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http://dx.doi.org/10.1590/1982-0275202037e190049
Resumo
A transição entre os dois ciclos do Ensino Fundamental é um processo com antecipações e expectativas no 5º ano,
bem como demandas e adaptações no 6º ano. O objetivo deste trabalho é investigar os efeitos da transição levando
em conta a natureza da transição. Foi realizado um estudo prospectivo com duas coletas de dados (5ª e 6ª
séries). Um total de 379 alunos de escolas públicas (212 meninas), com idade média de 10,6 anos (DP = 0,91),
foram matriculados no início do estudo. Os instrumentos utilizados foram o Teste Brasil, a Escala de Estresse Infantil, o
Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais, o Questionário de Avaliação do Autoconceito e a Escala Multidimensional
de Satisfação com a Vida para Crianças. Na comparação entre as duas séries, as crianças que não mudaram de
escola apresentaram maior estabilidade, principalmente no autoconceito acadêmico; as matriculadas em escolas
municipais apresentaram maior diminuição do autoconceito e da satisfação com a vida. A mudança de escola parece
aumentar as demandas de transição.
Palavras-chave: Ajustamento emocional; Adaptação psicológica; Ajustamento social.
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Departamento de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social.
R. São Francisco Xavier, 524, Maracanã, 24030-060, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Correspondência para: C. CASSONI. Endereço eletrônico:
<cynthia.cassoni@gmail.com>.
2
Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação de Psicologia. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
3
Universidade do Porto, Centro de Psicologia, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação. Porto, Portugal.
Apoios: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Processo nº 99999.006432/2015-08) e Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Processo nº 462540/2014-6, nº 301857/2015-6).
Artigo baseado na tese de doutorado de C. CASSONI, intitulada "Transição escolar das crianças do 5º para o 6º ano do ensino fundamental". Universidade
de São Paulo e Universidade do Porto, 2017.
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A transição entre os dois ciclos do Ensino Fundamental é um processo com antecipações e expectativas no 5º e demandas e
adaptações no 6º ano. O objetivo deste trabalho é investigar efeitos da transição levando em consideração a natureza
da transição. Realizou-se um estudo prospectivo com duas coletas de dados (5º e 6º ano). Participaram 379 alunos de
escolas públicas (212 meninas), com média de idade de 10,6 anos (DP = 0,91) no início da pesquisa. Utilizou-se a Prova
Brasil, Escala de Stress Infantil, Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais, Questionário para Avaliação do Autoconceito e
Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Crianças. Nas comparações entre os anos, as crianças que
não mudaram de escola apresentaram maior estabilidade, sobretudo no autoconceito acadêmico; as encaminhadas
para escolas municipais apresentaram maior decréscimo no autoconceito e na satisfação com a vida. A mudança de
escola parece amplificar as demandas da transição.
Palavras-chave: Ajustamento emocional; Orientação psicológica; Ajustamento social.
Os alunos com idade entre 10 e 13 anos passam por um período de mudanças físicas, cognitivas
e interpessoais significativas quando mudam do Ensino Fundamental I (ESI) para o Ensino Fundamental II
(ESII) (termos usados no Brasil). Este artigo enfoca a transição entre os dois níveis e os possíveis efeitos
psicológicos na criança.
Entre a 5ª e a 6ª série, a transição para o ESII significa mudanças na organização do conteúdo
curricular, que se torna mais compartimentado em disciplinas específicas; à medida que o número de
professores aumenta, a relação professor-aluno pode se tornar menos centralizada e exigir mais autonomia do
aluno. Para os alunos que frequentam a rede pública de ensino, o início do 6º ano pode ou não exigir a
mudança de escola, e a mudança de escola pode significar a troca de uma escola municipal para
uma estadual. De acordo com o Censo Escolar de 2017, as mudanças são comuns e a rede municipal,
principal responsável pelo ensino fundamental no Brasil, é responsável por 69,8% das escolas nos
anos iniciais do ciclo e 47,2% nos anos finais. Nesse contexto, supõe-se que as demandas da
transição para os alunos sejam maiores, pois eles devem se adaptar a uma cultura escolar diferente e
construir novas relações com colegas e professores.
A experiência da transição escolar entre as idades de 11 e 13 anos tem sido objeto de pesquisa
empírica desde a década de 1960 (Symonds & Galton, 2014) e ainda atrai a atenção de pesquisadores
do desenvolvimento. Estudos longitudinais detectaram um declínio no desempenho (Forrest, Bevans, Riley,
Crespo, & Louis, 2013; Ryan, Shim, & Makara, 2013) ou estabilidade durante a transição (Sebanc, Guimond,
& Lutgen, 2014). Akos, Rose e Orthner (2015), acompanhando alunos da 3ª à 8ª série, interpretam o
declínio como uma redução momentânea no desempenho do aluno restrita ao período pós-transição.
