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, PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO ,

Efeitos de variáveis sócio-econômicas e de varlaveis da tarefa no


desempenho de crianças na prova de classificação livre *

MARIA APARECIDA CÓRIA-SABINI**


MÁRCIO HERNANDEZ GONZALEZ* * *
ANNA MARIA MUSIELLO****

Estudo I; Estudo 11.

o presente estudo investigou o efeito das varlavels: nível SOClo-economlCO,


tipo de instrução, apresentação de feedback positivo e qualidade da coleção,
no desempenho de crianças em tarefas de classificação livre_ O desempenho
analisado foi a mobilidade para alteração de critérios de classificação. Os
resultados mostraram que as crianças de nível sócio-econômico baixo apre-
sentaram um desempenho inferior às de nível sócio-econômico médio _ Por
outro lado, mudanças no tipo de instrução e a apresentação de feedback po-
sitivo melhoraram o desempenho das crianças de baixo nível sócio-econômico_
A qualidade da coleção não produziu efeitos diferenciais. Esses resultados
foram discutidos em termos de desempenho versus competência_

Piaget elaborou uma teoria do desenvolvimento da inteligência que diz que ela
evolui por etapas, a partir da vida orgânica, até alcançar o conhecimento lógico-
matemático. Para esse autor, entre o conhecimento infralógico e o conhecimento
lógico-matemático haveria etapas intermediárias, que evidenciariam a existência
de um processo evolutivo ligando esses pontos extremos do desenvolvimento
cognitivo. Desse ponto de vista, o desenvolvimento mental seria uma construção
contínua que se processa em termos de estruturas de totalidade. Essas estruturas,
por sua vez, evoluem e funcionam através de um processo de equilibração, que
se traduz numa adaptação cada vez mais diferenciada às perturbações do meio.
O desenvolvimento cognitivo da criança surge como a sucessão de três gran-
des construções, cada uma das quais caracterizando um estágio de desenvolvi-

* Artigo apresentado à Redação em 3.5.84.


** Professora adjunta no Departamento de Educação da Unesp - Campus de São José
do Rio Preto, SP.
*** Professor assistente no Departamento de Psicologia Educacional da Unesp - Campus
de Marília, SP.
**** Doutora e professora assistente no Departamento de Educação da Unesp - Campus
de São José do Rio Preto, SP.

