D eixou -se d e lad o, assim , a tradição d e aná lise m arxista para a transmissão e recri ação dessa herança, então o fato de qu e provinh am de
d a escravidão brasileira que vinha d a d écada d e 1960, que p assou a ser vista etnias africanas específicas torna-se importante. T orna -se, aliás , d ecisiva para
po r p arcela substantiva d a nova geração d e hist oriad ores com o o passad o o curso da história, se aceitarmos a idéia d e que as pessoas inte rpretam a ex -
periência v ivida, e tentam mudá- la, a partir de su a visão d e m undo, por sua
p olítico e historiográfico a ser n egad o e superado . U ma d as razões p ara tan -
vez form ada na experiência anterior; e se supusermos que é a luta entre grupos
to foi, certamente, o caminho qu e os d ebates sobre a escravidão brasileira
sociais - às vezes, gru pos que se descobrem nesse emba te com o "classes" . "et -
tom aram ao lon go da d écada d e 1970 , com ênfase quase escolástica n a dis-
nias" ou " nações" - qu e ergue, mantém e con stantem ente solapa as " estru tu -
cussão teórica do conceito d e m odo de produção, todavia parte d o acerto d e ras" econômicas e sociais. (Slenes, 1999 , p .133 -4)
contas da esqu erda brasileira com a d erro ta que sofrera com a implantação
d a ditadura militar. Não por acaso , a conjuntura que se abriu no início d a A p assagem é uma ótima súmula das preocupações temáticas e teóricas
d écad a d e 198 0, com a volta da d emocracia, o surgimento de novos partidos que tanto ajudaram a increm entar a historiografia recente da escravidão no
p olíticos , a articulação do movimento negro e d a campanha pela reforma Brasil, em esp ecial a ênfase nas lutas entre senhores e escravos com o o ele -
agrária em escala nacional, apresentou novas quest ões para os historia- m ento d ecisivo p ara a construção do devir da escravidão e a busca d as m a -
d ores. 5 A ênfase, agora, passou a incidir sobre a exp eriência dos agentes trizes african as subjacentes às ações e aos projetos d os escravos , o que, por
histó ricos submetidos às relações d e dominação e de exploração , que n ão su a vez, tem p ermitido amplo avanço d as p esquisas que procuram articular
mais eram vistos como m eros sujeitos passivos ou autômatos das estruturas as du as m argen s d o Atlântico. Mas também é interessante o b servar n ela
econô micas, m as antes com o seres ativos n a con strução de seu futuro, en - que, enquanto o vocábulo experiência e a expressão luta entre grupos sociais
tendido , p or seu turno, como vasto campo de indeterminação. n ão vêm entre aspas , o autor as emprega para o vocábulo estrutura . A razão
disso foi explicitada n o rod ap é que encerra a p assagem:
5 Essa articulação entre a nova histo riografia da escrav idão e a conjuntura política mais am pla
do Brasil da década de 1980 é explicitada no balanço historiográfico programáti co de Sil-
via H uno ld Lara (1995}, escrito por ocasião de um ciclo de debates em homenagem a E . P. 6 Ver, por exemp lo, a avali ação de Hobsbawm (1998, p .193-200) e os comentários d ispersos
T ho mpso n, falecido em 1993. do própri o T hompson no polêmico A miséria da teo-ria, 1981, p .28-9, 104.
74 ESTRUTURA E AGÊNCIA N A HISTORIOG RAFIA DA ES CRAVIDÃO
O HI STORIADOR E SE U TEMPO 75

Evidentemente, as lu tas de um dado momento são condicionadas por lutas do Ventre L ivre. A ssim , o porquê d e o encerramento d o tráfico ter ocorrido
anteriores, às quais muitos dão o nome de "estruturas", utilizando uma metá- apenas em 1850, após décadas de pressão inglesa, vem sendo interpretado
fora cara ao século XIX. Adoto aq ui a posição de [E. P. ] T hompson .... Como como uma resposta das elites políticas e das classes senhoriais brasileiras
T hompson, não sou avesso à utilização de metáforas para fins heurísticos, con- ao tem or crescente de levantes escravos, em especial diante d a exten são d e
tanto que se lembre que são apenas metáforas. (Sienes, 1999, p. 209, nota 7) um p lano d e revolta no Vale do Paraíba cafeeiro que teria sido abortado em
1848 (Slen es, 1992 ). U m modelo explicativo semelhante é aplicad o à lei
Há d ois problemas n a n ota. O prim eiro é qu e Thompson n ão considera de 1871: conforme as palavras d o influente trabalho d e C halhoub (1990,
a categoria es trutura com o uma simpl es "metáfora". Muito pelo contrário, p.160 ), "a lei de 28 de setembro [de 187 1] pode ser interpretada com o um
p ois em toda sua obra se valeu dela, não como "m etáfora h eurística", mas exemplo d e uma lei cuj as dispos ições mais importantes foram 'arrancadas'
como uma dimen são constitutiva do passado, real e cognoscível ao investi - pelos escravos às classes proprietárias". A resistência escrava tornou -se,
gador no presente. Tanto é assim que , em diversos trechos d e A miséria da nesta p erspectiva, como que o motor único da História. A exp an são das no -
.u:·.
