Você está na página 1de 8

Processo nº 702/2023

(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 23 de Novembro de 2023


Recorrente: (X) (Autor)
Recorrida: Y Resorts, S.A. (Ré)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂ NCIA


DA R.A.E.M.:

I - RELATÓ RIO
Por sentença de 15/05/2023, julgou-se a acção parcialmente procedente
e, em consequência, condenou-se a Ré Y Resorts, S.A. a pagar ao Autor
(X)a quantia de MOP$133,302.34, acrescida de juros moratórios à taxa
legal.
Dessa decisão vem recorrer o Autor, em sede de conclusões, os
seguintes:
1. Versa o presente recurso sobre a douta Sentença na parte relativa à
condenação da Ré (Y) na compensação devida ao Autor, ora Recorrente, pelo
trabalho prestado em dia de descanso semanal (isto é, pelo trabalho prestado
após seis dias de trabalho consecutivo em cada período de sete dias de
trabalho) à luz da Lei n.º 7/2008;
2. In casu, impõe-se apreciar a interpretação que o Tribunal a quo levou a cabo
a respeito do n.º 2 do art. 42.º da Lei n.º 7/2008, e que conduziu à condenação
da Ré (Y) numa quantia muito inferior à reclamada pelo Autor em sede de
Petição Inicial;

702/2023 1
Mais detalhadamente.
3. Resulta da matéria de facto assente que:
- De 07/11/2009 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de segurança
para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de trabalho
consecutivos. (7.º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho, em
regra, no oitavo dia. (8.º)
- Entre 07/11/2009 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um período de
descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada período de sete dias
(...). (9.º)
- No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer quantia extra
pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a prestação de seis dias
consecutivos de trabalho (10.º).
4. Não obstante a referida matéria de facto provada, com vista a apurar o valor
que o Autor tinha a receber relativamente ao trabalho prestado em dia de
descanso semanal, o tribunal a quo seguiu o seguinte raciocínio: dividiu o
número dos dias de trabalho prestados pelo Autor e descontou os dias em que
o Autor havia descansado ao 8.º dia, após a prestação de sete dias de
trabalho consecutivos, apurando que o Autor terá direito a auferir a diferença
entre os dois;
5. E, a ser assim, salvo o devido respeito, está o ora Recorrente em crer existir
um erro de julgamento traduzido, entre outro, no facto de se acreditar que a
douta Decisão não ter factos para se poder chegar a tal resultado, nem os
mesmos constavam da Base Instrutória;
6. Ou melhor, o que impunha apurar era os dias de trabalho em que o Autor
prestou trabalho para a Ré em cada 7.º dia, após 6 dias consecutivos de

702/2023 2
trabalho e não apurar a diferença entre o trabalho prestado ao 7.º dia com os
dias de não trabalho que o Autor gozou no 8.º dia após 7 dias de trabalho
consecutivo, e consequentemente nada havia a descontar aquando do
apuramento do montante indemnizatório, a tal respeito;
7. De onde, salvo melhor opinião, deve a Recorrida (Y) ser condenada a pagar
ao Recorrente a quantia de MOP$161,730.83, a título de falta de marcação e
gozo de descanso semanal - e não apenas MOP$20,135.00, conforme parece
resultar da douta Sentença que, salvo o devido respeito, nesta parte poderia
estar um pouco mais clara, correspondente ao seguinte (remuneração diária
vezes o número de dias de descanso - que para facilidade de raciocínio, se
expõe na seguinte tabela):
N.º de dias de
De A Remuneração Total
descanso
07/11/2009 30/04/2010 7,500 23 5,750.00
01/05/2010 31/12/2014 8,100 227 61,290.00
01/01/2015 31/03/2019 8,475 207 58,477.50
01/04/2019 31/03/2021 11,200 97 36,213.33