Arq. bras. Psic., Rio de Janeiro, 36(4):90-101, out./dez. 1984


mento. As estruturas de conjunto são integrativas e não se substituem umas às
outras. Cada uma resulta da precedente, integrando-a na qualidade de estrutura
subordinada, e prepara a seguinte, integrando-se a ela mais cedo ou mais tarde.
O primeiro estágio, ocupando aproximadamente os dois primeiros anos de
vida de uma criança, é caracterizado pela elaboração progressiva do esquema
de objeto permanente e pela estruturação sensorimotora do campo espacial ime-
diato. A partir do exercício funcional dos mecanismos reflexos, a criança cons-
trói gradualmente um sistema de movimentos e deslocamentos, chegando, assim,
à concepção da permanência dos objetos. Piaget comparou este sistema, que tem
as características de uma estrutura de grupo, com aquele que os geômetras cha-
mam de "grupo de deslocamentos".
O segundo estágio de desenvolvimento é caracterizado por um longo pro-
cesso de construção de operações mentais (que se completam por volta dos 7
anos de idade) e por um igualmente longo processo de estruturação (que se com-
pleta por volta dos 11-12 anos de idade). Durante o período de construção, os
processos de pensamento são irreversíveis. Pouco a pouco eles vão-se tomando
reversíveis. Com a reversibilidade, eles formam um sistema de operações con-
cretas. Esse sistema, contudo, é ainda incompleto; apesar de possuir as duas for-
mas de reversibilidade (negação e reciprocidade), elas são usadas independente-
mente uma da outra.
As estruturas operatórias concretas formam a base para a aquisição do pen-
samento formal, que caracteriza o terceiro estágio de desenvolvimento. As ope-
rações lógicas começam a ser transpostas do plano das manipulações concretas
para o plano das idéias, expressas em uma linguagem qualquer (verbal, simbó-
lica, matemática ou iconográfica). O domínio dessa forma de raciocínio faz com
que os adolescentes formulem hipóteses e deduzam as possíveis conseqüências
delas.
As estruturas formais de pensamento, comparativametne às concretas, são
marcadas por um maior grau de reversibilidade. Nesse caso, uma combinatória
e uma estrutura de grupo coordenam as duas possíveis reversibilidades.
A ordem de sucessão dos estágios é constante. Podem ocorrer acelerações
ou atrasos na idade cronológica média em que certas noções são dominadas, de
acordo com o ambiente cultural ou educacional. Desta forma, intervenções pe-
dagógicas e procedimentos de treino podem acelerar ou completar o desenvol-
vimento espontâneo, mas não podem mudar a ordem das construções.
Uma das estruturas do estágio operatório concreto é a classificação. Como
tal, ela possui propriedades que caracterizam simplesmente as operações pre-
sentes na ação da criança. Por exemplo, a criança pode combinar uma classe A
com outra A' para obter a classe B, indicado por A + A' = B. Pode ainda con-
tinuar para fazer B+ B' = C, ou pode efetuar a operação inversa, dissociando
A ou A' de B, indicado por B - A' = A.
Piaget e Inhelder (1959) estudaram a evolução da classificação com dife-
rentes provas. Uma delas, denominada pelos autores de mobilidade retroativa,
envolveu a apresentação de figuras geométricas (que variavam na forma, na
cor e no tamanho) que a criança deveria reclassificar até três vezes sucessivas.
A partir da análise dos dados, esses autores concluíram que a principal
diferença que opõe as classificações operatórias às não-operatórias é resultante
da maior ou menor mobilidade de raciocínio. Esta mobilidade se traduziria nas
remodelações ou alterações de critérios para a composição de conjuntos. As
crianças da fase pré-operatória começariam a reunir o material sem qualquer

Prova de classificação 91
plano prévio e avançariam mediante tentativas de ensaio e erro. Uma vez con-
seguida uma primeira classificação, persistiriam no critério inicial, negando-se
a qualquer alteração do mesmo. A criança da fase operatória, ao contrário,
agindo em função de esquemas mentais antecipatórios, mostrar-se-ia disposta a
modificar seus critérios.
Assim, a alteração por duas ou mais vezes consecutivas de critérios para
a composição de conjuntos indicaria, segundo aqueles autores, que a classifica-
ção se desligou da ação de reunir coisas para proceder por meio de operações
mentais.
A maioria dos estudos que se preocuparam com a aceleração ou atraso na
idade cronológica em que ocorreria o domínio da classificação utilizou, como
índice, a qualidade do desempenho dos sujeitos, e a variável em análise foi o
procedimento de treino (Denney, 1972a, 1972b; Denney & Acito, 1974; Smith,
1979, e outros). Esses estuJos mostraram que o treino foi eficaz para levar
crianças a estabelecer relações de semelhança.
Okonji (1974), usando o mesmo índice e a mesma variável, comparou o
desempenho de crianças de 3 a 6 anos de idade, de dois níveis sócio-econô-
micos. Os resultados dessa pesquisa não mostraram diferenças em função do
nível sócio-econômico dos sujeitos. Nenhuma criança realizou uma verdadeira
classificação. Esse autor, no entanto, não especificou o que considerou como
"verdadeira classificação" nem quais foram os critérios empregados na avaliação
do desempenho.
Para Piaget, a "verdadeira classificação" implica a existência de operações
aditivas e multiplicativas de classe. Uma das provas que evidenciaria o domínio
das operações aditivas seria a da mobilidade retroativa.
No primeiro estudo do presente trabalho, comparou-se a mobilidade retroa-
tiva de crianças de 7 a 10 anos de idade, de dois níveis sócio-econômicos. O
procedimento e o índice para a avaliação do desempenho foram semelhantes
àqueles descritos por Piaget e Inhelder (1959).

