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EDUCAÇÃO DO CAMPO: Reflexão sobre a atuação dos Movimentos

Sociais

Kerolaide Bianca Souza Ramos


Graduanda em Geografia - UFPB
kerolbianca@gmail.com

Analice Alves da Silva


Graduanda em Geografia - UFPB
analice.aaspb@gmail.com

Jadiele Cristina Berto da Silva


Bacharela em Geografia
jadi.bert@gmail.com

Prof.º Dr.ºAnieres Barbosa da Silva


Orientador/ DGEOC/LAESA/UFPB
anieres@uol.com.br

RESUMO

Ao pesquisar sobre a educação no Brasil constatamos que, em parte, foi negada à população
camponesa a educação proposta pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
aprovada em 1996. Desde então, os movimentos sociais do campo iniciaram uma luta pelo
acesso à educação pública de qualidade para todos os graus, e que se adeque ao cotidiano
presente no campo, com vistas à melhoria das condições de reprodução social para quem ali
reside. O presente trabalho tem como objetivo compreender a luta por políticas públicas efetivas
para a educação do campo, e como os movimentos sociais participam desse processo.
Metodologicamente, foi feito uma revisão bibliográfica de autores que trabalham essa temática,
como também um levantamento documental de legislações, portarias e decretos sobre educação
do campo no Brasil. Pretendeu-se refletir sobre a educação do campo, esta como libertadora,
representando para os que a defende, principalmente os movimentos sociais, a possibilidade de
rompimento com o modelo educacional presente nas escolas localizadas nos espaços rurais do
país.

Palavras-Chave: Educação do campo; Políticas Públicas; Movimentos Sociais.

INTRODUÇÃO
Analisando a atual conjuntura, observamos que, em partes, vem sendo negado
direitos básicos a residentes do campo. Tratando-se da educação, podemos observar que
no art. 205º da Constituição Federal de 1988, é assegurada “a educação, direito de todos
e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988) e, analisando o artigo 28
da lei 9394/96 vemos que nela está garantido à população camponesa o direito a uma
educação feita no e do campo.
Há anos que a educação do campo, no Brasil, vem sendo discutida pelos
movimentos sociais que lutam pelo acesso do camponês à educação. O movimento
social que estimulou e oficializou esta bandeira de luta foi o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), porém outros movimentos sociais rurais
também seguiram o mesmo caminho, como, por exemplo, o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA).
Portanto, o artigo foi escrito com o objetivo de compreender a luta por políticas
públicas efetivas para a educação do campo, e como os movimentos sociais participam
desse processo. Metodologicamente, sua elaboração se deu a partir de leituras artigos e
obras de autores que trabalham a temática, como Cury (1997), Menezes (2017) e
Arroyo (1999), e de levantamento documental de legislações, portarias e decretos.

A LEI DE DIRETRIZES E BASES E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB1 - foi concebida em atendimento


às normas constitucionais, e resultou de um longo processo de tramitação iniciado em
1988, ano em que foi promulgada a Constituição Federal. Após oito anos de tramitação
no Congresso Nacional a LDB foi sancionada e promulgada em 20 de dezembro de
1996 (CURY, 1997). Esta Lei é considerada importante em face das transformações
ocorridas desde a sua criação, pois estabelece como princípio que todo cidadão

1
Também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, em homenagem ao educador e político brasileiro, que foi
um dos principais formuladores desta lei. É considerada a Carta Magna da Educação.
brasileiro tem direito a cursar, de forma gratuita, o ensino fundamental e médio e
esclarece que a educação básica é dever do Estado. Segundo Menezes, “a educação do
campo se configura como um movimento político de defesa da educação escolar:
pública e gratuita, plural e diferenciada, alicerçada nas entidades dos sujeitos
camponeses e articulada a um projeto de campo brasileiro contrário e em disputa com o
projeto capitalista” (MENEZES, 2017).
Em conjunto, o art. 205 da Constituição Federal de 1988 diz que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será


promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988).