Embora tenham sido identificados efeitos adversos temporários no desempenho escolar, o
estudo sobre a autopercepção durante a transição é divergente. Metsäpelto et al. (2017) constataram, em
pesquisa longitudinal, um declínio no autoconceito em matemática do 6º para o 7º ano. Na mesma linha,
Arens, Yeung, Craven, Watermann e Hasselhorn (2013) observaram que os alunos do 6º ano (na série
pós-transição) apresentaram menor autoconceito acadêmico do que os alunos do 5º ano (série anterior),
mas não diferiram nas dimensões do autoconceito relativas à aparência física e ao relacionamento com os
colegas. Em contrapartida, Coelho e Romão (2017) constataram não apenas uma diminuição do
autoconceito acadêmico na 5ª série, mas também um declínio nas dimensões social, emocional, física e
C. CASSONI et al.
familiar. Em seu estudo de revisão com foco no autoconceito acadêmico, Symonds e Galton (2014)
encontraram resultados controversos: a pesquisa analisada mostrou tanto um aumento quanto uma
redução na autopercepção após a transição. Os autores interpretaram essa variação como sugestiva de
instabilidade e concluíram que diferentes trajetórias poderiam ser estabelecidas dependendo dos
recursos pessoais e contextuais dos alunos, como autoestima, envolvimento com a escola e apoio
familiar.
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Portanto, a análise da literatura sugere que a transição entre o ESI e o ESII não é um fato isolado
2; é um processo de longo prazo que começa com antecipações e expectativas na 5ª série e continua
presente estudo prioriza as variáveis de pessoa e contexto que, sob a perspectiva do tempo, podem
contribuir para a compreensão dos processos envolvidos na transição. A perspectiva de tempo foi obtida
por meio de uma pesquisa com as crianças antes e depois da transição. As variáveis pessoais consistiram
em quatro conjuntos de variáveis que representam possíveis respostas das crianças às demandas
adaptativas da transição: (a) desempenho acadêmico, ou seja, desempenho em testes que avaliam o
domínio do programa de estudos de cada nível escolar; (b) sintomas de estresse, ou seja (b)
sintomas de estresse, ou seja, o conjunto de reações do corpo quando exposto a algum estímulo que
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irrita, assusta ou alegra, podendo ser psicológicos (ansiedade e pesadelos) ou físicos (dores abdominais
e náuseas) (Lipp & Lucarelli, 2008); (c) habilidades sociais, definidas como comportamentos sociais
valorizados na cultura, com alta probabilidade de resultados favoráveis para o indivíduo e para o
grupo, que podem contribuir para o desempenho competente em tarefas interpessoais (Pereira-Guizzo,
A. Del
Prette, Dell Prette, & Leme, 2018); (d) autoconceito, estabelecido como a percepção que o indivíduo tem de si
mesmo 3
Método
Participantes
Este é um estudo prospectivo que consiste em duas fases de coleta de dados na 5ª e 6ª séries do
ensino fundamental. Um total de 379 crianças (212 meninas) com idade média de 10,6 anos (DP = 0,91)
no início da pesquisa participou das duas coletas de dados. A amostra inicial de 415 alunos foi
selecionada aleatoriamente por sorteio em turmas de 5ª série em 15 escolas municipais do ES em uma
cidade do estado de São Paulo. No ano seguinte, os demais participantes (N = 379) foram
transferidos para seis escolas municipais e oito estaduais. A pontuação do Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB) variou muito nas escolas municipais na 5ª série e nas escolas municipais e
estaduais na 6ª série. Na 5ª série, o IDEB variou de 5,4 a 7,6, com a maior concentração entre 6,0 e 7,0
(10 escolas). Na 6ª série, o IDEB das escolas municipais variou de 5,2 a 7,6 e o das escolas estaduais
variou de 4,0 a 5,6, com a maior concentração abaixo de 5,0 (seis escolas).
Instrumentos
A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC), conhecida como Prova Brasil, faz parte do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e foi utilizada para avaliar o desempenho acadêmico. A
avaliação consiste em 56 questões com respostas certas/erradas para avaliar noções de português e
matemática. A pontuação é a soma das respostas corretas que variam de 0 a 28 em português e
matemática e de 0 a 56 para a pontuação total.