Estudo I

1. Método

1.1 Sujeitos

Os sujeitos deste estudo foram 180 crianças de ambos os sexos, alunas de La,
3.a e 4." séries do ensino de 1.0 grau de uma escola da rede oficial e de uma
escola da rede particular de ensino. A idade dos sujeitos que freqüentavam a 1."
série variou de 6 &nos e 11 meses a 7 anos e 5 meses; daqueles que freqüen-
tavam a 3." série variou de 9 anos e 2 meses a 9 anos e 7 meses; daqueles que
freqüentavam a 4." série variou de 10 anos e 2 meses a 10 anos e 9 meses.
A escola da rede oficial estava situada na periferia da cidade. A clientela
dessa escola pode ser classificada, segundo o nível sócio-econômico das famílias,
como pertencendo predominantemente às camadas baixas da população de São
José do Rio Preto.
A clientela da escola particular pode ser classificada, de acordo com o
mesmo critério, como pertencendo predominantemente às camadas média e
média-alta do mesmo município.

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Em cada uma das condições sócio-econômicas, as crianças foram distri-
buídas em três grupos, de 30 sujeitos cada, de acordo com a série que freqüen-
tavam. Para facilitar a identificação, os grupos de sujeitos foram rotulados de
acordo com a faixa etária: 7, 9 e 10 anos.

1.2 Material

Como material foram utilizados os Blocos Lógicos de Dienes compostos por oito
quadrados, oito círculos e um triângulo.
Os .oito quadrados podiam ser divididos em quatro vermelhos e quatro
azuis. Cada conjunto de mesma cor, por sua vez, podia ser subdividido em dois
elementos grandes e dois pequenos.
Os oito círculos, como os quadrados, podiam ser divididos em quatro ver-
melhos e quatro azuis e estes subconjuntos, por sua vez, podiam ser subdivididos
em dois elementos grandes e dois pequenos.
O triângulo era grande e azul e representou o conjunto unitário quanto à
forma.

1.3 Procedimento

As crianças recebiam o material com a seguinte instrução: "Você vai arrumar


este material, formando grupinhos. Você deve colocar no mesmo grupo as peças
que você acha que devem ficar juntas."
Após a execução da primeira partição, o experimentador, apontando para
cada um dos grupos formados, solicitava que a criança nomeasse cada um deles,
perguntando: "O que tem aqui?" Esse artifício foi utilizado para verificar o
critério empregado pela criança para a partição. Após a criança ter respondido,
o experimentador lhe dizia: "Se desmancharmos esses grupos, haveria outra
maneira de arrumar esse material?"
Se a criança respondesse afirmativamente, o experimentado r solicitava que
ela efetuasse a partição e que novamente nomeasse os grupos formados. Este
procedimento foi repetido até a criança dizer que não conhecia mais nenhuma
maneira de arrumar o material.
Cada criança foi submetida ao procedimento individualmente, em uma sala
da própria escola que freqüentava, durante o horário escolar.

1.4 Resultados

Todas as 180 crianças deste estudo efetuaram pelo menos uma classificação
exaustiva do material.
Na tabela 1 está registrado o número de crianças de cada faixa etária, das
duas condições sócio-econômicas, que realizaram uma, duas ou n reclassificações
do material.
Prova de classificação 93
Tabela 1

Número de crianças com 7, 9 e 10 anos de idade nas duas condições sócio-econômicas


que realizaram uma, duas ou n reclassificações do material

Nível sócio-econômico médio Nível sócio-econômico baixo

Idade Número de reclassificações Número de reclassificações

zero
I
1
1

\
2
1

I
3 ou mais zero II 1
1
1
I
2
1
13 ou mais
I
Sete anos 3 10 6 11 14 13 3 o
Nove anos O 3 8 19 5 15 4 6

Dez anos O 1 1 28 2 8 14 6

A análise dessa tabela mostra que as crianças de nível sócio-econômico mé-


dio apresentaram maior grau de mobilidade na alteração de critérios para par-
tição do que as crianças de nível sócio-econômico baixo. O Teste T mostrou que,
em todas as idades, as diferenças entre condições sócio-econômicas foram signi-
ficativas (7 anos: t =
8,69; 9 anos: t =
5,49; 10 anos: t =
4,15; G. 1. 59 =
e p < 0,01 nos três casos).
Tomando-se como indicador um mínimo de duas alterações de critérios para
composição de conjuntos, para categorizar o desempenho como operatório, pode-
se observar que na condição nível sócio-econômica baixo, das 30 crianças com
7 anos de idade, 27 não apresentaram um desempenho operatório (14 não alte-
raram sequer uma vez o critério empregado e 13 o alteraram apenas uma vez).
Aos 9 e 10 anos de idade, 20 e 10 crianças desse nível sócio-econômico, res-
pectivamente, ainda não apresentaram um desempenho operatório.
Na condição nível sócio-econômico méàio esta situação se inverteu, pois
17, 27 e 29 crianças com 7, 9 e 10 anos de idade, respectivamente, apresenta-
ram um desempenho operatório.