teoria (1981 , p.61, 96-7, 11 2, 124- 5), T hompson deixa claro que, pelo vo- vas formas d e escravidão negra nos quadros da economia -mundo do capi -
~. cábulo, compreende as pressões exercid as pelo processo histórico, criando talism o industrial , a formação do Estado nacional brasileiro e su as relações
11'..
o campo d e possibilidades hi storicam ente dadas p ara a ação humana; esse com o chão escravista do p aís, a ausência d e uma esfera pública que questio-
li(
processo se refere, no caso d os temas q ue trata, à formação do capitalismo nasse a escravidão, a vitalidade do tráfico ilegal nos quadros das sociedades
u:
t na Inglaterra - um processo de lon ga duração qu e se iniciou na crise do sé- africanas, a campanha internacional contra a escravidão capitaneada pela
culo XIV. Seu prop ósito, na verdade , fo i o d e criticar a rígida dicotomia base Inglaterra, a política da escravidão em escala h emisférica, enfim, tudo isso
(economicamente determinante) I superes trutura (política e culturalmente e outras coisas mais que fariam parte da "m etáfora da estrutura" perd e-
determinada), esta sim compreendida com o uma m etáfora abstrata e reifi- ram espaço a partir do momento em que o discurso historiográfico passou
cada, que freqüentem ente condu z a exp licações m ecânicas e reducionistas a focar tão-somente as exp eriências dos suj eitos históricos imediatamente
d a dinâmica social. O segundo problema é que, ao adotar e m esmo radica- envolvidos na relação escravista.
lizar a proposta thompsoniana para substituir a dicotomia estanque base/ O que o comentário tem a ver com a obra de Emília Viotti da Costa? No
superestrutura pela categoria experiência, Slenes acabou caindo em uma das prefácio à segunda edição de Da senzala à colônia, ao expor o eixo geral d e
armadilhas que a reflexão teórica - mas não a prática historiográfica - do interpretação que adotara, a autora enfatizou insistentemente a n ecessida -
historiador inglês apresenta. Sewell Jr . (1 Sl9 0 . p.59-66) fez uma avaliação de d e compreender a crise da escravidão no Brasil como "um processo d e
contundente das inconsistências da teorização q u e T h ompson imprimiu à longa duração que envolve mudanças estruturais, situ ações conjunturais e
categoria experiência, p orém o aspecto central a d estacar é a advertência uma su cessão de episódios que culminaram na Lei Áurea" (Costa 1989,
d e Perry Anderson (1985, p .80-1 ): a d efinição de exp eriência proposta por p. 28). N esse m odelo de análise, as transformações estruturais foram enten-
Thompson, escorada em sua textura unitária, leva à negação das idéias 1) didas como condições necessárias para que os suj eitos pudessem exercer
da pluralidade dos tempos históricos e 2) da estrutura (a "longa duração") su a liberdade, e, portanto, não como os fatores que determinaram o que
como uma dimensão con stitutiva essen cial d esses tempos. efetivamente fizeram . Vem d aí o enquadramento dado à ação escrava: n a
Os riscos em se abandonar a idéia d e estrutura como uma dimen são do d écada d e 1880,
tempo histórico na qual se inscrevem as ações dos suj eitos sociais em d e-
terminado presente podem ser notad os em algumas das interpretações cor- o fator decisivo na mudança de atitude dos fazendeiros das regiões cafeeiras,
rentes sobre dois eventos centrais d a escravidão brasileira no século XIX, principal reduto do escravismo, foi a rebelião das senzalas. Fazer dela, no en-
a sab er, o término d o tráfico transatlântico d e escravos e a aprovação da lei tanto, a causa fundamental da abolição é interpretar este fato exclusivamente ao
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nível dos fenômenos de curta duração (situações conjunturais), minimizando O primeiro é o d as articul ações entre estrutura e agência . No livro, a cate-
as transformações estruturais de longa duração que tornaram possível o sucesso goria es trutura funcion a com o uma chave para se apreender a idéia d e tota -
da insurreição escrava. O protesto escravo não foi uma invenção do século XIX. lidade e a dialética liberdade- necessidade. A estrutura n ão é apenas " metá-
... Mas, no século XIX, a rebelião dos escravos adquiriu um significado novo, fora heurística", m as a própria dimensão do tempo em que agem os suj eitos
porque ocorreu num contexto novo .. .. No passado, a rebelião dos escravos es- sociais . Por conseguinte, estamos longe tanto do m odelo estanqu e d e mui-
barrara na reprovação coletiva dos brancos ... Na segunda metade do sécu-
tos dos trabalhos d a segund a geração d os Annales (estru tura compreendid a
lo XIX, no entanto , a situação era outra. ... Nessas condições, apoiados pelos
como a somatória dos elementos geográficos, d a prod ução m aterial e dos
abolicionistas, os escravos foram incorporados à ação abolicionista e seus atos
de protesto adquiriram um significado político que não tinham anteriormente. padrões d em ográficos) como d o m odelo tradicional marxista da "estrutura
(Costa 1989, p.40 -1) econômica da socied ad e" (forças produtivas + relações d e produção).
