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Autores

Suzana Portuguez Viñas


Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Santo Ângelo, RS-Brasil
2023
Supervisão editorial: Suzana Portuguez Viñas
Projeto gráfico: Roberto Aguilar Machado Santos Silva
Editoração: Suzana Portuguez Viñas

Capa:. Roberto Aguilar Machado Santos Silva

1ª edição

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Autores

Suzana Portuguez Viñas


Pedagoga, psicopedagoga, escritora,
editora, agente literária
suzana_vinas@yahoo.com.br

Roberto Aguilar Machado Santos Silva


Membro da Academia de Ciências de Nova York (EUA),
escritor
poeta, historiador
Neurocientista

3
Dedicatória
ara todos nós neurodiversos.

P Suzana Portuguez Viñas


Roberto Aguilar Machado Santos Silva

4
Neurodiversidade significa a enorme gama de
composições neurológicas que abrange todos os seres
humanos. A palavra se refere a diferentes formas de
existir a partir da formação cerebral e neurológica. “Nós
somos todos habitantes neurodiversos do planeta,
porque não há duas mentes neste mundo que possam
ser exatamente iguais1.”

1 https://autismoerealidade.org.br/2020/06/25/judy-singer-e-a-neurodiversidade/
5
Apresentação

E
ste livro tem a finalidade de utilizar as informações dos
relatórios de anamnese e diagnóstico como forma de
desenvolver uma equipe e um plano único de
intervenção em caso de situação de crise para evitar/minimizar
situações de crise e distinguir o papel de cada membro.
Suzana Portuguez Viñas
Roberto Aguilar Machado Santos Silva

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Sumário

Introdução.....................................................................................8
Capítulo 1 - Anamnese: o transtorno como oráculo.................9
Capítulo 2 - Guia passo a passo para exames de saúde para
pessoas com dificuldade de aprendizagem.............................28
Capítulo 3 - Procedimentos para diagnosticar uma deficiência
e avaliar necessidades educacionais especiais......................48
Epílogo.........................................................................................62
Bibliografia consultada..............................................................64

7
Introdução

O
s distúrbios de aprendizagem são condições que
causam uma discrepância entre os níveis potenciais e
reais de desempenho acadêmico, conforme previsto
pelas habilidades intelectuais da pessoa. Os distúrbios de
aprendizagem envolvem deficiências ou dificuldades de
concentração ou atenção, desenvolvimento da linguagem ou
processamento de informações visuais e auditivas. O diagnóstico
inclui avaliações cognitivas, educacionais, de fala e linguagem,
médicas e psicológicas. O tratamento consiste principalmente em
manejo educacional e, às vezes, em terapia médica,
comportamental e psicológica.

8
Capítulo 1
Anamnese: o
transtorno como
oráculo
Como compreender, completar e
utilizar um relatório de anamnese,
inicial e de longo prazo

S
egundo a União Européia (European Union, 2023), o
termo anamnese (ανα + μνήμη= memorização), derivado
da palavra grega lembrança, descreve essencialmente a
reminiscência em nossa memória de eventos que ocorreram no
passado. Um relatório de anamnese é um relatório que contém
informações sobre uma pessoa ao longo do tempo. O termo está
ligado ao campo da medicina, psicopedagogia e da psicologia,
mas também é encontrado nas ciências sociais e no campo como
meio de coletar informações relativas à vida de uma pessoa.
A informação extraída e registada num relatório constitui uma
ferramenta importante para o assistente social (mas não só)
porque lhe proporciona uma imagem geral, e geralmente
completa, da pessoa que tem à sua frente, com quem tem de

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trabalhar ou para. O relato ou história de uma pessoa é essencial
para desenvolver o diagnóstico e o prognóstico que se segue, e
para fazer a avaliação global desse indivíduo. O especialista,
médico, psicólogo ou assistente social tem, de forma sucinta,
acesso aos dados que podem auxiliá-lo no seu trabalho no
presente e no futuro.
Fazer o laudo de anamnese não é prerrogativa exclusiva do
pessoal especializado (médico, psicólogo, assistente social,
pedagogo e psicopedagogo) de uma instituição. Consiste
basicamente em entrevistar uma pessoa, por exemplo numa
instituição para menores, onde a informação é recolhida através
de perguntas e posteriormente registada. Qualquer trabalhador
pode exercer esta função, desde que tenha recebido a
preparação e formação adequadas para tal.
Porém, a anamnese não se limita ao primeiro contato com a
pessoa. Por mais completo que seja, o relatório de anamnese
inicial é de grande ajuda para a avaliação contínua da pessoa e
para o prognóstico de possíveis situações de crise, mas não é
suficiente. A avaliação da pessoa é um processo diário que
acompanha tanto o desenvolvimento (cognitivo, emocional, físico)
como os contactos e atividades sociais. Assim temos também
uma anamnese do cotidiano realizada pelos cuidadores e pela
equipe científica. Essas informações são adicionadas ao arquivo
da pessoa.

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Explicação de que tipo de conteúdo
informativo deve ter um relatório de
anamnese
Gestação Parto normal, prematuro, baixo peso.
Dados demográficos Nome, idade, sexo, naturalidade,
religião, local de residência.
Situação familiar Pais, irmãos, ordem na família, outros
parentes (avós, tios/tias,
responsáveis, tutores) etc.).
Relações/vínculos familiares Pais, juntos ou separados, órfãos de
um ou ambos os pais, etc.
Educação Aula, desempenhos,
preferências/dificuldades dos sujeitos.
Histórico médico Situação de saúde, operações,
medicamentos, problemas
enfrentados no passado.
Relações amigáveis Idade dos amigos, que tipo de grupos
são considerados amigos.
Comportamento Com família e amigos, na escola,
sozinho ou em grupo (agressivo,
passivo, etc.).
Uso de substância (drogas) No passado e no presente (e tipo de
substâncias utilizadas).
Atividades Hobbies, ocupações.
Motivos que levaram à instituição
ou consultório

O relatório pode incluir: informações do ambiente familiar e


amigável quando existente, diagnósticos médicos e relatórios
hospitalares, relatórios educacionais (da escola, professores,
fonoaudiólogos) e o perfil psicológico/psiquiátrico da pessoa.
Todas essas informações são agregadas e aprimoram o registro
de elementos durante a entrevista pessoal. Durante a
permanência do menor na instituição ou escola, um conjunto de
informações são coletadas diariamente pela equipe e completam

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os dados iniciais: mudanças, melhorias, problemas que ocorrem
durante a vida da criança no abrigo ou escola.

Explicar o quadro jurídico que protege as informações íntimas do informante.

O laudo de anamnese é um relatório escrito contendo detalhes


sobre a pessoa, descrevendo também sua personalidade por
meio de informações sobre a vida da pessoa. Por esta natureza, o
relatório rege-se por um quadro jurídico rigoroso. O Artigo 16, §1,
da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
afirma que “nenhuma criança será sujeita a interferências
arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu
domicílio ou na sua correspondência, nem a ataques ilegais
contra sua honra e sua reputação". “O respeito e a proteção da
dignidade humana são uma obrigação primária”.
A “protecção das pessoas singulares contra o tratamento de
dados pessoais”, em linha com a Directiva Europeia 95/46/CE
sobre a protecção de dados pessoais, representa uma válvula de
segurança que protege a informação que é registada e arquivada.
A lei acima isenta, através do disposto no artigo 5º, §δ', do
tratamento quando for necessária a realização de trabalho de
interesse público ou trabalho que caiba no exercício da autoridade
pública e seja executado por autoridade pública ou tenha sido
atribuído por à pessoa responsável pelo seu processamento.

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Realizar um relatório de anamnese respeitando as condições
especiais de uma potencial situação de crise (inicial e de longo
prazo).

Elaboração de relatório/entrevista
O recebimento do relato e a coleta de informações por meio de
entrevista pessoal exigem certas condições, principalmente para
as crianças e adolescentes que vivenciaram eventos
traumatizados e suas reações podem ser incertas:

● Contexto: O local em que a entrevista é realizada é confortável


para o entrevistado, íntimo e tranquilo. Garante o contato entre o
entrevistado e o entrevistador.
● Duração: O tempo é curto para não cansar o entrevistado. Uma
entrevista longa pode entediar ou cansar o entrevistado. A
entrevista costuma durar tanto quanto uma sessão terapêutica,
entre 45-60 minutos com intervalos de 10 minutos.
● Capacidades do trabalhador: A entrevista/gravação é um ato
que ocorre entre duas pessoas. É uma relação binária, mas
desigual considerando o papel de cada pessoa. O objetivo do
entrevistador é coletar informações, para assim receber, enquanto
o entrevistado dá. É portanto necessário garantir:

● confiança e segurança
● confidencialidade

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● aceitação: o entrevistado não deve sentir
que está sendo julgado. o autodeterminação: O
entrevistador não dá conselhos, não comenta.
● Empatia
● O entrevistador precisa prestar atenção ao
seu comportamento (gestos e expressões
faciais, linguagem corporal hostil, como braços
cruzados, interrogatório e contato visual
agressivo)

Forma de perguntar e tipo de perguntas


feitas
A entrevista é previamente estruturada em protocolo ou em forma
de perguntas abertas. As perguntas não são indutoras, mas
deixam espaço e tempo para que o menor possa respondê-las
como quiser e puder.
● Somente no caso em que a criança esteja confusa ou não
entenda a pergunta, podemos fazer uma pergunta
direcionada/indutora, para que a criança entenda melhor a
pergunta. Se o menor parecer assustado, é melhor interromper a
entrevista e fazê-la mais tarde.
● Caso o menor não fale a língua do entrevistador, é necessária a
utilização de um tradutor. Isso pode ser:

● Direto, com a presença física do intérprete.