1.5 Discussão

Os dados deste estudo mostraram que a maior parte das crianças de nível sócio-
econômico médio apresentou um desempenho que pode ser qualificado como
operatório, enquanto o das crianças de baixo nível sócio-econômico não pode ser
classificado nessa categoria.
O indicador para qualificar uma criança como operatória ou não, foi a
realização de duas ou mais reclassificações.
O termo indicador foi aqui usado para chamar a atenção para uma impor-
tante distinção que deve ser feita entre desempenho e competência. Se uma
criança demonstra ser operatória porque alterou, por duas ou mais vezes conse-
cutivas, o critério para partição do material, ela deve possuir as operações men-
tais hipotetizadas como necessárias à resolução do problema proposto. Isto seria
uma descrição de competência. Contudo, a recíproca pode não ser verdadeira.

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Variáveis como a qualidade da coleção, o tipo de instrução empregada, a moti-
vação subjacente e outras podem estar influindo no desempenho daquelas crian-
ças descritas como não-operatórias.
Vários autores encontraram diferenças de desempenho entre crianças de
níveis sócio-econômicos médio e baixo, em tarefas piagetianas (Kohnstamm,
1967; Wei, Lavatelli & Jones, 1971; Overton, Wagner & Dolinsky, 1971). Se
tais diferenças refletem ou não uma diferença na competência é um problema
ainda em discussão.
Alguns pesquisadores argumentam que a maior diferença não está na com-
petência, mas na motivação. A criança proveniente de ambientes pobres não vê
uma situação de teste, principalmente do tipo de resolução de problemas, com
o desejo de sair-se bem ou de fazer o melhor possível, desejo este que é típico
de crianças de classe média. Outros autores, no entanto, assinalam que mesmo
que as diferenças motivacionais fossem igualadas, ainda seriam encontradas di-
ferenças de desempenho. Por outro lado, Pylyshyn (1972, 1973) e Ennis (1976)
discutem o problema de desempenho versus competência associando-o a variáveis
da tarefa.
No presente trabalho, na condição sócio-econômica média, os sujdtos foram
recrutaqos entre alunos de uma escola particular que segue preponderantemente
o método de ensino montessoriano. Este método contém várias tarefas que exi-
gem a busca de semelhanças e diferenças entre estímulos, os quais freqüente-
mente são figuras geométricas. Essa experiência escolar poderia ter auxiliado
as crianças de três maneiras. Em primeiro lugar, ajudando-as a interpretar ade-
quadamente a instrução "colocar juntas as coisas que devem ficar juntas", ou
seja, compreender que aquilo que estava sendo solicitado era o estabelecimento
de relações de pertinência. Em segundo lugar, auxiliando-as a descobrir um maior
número de critérios para a composição de conjuntos. Finalmente, levando-as a
considerar a pergunta: "Não há outra maneira de arrumar este material?" como
um desafio para prosseguir na tarefa.
Por outro lado, as crianças de nível sócio-econômico baixo freqüentavam
uma escola da rede de ensino oficial situada na periferia da cidade. Observou-se
que essas crianças raramente manipulavam material concreto, especialmente fi-
guras geométricas. Provavelmente isto as levou a interpretar a instrução "colocar
juntas as coisas que devem ficar juntas" como reunir os objetos que eram iguais.
Conseqüentemente, ao serem solicitadas a encontrar outra maneira de agrupar os
estímulos, podem ter concluído que haviam errado a tarefa. A pergunta: "Não
há outra maneira de arrumar este material?" pode ter-se tomado um feedback
negativo que as desencorajou a prosseguir na tarefa.
Piaget e Inhelder (1959) enfatizaram que um dos aspectos cruciais da ta-
refa de classificação livre é saber se a criança compreendeu bem as instruções,
ou seja, classificar os objetos segundo suas semelhanças.
Brainerd (1974), discutindo a validade do uso de feedback em tarefas pia-
getianas, argumentou que a ocorrência de feedback, especialmente aquele nega-
tivo, contingente às justificativas apresentadas pelas crianças, poderia produzir
uma espécie de desequilíbrio cognitivo.
Desta forma, embora os dados da tabela 1 mostrem que as crianças de
nível sócio-econômico baixo tiveram um desempenho bastante inferior ao das
crianças de nível médio, não se pode concluir que isto signifique diferentes com-
petências. As variáveis: diferentes orientações do ensino, uso de uma instrução