A Escala de Estresse Infantil (CSS) foi usada para avaliar os sintomas de estresse (Lipp & Lucarelli,
2008). O objetivo da escala é identificar a frequência e a intensidade com que as crianças de 6 a 14
anos apresentam sintomas de estresse (psicológico, físico ou ambos). A escala consiste em 35 itens do
C. CASSONI et al.
tipo Likert de 5 pontos agrupados em quatro fatores: reações físicas, reações psicológicas, reações
psicológicas com um componente depressivo e reações psicofisiológicas. Com base na análise fatorial
confirmatória realizada para este estudo, dois fatores foram mantidos: reações psicológicas e reações
psicológicas com um componente depressivo (χ2/df. = 1,776, Comparative Fit Index (CFI) = 0,930, Goodness
of Fit Index (GFI) = 0,941, Root Mean Residual (RMR) = 0,047, Root Mean Square Error of Approximation
(RMSEA) = 0,045; o alfa total foi de 0,830.
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As habilidades sociais foram avaliadas usando o Social Skills Rating System (SSRS), versão brasileira (Freitas &
Del
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Prette, 2015). O instrumento tem três versões para avaliar crianças de três a 18 anos: avaliação dos pais,
cinco pontos que varia de concordo totalmente, concordo parcialmente e discordo totalmente. Na
análise fatorial confirmatória, cinco dimensões foram mantidas no modelo e o fator de não-violência
foi excluído: χ2/df = 1,927, CFI = 0,906, GFI = 0,878, RMR = 0,062 e RMSEA = 0,050 e alfa total de
0,86.
Procedimento
A Análise de Variância (ANOVA) foi usada para identificar possíveis variações no desempenho
acadêmico, sintomas de estresse, habilidades sociais, autoconceito e satisfação com a vida na 5ª série
(considerando as expectativas de transição) e na 6ª série (após a transição) devido a diferentes transições.
Na cidade onde a pesquisa foi realizada, a escola dos alunos é pré-estabelecida, de modo que os
alunos sabem na 5ª série qual escola frequentarão se forem promovidos. Com base na migração dos
alunos, foram formados três grupos: Trans1, crianças que permaneceram na mesma escola municipal na
6ª
série (n = 75); Trans2, aquelas que mudaram para outra escola municipal na 6ª série (n = 100);
Trans3, aquelas que mudaram para uma escola estadual (n = 204).
A ANOVA mista de medidas repetidas com um nível de significância de 0,05 foi usada para investigar os
efeitos da interação entre o tempo e o grupo de transição escolar nas seguintes variáveis: desempenho
acadêmico, sintomas de estresse, habilidades sociais, autoconceito e satisfação com a vida. As premissas
da ANOVA foram confirmadas para todas as variáveis usando o teste de Kolmogorov-Smirnov com
correção de Lilliefors e teste de Mauchly. Para avaliar o tamanho do efeito das diferenças, um efeito
pequeno foi considerado se η2p ≤ 0,05 e d ≤ 0,20; um efeito médio se η2p variou de 0,051 a 0,25 e d
entre 0,2 e 0,5; um efeito grande se η2p estava entre 0,26 e 0,50 e d entre 0,50 e 1; e um efeito muito
grande se η2p > 0,50 e d > 1 (Marôco, 2014).
Resultados
Nesta seção, apenas os resultados com significância estatística são comentados. As tabelas
mostram os resultados das comparações entre os três grupos de transição na 5ª e 6ª séries, as
variações entre os dois momentos e os efeitos de interação entre o tempo e o tipo de transição. A
especificação das diferenças entre os grupos é mostrada nas tabelas. A especificação das variações
entre os momentos, bem como os efeitos de interação, são apontados no texto.
Os resultados referentes ao desempenho acadêmico, sintomas de estresse e habilidades sociais são
mostrados na Tabela 1. Na 5ª série, foram observadas diferenças significativas entre os grupos em
todas as variáveis. A maioria das diferenças foi encontrada entre o grupo Trans2, que consistia em
alunos que deveriam mudar para outra escola municipal, e o Trans3, o grupo de crianças que
deveriam mudar para uma escola estadual; ao comparar os grupos, o Trans2 apresentou valores médios
mais altos em matemática, responsabilidade/cooperação, empatia e habilidades sociais totais, enquanto o
Trans3 apresentou um valor médio mais alto para sintomas de estresse. O grupo Trans3, em
comparação com os outros grupos, apresentou os valores médios mais baixos para português e
desempenho acadêmico total. Na 6ª série, o Trans2 manteve a vantagem sobre o Trans3 para o
português e o desempenho acadêmico total; o grupo Trans1, que não mudou de escola durante a transição,
apresentou um valor médio mais alto do que o Trans3 para habilidades sociais (total).