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● Indireto, utilizando meios de
telecomunicações (telefone, skype etc).

O tradutor está ciente da natureza confidencial da entrevista, pelo


que o seu papel lhe é especificado e não deve intervir. Aconselha-
se a utilização dos serviços de um tradutor profissional.

Registro de informações
O registo da informação é frugal/simples. Caso o registro
contenha um número limitado de perguntas, o entrevistador
poderá complementá-lo. Caso não esteja estruturado, o
entrevistador anota suas perguntas e preenche as respostas. No
final das contas, é um registro direto dos acontecimentos, sem
qualquer opinião pessoal do entrevistador, sem aforismos ou
críticas.

Explique suas responsabilidades e campo


de ação
Quando se trata de outras instituições ou de membros do pessoal
especializado, a comunicação do registo depende novamente do
regulamento da instituição. Assim, algumas instituições
disponibilizam todo o prontuário do menor, se necessário, para
evitar entrevistas repetidas que podem ser traumáticas para o
menor. Outros não comunicam o registro a ninguém, mantendo-o
privado. Os trabalhadores externos não são apenas trabalhadores
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que trabalham no interesse do menor (médicos, professores, etc.),
mas também podem ser contribuintes que intervêm
voluntariamente pela instituição (voluntários, patrocinadores
financeiros, artistas que apoiam ações da instituição), organismos
científicos interessados em investigação (universidades, centros
de investigação), instituições estatais (ministérios), etc. A
comunicação de registos de menores e o seu arquivo é proibida
em todas as circunstâncias, como vimos. Caso seja prestada
alguma informação, é necessário ter o consentimento do menor e
informá-lo, caso a sua idade seja superior a 15 anos. Nos
restantes casos, cabe ao responsável da instituição decidir.
Para registrar o histórico do menor e fazer a entrevista é
fundamental que o colaborador entenda a situação do menor:

● Fique atento se existe ou não protocolo institucional sobre como


registrar o histórico de um menor. Caso não exista, ele prepara
todas as questões.
● Fazer perguntas de forma compreensível e adaptada à idade e
às necessidades, psicológicas e pedagógicas, do menor.
● Garantir um contexto específico para a entrevista, em local
designado (silencioso, sem interrupções de telefones e fatores
externos).
● Apresente-se e explique porque necessita desta informação.
● Mostrar respeito pelo menor, sem pressioná-lo, julgá-lo ou
aconselhá-lo.
● Interrompa a entrevista sempre que perceber que o menor não
presta mais atenção.

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O entrevistador que registra o histórico pode redigir a referência
do relatório. Ele deve usar palavras simples e compreensíveis. Ele
deveria evitar jargões e contar os acontecimentos tal como
aconteceram. Durante a permanência do menor no abrigo, são
coletadas informações ao longo de sua vida no abrigo. Pelos
cuidadores, pela equipa científica, pela equipa pedagógica, pelos
diferentes especialistas que têm contacto com o menor. As
mudanças, crescer mentalmente, fisicamente etc., também são
informações importantes. Os contactos com familiares ou amigos,
o grupo de pares. Comportamentos, etc.

Demonstrar o que é e para que serve um


relatório de diagnóstico
O diagnóstico é o resultado de uma análise comparativa feita por
um médico ou psicólogo entre o histórico do paciente e um exame
objetivo. É o reconhecimento de uma doença que o paciente sofre
por meio de achados nosológicos. Tais são as manifestações
nosológicas, achados clínicos e laboratoriais (por exemplo,
exames de sangue). As manifestações clínicas são divididas em
sintomas e sinais. Um sintoma é a manifestação nosológica que é
percebida pelo paciente subjetivamente (isto é, dor) ou
objetivamente (isto é, aparecimento de erupções cutâneas). Um
sinal ou sinal natural é a manifestação nosológica que o médico
encontra durante o exame físico do paciente (ou seja, o tamanho
do coração). O diagnóstico pode, portanto, ser diferente. Refere-

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se à distinção entre doenças que apresentam manifestações
clínicas comuns. Através da exclusão de algumas dessas
doenças, o especialista chega a um diagnóstico que explica todos
os sintomas e sinais sentidos pelo paciente.
O diagnóstico é necessário para a avaliação do prognóstico, a fim
de prever qual será o curso natural do transtorno conforme foi
registrado no estudo. Ao mesmo tempo, o diagnóstico contribui
para administrar o tratamento adequado para erradicar a doença.
O termo diagnóstico, portanto, também é utilizado nas ciências
sociais. Refere-se à avaliação da informação de que o cientista
social dispõe, a partir da qual pode fazer um prognóstico sobre a
evolução de uma situação, de forma a prevenir e levar à sua
dissolução, ou seja, à demonstração de violência.

Explique que tipo de informação indicativa


de crise ele pode encontrar em um relatório
de diagnóstico – diferentes disciplinas
Como ferramenta médica e psicológica/psiquiátrica, o diagnóstico,
tanto o comparativo quanto o final, segue sempre a história do
paciente/cliente. Assim, além da doença/transtorno que
razoavelmente se espera encontrar em um laudo diagnóstico, há
também no laudo diagnóstico a história registrada pelo
especialista, que pode diferir de um especialista para outro. A
razão dessa diferença é que para cada diagnóstico cada
especialista investigará todas as informações possíveis que
possam explicar os sintomas e sinais do paciente.

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Informações encontradas em relatórios de diagnóstico
Diagnóstico psiquiátrico Avaliação e avaliação do estado psicomental: Expressões
faciais, atitude, aparência, Cuidados corporais/alimentação,
Concentração, Atenção/focalização, Memória, Julgamento e
percepção, Emoção, Hospitalização em clínica psiquiátrica,
Ideação suicida/Tentativas de suicídio, Automutilação ,
comportamento autodestrutivo, Escarificações, Depressão,
Transtorno Borderline, Transtorno de ansiedade,
Agressividade/uso de violência, Outros transtornos de saúde
mental. Recomendações e terapia médica – medicação.

Diagnóstico psicológico/psicopedagógico Informações básicas: História médica e de desenvolvimento,


História familiar e social, Avaliações anteriores (se existirem).
Informações comportamentais: observação, escalas de
avaliação comportamental, entrevista.
Teste: teste padrão: avaliação padronizada direcionada ao
domínio da avaliação padronizada direcionada ao domínio de
• Funcionamento cognitivo-intelectual-
executivo,
• Atenção/concentração, memória,
• Processamento sensório-
motor/percepção,
• Fala/linguagem,
• Desempenho acadêmico,
• Personalidade emocional.
Usando
WEIS-III, CAS, Trial Making Test A e B, Stroop Color Word
Interface, MMIP-A, escalas de déficit de atenção marrom, Wisc,
CAT, teste projetivo da pessoa da árvore da casa, matrizes de
corvo, etc. BDI), etc...
Recomendações: Explicações e recomendações para as
evoluções e as áreas que podem ser alvo de intervenção ex.
Gerenciando os sintomas de depressão e ansiedade,
estabelecendo estrutura e limites com o professor, etc.

Diagnóstico médico História de família,


Histórico familiar médico
Doenças familiares,
Problemas psiquiátricos,
Hereditariedade
História pessoal
História de nascimento,
Estado de saúde anterior,
Desenvolvimento Psicomotor,
Vacinações,
Medicamentos,
Hobbies, animais de estimação, hábitos, exposição a
ambientes perigosos para a saúde
Exame objetivo
Exame geral e especial
Recomendações de diagnóstico.

Ciência médica subsidiária Fonoaudióloga, Fisioterapeuta, etc...