Prova de classificação 95
que não deixa claro qual o desempenho que está sendo solicitado, familiaridade
com o material empregado, poderiam ter determinado os resultados obtidos.

Estudo 11

Este segundo estudo foi realizado para verificar se o desempenho de crianças


de nível sócio-econômico baixo melhoraria, quando se utiliza uma coleção de
objetos mais familiares, uma instrução que explicita mais claramente o desem-
penho solicitado e um feedback positivo contingente às justificativas dos sujeitos.

1. Método

1.1 Sujeitos

Os sujeitos deste estudo foram 360 crianças, de ambos os sexos, alunas de 1.a , 3.a
e 4.a séries do 1.0 grau da mesma escola da rede oficial de ensino em que foi
realizado o Estudo I. A idade das crianças de cada série variou de 7 anos a 7
anos e 6 meses, de 8 anos e 11 meses a 9 anos e 6 meses e de 10 anos a 10
anos e 8 meses. Como no estudo anterior, os grupos, em cada condição de proce-
dimento, foram identificados pela idade: 7 anos, 9 anos e 10 anos.
Dentro de cada faixa etária, os sujeitos foram distribuídos aleatoriamente
em quatro condições: Instrução Modificada, Feedback Positivo, Qualidade da
Coleção e Grupo de Controle.

1.2 Material

Como material foram utilizadas duas coleções, uma de figuras geométricas e outra
de animais.
A coleção de figuras geométricas foi composta por peças desenhadas em
papel-cartão. Essas peças variaram quanto à forma (quadrados, triângulos e
círculos), quanto à cor (vermelho, azul e amarelo) e quanto ao tamanho (peças
pequenas e grandes, sendo que estas últimas tinham o dobro do tamanho das
pequenas).
A coleção de animais também foi composta por peças desenhadas em papel-
cartão, que variaram quanto à forma (gatos, cavalos e cachorros), quanto à cor
(vermelho, azul e amarelo) e quanto ao tamanho (figuras grandes e pequenas,
sendo que as grandes tinham o dobro do tamanho das pequenas).

1.3 Procedimento

Como no estudo anterior, todos os sujeitos foram testados individualmente, na


própria escola, durante o horário escolar.

• Condição Instrução Modifioada - a criança recebia os cartões com as figuras


geométricas, com a seguinte instrução: "Você vai arrumar este material, for-

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mando grupinhos. Você deve colocar no mesmo grupo os cartões que você acha
que devem ficar juntos."
Após a execução da primeira partição, o experimentador solicitava que a
criança nomeasse cada um dos grupos formados, perguntando-lhe: "O que tem
aqui?" Após a criança ter justificado sua partição, o experimentador lhe dizia:
"Ainda há seis diferentes maneiras de arrumar este material. Você seria capaz
de descobrir todas?"
A cada nova partição, a criança era solicitada a nomear os grupos formados.
• Condição Feedback Positivo - a instrução utilizada neste caso foi a instru-
ção padrão acrescida de feedback positivo contingente a cada partição. O
feedback era dado na forma de informação quanto à adequação do desempenho
(por exemplo: "Certo! Você arrumou tudo pela cor") acrescido de elogio caso
a partição estivesse correta (por exemplo: "Muito bem! Você é muito esperto!").
Em seguida o experimentador perguntava à criança se não havia outra ma-
neira de agrupar o material. Se ela respondesse afirmativamente, ele a instruía
a realizar a partição e fornecia-lhe novamente feedback. Este procedimento foi
repetido até a criança dizer que não conhecia outra maneira de agrupar o
material.
• Condições Qualidade da Coleção e Controle - nessas condições foi empre-
gado o procedimento padrão, tal como descrito no Experimento I. Na condição
Qualidade da Coleção foram utilizados os cartões com as figuras de animais. Na
condição de Controle, foram utilizados aqueles com figuras geométricas.