Para compreender devid amente a acepção do termo no trabalho em
Como se pod e perceber, a historiografia sobre a escravidão brasileira questão, vale recorrer ao ensaio do historiador William Sewell Jr . (1992).
Segundo ele, o uso corrente da categoria nas ciências humanas co nduz com
posterior à redação d essas palavras seguiu outro caminho analítico.
L freq üência a três problem as. O primeiro é o fato de os argumentos "estru -
'· turais" ass umirem um determinism o causal muito rígido na vida social; a
,. *** ação humana , a agência, tende a ser subsumida n a estrutura, e os atores
sociais são reduzidos a m eros autômatos dela. A expressão, por outro lado
Emília Viotti da Costa, contudo, n ão ficou parada no tempo . Na segun -
(segundo problem a), implica a idéia de estab ilidade, sem conseguir dar
da m etade da d écada d e 1980, engajou-se em uma pesq uisa sobre a grande
conta de transformações no tempo; no "discurso estrutural", a mudança é
revo lta escrava da colônia inglesa d e D em erara, em 1823, uma das maiores
usualmente localizada fora da estrutura, seja em um telas da história, seja
n a história do Novo Mundo por ter envolvido mais de dez mil escravos.
Com o Viotti da Costa d eixou claro em diversas ocasiões, o livro q ue resul - em influ ências exógenas ao sistema em questão. Por fim, há a dicotomia
mental -material que rege a maior parte dos trabalhos qu e operam com a
tou d essa investigação foi concebid o sobretudo como um exercício teórico e
categoria; os sociólogos se inclinam a localizar a estrutura d eterminante nas
m etodológico, o que lhe permitiu
forças materiais, enquanto os antropólogos o fazem na esfera da cultura.
Em Coroas de glória, lágrimas de sangue, Emília Viotti consegue evitar
lidar com questões sempre presentes na obra do historiador: o papel dos in-
divíduos e das classes, a construção ·e função das ideologias, a importância do magistralmente os três problemas, adotando uma acepção d e estrutura que
acaso e da determinação, as relações entre "infra e superestrutura", tradição e 1) integra d e modo substantivo a agência dos sujeitos sociais, 2) n ão seciona
inovação no transplante de culturas "africanas" para a América e a formação de o mental do material e 3) dá conta do processo de mudança pela análise da
uma nova cultura. (Vinci de Moraes & Rego, 2002, p.82) dinâmica interna do sistema social em observação (n o caso, o escravismo
no mundo atlântico, em geral , e no Império inglês, em particular). Estru -
Nele, a autora dialogou criticamente com as três "escolas historiográfi - tura é a base produtiva de D emerara, mas também o conjunto dos valores
cas" correntes sobre a escravidão negra que identifiquei acima, bem como ideológicos e culturais que os africanos trouxeram consigo e red esenharam
discutiu a virada lingüística e o pós-modernismo n as ciências humanas, a conforme as cond ições locais; é o capitalismo industrial em formação na
cisão entre macro e micro -história, o empirismo raso e o abandono da noção metrópole, mas também as n oções de direito, justiça e liberdade qu e impul -
d e totalidade. Da incrível riqueza do livro, sem dúvida alguma uma das pe- sionavam o movimento antiescravista, e que foram lidas d e m od o particular
ças mais significativas da historiografia mundial sobre a escravidão publi- pelos cativos; é, enfim , o quadro mais amplo das forças econômicas, sociais,
cad a n os últimos vinte anos, quero destacar rapidamente dois pontos. políticas e ideológicas que criavam o campo d e possibilidades e estabele-
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ciam os limites para as ações dos suj eitos sociais, m as que estava ele mesmo gem d o sécul o XVT Tl para o XIX, e sua dinâmica local em Demerara) são
em processo de rápida alteração nessa época por conta da própria agência d escri ti vos, os cin co últim os capítulos (que tratam d a seqüên cia d e eventos
dos atores em questão. Essa acepção se traduz d e form a igualmente magis - iniciada em 1808, com a chegada na colônia d os primeiros pastores da Lon -