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Muito importante para esta secção é também o diagnóstico social.
Abordar o diagnóstico a partir desta perspectiva integrada
proporciona potencialmente um contexto mais amplo para os
profissionais compreenderem os factores extramédicos e
psicológicos, o que, por sua vez, tem consequências para os
cuidados aos pacientes e para os resultados de saúde,
consequentemente, para os menores em instituições/abrigos. O
diagnóstico social reconhece a interação entre as estruturas
sociais e as manifestações/sintomas da doença/transtorno.
A história/relato e os diagnósticos fornecem um perfil completo do
menor, porém, esse perfil se traduz no cotidiano como um
conjunto de comportamentos, e como um conjunto de sintomas,
decorrentes de possíveis doenças, mentais e físicas. A equipe da
instituição conhece as especificidades da adolescência, período
considerado especial pelas rápidas mudanças corporais e pelas
novas evoluções que os adolescentes enfrentam, tanto em suas
habilidades cognitivas quanto em sua sexualidade. É uma busca
ansiosa por uma resposta à pergunta “Quem sou eu”? ', ou em
outras palavras, uma busca por identidade.
O desenvolvimento patológico do adolescente na adolescência é
caracterizado por diversos comportamentos, que evidenciam um
fracasso na busca pela identidade.
Além dos comportamentos comuns da adolescência, patológicos
ou não, os funcionários da instituição também sabem que um
incidente violento (abuso, abuso sexual, perda violenta dos pais,

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etc.) pode causar um conjunto de sintomas resultantes do trauma
psicológico.
A experiência catastrófica tem forma e intensidade tão
importantes que não deixa espaço para falarmos de uma pessoa
vulnerável e de uma personalidade sensível. As mudanças são
permanentes e duram mais de dois anos. O comportamento
delinquente, os problemas sociais e a exclusão social são o
resultado de traumas psicológicos e atingem principalmente
populações que já enfrentaram problemas médicos e psicológicos
e questões sociais, económicas e jurídicas. A mudança de
personalidade é geralmente precedida pelo TEPT, uma reação
geralmente causada por um incidente violento e inesperado,
limitado no tempo e no curso.

A duração e a intensidade do trauma


desempenham um papel importante no
aparecimento dos sintomas.
Trauma Psicológico Único Repetição de trauma psicológico durante um longo período de
tempo (abuso sexual repetido, tortura, abuso diário, guerra e
detenção) – este é o trauma tipo ΙI de acordo com Terr.

Manifestação do TEPT Explosão de raiva e raiva como mecanismo de defesa e forma


de responder ao estresse causado pelo trauma; problemas
nutricionais (bolimia, anorexia); Tendências suicidas ; Passage
à l'acte; Comportamentos delinquentes (roubo, etc.); Uso de
álcool e outras drogas; Automutilação (cortes, feridas, etc.);
comportamento hipersexualizado com troca constante de
parceiros quando houve abuso sexual; diversas formas de
prostituição, sendo o charme adulto um elemento importante,
oferecendo também em troca/como recompensa o uso do
próprio corpo; dores físicas e problemas médicos (dores de
cabeça, dores de estômago, etc.). Por outro lado,
Comportamento de absoluta passividade, mantendo uma
relação de dependência com o agressor (forte vontade de estar
com ele e de lhe obedecer); Falta de autonomia e iniciativa.

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Característica desses traumas psicológicos é o fato de as
crianças evitarem falar sobre si mesmas, o que sentiram e sobre
o(s) ataque(s) que sofreram. Eles mantêm isso em segredo por
muito tempo, muitas vezes para sempre, aplicando a “lei do
silêncio”. Nestes casos, não nos deparamos mais com a evitação,
mas com a negação total do(s) evento(s) ocorrido(s),
acompanhada de inibição mental, flexibilização emocional,
afastamento e/ou redução de interesses, de participar de outras
atividades. O bullying constitui um fenómeno social importante; é
o uso de violência física e/ou psicológica contra um ou mais
menores por parte de um ou vários menores. Deve ser
diferenciada da luta comum, pois a vítima não consegue se
defender porque está em uma posição mais fraca, e geralmente
esconde esse fenômeno, pois o vivencia como algo
extremamente humilhante. Isto ocorre principalmente no ambiente
escolar, mas não é incomum observar isso em relação a um
recém-chegado a uma instituição de acolhimento.
A cooperação entre os dois grupos (científicos e cuidadores) é
assim essencial, através de reuniões. Os cuidadores informam a
equipa científica sobre as atividades que realizam e sobre os
problemas que surgem. A equipa científica avalia a informação e
prognostica, ou seja, tenta prever a eclosão de possíveis
situações de crise. A instituição abrigo ou escola e seus
regulamentos definem quando e com que frequência os grupos se
reúnem, geralmente semanalmente. Reuniões extraordinárias são
planejadas dependendo das necessidades.

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Todos os membros e parceiros possuem uma informação
expressa como comportamento, emoção, ato, escolha, etc…, e
todas essas informações contribuem para a criação do relatório
de anamnese. Ambos os relatórios dependem, portanto, de toda a
informação que parceiros e colaboradores recolhem e fornecem.
É importante manter que um relatório não deixe de ser gerado
durante toda a estadia do menor no albergue ou escola. Em vez
disso, pode evoluir, ser comparado com o passado e o presente,
e dá aos trabalhadores um ficheiro completo sobre o menor que
descreve os seus pontos fracos e permite aos empregados
desenvolver métodos e estratégias de resolução de problemas.

sintetizar e analisar todas as


informações de anamnese e
diagnóstico
A informação recolhida através da história/relatório e diagnóstico
é avaliada no seu conjunto pela equipa científica e é combinada
com a informação recolhida no contacto diário com o menor
dentro da instituição. Os cuidadores que estão em contato diário
com os menores cuidam de suas necessidades e observam seu
comportamento. Os educadores têm o dever de avaliar a história
e o diagnóstico dos menores, e fazer o prognóstico da trajetória
do menor. Os educadores/cuidadores têm o dever de cuidar do
cuidado diário dos menores, e de comunicar qualquer informação
ao pessoal científico, quer se trate de uma observação ou de uma
confissão/discussão com o menor. A adição dessas informações
23
ao conhecimento teórico pode ajudar a estimar se uma situação
de crise está prestes a ocorrer.

Reconhecer a informação (sintomas,


comportamentos) como relevante para uma
situação de crise futura, em equipe e
sozinho
Qualquer informação é importante, no entanto, algumas
informações e comportamentos são particularmente indicativos e
devem ser considerados críticos:

● O período de chegada à instituição: os primeiros dias são


difíceis
● O comportamento do menor:

● Não-verbal (introvertido, sem vontade de se


comunicar com o ambiente circundante).
● Agressivo (relutante em cooperar e em
oposição).
● Destrutivo (destruir objetos e outras coisas).
● Perigoso (automutilação, prejudicar outras
pessoas).
● suicida ou homicida (ideias suicidas,
tendências assassinas dirigidas contra outras
pessoas ou animais).
● Abuso da criança, físico e/ou sexual.

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● Ambiente familiar agressivo/violento.
● Baixo nível educacional dos pais.
● Mau desempenho escolar/baixo QI.
● Manter relações com um ambiente amigável perigoso.
● Prisões por infrações menores (ou seja, roubos) e/ou ataques,
comportamento agressivo.
● Tentativa(s) de suicídio.
● Doenças que requerem tratamento a longo prazo.
● Uso prévio de substâncias psicoativas ilícitas.
● Vítima de tráfico (tráfico e contrabando, escravatura moderna).
● Ambiente cultural especial, falando uma língua diferente da
habitual:

● Menores desacompanhados.
● Cigano.
● Menores provenientes de áreas rurais com
um forte dialeto local.

Utilizar as informações dos relatórios de anamnese e diagnóstico


como forma de desenvolver uma equipe e um plano único de
intervenção em caso de situação de crise para evitar/minimizar
situações de crise e distinguir o papel de cada membro.
Cada crise é resolvida de uma forma específica. Estando na
posse de todos os elementos relevantes, a equipa científica
desenvolve uma forma de enfrentar a crise e comunica-a aos
cuidadores. Os cuidadores têm a explicação para o
comportamento do menor e podem lidar com isso através de:

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● Discussões: o cuidador discute com a criança, tenta entender as
razões do seu comportamento e tenta acalmar o seu estresse. Ele
tenta ajudar o menor a entender qual é o problema e a aceitá-lo.
● Encorajamento: o cuidador incentiva o menor a tomar a
iniciativa de participar nas atividades diárias da instituição e a
expressar os seus sentimentos.
● Isolamento: quando o menor se torna perigoso para si e para os
outros (raiva, fúria, brigas, destruição de materiais, etc.).
● Recompensa - privação : o cuidador recompensa o menor com
privilégios quando este respeita as suas obrigações dentro da
instituição (uso do telefone, computador, passeios, etc.) ou os
nega quando o seu comportamento vai contra as suas obrigações
(proibido sair, usar uma computação, para participar de
atividades, etc.). o Lidar e resolver conflitos – mediar: O cuidador
tem a capacidade de ser mediador entre duas ou mais pessoas.
Através da sua intervenção, ele reduz as tensões conversando
com todas as partes envolvidas e tenta encontrar um ponto
comum nas suas diferenças.
● Estudar e aprender as características culturais específicas do
menor (país diferente, religião, língua, hábitos de vestuário,
hábitos alimentares, hábitos sociais antes da sua colocação na
instituição, ou seja, trabalho) a fim de explicar as diferenças tanto
ao menor como ao outros menores hospedados.
● Psicoterapia: com psicólogo da instituição ou parceiro externo,
quando necessário.