Os resultados da ANOVA de medidas repetidas mistas revelaram uma variação entre a 5ª e a 6ª
série apenas para o total de habilidades sociais, mas houve uma redução em todos os grupos. O efeito
da interação entre tempo e transição escolar, com um efeito de tamanho pequeno para o total de
habilidades sociais, indicou que a redução foi mais significativa no grupo Trans2, quando os alunos
mudaram para outra escola municipal.
A Tabela 2 mostra os resultados referentes às dimensões do autoconceito. Na 5ª série, o Trans1
C. CASSONI et al.
apresentou valores médios mais baixos nas dimensões do autoconceito acadêmico: diferiu
significativamente dos outros grupos em relação aos valores médios do autoconceito de português, e o
Trans2 diferiu no autoconceito geral da escola e no autoconceito de matemática. Os dois grupos também
diferiram no autoconceito total. O grupo Trans2 apresentou um valor médio mais alto do que o Trans3
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para o autoconceito no relacionamento com os pais. Todas as diferenças foram de efeito de tamanho
pequeno. Na 6ª série, houve diferenças significativas, com um efeito de tamanho pequeno, entre os
valores médios para o autoconceito geral da escola, o autoconceito de português e o autoconceito de
matemática. Na
6 autoconceito escolar geral, Trans3, alunos que mudaram para escolas estaduais, apresentaram um valor médio
mais alto
Tabela 1
Comparações dos valores médios de desempenho acadêmico, sintomas de estresse e habilidades sociais na 5ª e 6ª séries de acordo com a transição escolar
Trans1 Trans2 Trans3 F Efeito de interação
Variável η2
Habilidades sociais gerais5 M 1.51ab 1.60a 1.46b 6.76** 0.03 3.40* 0.01
(DP) (0.32) (0.28) (0.32)
6 M 1.43a 1.40ab 1.36b 1.42* 0.00
(DP) (0.31) (0.32) (0.34)
F(1,376) 3.97* 33.35*** 17.99***
π 0.50 1.0 1.0
Observação: *p < 0,05, **p < 0,01, ***p < 0,001. Os valores médios na mesma linha com letras diferentes são significativamente diferentes entre si. Trans1:
8
permaneceu na mesma escola municipal; Trans2: mudou para outra escola municipal; Trans3: mudou para outra escola estadual. M: média, DP:
Tabela 3
Comparações entre os valores médios de satisfação com a vida na 5ª e 6ª séries de acordo com a transição escolar
Nas escolas públicas brasileiras, o primeiro ciclo do ES é predominantemente oferecido pela rede
municipal e o segundo é predominantemente oferecido pela rede estadual. Assim, haveria três opções
para os alunos que mudam do ESI para o ESII: (1) transição na mesma escola; (2) mudança para outra escola
municipal; (3) mudança para outra escola estadual. O objetivo do estudo foi investigar os efeitos da
transição entre o ESI e o ESII no desempenho acadêmico, nos sintomas de estresse, nas habilidades
sociais, no autoconceito e na satisfação com a vida, levando em consideração a natureza da transição
(com ou sem mudança de escola, com ou sem mudança da rede escolar). O objetivo foi alcançado por
meio de um modelo ANOVA que combinou medidas de transição pré-pós com uma variável
desenvolvida a partir do tipo de transição vivenciada pelos participantes divididos em três grupos:
permanência na mesma escola; mudança para uma escola municipal; mudança para uma escola
estadual.
As comparações entre os grupos antes da transição revelaram diferenças significativas. As
crianças que mudariam de escola, em algumas dimensões do autoconceito (por exemplo), apresentaram
avaliações mais positivas do que aquelas que não mudariam. Para entender essas diferenças, vale a pena
lembrar que os alunos mudam de escola somente se a escola não oferecer o ESII. Ou seja, na 5ª série,
eles são os alunos mais velhos da escola e, portanto, podem ser tratados como mais maduros e
independentes. Além disso, eles podem se sentir mais competentes em comparação com os alunos
mais jovens. Essa condição pode contribuir para autoavaliações mais positivas, uma vez que o
autoconceito se baseia em avaliações comparativas entre si e os colegas (Coelho & Romão, 2017).