tral na organização do livro . Se os d ois primeiros capítulos apresentam o ce- don Mi ss ionary Society, e qu e culminaria na revolta de 1823, na repressão
nário mais amplo d as contradições que polarizavam, n o contexto atlântico e subseqüente e em suas repercu ssões atlânticas mais amplas) oferecem uma
imperial inglês da virada do séc ulo XVIII p ara o XIX, senh ores contra mis - narrativa envolvente. D e acordo com a li ção d e Koselleck (2 006, p .139),
sionários e senhores contra escravos, os cinco capítulos seguintes partem seguida à risca em toda a trajetória d e E mília Viotti da Costa,
para a observação d essas contradições nas ações dos agentes diretamente
envolvidos na rebelião. Uma leitura rápida poderia dar a entender que a estruturas mais ou menos duradouras, mas de todo modo de longo prazo, são
condições de possibi lidade para os eventos .. .. Inversamente, certas estruturas
estrutura estaria presente apen as nos primeiros capítulos, ficando reservado
só pode m ser ap reendidas nos eventos nos quais se articulam e por meio dos
à agência os outros cinco. Entretanto, a todo momento Viotti da Costa in-
~:: quai s se deixam tran sparecer. A forma mais adequada para se apreender o
dica como a estrutura está n a ação, no evento, e, inversamente, como a ação
t.. caráter processual da história moderna é o esclarecimento recíproco dos eventos
~ .. social, ou o evento, m olda a estrutura. pelas estruturas e vice -versa.
... O segundo ponto que quero d estacar é o papel que a n arrativa ocupa na
obra. Em realidade, Coroas de glória, lágrimas de sangue serve como um ex- Se hou ve razões muito justificáveis p ara se abandonar o " discurso estru -
celente exemplo para demonstrar como parte substantiva d o d ebate sobre tural" no Brasil do começo d a década d e 1980, d adas pelo m om ento político
a "volta da n arrativa" carece de sentido, como aliás salientara Hobsbawm que então vivíam os, creio que há razões d e sobra para se retomar nos dias
(1998, p .201- 6) logo após a publicação d o ensaio que d era ensejo à discussão corren tes a categoria estrutura, d e uma persp ectiva renovada é claro. A per-
(Stone, 1979). Cabe aqui lembrar outro historiador . Com o ressalta o grande sistên cia d as desigualdades sociais e a exp eriência dos governos de esquerda
Reinhart Koselleck (2006, p.132-45), em vigorosa d efesa da " história es- após a volta da democracia no Brasil, os processos globais de acumulação
trutural" e de seu cruzam ento com a história social e a história dos conceitos d o capital, a d egrad ação d o trabalho e da natureza em escala nunca antes
(Begriffsgeschichte), a forma da narração (isto é, o encadeamento de eventos vista: tudo isso exige, do investigador, uma persp ectiva que não isole d e sua
em uma progressão discursiva linear) prende-se à dimensão temporal trata- análise o qu adro de forças mais amplo n o qual operaram os sujeitos sociais
da pelo historiador , e n ão ao repertório dos recursos estilísticos que mobili- d o passado. A obra de Emília Viotti da Costa, em resumo, ainda tem muito
za. Assim, lembra K oselleck, é impossível alguém narrar um tempo longo, a nos oferecer.
ao passo que o tempo curto exige a forma narrativa. Estruturas são sempre
descritas ; eventos são sempre narrados .
O livro de Emília Viotti é um belo exercício nesse sentido. A adoção Referências bibliográficas
da técnica do romance polifônico - cujas vozes são compostas pelos mis-
sionários, senhores, autoridades coloniais e, acima de tudo, pelos escravos ANDERSON, P. Teoría, política e historia. U n debate conE . P. Thompson. 1980.
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responsabilidades d o narrador " (Costa, 1998, p.19 ), reside na própria divi- ro: Record, 2002.
são dos capítu los. E nqua nto os d ois primeiros (que tratam basicamente das CARDOSO, F. H. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional. São Paulo: D ifu -
grandes mudanças ocorridas n as estruturas no mundo atlântico, na passa- são Européia do Livro, 1962.

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