1.4 Resultados

Como no Estudo I, todas as crianças deste segundo estudo fizeram pelo menos
uma partição exaustiva do material.
A tabela 2 apresenta o número de crianças de cada faixa' etária e de cada
uma das condições de procedimento, que realizaram uma, duas ou n reclassifi-
cações do material.
A análise desta tabela revela que as crianças submetidas às condições
Instrução Modificada e Feedback Positivo apresentaram uma mobilidade para
alteração de critérios de partição superior àquela observada para os sujeitos que
executaram a tarefa com a coleção de animais e aqueles do grupo de Controle.
Tomando-se novamente como indicador um mínimo de duas alterações de
critério para a composição de conjuntos, pode-se observar que apenas duas
crianças da condição Instrução Modificada não apresentaram um desempenho
operatório. Na condição Feedback Positivo, este índice aumentou para 15 crian-
o ças (14 com 7 e uma com 9 anos de idade). Nas condições Qualidade da Co-
leção e Controle, até a idade de 9 anos, esta tendência é inversa: a maior parte
das crianças pode ser classificada como não-operatória. Aos 10 anos, metade das
crianças da condição Qualidade da Coleção e nove da condição de Controle
ainda continuaram apresentando um desempenho não-operatório.
A análise de variância mostrou que as diferenças no número de partições
em função das diferenças de procedimento foram significativas em todas as
= =
idades (7 anos: F 45,35; 9 anos: F 44,91; 10 anos: F = 69,92; G. 1. =
3/116 e p <0,01 nos três casos. O Teste de Cochran mostrou que as variâncias
são homogêneas: 7 anos: R = 0,3354; 9 anos: R = 0,2862; 10 anos: R =
0,2841; P = 0,01).
Prova de classificação 97
Tabela 2
Número de crianças de cada faixa etária e em cada uma das condições de procedimento
que realizaram uma, duas ou n reclassificações do material

Sete anos Nove anos Dez anos

Condições Número de reclassificações Número de reclassificações Número de reclassificações

zero _I_l_I 2 13 ou_ mais zero


------- I 1
1- -
2· 1.3 ou mais zero
1
1
1
2 13 ou mais

Instrução modificada o 2 20 8 O O 1 29 O O 29

Feedback positivo 13 10 6 O 13 16 O O 5 25

Qualidade da coleção 21 7 2 O 7 13 6 4 14 12 3

Controle 16 12 2 O 8 13 4 5 O 9 15 6
o Teste de Tukey mostrou que, nas três faixas etárias estudadas, as crianças
dos diferentes grupos podem ser divididas em três segmentos. No primeiro seg-
mento estariam as crianças das condições Qualidade da Coleção e de Controle,
que não diferiram entre si e apresentaram o pior desempenho. As crianças da
condição Feedback Positivo apresentaram um desempenho de nível intermediá-
rio. O melhor desempenho foi o dos sujeitos que realizaram a tarefa na condição
Instrução Modificada (diferenças mínimas significativas: 7 anos: 0,51; 9 anos:
0,73; 10 anos: 0,60; p = 0,01 nos três casos).