Os resultados obtidos pela comparação dos três grupos na 5ª série antes da transição podem refletir
expectativas diferentes em vista da mudança de escola. Isso acontece porque o sistema escolar
informa às crianças com bastante antecedência qual escola elas irão frequentar. Os resultados
sugerem que os efeitos de expectativa foram encontrados na comparação da satisfação com a vida,
na qual, aparentemente, as crianças que mudariam para outra escola municipal apresentaram os
resultados mais favoráveis. Na 5ª série, esses alunos se percebem mais positivamente em relação ao
desempenho escolar e ao relacionamento com os pais; também demonstraram maior satisfação com a
escola, as amizades e a família. Devido à ausência de estudos longitudinais com uma amostra
brasileira, não foi possível discutir a literatura anterior, mas pode-se supor que as percepções mais
favoráveis dos alunos podem estar relacionadas à expectativa de mudança para escolas bem
avaliadas pelo IDEB, que são consideradas as melhores escolas.
Por outro lado, as crianças que se mudariam para uma escola estadual apresentaram a maior
média de sintomas de estresse na 5ª série. Esse resultado pode ser entendido em termos de ansiedade
antecipatória em vista da dupla mudança - mudança de escola e de rede escolar. Na mesma linha,
Symonds e Galton (2014) descobriram que muitas crianças se sentem assustadas, preocupadas,
nervosas e tristes antes da transição, mas ficam menos ansiosas quando as diferenças ambientais
entre as duas escolas são pequenas. Essa particularidade pode explicar por que os alunos que
mudam de escola se sentem menos estressados quando frequentam escolas municipais no 5º ano.
Antes da transição, as crianças que seriam transferidas para escolas públicas apresentavam
sintomas significativos de estresse, piores resultados de habilidades sociais e indicadores mais baixos de
desempenho acadêmico em comparação com outros grupos. Por um lado, essa combinação pode
aumentar a vulnerabilidade às dificuldades escolares, dada a associação entre maior exposição a
estressores escolares e menos habilidades sociais e, por outro, piores resultados acadêmicos (Jovarini,
C. CASSONI et al.
Leme, & Correia-Zanini, 2018). Na medida em que as escolas pós-transição fossem aquelas com notas mais
baixas no IDEB, porque os alunos nelas obtiveram valores médios mais baixos de desempenho na
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avaliação nacional, as crianças que se mudassem para essas escolas teriam um risco maior de fracasso
acadêmico em sua carreira escolar, uma vez que a mudança para turmas academicamente mais fracas
está associada à diminuição do desempenho ao longo do tempo (Wouters, Fraine, Colpin, Damme, &
Verchueren, 2012). Entretanto, isso não aconteceu, pelo menos durante os 11 meses entre as duas
avaliações. Na 6ª série, as crianças que haviam se mudado para escolas estaduais
10 continuam a ter um desempenho pior do que os outros alunos, mas suas pontuações não diminuíram.
quais diminuíram mais rapidamente e se tornaram iguais ou inferiores à percepção dos alunos que
permaneceram na mesma escola.
Os efeitos da transição foram encontrados principalmente, embora não exclusivamente, no grupo
que mudou para escolas municipais na 6ª série. Na 5ª série, essas crianças apresentaram indicadores
mais subjetivos de satisfação com a família, a escola e os colegas, mas esses resultados mudaram na 6ª
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série. Nas análises de interação, a autoavaliação total das habilidades sociais, bem como o autoconceito
escolar e a satisfação com a escola diminuíram mais do que nos outros grupos. Parece ter havido certa
euforia com a expectativa de mudança para uma escola municipal, que logo mudou após a transição,
conforme observado por Madjar e Cohen-Malayev (2016). Esse efeito pode estar relacionado, pelo menos
em parte, às notas mais altas do IDEB das escolas municipais (ESII). De acordo com
resultados obtidos por Neal et al. (2016), a transição para ambientes de aprendizagem academicamente seletivos
parece ter sido um processo de transição para o ensino superior.
familiares.
Os resultados apóiam a ideia de que a transição é um processo de longo prazo. Começando
Contribuintes
C. CASSONI contribuiu com a revisão da literatura, coleta de dados, análise e interpretação dos
resultados, redação da introdução e discussão dos resultados. E. M. MARTURANO, A. M. FONTAINE e V. B.
R. LEME contribuíram com a concepção e redação do estudo, levantamento bibliográfico, redação da
introdução e discussão dos resultados e aprovação da versão final do artigo.
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