8. Ao não entender assim, está o Recorrente em crer ter existido uma errada
aplicação da norma em questão (leia-se, do art. 43.º da Lei n.º 7/2008) pelo
Tribunal de Primeira Instância, o que em caso algum poderá deixar de
conduzir, nesta parte, à nulidade da decisão recorrida, o que desde já e para
os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
*
A Ré respondeu à motivação do recurso do Autor, nos termos
constantes a fls. 234 a 240, cujo teor aqui se dá por integralmente
reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
*

702/2023 3
Foram colhidos os vistos legais.
*
II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- De 07/11/2009 ao presente, o Autor encontra-se ao serviço da Ré
(Y), a desempenhar funções de “guarda de segurança”, enquanto
trabalhador não residente. (A)
- Durante a prestação de trabalho, o Autor sempre respeitou os
períodos e horários de trabalho fixados pela Ré. (B)
- Era a Ré quem fixava o local e o horário de trabalho do Autor, de
acordo com as suas exclusivas e concretas necessidades. (C)
- Durante todo o período de trabalho, o Autor sempre prestou a sua
actividade sob as ordens e instruções da Ré. (D)
- Entre 07/11/2009 e 31/10/2021, o Autor gozou de dias de férias
anuais e de dias de dispensa ao trabalho nos dias seguintes: (E)
Data de saída da Data entrada na
Dias de férias e/ou de ausência
RAEM RAEM
2010 2010 24
2011 2011 24
2012 2012 24
2013 2013 24
2014 2014 24
2015 2015 24
22-10-2016 12-11-2016 24
2017 2017 24
10-04-2018 03-05-2018 24
09-04-2019 03-05-2019 24
2020 2020 22
2021 2021 18

702/2023 4
- Por razões associadas às exigências do funcionamento da
respectiva empresa, bem assim, em função da natureza do sector
de actividade da Ré – Casino - que é de laboração contínua. (F)
- De 07/11/2009 a 31/10/2021, a Ré (Y) pagou ao Autor as seguintes
quantias a título de salário de base mensal e subsídio de
alojamento: (1º)
Salário de base Subsídio de
De A
mensal (MOP) Alojamento (MOP)
07/11/2009 30/04/2010 $7,500.00 ----
01/05/2010 31/12/2014 $7,500.00 $600.00
01/01/2015 31/03/2019 $7,875.00 $600.00
01/04/2019 31/10/2021 $10,600.00 $600.00
- Entre 07/11/2009 e 31/10/2021, por ordem da Ré, o Autor estava
obrigado a comparecer no seu local de trabalho, devidamente
uniformizado, com, pelo menos, 30 minutos de antecedência
relativamente ao início de cada turno. (2º)
- Durante o referido período de tempo, tinha lugar um briefing
(leia-se, uma reunião) entre o Team Leader (leia-se, Chefe de turno)
e os “guardas de segurança”, na qual eram inspeccionados os
uniformes de cada um dos guardas e distribuído o trabalho para o
referido turno, mediante a indicação do seu concreto posto dentro
do Casino. (3º)
- Entre 07/11/2009 e 31/10/2021, o Autor compareceu ao serviço da
Ré com 30 minutos de antecedência relativamente ao início de cada
turno, tendo permanecido às ordens e às instruções dos seus
superiores hierárquicos, sem prejuízo da al. E) dos Factos Assentes.
(4º)