1.5 Discussão

Os dados obtidos neste segundo estudo, com o grupo submetido à instrução


modificada, sugerem que nem sempre o desempenho inadequado significa a
ausência da competência requerida pela tarefa.
No Estudo I verificou-se que as crianças de nível sócio-econômico médio
efetuaram um número de reclassificações significativamente superior àquele rea-
lizado pelas crianças de nível sócio-econômico baixo. Uma das explicações suge-
ridas foi que essas crianças, não tendo familiaridade com esse tipo de tarefa,
não teriam conseguido compreender que aquilo que estava sendo solicitado era
a descoberta de todos os critérios possíveis de classificação do material.
Os dados do Estudo 11 fornecem suporte para esta hipótese. Quando a ins-
trução empregada deixou claro· que a criança deveria encontrar todas as pos-
síveis maneiras de classificar os objetos, o número de reclassificações realizadas
aumentou consideravelmente. Isto mostra que a ausência de certas estruturas
lógicas de raciocínio nem sempre é o fator que determina um fraco desempenho
em tarefas piagetianas. Variáveis da tarefa também afetam o comportamento em
questão.
Brainerd (1973) coloca que as provas utilizadas por Piaget e seus colabo-
radores têm sido amplamente difundidas como instrumentos para diagnosticar a
presença ou ausência das estruturas lógicas de pensamento hipotetizadas pela
teoria piagetiana. Para ele, no entanto, ainda não foi respondida a questão refe-
rente à adequação de tais provas. Segundo o autor, deveriam ser realizados es-
tudos sistemáticos a respeito dos procedimentos, instrumentos e critérios utili-
zados pelos pesquisadores da Escola de Genebra.
Kuhn (1972), analisando os efeitos de diferentes procedimentos sobre o
desempenho de crianças em tarefas classificatórias, argumenta que a maneira
mais eficaz de apresentar um problema é aquela que induz o sujeito ao exercício
ativo de suas próprias operações mentais e que permite que ele apreenda as
contradições e imprecisões de modo a resolver o problema.
Os dados do presente trabalho sugerem que a prova sobre mobilidade re-
troativa, tal como foi proposta por Piaget e Inhelder (1959), não é adequada
para avaliar a reversibilidade do raciocínio de crianças em tarefas aditivas de
classe, uma vez que a maneira padrão de colocar o problema só desafiou os
sujeitos que possuíam experiência em classificar objetos.
Os dados obtidos mostraram ainda que as crianças que receberam feedback
positivo após cada partição apresentaram um desempenho significativamente su-
perior ao do grupo de controle. Isto evidencia que o uso de uma recompensa
extrínseca também afeta o desempenho de crianças em tarefas piagetianas. Este.
dado favorece a hipótese colocada no Estudo I do presente trabalho, ou seja,

Prova de classificação 99
que a formulação da pergunta '''não há outra maneira de arrumar o material?"
logo após a realização de uma classificação, pode ter atuado como feedback ne-
gativo, produzindo um desequilíbrio cognitivo nas crianças de baixo nível sócio-
econômico.
Por outro lado, a familiaridade com a coleção parece não ser uma variável
relevante neste tipo de tarefa, uma vez que a qualidade do material não produziu
efeitos diferenciais sobre o número de reclassificações realizadas pelos sujeitos.
Finalmente, os dados obtidos nos dois estudos mostraram que, independen-
temente das condições do procedimento, houve um aumento no número de re-
classificações em função do aumento da idade dos sujeitos. Este dado está de
acordo com aqueles descritos por Piaget e lnhelder (1959), Lovell, Mitchell e
Everett (1962), Simon e Ward (1981). Esses pesquisadores observaram um au-
mento gradual no número de partições, dos 6 até os 9-10 anos de idade, quando
o desempenho se estabiliza. Segundo Piaget, seria por volta dessa idade que a
maioria das crianças já teria adquirido as operações aditivas de classe.
Em conclusão, os dados do presente trabalho evidenciaram que são muitos
os fatores que determinam, juntamente com a capacidade de raciocínio, o de-
sempenho de crianças em tarefas de classificação; Essa conclusão, contudo, não
contraria a posição piagetiana sobre o desenvolvimento cognitivo. Os progressos
graduais em função do aumento da idade mostram claramente que os efeitos das
variáveis estudadas foram apenas sobrepostos a fatores de natureza mais intrín-
seca, relacionados com o nível de desenvolvimento cognitivo da criança.

Abstract

This study investigated the effects of the social economic leveI, the kind of
instruction, the presentation of positive feedback and the quality of the collection
on children's performance in free classification tasks. The analized performance
was the shifting of c1assification criteria.
The results showed that children of low social economic levei presented a
performance inferior to that of the children of average leveI. On the other hand,
changes in the kind of instruction and the presentation of positive feedback
improved the performance of children of low social economic leveI. The quality
of collection did not produce differential effects.
These results were discussed in terms of performance versus competence.

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