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● Terapia psiquiátrica: quando os sintomas não podem ser
tratados psicologicamente.
● Terapia médica: quando o menor apresenta sintomas físicos
graves. o Ajuda dos professores: quando o menor apresenta
dificuldades nas suas obrigações escolares.

Quando o menor fala uma língua diferente da do cuidador, é


necessário um tradutor.

27
Capítulo 2
Guia passo a passo para
exames de saúde para
pessoas com
dificuldade de
aprendizagem

P
essoas com dificuldades de aprendizagem (LD, do inglês
learning disabilities) têm pior saúde física e mental do
que outras pessoas e morrem mais jovens. Muitas destas
mortes são evitáveis e não inevitáveis. Os exames ajudam a
detectar e gerir precocemente as condições de saúde, a avaliar se
os tratamentos actuais são apropriados e a ajudar a construir a
continuidade dos cuidados. Eles resultam no aumento de
investigações, avaliações de saúde gerais e específicas,
identificação de comorbidades comuns, revisões de
medicamentos e encaminhamentos para cuidados secundários.
Este guia foi produzido para ajudar os pedagogos,
psicopedagogos, psicólogos, enfermeiros e a equipe da
administração a organizar e realizar exames de saúde de
qualidade em pessoas com dificuldades de aprendizagem. O
objetivo é identificar quem pode precisar de mais apoio de saúde
e quem pode ter problemas de saúde que passam despercebidos.

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O termo ‘deficiência intelectual (DI)’ é usado na literatura
acadêmica e em alguns países. No entanto, os utilizadores dos
serviços e os seus cuidadores preferem geralmente o termo
“dificuldades de aprendizagem (LD, do inglês “Learning
Disabilities”).

Condições de saúde mais


prevalentes em pessoas com LD
A maioria das interações de cuidados de saúde na clínica geral
com pessoas com dificuldades de aprendizagem (LD) ocorre
geralmente quando a pessoa está doente. Um exame de saúde
anual é uma oportunidade para uma revisão holística da saúde,
estilo de vida, medicação e riscos inter-relacionados para a saúde
e o bem-estar de uma pessoa. É também uma oportunidade de
conhecê-los quando é mais provável que estejam bem, de
compreender mais sobre as suas vidas e de ganhar confiança
mútua para ajudar a desenvolver uma relação a longo prazo.
Numa análise transversal de uma base de dados de cuidados
primários, incluindo 408 clínicas gerais inglesas em 2012, o
número médio anual de consultas de cuidados primários foi de
6,29 para pacientes com LD, em comparação com 3,89 para
controlos. Pacientes com LD tiveram menor continuidade de
cuidados com o mesmo médico (OR 0,77, IC 95% = 0,73 a 0,82)
e tiveram menor probabilidade de ter consultas médicas mais
longas (OR 0,73, IC 95% = 0,69 a 0,77).3 Continuidade de
cuidados e tempos de consulta mais longos são melhorias
29
potenciais importantes para o cuidado de pessoas com LD na
atenção primária.
A multimorbidade aumenta com a idade em pessoas com LD, mas
é altamente prevalente em todas as idades, sendo semelhante
nas idades de 20-25 a 50-54 anos na população em geral. Num
estudo que analisou dados de cuidados de saúde primários de
1.424.378 adultos registados em 314 clínicas escocesas
representativas, os adultos com LD tinham 14 de 32 condições
físicas significativamente mais prevalentes em relação aos
controles.
As maiores diferenças, após padronização por idade, sexo e
privação, foram para:

• Epilepsia (29,23–32,92%).
• Constipação (10,97–12,68%).
• Deficiência visual (6,86–8,89%).

As seguintes condições são significativamente prevalentes em


adultos com LD:

• Perda de audição.
• Eczema.
• Dispepsia.
• Distúrbios da tireoide, especialmente hipotireoidismo.
Obesidade.
• Distúrbios de saúde mental, especialmente depressão e
ansiedade.

30
• Doença de Parkinson ou Parkinsonismo.

Algumas condições, como doença coronariana e doença


pulmonar obstrutiva crônica, parecem ser menos prevalentes em
pessoas com dificuldades de aprendizagem.

Realizando uma verificação anual


de saúde
Esta é uma revisão sistemática da saúde da pessoa com
dificuldades de aprendizagem. Reserve uma hora para o exame
de saúde, pois você precisará acompanhar o ritmo da pessoa. É
importante reconhecer que enfermeiros e médicos têm
competências diferentes na avaliação de pacientes com
dificuldades de aprendizagem. Embora qualquer profissão possa
realizar o exame completo, recomendamos que o enfermeiro faça
a verificação do peso, altura, análise de urina e preencha a lista
de verificação até ao exame físico e depois encaminhe a pessoa
para o médico de família. O médico de família então analisa os
sintomas, realiza o exame físico, analisa a medicação e preenche
um plano de ação de saúde por escrito. A combinação de fornecer
uma avaliação multidisciplinar dos cuidados de saúde maximizará
a qualidade e os resultados de saúde para a pessoa com LD.
Alguns pacientes com dificuldades de aprendizagem podem achar
que lidar com dois profissionais diferentes cria mais ansiedade,
portanto, recomenda-se uma abordagem flexível, dependendo
das necessidades do paciente. O exame de saúde é idealmente
31
dividido em duas consultas de meia hora, que são organizadas
sequencialmente com a enfermeira do consultório e depois com o
médico de família habitual do paciente. Enfermeiros e médico de
família habitual acharão útil a seguinte frase: “Dignidade nos
cuidados de saúde para pessoas com dificuldades de
aprendizagem”.
Antes de iniciar a verificação de saúde, verifique seus registros
para:

• Resumo do histórico médico passado.


• As questões abordadas no último plano de ação para a saúde.
• Medicação atual.
• Últimas consultas.
• Quaisquer investigações recentes.

Considere reduzir quaisquer distrações, como silenciar seus


telefones.

Comece por recolher a pessoa e o seu acompanhante na sala de


espera em vez de utilizar o intercomunicador para poder
cumprimentá-los e observar a sua mobilidade ao entrar na sala de
consulta.

Depois de dar as boas-vindas à pessoa e ao seu apoiante,


explique o que vai fazer e verifique quais os problemas que
poderão querer abordar no exame de saúde. Pergunte:

32
‘Há alguma coisa com que você esteja preocupado ou
preocupada?’.

Ao final de sua avaliação, você deve tentar abordar essas


preocupações.

Use um modelo eletrônico de sistema de TI clínico ou o algum


modelo de papel de exame de saúde. Qualquer informação
recolhida num modelo de papel necessita de ser inserida
posteriormente no modelo eletrónico para garantir que os registos
estão completos.

O exame de saúde é uma revisão sistemática dos sintomas,


condições de saúde e medicação da pessoa antes de realizar um
exame físico da cabeça aos pés.

Após o exame de saúde, escreva uma breve ação de saúde com


um plano de acompanhamento claro e forneça uma cópia à
pessoa com dificuldade de aprendizagem.

Breves dicas de comunicação


• Fale clara e lentamente.
• Use frases curtas e linguagem simples.
• Faça o exame de saúde num local onde haja poucas distrações.
Por exemplo, silencie ou coloque ‘não perturbe’ em seus
telefones.
33
• Dê tempo à pessoa para processar a sua pergunta e responder.
• Se a pessoa parecer não compreender a pergunta, pergunte-a
novamente de uma forma diferente ou use palavras diferentes.
• Comece com perguntas abertas – para evitar aquelas que
podem ser respondidas com um simples sim ou não.
• Tente não colocar palavras na boca das pessoas.
• Considere usar imagens ou desenhos simples para ajudar a
pessoa a explicar os seus sintomas.
• Perguntas que envolvam tempo ou quantidade podem ser
desafiadoras. Tente relacionar isso com algo que acontece na
vida de uma pessoa, como uma atividade semanal.
• Não se concentre apenas na linguagem falada, observe também
a linguagem corporal.

Avaliação de capacidade para


avaliar informações
Incentive a criação de um Registro Resumido de Cuidados com
Informações Adicionais para todos os pacientes com seu
consentimento. Isto pode ser uma decisão de “melhor interesse”.
Só retenha se o paciente recusar. Para pacientes com menos de
18 anos, obtenha o consentimento dos pais.