702/2023 5
- A Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia pelo período de 30
minutos que antecedia o início de cada turno. (5º)
- A Ré (Y) nunca conferiu ao Autor o gozo de um descanso
adicional remunerado, proporcional ao período de trabalho
prestado. (6º)
- De 07/11/2009 a 31/03/2021, o Autor prestou a sua actividade de
segurança para a Ré num regime de turnos rotativos de sete dias de
trabalho consecutivos. (7º)
- A que se seguia um período de vinte e quatro horas de não trabalho,
em regra, no oitavo dia. (8º)
- Entre 07/11/2009 e 31/03/2021, a Ré não fixou ao Autor um
período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas em cada
período de sete dias, sem prejuízo da al. E) dos Factos Assentes.
(9º)
- No referido período, a Ré nunca pagou ao Autor um qualquer
quantia extra pelo trabalho prestado ao sétimo dia, após a
prestação de seis dias consecutivos de trabalho. (10º)
- No referido período, a Ré não concedeu ao Autor todos os dias de
descanso compensatório na sequência do trabalho prestado ao
sétimo dia após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho.
(11º)
*
III – FUNDAMENTAÇ Ã O
Este TSI tem entendido, de forma unânime, que o trabalho prestado ao
sétimo após a prestação de seis dias consecutivos de trabalho em cada
semana deve ser qualificado como trabalho prestado no dia do descanso

702/2023 6
semanal, não obstante o Autor ter gozado um dia de descanso ao oitavo dia.
A razão de ser consiste em “o trabalhador não pode prestar mais do que seis
dias de trabalho consecutivos, devendo o dia de descanso ter lugar, no máximo, no
sétimo dia, e não no oitavo, nono ou noutro dia do mês, salvo acordo das partes em
sentido contrário, no que toca ao momento de descanso a título de “compensação”,
mas o critério para este efeito é sempre o período de sete dias como uma unidade” (cfr.
Ac. do TSI, Proc. nº 89/2020, de 16/04/2020).
Por outro lado, “(...) uma coisa é a continuidade das actividades de casino,
outra coisa é a inviabilidade de assegurar aos seus guardas de segurança o gozo de um
descanso de vinte e quatro horas consecutivas num período de sete dias.
Não podemos aceitar que, dado o número gigantesco, que aliás é facto notório,
dos elementos do pessoal de segurança da Y, como é que não é viável mobilizá-los por
forma a conciliar o normal funcionamento dos casinos com a não prestação de serviço
por um número razoável dos guardas de segurança durante apenas vinte e quatro horas
em cada período de sete dias!
Aliás, se é viável, (...) o gozo pelo Autor de um dia de descanso ao oitavo dia, não
se vê por quê motivo não é viável o gozo do tal dia ao sétimo dia!
De qualquer maneira, o dito oitavo dia que o Autor gozou nunca é qualificável
como descanso semanal a que se refere o art. 42.º da Lei n.º 7/2008 (...)” (Cfr. o Ac.
do TSI n.º 944/2020).
Assim, o descanso remunerado do trabalhador no oitavo dia não pode
ser qualificado como descanso semanal sem acordo das partes ou quando a
natureza da actividade da empresa não torne inviável o gozo no sétimo dia,
antes deve ser qualificado como dia de descanso compensatório pelo
trabalho prestado no dia de descanso semanal a que se alude o nº 2 do artº
43º da Lei nº 7/2008.

702/2023 7
Neste conformidade, o Autor tem o direito de receber: MOP$7500 / 30
* 23 + MOP$8,100 / 30 * 227 + MOP$8,475 / 30 * 207 + MOP$11,200 /
30 * 97 = MOP$161,730.83, reduzidos a MOP$158,682.43 tendo em conta
o próprio pedido do Autor no petição inicial.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – DECISÃ O
Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso
interposto pelo Autor, decidindo-se revogar a sentença na parte respectiva e
condenar a Ré a pagar ao Autor, a título da compensação pelo não gozo dos
dias de descanso semanal, no total de MOP$158,682.43, com juros de mora
à taxa legal a partir da data do presente aresto (cfr. Ac. do TUI, de
02/03/2011, Proc. nº 69/2010).
*
Custas pela Ré.
Notifique e D.N..
*
RAEM, aos 23 de Novembro de 2023.

Ho Wai Neng
(Relator)

Tong Hio Fong


(Primeiro Juiz-Adjunto)

Rui Pereira Ribeiro


(Segundo Juiz-Adjunto)

702/2023 8

Você também pode gostar