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Cindy Oliveira de Souza (1); Letícia da Silva Jesus (2); Rafael Paranhos de Souza Silva (3);
Rodrigo Barbosa Costa (4); Fernanda Nepomuceno Costa (5)
Resumo
O cimento Portland é um produto gerado a partir da extração e beneficiamento do calcário e argila,
transformando tal mistura em clínquer, seguido de moagem. Atualmente, esse material possui um papel
de destaque no país devido à valorização do aproveitamento de matérias-primas alternativas, resíduos e
subprodutos de outras atividades como substituição do clínquer. Dessa forma, este trabalho tem como
objetivo verificar a possibilidade de uma nova adição na produção de materiais à base de cimento a partir
do uso de resíduos sólidos, visando unir o desenvolvimento sustentável com a construção civil. Para mais,
foi empregado o uso de técnicas experimentais com amostras em miniatura aspirando avaliar o
comportamento de amostras cilíndricas e cúbicas em miniatura em comparação às referências cilíndricas
(NBR 7215) e prismáticas (NBR 16738). O resíduo escolhido foi a casca de ovo de galinha (RCOG) e seu
beneficiamento foi realizado a partir de lavagem, tratamento térmico e moagem. Para a realização da
dosagem e preparação das pastas cimentícias, foram definidos teores de adição: 0% (referência), 5% e
10% em massa com relação água/(cimento+RCOG) de 0,47. A partir do ensaio de consistência, foram
verificados resultados próximos, obtendo maiores índices nos teores de 0% e 10%. Como resultado à
determinação da resistência à compressão, foi notado que a substituição do RCOG influenciou
negativamente na resistência final dos corpos de prova, mesmo que em diferentes tamanhos e formatos.
Além disso, foi verificado que o uso de corpos de prova em escala reduzida não afetou a avaliação de
desempenho mecânico, viabilizando os estudos a partir da pequena disponibilidade de resíduos tratados a
nível laboratorial.
Palavra-Chave: Casca de ovo galinha, Substituição, Amostras em miniatura, Sustentabilidade
Abstract
Portland cement is a product generated from the extraction and processing of limestone and clay,
transforming this mixture into clinker, followed by grinding. Currently, this material has a prominent role in
the country due to the appreciation of the use of alternative raw materials, waste and by-products from
other activities such as replacing clinker. Thus, this work aims to verify the possibility of a new addition in
the production of cement-based materials from the use of solid waste, aiming to unite sustainable
development with civil construction. Furthermore, the use of experimental techniques was used with
miniature samples aiming to evaluate the behavior of cylindrical and cubic miniature samples in
comparison to cylindrical (NBR 7215) and prismatic (NBR 16738) references. The residue chosen was
chicken eggshell (RCOG) and its processing was carried out from washing, thermal treatment and grinding.
To carry out the dosage and preparation of cementitious pastes, addition levels were defined: 0%
(reference), 5% and 10% by mass with a water/(cement+RCOG) ratio of 0.47. From the consistency test,
close results were verified, obtaining higher rates in the 0% and 10% contents. As a result of the
determination of the compressive strength, it was noted that the replacement of RCOG had a negative
influence on the final strength of the specimens, even in different sizes and formats. In addition, it was
verified that the use of specimens on a reduced scale did not affect the evaluation of mechanical
performance, making the studies feasible from the small availability of residues treated at the laboratory
level.
Keywords: Chicken eggshell, Replacement, Miniature samples, Sustainability
2 Metodologia
O desenvolvimento desta pesquisa seguiu as cinco etapas resumidamente ilustradas na
Figura 1. O estudo começou pela determinação do programa experimental, seguido da
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coleta e tratamento de amostras de resíduo de casca de ovo de galinha (RCOG). As
amostras de RCOG foram beneficiadas até que fosse atingida as características
desejadas para os experimentos.
2.1 Materiais
2.1.1 Cimento
O cimento utilizado foi do tipo CP V - ARI, devido ao seu baixo teor de adição, quando
comparado aos outros tipos de cimento Portland disponíveis no mercado nacional, a fim
de evitar reações do RCOG com outros elementos constituintes.
2.1.2 Água
Foi utilizada água destilada, obtida a partir do destilador da marca Marte, disponível no
Laboratório de Pavimentação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, para
todas as fases da pesquisa.