Níveis de dificuldade de
aprendizagem
34
Lembre-se de perguntar à pessoa com deficiência de
aprendizagem, ao seu cuidador ou ao pessoal remunerado que a
acompanha, se tem alguma preocupação ou problema específico
que pretenda abordar durante a realização do exame de saúde. É
particularmente importante lembrar-se de registar e depois
abordar todas estas preocupações no final do exame de saúde,
ao preparar o plano de acção de saúde. Antes de abordar estas
preocupações, será necessário reunir todas as informações
relevantes, antes de “atravessar a ponte” e discutir a gestão. O
caminho de navegação de Damien Kenny para a consulta
[damiankenny.co.uk/navigationtool.pdf] enfatiza a importância de
reunir todas as informações relevantes primeiro, antes de
“atravessar a ponte” e discutir a gestão.

Gravidade da incapacidade
[ ]Dificuldade de aprendizagem leve
[ ] Dificuldade de aprendizagem moderada
[ ] Dificuldade de aprendizagem grave
[ ]Dificuldade de aprendizagem profunda

Gravidade da dificuldade de aprendizagem


Todos os níveis de dificuldades de aprendizagem são pontos num
espectro e não existem linhas divisórias claras entre eles, ou entre
pessoas com dificuldades de aprendizagem ligeiras e a população
em geral. O quociente de inteligência [QI] ou avaliação da idade
35
mental foi, no passado, usado como um guia para avaliar o grau
de dificuldade de aprendizagem que uma pessoa pode ter, mas
pode ser enganoso e pouco nos dizer sobre as necessidades de
apoio de um indivíduo . Pessoas com o mesmo QI ou idade
mental podem ter necessidades de apoio muito diferentes, por ex.
o facto de um homem de 30 anos ter uma idade mental de 5 anos
não indica que ele tenha as mesmas necessidades de apoio que
uma criança de 5 anos. A quantidade de apoio de que uma
pessoa necessita dependerá não apenas das suas capacidades
cognitivas, mas também das suas capacidades, pontos fortes e
capacidades de enfrentamento. Este funcionamento adaptativo
relaciona-se com as competências exigidas por uma pessoa para
gerir as tarefas quotidianas, tais como comunicação, autocuidado,
vida doméstica, envolvimento comunitário, autodireção e defesa
de direitos, saúde e segurança, lazer e trabalho.

Dificuldades de aprendizagem leves

Pessoas com dificuldades de aprendizagem leves teriam um QI


aproximado na faixa de 50 a 69 anos ou uma idade mental de 9 a
12 anos. Alguns podem não ter sido diagnosticados com
dificuldades de aprendizagem porque funcionam e se adaptam
bem socialmente. As características podem incluir:

• Capaz de se comunicar usando a linguagem falada e possui


habilidades razoáveis.

36
• Pode ser capaz de usar um telefone celular e enviar mensagens
de texto.
• Provavelmente teve algumas dificuldades de aprendizagem na
escola.
• Podem ser capazes de gerir eficazmente as suas próprias
necessidades de cuidados pessoais com um apoio mínimo.
• Pode ter dificuldades mais significativas em expressar ideias e
sentimentos em palavras.
• Capacidade limitada para abstrair e generalizar o que aprendem.
• Capacidade de atenção limitada, fala e desenvolvimento da
linguagem lentos.
• Dificuldades de leitura, escrita e compreensão. Isso, por sua
vez, pode afetar sua auto-estima e confiança.

Dificuldades de aprendizagem moderadas

Pessoas com dificuldades de aprendizagem moderadas teriam


um QI aproximado na faixa de 35 a 49 anos ou uma idade mental
de 6 a 9 anos. É provável que tenham tido atrasos acentuados no
desenvolvimento identificados na infância, possivelmente
acompanhados de deficiências, tais como deficiência física,
auditiva ou visual, condição do espectro autista (TEA),
perturbação emocional ou deficiência nas capacidades de
comunicação. As características podem incluir:

• Necessitam de vários graus de apoio regular para viver e


trabalhar na comunidade.

37
• Podem ter competências de comunicação adequadas, mas é
pouco provável que sejam capazes de usar um telemóvel.
• Podem aprender a desenvolver algum grau de independência no
autocuidado, embora provavelmente necessitem de supervisão e
estímulo regulares.
• Provavelmente necessitará de assistência mais substancial com
comunicação, gestão de riscos, lidar com questões sociais e/ou
emocionais e possivelmente mais ajuda física com mobilidade,
continência e alimentação.
• Provavelmente necessitará de apoio em alfabetização e
numeramento, incluindo gestão de dinheiro.

Embora seja pouco provável que as pessoas com dificuldades de


aprendizagem moderadas sejam capazes de gerir uma vida
independente e necessitem de supervisão considerável ou de
arranjos de vida apoiados, podem ter alcançado um certo grau de
independência ao sair sozinhas para locais familiares usando uma
rota definida. Contudo, podem ser incapazes de lidar com
qualquer desvio desta rotina e, quando o seu ambiente
estruturado é alterado, podem necessitar de muito mais apoio.

Dificuldades de aprendizagem graves

Pessoas com dificuldades graves de aprendizagem teriam um QI


aproximado na faixa de 20 a 34 anos ou uma idade mental de 3 a
6 anos. É provável que tenham tido atrasos significativos em
atingir os seus marcos de desenvolvimento quando crianças e

38
dificuldades significativas de fala e/ou comunicação. Eles também
podem ter deficiências concomitantes, como deficiência física,
auditiva ou visual, condição do espectro autista (TEA), distúrbios
emocionais ou epilepsia. As pessoas com dificuldades de
aprendizagem graves têm provavelmente uma consciência e uma
compreensão limitadas de si mesmas, das pessoas que as
rodeiam e do mundo em que vivem.

• É provável que necessitem de apoio contínuo significativo na


sua vida quotidiana.
• Dependerá de outros para satisfazer necessidades básicas
como alimentação e ir ao banheiro, mobilidade e comunicação.
• É pouco provável que tenha aprendido competências de
autocuidado nestas áreas.

A maioria das pessoas com dificuldades de aprendizagem graves


necessita de um elevado grau de apoio na gestão dos riscos e,
possivelmente, dos seus comportamentos, e necessita de
supervisão contínua dentro e fora de casa.

Dificuldades de aprendizagem profundas

Pessoas com dificuldades profundas de aprendizagem teriam um


QI aproximado inferior a 20 anos ou uma idade mental inferior a 3
anos. É provável que tenham outras deficiências sensoriais ou
físicas, necessidades de saúde complexas, grandes dificuldades

39
de comunicação e múltiplas deficiências. As características
podem incluir:

• Comportamentos que desafiam aqueles que os apoiam.


• Confiar em expressões faciais, sons vocais, linguagem corporal
e comportamento para se comunicar.
• Utilizar uma pequena variedade de comunicação formal, como
fala, símbolos ou sinais.
• Confiar nos outros para interpretar as suas reações aos
acontecimentos e às pessoas, e se estão a sentir dor.
• Dificuldades em compreender a comunicação verbal dos outros.

Algumas pessoas com dificuldades de aprendizagem profundas e


múltiplas são totalmente móveis, mas muitas usam cadeiras de
rodas, têm dificuldade de movimento e são incapazes de controlar
ou variar a sua postura de forma eficiente. Necessitam de
equipamento especializado para auxiliar a sua mobilidade, apoiar
a sua postura e proteger e restaurar a forma do corpo, o tónus
muscular e a qualidade de vida. Um número crescente de
pessoas é descrito como “dependente de tecnologia”, o que pode
significar que necessitam de oxigénio, alimentação por sonda ou
equipamento de sucção. As pessoas com dificuldades de
aprendizagem profundas serão capazes de aprender
competências que geralmente aparecem numa fase muito inicial
do desenvolvimento, tais como causa e efeito ou alternância de
turnos, mas é provável que a aprendizagem ocorra muito
lentamente e apenas com repetição constante. Todas as crianças

40
e adultos com dificuldades de aprendizagem profundas e
múltiplas necessitarão de elevados níveis de apoio contínuo e
qualificado durante toda a vida. Isto inclui ajuda em todos os
aspectos dos cuidados pessoais, como lavar-se, vestir-se e
comer, bem como garantir que cada pessoa tenha acesso a
atividades significativas e de alta qualidade ao longo da vida.

Deve ser adoptado um limiar baixo para excluir a morbilidade


física concomitante e/ou encaminhamento para serviços de saúde
mental.
Se a pessoa apresenta comportamentos desafiadores é
importante verificar:

1. Que avaliação foi realizada para identificar possíveis


desencadeadores, fatores ambientais, qualquer dor identificada e
função do comportamento?
2. Existe um plano de comportamento e quem o coordena?
3. Com que frequência são utilizadas intervenções restritivas e
como são registadas?
4. Eles estão tendo apoio comportamental positivo?
5. Estão a ser utilizados medicamentos antipsicóticos para
controlar o comportamento? Este medicamento é regular ou prn
ou ambos?
6. Eles estão realizando uma revisão multidisciplinar da
medicação antipsicótica 12 semanas após o início do tratamento
e, a partir daí, pelo menos a cada 6 meses?