Assegurada pela Constituição, a LDB abriu espaço para fixar medidas que
ampliaram o acesso ao ensino no Brasil e, após a sua atualização, passou a incluir
alguns temas que foram ganhando visibilidade na sociedade, sendo um deles a
Educação do Campo.
O artigo 1 da LDB diz que “a educação é o conjunto de processos formadores
que passa pelo trabalho, pela família, pela escola, pelo movimento social. Toda
educação escolar terá que vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social”
(BRASIL, 1996). Nessa perspectiva, o art. 28 faz referência direta à educação do
campo, indicando que “na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas
de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da
vida rural e de cada região” (BRASIL, 1996). Ainda no mesmo artigo, determina que se
definam:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais


necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).
Observa-se, então, que a educação a ser ofertada à população rural seria uma
educação que se adequasse ao modo de vida onde o sujeito reside. Sendo assim, o
objetivo era criar um modelo de educação voltada para as necessidades do sujeito do
campo, onde sistematizasse de forma única a educação e que esta fosse sustentada em
parâmetros pedagógicos que priorizariam a concepção cultural da zona rural. No livro A
educação básica e o movimento social do campo, Miguel Arroyo destaca que os
movimentos sociais “acreditam que os processos educativos passam pelo conjunto de
experiências, de vivências que o ser humano tem ao longo de sua vida” (ARROYO, 1999,
p. 26).
Como toda Lei, a LDB está longe de ser tudo de que se precisa para dar
andamento a uma reforma educacional. Segundo Cury (1997),

Toda Lei nova carrega algum grau de esperança, mas carrega alguma
forma de dor, já que nem todos os interesses nela previamente
depositados puderam ser satisfeitos. Esta lei, de modo especial,
registra as vozes que, de modo dominante, lhe deram vida. Mas
registra, também, vozes recessivas umas, abafadas outras, silenciosas
tantas, todas imbricadas na complexidade de sua tramitação. Por isso a
leitura da LDB não pode prescindir desta polifonia presente na Lei,
polifonia nem sempre afinada, polifonia dissonante. (CURY, 1997)

Nesse contexto, marcado pela presença de instrumento legal que poderia se


constituir em objeto de mudança, na prática o que se tem é o oposto do que nos foi
apresentado, e isso fica se torna mais evidente quando passamos a analisar as aspirações
e a luta dos movimentos sociais para que a população do campo tenha acesso, de forma
ampla e efetiva, uma educação voltada às peculiaridades da vida rural e de cada região.

OS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO E A LUTA POR POLÍTICAS


PÚBLICAS
As discussões voltadas à educação no campo pelo MST foram iniciadas 1987,
durante a realização do Encontro Nacional do MST. Posteriormente, no ano de 1997, no
Fórum das Instituições de Ensino Superior em Apoio à Reforma Agrária, quando
ocorreram os primeiros passos para a criação do PRONERA (Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária), ampliando as pesquisas sobre o tema. O PRONERA
iniciou com a atuação da Educação de Jovens e Adultos (EJA), e, posteriormente, com
cursos técnicos e superiores, como o Magistério e o curso de Pedagogia para os
assentados.
As pesquisas desenvolvidas em universidades e, consequentemente, as
discussões sobre temática contribuíram para a realização de encontros de pesquisa sobre
Educação do Campo – com apoio do MEC (Ministério da Educação) e de parcerias com
outros ministérios, como o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego), o MDA
(Ministério do Desenvolvimento Agrário) –, além da criação do curso de Licenciatura
em Educação no Campo.
Como resultante da luta dos movimentos sociais, outras ações governamentais
foram instituídas, como a criação do PRONACAMPO (Programa Nacional de Educação
do Campo) que disciplina ações específicas de apoio à Educação do Campo e à
educação quilombola, considerando as reivindicações históricas destas populações
quanto à efetivação do direto à educação. Esse Programa está estruturado com base do
decreto nº 7.352/2010, que estabelece ações voltadas ao acesso, permanência,
aprendizagem e a valorização das populações do campo.
O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do
Campo (Procampo) é outra iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), que tem
como objetivo apoiar a implementação de cursos regulares de licenciatura em Educação
do Campo nas instituições públicas de ensino superior de todo o país, voltados
especificamente à formação de educadores para a docência nos anos finais do ensino
fundamental e ensino médio nas escolas rurais, Desse modo, as escolas rurais adotariam
práticas educacionais que não fossem distintas da realidade vivida no campo, já que o
modelo curricular das escolas, na maioria dos casos, está pautado em padrões do modo
de vida urbano.
Durante o 2º ENERA (Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da
Reforma Agrária) 2 os educadores da Reforma Agrária lançaram um manifesto pela
Educação, indicando que o grande desafio que se apresenta é a construção de uma
unidade em torno de uma educação pública e popular.
De acordo com o MST, mais de 1500 pessoas estiveram reunidas durante o
Encontro para debater temas relacionados à educação pública brasileira. No manifesto
lançado durante o Evento, há reflexões ou discussões feitas por educadores sobre a
situação da educação, a gestão política e o domínio de empresas do setor educacional na
gestão pública, as quais têm intervindo cada vez mais na política educacional do país na
medida em que propostas por elas lançadas são assumidas pelos governos, com o falso
objetivo de melhorar a qualidade da educação e das escolas públicas.