41
Outras dicas de comunicação e
necessidades adicionais de suporte
1. Fale primeiro com a pessoa com dificuldades de
aprendizagem e só depois verifique com o cuidador se algo
não estiver claro.

Seja sensível aos sentimentos da pessoa e seja encorajador.


Tente falar com a pessoa com dificuldades de aprendizagem e
não com o seu cuidador ou apoiante. Às vezes, o apoiador
assume e responde às perguntas da pessoa com LD. Isso não
deveria acontecer; a pessoa com LD deve poder responder por si
mesma, a menos que peça ajuda ao seu apoiante. Não há
problema em a pessoa com LD pedir ajuda.

2. Experimente fazer perguntas abertas ou alterar a rodada de


perguntas para verificar se ainda obtém a mesma resposta.

Pessoas com LD podem não compreender o processo da


consulta e, portanto, não têm ideia do que esperar ou saber como
participar. Se a pessoa não conseguir falar, pergunte ao
funcionário de apoio como a pessoa comunica e utiliza o seu
método ou equipamento.

3. Explique o processo da consulta antes de começar.

• ‘Preciso ouvir o que você diz sobre por que veio me ver.’
42
• ‘Talvez eu precise olhar para a parte de você que dói.’
• ‘Vou pensar no que há com você.’
• ‘Eu lhe direi o que faremos a seguir.’

Pessoas com dificuldades de aprendizagem podem, devido a


experiências anteriores, ficar assustadas com alguns dos
equipamentos utilizados nos exames médicos. Antes de fazer
qualquer coisa à pessoa com dificuldades de aprendizagem,
mostre-lhe o que você vai fazer. Diga a eles por que você vai
fazer isso e por que está usando o instrumento que vai usar neles.
Diga a eles se você acha que pode doer. Depois pergunte à
pessoa com dificuldades de aprendizagem se ela entende o que
você vai fazer. Desta forma, você pode obter consentimento à
medida que avança, com o paciente continuando a cooperar com
a verificação.

4. Utilize uma linguagem que o cliente compreenda a um nível


simples ou utilize um meio de comunicação, ou seja, imagens
ou símbolos.

Muitas pessoas com dificuldades de aprendizagem vão querer


parecer que entenderam o que você lhes disse e podem muito
bem repetir o que você disse. Isso não significa necessariamente
que eles entenderam! Pessoas com dificuldades de aprendizagem
podem compreender palavras comuns de maneiras inesperadas:
por ex. para muitas pessoas, se você perguntar sobre seu corpo,
elas pensam em seu torso. Caso tenha dificuldade, deixe o

43
apoiador responder, mas sempre direcione a pergunta para a
pessoa com LD. A pessoa deve estar sempre presente se você
fizer perguntas sobre ela.

5. Às vezes também pode ser útil obter informações dos


apoiadores.

Às vezes é bom obter informações tanto do apoiador quanto da


pessoa com LD. Você pode então ver se obtém as mesmas
informações. Frequentemente, há diferenças nas informações que
você obtém. É bom ouvir os dois pontos de vista.

6. Verifique sempre se o cliente entendeu, pedindo que ele


explique com suas próprias palavras.

É muito pouco provável que as pessoas com dificuldades de


aprendizagem compreendam jargões ou terminologia médica, por
ex. ‘Seus intestinos funcionaram hoje?’. Algumas pessoas
responderão a perguntas fechadas dizendo “sim” porque querem
agradar. Mantenha as explicações simples. Não os relacione com
metáforas ou outras ideias (como canalização!), pois a pessoa
pode interpretar isto literalmente ou não compreender.

7. Quando estiver falando sobre tempo passado, use eventos


que a pessoa possa entender.

44
Algumas pessoas com dificuldades de aprendizagem têm pouca
ou nenhuma compreensão do tempo. Isso pode desafiá-lo a
explicar as coisas de maneiras diferentes, por ex. explicar com
que frequência tomar medicamentos pode precisar de mais do
que “duas vezes por dia”. Por exemplo, é melhor dizer ‘tomar este
medicamento ao café da manhã e ao jantar’.

8. Não presuma que a pessoa compreenderá a ligação entre a


doença e algo que ela fez ou algo que lhe aconteceu.

As pessoas com LD podem não estabelecer ligações entre algo


que aconteceu e a sua doença ou o seu corpo e sentirem-se mal.
Se a pessoa não tem comunicação verbal tente observar a forma
como a pessoa se comunica consigo mesma, como
comportamentos ou sons repetitivos. Considere imitar a
comunicação deles e usar a linguagem corporal para responder e
mostrar sua disposição de se comunicar.

Mobilidade
Se o paciente estiver imóvel, considere as necessidades de
cuidados posturais.
Muitas pessoas com dificuldades de aprendizagem terão
necessidades físicas associadas que podem restringir a sua
mobilidade e afetar a forma e a postura do seu corpo. Isto afecta
particularmente aqueles com dificuldades de aprendizagem
profundas e múltiplas e aqueles com paralisia cerebral. O cuidado
45
postural é definido como suporte para proteger a forma corporal
de alguém, usando equipamentos e técnicas de posicionamento
corretos, ao mesmo tempo que visa ajudar a restaurar a forma
corporal. O equipamento é frequentemente referido como
sistemas de dormir e sentar.
Porém os equipamentos são apenas parte dos cuidados posturais
e também precisam ter acesso à fisioterapia, terapia ocupacional
e hidroterapia. Ao mesmo tempo, os seus cuidadores precisam de
receber formação que lhes permita gerir as suas necessidades
físicas com confiança no dia-a-dia.
Ao perguntar sobre cuidados posturais, verifique:

1. O equipamento em funcionamento ajuda a sua mobilidade,


apoia a sua postura e protege e restaura a forma corporal, o tónus
muscular e a qualidade de vida?
2. Há algum problema com o equipamento?
3. O equipamento está em manutenção ou precisa ser
substituído?
4. Qual o acesso que a pessoa tem à fisioterapia, terapia
ocupacional e hidroterapia?
5. Os cuidadores estão sendo treinados no uso do equipamento?

Estima-se que existam aproximadamente 16.000 adultos com


dificuldade de aprendizagem profunda e deficiências múltiplas na
Inglaterra e que este número aumente em média 1,8% a cada ano
até 2026.

46
Você precisará estar em conformidade com os Padrões de
Informações Acessíveis. A norma visa garantir que as pessoas
com deficiência ou perda sensorial recebam informações que
possam ler ou compreender facilmente e com apoio para que
possam comunicar eficazmente com os serviços de saúde e
assistência social.

47
Capítulo 3
Procedimentos para
diagnosticar uma
deficiência e avaliar
necessidades educacionais
especiais

D
e acordo com o Dr. Martin Desforges e o Professor
Geoff Lindsay do Centro de Desenvolvimento
Educacional, Avaliação e Pesquisa, Universidade de
Warwick (Reino Unido), não existe um sistema de classificação
universalmente aceito que seja utilizado no domínio da educação
especial em diferentes países. Classificar as crianças em
categorias específicas de deficiência e necessidades educativas
especiais é difícil e surgem muitas questões relevantes. Por
exemplo, que definições de categoria de deficiência ou
necessidade educativa especial são utilizadas? Como isso se
relaciona com as dificuldades de aprendizagem que as crianças
enfrentam na escola? Como se relacionam com intervenções
específicas concebidas para ajudar estas crianças a aprender?

48
Tanto as abordagens nacionais como internacionais de
classificação, como a CID-11 (Organização Mundial de Saúde2) e
o DSM V (Associação Americana de Psiquiatria3), assumem que
tais grupos distintos existem, que podem ser descritos de forma
coerente e que avaliações fiáveis e válidas podem ser feitas para
colocar um indivíduo dentro de uma categoria diagnóstica
específica. No entanto, a nossa análise da prática actual em
vários países indica uma variedade de abordagens diferentes
baseadas em diferentes pressupostos e teorias sobre diferenças
individuais e deficiência. Argumentamos que existem três modelos
principais que orientam as avaliações e intervenções em
educação especial. É importante notar que estes não são três
modelos de diagnóstico. Estas reflectem diferentes
conceptualizações da causalidade e das intervenções necessárias
para crianças e jovens com Necessidades Educativas Especiais
(SEN, do inglês Special Educational Needs). Estes são os
modelos médico, social e interacionista/ecológico. Cada modelo
baseia-se em diferentes pressupostos sobre a importância relativa
do papel das características humanas individuais e a forma como
o desenvolvimento humano é afectado por factores ambientais.
O modelo médico vê a diferença individual em termos de défice,
incapacidade ou doença, e tenta ver as deficiências de formas
que tenham ligações directas com tratamentos ou intervenções.
Tal como na medicina, o diagnóstico é necessário para garantir

2https://www.paho.org/pt/noticias/11-2-2022-versao-final-da-nova-classificacao-

internacional-doencas-da-oms-cid-11-e
3https://www.institutopebioetica.com.br/documentos/manual-diagnostico-e-

estatistico-de-transtornos-mentais-dsm-5.pdf
49
um tratamento eficaz. Neste modelo, a função da avaliação é
encontrar o diagnóstico correto que levará a uma intervenção
específica para remediar a condição, e são feitas algumas
suposições fundamentais:

• Que as categorias utilizadas são válidas.