Primeiro, buscam demonstrar que a escola pública está em crise, que


educandos e educandas não aprendem professores e professoras não
sabem ensinar e o sistema educacional não funciona. Depois,
apresentam como alternativa que as escolas passem a funcionar de
acordo com a lógica de trabalho e de gestão das empresas capitalistas
(MST, 2015).

Com isso em prática, consideramos que passa a existir uma apropriação e


controle do processo pedagógico, além da perda de autonomia dos educadores e
educadoras. Portanto, consideramos que a organização por parte de grupos empresariais,
intitulados como movimento “Todos pela Educação”, visa fazer mudanças no ensino,
justamente para atender as necessidades do capitalismo, descaracterizando os objetivos
que a educação no campo propõe.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

2
II Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (II Enera) ocorreu em setembro
de 2015. O debate e pesquisas apresentadas no encontro resultaram na Edição Especial do Boletim de
Educação do Movimento Sem-Terra. Disponível em:
http://www.reformaagrariaemdados.org.br/sites/default/files/BE%20(12).pdf acessado em 27 de julho de
2018
A educação do campo emerge no processo das lutas sociais e das manifestações
públicas reivindicatórias dos trabalhadores rurais organizados em movimentos sociais.
Trata-se de uma educação que fomenta condições materiais para a vida neste espaço,
articula os conhecimentos dos discentes com os conhecimentos científicos, ou seja,
educação que se contrapõe aos interesses das classes dominantes.
Nesse processo de luta, a atuação dos movimentos sociais fez com que as
demandas da população do campo fossem visibilizadas e asseguradas por meio de Leis,
Programas e Planos de Ação, sobretudo a partir da Constituição de 1988. A trajetória da
luta pela educação, enquanto prática emancipatória, se articula com a legislação que a
ampara como direito para todos. A organização em movimentos do campo que pautam a
educação se concatena a luta por direitos mais amplos, tendo em vista o entendimento
da cooperação simbólica e material da educação para o processo de luta e expansão do
acesso aos direitos e, por isso, o bem-viver no campo logo se interliga a luta por
reforma agrária e melhores condições para reprodução social, política e econômica.
Portanto, as variadas trajetórias de luta dos movimentos sociais e de entidades
representantes de camponeses, discentes e professores permitiram algumas conquistas,
como a realização de cursos direcionados à população do campo e a concretização de
atividades de extensão e de pesquisas sobre a Educação no Campo. Ao se apresentar
como uma educação libertadora, ela representa para os que a defende, principalmente os
movimentos sociais, a possibilidade de rompimento com o modelo educacional presente
nas escolas localizadas nos espaços rurais do país. Além disso, revela-se como
mecanismo para construção de uma nova hegemonia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARROYO, Miguel Gonzalez. FERNANDES, Bernardo Mançano. A educação básica e o


movimento social do campo. – Brasília, DF: Articulação Nacional por uma Educação Básica
do Campo, 1999. Coleção por uma Educação Básica do Campo, nº. 2.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: D.O. 5 de outubro de


1988. Disponível em:
<https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_205_.a
sp> Acesso em: 18 abr 2018.
_____.Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lei 9.394 de 20 de Dezembro
de 1996. Brasília, MEC, 1997. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/leis/L9394.htm> Acesso em: 18 abr2018.

DE SOUZA, Maria Antônia. Educação do campo, desigualdades sociais e


educacionais. Educação & Sociedade, v. 33, n. 120, 2012. Disponível em:
<http://www.redalyc.org/html/873/87324602006/> Acesso em: 03 jun. 2018

MENEZES, Ana Célia Silva. Educação do campo no semiárido como política pública: um
desafio à articulação local dos movimentos sociais / Ana Célia Silva Menezes. – João Pessoa,
2017.

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST). Educadores lançam


manifesto contra o fechamento de escolas no meio rural. Notícia publicada em 01/10/2015.
Disponível em: <http://www.mst.org.br/2015/10/01/educadores-da-reforma-agraria-lancam-
manifesto-pela-educacao-durante-o-2-enera.html>. Acesso em: 03 jun. 2018.

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