• Que é possível fazer julgamentos confiáveis sobre qual
categoria deve ser aplicada a uma criança.
• Que intervenções específicas são diferentemente eficazes com
diferentes categorias de alunos.

Cada uma dessas suposições foi desafiada (Florian et al, 2006).


Se as SEN forem vistas como parte do amplo espectro de
diferenças individuais no desenvolvimento, o ponto em que uma
diferença é delineada como SEN é problemático. Esta forma de
olhar para as diferenças individuais desafia o conceito de
categorias distintas. O Centro Nacional de Educação Científica
(NCSE, National Center for Science Education4, Canadá)
reconhece que as estimativas de incidência são confundidas por
diferentes definições dos serviços de educação e saúde. É
interessante que se estima uma taxa de deficiência de 14-18 por
cento da população escolar, o que é muito elevado para a
“deficiência”, como é frequentemente conceptualizado. Além
disso, se estas diferenças individuais no desenvolvimento são o
resultado de interações complexas entre fatores internos da
criança e fatores sociais e ambientais externos, é improvável que

4 https://ncse.ngo/
50
dificuldades semelhantes identificadas tenham exatamente as
mesmas causas em crianças diferentes, ou que as mesmas
intervenções educativas sejam bem sucedidas. em cada caso.
Além disso, cada criança pode ter mais de uma deficiência (dentro
da criança), por exemplo, tanto uma deficiência auditiva como
uma deficiência intelectual.
Norwich (2007) analisa a utilização de categorias de deficiência
nas SEM e distingue a utilização de categorias de deficiência para
fins administrativos, tais como atribuição de recursos escassos, e
aquelas utilizadas para fins de ensino/intervenção. Ele conclui que
as revisões e análises de pesquisas mostram consistentemente a
utilidade limitada das categorias de deficiência em muitas áreas.
De acordo com Norwich (2007, 2008), mesmo quando têm algum
significado educativo, a sua natureza geral significa que informam,
em vez de determinarem o planeamento e a oferta educativa
específica.
O modelo social vê a deficiência como uma construção social e
defende que a deficiência e as SEN devem ser compreendidas no
contexto em que ocorrem. Ao explorar as formas como as escolas
e as salas de aula criam dificuldades de aprendizagem e como
estigmatizam os alunos assim rotulados, este modelo defende
abordagens que incluam toda a escola para prevenir e enfrentar
as dificuldades de aprendizagem (Booth e Ainscow, 2002). Ao
concentrarem-se na mudança das condições de ensino e
aprendizagem nas escolas para melhor satisfazer as
necessidades educativas de todas as crianças, os expoentes

51
desta abordagem desafiam a necessidade de sistemas de
classificação ou categorização de SEN e deficiência.

Modelo interacionista/ecológico
O modelo interacionista/ecológico leva em conta as diversas
forças que afetam a criança em desenvolvimento, formando um
conjunto complexo de fatores de estresse e de apoio que
interagem em momentos específicos durante a vida de uma
criança para ajudar a proteger um indivíduo das dificuldades ou,
inversamente, para fazer com que tornando-os especialmente
vulneráveis. Os factores podem ser agrupados em três títulos;
aqueles intrínsecos à criança (por exemplo, danos genéticos,
neurológicos), factores de stress e de apoio no ambiente
doméstico e escolar da criança e, finalmente, factores
socioeconómicos mais amplos, como habitação ou atitudes
sociais em relação à deficiência – (Lindsay e Desforges, 1998).
No centro estão os fatores individuais relativos às capacidades da
criança, que normalmente são o foco das avaliações individuais e
do diagnóstico de deficiência. Este modelo também tem em conta
os factores domésticos e escolares, tanto positivos como
negativos, que afectam a criança e afectam as suas
necessidades. Conceitualmente, este modelo está relacionado
com o modelo ecossistêmico de Bronfenbrenner (1979), que
propõe o ambiente de aprendizagem imediato no centro, aninhado
na sala de aula; isso, por sua vez, está aninhado na escola e, em

52
seguida, na comunidade em geral. Finalmente, existe o contexto
jurídico e de valores global da sociedade em questão.

Modelo representando interação


compensatória
Os recursos de uma criança e, consequentemente, as suas
necessidades podem ser conceituados por um modelo
tridimensional que representa a interação compensatória (Wedell
e Lindsay, 1980). Os recursos pessoais de uma criança refletirão
as suas capacidades e também quaisquer dificuldades ou
deficiências de desenvolvimento, como uma deficiência auditiva.
Em qualquer momento específico, estes recursos dentro da
criança estarão em níveis variados de equilíbrio; eles também
interagem com os recursos ambientais disponíveis. Por exemplo,
quando uma criança tem uma deficiência grave e recursos
externos muito escassos, é muito provável que o progresso seja
fraco. No entanto, é provável que a mesma criança num ambiente
altamente favorável progrida muito melhor. Na prática, as três
dimensões representam contínuos e não dicotomias.
Este modelo tem também em conta uma terceira dimensão,
nomeadamente o tempo/desenvolvimento. Reflete a natureza das
trajetórias diferenciais para as crianças, incluindo não apenas os
fatores intra-infantis e ambientais, bem como a interação destes e
as possíveis mudanças nos fatores intra-infantis e ambientais, e
sua interação, ao longo do tempo (ver Lindsay e Desforges ,
1998).
53
Embora haja uma utilização contínua de categorias de SEN, há
também um reconhecimento de que outros factores, bem como as
características da criança, estão envolvidos tanto na deficiência
como nas SEN. No entanto, existem diferenças significativas entre
os países na ênfase que atribuem a cada um destes três modelos
na avaliação das SEN. Por exemplo, nos EUA, os Regulamentos
da Lei de Melhoria da Educação para Indivíduos com Deficiência
(IDEA: 2008) exigem que as crianças sejam avaliadas e
identificadas como tendo uma das 13 categorias de deficiência
que causam dificuldades educativas antes de poderem receber
serviços educativos especiais. Apenas as crianças com
deficiência identificada são consideradas como tendo
necessidades educativas especiais. Em contraste, o sistema
inglês define crianças com necessidades educativas especiais
como aquelas que “precisam de mais serviços do que os
prestados a outras crianças da mesma idade (Lei da Educação,
1996), e não há exigência de colocar uma criança numa categoria
específica de deficiência para que sejam avaliadas como tendo
necessidades educativas especiais. As orientações sobre a
avaliação fornecidas pelo Código de Prática (Department for
Education and Skills, 2001) enfatizam os factores ecológicos, que
podem causar dificuldades ou apoiar a criança na superação
desses desafios. Em contraste, o sistema sul-africano dá muito
mais ênfase aos factores sociais e à construção social da
estratificação numa sociedade com uma história recente de
apartheid e racismo (ver Lomofsky e Green, 2004).

54
Sistemas de Classificação
Internacional
Várias tentativas foram feitas para fornecer sistemas de
classificação internacionais. Os dois principais sistemas
internacionais de uso comum são a Classificação Internacional de
Doenças da Organização Mundial da Saúde (CID-11 da OMS,
OMS) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) utilizou um sistema
tripartido de classificação: deficiência, incapacidade e deficiência.
Este sistema foi criticado por assumir uma progressão linear da
deficiência para a deficiência e para a deficiência, e por não
implicar outros factores para além dos factores intrapessoais
nestas categorias. O sistema foi desenvolvido principalmente para
permitir a recolha e compilação de dados de morbilidade e
mortalidade dos países membros, e não para fins clínicos de
diagnóstico e intervenção. O objectivo era analisar a saúde geral
das populações, monitorizar a incidência e prevalência de
doenças e outros problemas de saúde de uma forma que
permitisse a comparação entre países. Além disso, o esquema foi
dirigido principalmente a adultos e não é amplamente utilizado
para informar avaliações ou políticas de educação especial em
qualquer país. Este sistema foi utilizado para diagnóstico clínico,
estudos epidemiológicos, manutenção de registros e compilação
de tabelas comparativas internacionais. Mais recentemente, esta

55
variedade de utilizações foi reconhecida e o sistema está
disponível em diferentes formas para diferentes fins.
A CID-11 trata da classificação dos transtornos mentais e
comportamentais e, assim como o sistema da OMS, está
disponível em diferentes formatos para diferentes finalidades. As
“Descrições Clínicas e Diretrizes de Diagnóstico” destinam-se ao
uso clínico geral, educacional e de serviços. Os “Critérios de
Diagnóstico para Investigação” foram produzidos para fins de
investigação, e uma versão mais curta e simples está em
preparação para profissionais de cuidados de saúde primários. As
secções de maior relevância para o SEN são:

• Retardo mental.
• Desenvolvimento psicológico com início específico na infância.
• Distúrbios comportamentais e emocionais com início na
infância/adolescência.

Outras seções que podem ser úteis são aquelas sobre transtornos
de humor e afetivos, transtornos neuróticos e relacionados ao
estresse e transtornos comportamentais associados a distúrbios
fisiológicos e fatores físicos.

O CID-11 inclui definições de vários termos frequentemente


associados às SEN:

56
• Transtorno: existência de um conjunto clinicamente reconhecível
de sintomas ou comportamentos associados, na maioria dos
casos, ao sofrimento e à interferência nas funções pessoais.
• Comprometimento: perda ou anormalidade de uma estrutura ou
função corporal.
• Deficiência: restrição ou falta de capacidade para realizar uma
atividade da maneira ou dentro da faixa considerada normal para
um ser humano.
• Handicap: desvantagem para um indivíduo que impede ou limita
o desempenho de uma função que é normal para esse indivíduo.

A OMS publicou a Classificação Internacional de Funcionalidade,


Incapacidade e Saúde (CIF: OMS, 2002) baseada em um modelo
interativo de dificuldades de aprendizagem, utilizando um modelo
biopsicossocial referente a funções corporais,
atividades/participação e fatores ambientais. Este modelo não se
limita a descrições de deficiências, mas inclui limitações de
atividade e restrições de participação social. O sistema produz um
perfil funcional de deficiência, nível de desempenho, nível de
capacidade e fatores ambientais. Norwich (2007) observa que o
programa foi concebido para funcionar como uma ferramenta de
planeamento e política para gestores e administradores, em vez
de informar o currículo e a prática de ensino. Florian et al (2006)
consideraram que o valor potencial deste sistema para ser
utilizado na educação exigia uma avaliação cuidadosa através da
aplicação clínica e da investigação.

57
Um relatório recente do projecto Medir a Saúde e a Incapacidade
na Europa (MHADIE, 2008) expressa opiniões positivas sobre a
aplicação do sistema de Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (ICF, International
Classification of Functioning, Disability and Health) na educação.
No entanto, também enfatiza a necessidade de formação
sistemática de todos os utilizadores e do desenvolvimento de
novos instrumentos e ferramentas que captem de forma mais
fiável a capacidade, a lacuna de desempenho e as complexidades
da participação social num ambiente escolar. Além disso, a CIF
não foi projetada para deficiências infantis.
Consequentemente, há questões importantes ainda a serem
abordadas no desenvolvimento deste sistema, para que seja
relevante para a deficiência infantil. Simeonsson et al. (2006)
mostraram como a estrutura conceitual da CIF pode ser usada
para fornecer uma classificação mais completa de crianças
pequenas para fins de intervenção precoce. Eles argumentam que
“critérios funcionais, e não diagnósticos, formam a base para a
documentação, sendo a unidade de classificação características
funcionais, e não a classificação de pessoas” (p. 366; grifo nosso).
A sua análise da codificação atribuída a 5.500 crianças (0-36
meses) utilizando os quadros da CIF e da CID resultou em quatro
categorias principais: Estruturas e funções corporais; Atividades e
Participação; Condições saudáveis; e Fatores Ambientais. No
geral, o domínio com maior frequência foi o relacionado com
informações diagnósticas ou funcionais relativas à fala e à
linguagem (cerca de 40 por cento de todas as crianças).

58
O DSM V foi produzido pela Associação Americana de Psiquiatria
e é um sistema de classificação categórica, que frequentemente
diferencia formas leves, moderadas e graves de um transtorno. É
um sistema multiaxial, com cinco eixos relativos a diferentes
aspectos do transtorno ou deficiência. Este sistema multiaxial
permite a avaliação nestes 5 eixos, cada um dos quais se refere a
um domínio diferente de informação que é utilizado para chegar a
um diagnóstico. Os cinco eixos são descritos como:

1. Distúrbios clínicos e outras condições que possam ser foco de


atenção clínica.
2. Transtornos de personalidade e transtornos de
desenvolvimento, como transtorno do espectro autista.
3. Condições médicas gerais que desempenham um papel no
desenvolvimento (por exemplo, lesão cerebral).
4. Problemas psicossociais e ambientais.
5. Avaliação global do funcionamento.

Para cada transtorno é listado um conjunto de critérios


diagnósticos, indicando quais sintomas devem estar presentes e
por quanto tempo para se qualificar para um diagnóstico
específico. O manual é atualizado em intervalos regulares.

Outro exemplo de uma tentativa de desenvolvimento de um


sistema internacional para recolher dados sobre deficiência em
diferentes países é o sistema utilizado pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE, 2005). O

59
objectivo aqui era desenvolver definições baseadas em recursos
capazes de acomodar todos os vários quadros conceptuais para
SEN utilizados pelos vários estados membros. Este sistema utiliza
as categorias de deficiência, dificuldade e desvantagem para
desenvolver um sistema de classificação tripartido, como segue:

• Categoria A: A deficiência ou deficiência é descrita como uma


NEE resultante de perturbações orgânicas atribuíveis a patologias
orgânicas relacionadas com défices sensoriais, motores ou
neurológicos.
• Categoria B: As dificuldades são descritas como distúrbios
comportamentais/emocionais ou dificuldades específicas de
aprendizagem decorrentes principalmente de problemas de
interação entre o aluno e o contexto educacional.
• Categoria C: A desvantagem é considerada como decorrente
principalmente de factores socioeconómicos, culturais ou
linguísticos.

Recomendamos um quadro para avaliação das SEN que reflita o


modelo interacionista/ecológico e exija a utilização de uma ampla
gama de métodos e ferramentas de avaliação. Isto criaria uma
imagem de como um aluno individual está a interagir com todos
os aspectos do ambiente educativo e identificaria barreiras à
participação, bem como necessidades de apoio para superar
essas barreiras. A avaliação é um processo contínuo que está
intimamente ligado à intervenção e é parte integrante do ciclo de
avaliação, planeamento, ensino e reavaliação.

60
Um sistema de avaliação das NEE baseado num modelo
interaccionista/ecológico requer uma abordagem de avaliação que
é muito mais ampla do que a procura de factores dentro da
criança, muitas vezes baseada em instrumentos psicométricos,
tais como testes padronizados e listas de verificação.

61
Epílogo

O
s distúrbios de aprendizagem são considerados um tipo
de distúrbio do neurodesenvolvimento. Os distúrbios do
neurodesenvolvimento são condições de base
neurológica que aparecem no início da infância, geralmente antes
do ingresso na escola. Esses transtornos prejudicam o
desenvolvimento do funcionamento pessoal, social, acadêmico
e/ou ocupacional e normalmente envolvem dificuldades na
aquisição, retenção ou aplicação de habilidades específicas ou
conjuntos de informações. Os distúrbios podem envolver
disfunções na atenção, memória, percepção, linguagem,
resolução de problemas ou interação social. Outros transtornos
comuns do neurodesenvolvimento incluem transtorno de déficit de
atenção/hiperatividade, transtornos do espectro do autismo e
deficiência intelectual.
Assim, esses transtornos envolvem problemas de leitura,
matemática, ortografia, expressão escrita ou caligrafia e
compreensão ou uso da linguagem verbal e não verbal. A maioria
dos distúrbios de aprendizagem são complexos ou mistos, com
déficits em mais de um sistema.
O tratamento dos distúrbios de aprendizagem centra-se na gestão
educacional, mas também pode envolver terapia médica,
comportamental e psicológica. Programas de ensino eficazes

62
podem adotar uma abordagem corretiva, compensatória ou
estratégica (isto é, ensinar a criança a aprender). Uma
incompatibilidade entre o método de ensino e o distúrbio de
aprendizagem e preferência de aprendizagem de uma criança
agrava a deficiência.
Algumas crianças necessitam de instrução especializada em
apenas uma área enquanto continuam a frequentar aulas
regulares. Outras crianças precisam de programas educacionais
separados e intensos. Idealmente e conforme exigido pela lei nos
EUA, as crianças afectadas devem participar, tanto quanto
possível, em aulas inclusivas com colegas que não tenham
dificuldades de aprendizagem.
As drogas afetam minimamente o desempenho acadêmico, a
inteligência e a capacidade geral de aprendizagem, embora certas
drogas (por exemplo, psicoestimulantes, como o metilfenidato e
diversas preparações de anfetaminas) possam aumentar a
atenção e a concentração, permitindo que as crianças respondam
mais eficientemente às instruções.

63
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