2.1.3 Resíduo de Casca de Ovo de Galinha (RCOG)
O resíduo de casca de ovo de galinha utilizado no desenvolvimento desta pesquisa foi
de origem granjeira, na coloração branca. O RCOG foi coletado em residência, a partir
do consumo próprio, e também de doações de padarias da região.
2.1.4 Fôrmas
Foi empregado o uso de técnicas experimentais com amostras em miniatura sugerido
por Beaudoin (2001), aspirando avaliar o comportamento de amostras cilíndricas e
cúbicas em miniatura em comparação às referências cilíndricas de 50 mm de diâmetro e
100 mm de altura indicadas pela NBR 7215:2019 e as prismáticas de seção 40mm x
40mm e comprimento de 160mm indicadas pela NBR 16738:2019.
As fôrmas cilíndricas em miniatura utilizadas para as moldagens dos corpos de prova
foram desenvolvidas em tubo de PVC DN 20mm, da marca Fortlev, com fundo e tampa
em pastilha de vidro, seguindo os padrões dimensionais exigidos na NBR 5738:2015,
conforme mostradas na Figura 2a e utilizadas nas pesquisas de Costa (2023). O
acabamento foi feito com uma sequência de lixa de grão 100, 150 e, por fim, 400. As
medidas foram conferidas por meio de um paquímetro digital, com resolução de 0,01mm,
e um esquadro manual. A pastilha que serviu como fundo da fôrma foi fixada com cola
instantânea da marca Almasuper. Já a pastilha que serviu como tampa não foi colada,
uma vez que sua função principal era evitar a perda excessiva de umidade nas primeiras
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24 horas após a moldagem. Como dispositivo de travamento, foram utilizadas uma fita
Hellerman em cada fôrma, para evitar a abertura das mesmas durante a moldagem. Já
para as fôrmas cúbicas em miniatura, foram utilizadas placas de gelo de silicone com
medidas aproximadas de 2,5x2,5x2,5 cm, como mostra a Figura 2b. Como proteção
superior após moldagem, foram utilizados sacos plásticos.
(a) (b)
Figura 2 – Fôrmas utilizadas: (a) em miniatura cilíndrica (Costa (2023)) e (b) miniatura cúbica (Autores
(2023))
2.2 Métodos
2.2.1 Tratamento do RCOG
O RCOG teve tratamento iniciado com a imersão em água potável para a remoção de
impurezas, por um período de, aproximadamente, 1 hora. Em seguida, foi feita a
drenagem da água e o RCOG foi levado à estufa, programada com uma rampa de
aquecimento de 4,5°C por minuto e temperatura de patamar de 100°±5ºC por 24h.
Após a secagem do RCOG, foi feita a pré-moagem em moinho de facas da marca
Fortinox, modelo Star FT 50/6, transformando-o em um material granular com aparência
semelhante a uma farinha. O material resultante foi posto em cadinhos de porcelana,
seguido de pesagem em balança com resolução de 0,01 g. Os cadinhos com RCOG
foram levados ao forno mufla fabricado pela Zezimaq, modelo 2000-G, com 6400W de
potência, equipado com um programador de temperatura microprocessado da DigiMec,
modelo FHMP, dando início ao tratamento térmico do resíduo.
A definição da metodologia adotada para o tratamento térmico foi feita a partir da
seleção de alguns trabalhos, sendo os resultados confrontados para validar esta
pesquisa. Na pesquisa desenvolvida por Fritzen (2020), o RCOG foi calcinado em um
forno mufla a 600°C por 4 horas e a 800°C por 2 horas.
Já Cordeiro (2019) testou diferentes condições de temperatura (800°C, 900°C e 1000°C)
e tempo (80, 120 e 160 minutos), a uma rampa de aquecimento de 5°C/min. Adotando-
se a menor temperatura (800°C) e o menor tempo (80 minutos), para a rampa
supracitada e considerando-se a temperatura ambiente do laboratório em 27°C, para fins
de cálculos preliminares, tem-se um procedimento com duração total mínima de 3 horas
e 55 minutos. Neste sentido, tanto a metodologia adotada por Fritzen (2020) quanto a de
Cordeiro (2019) foram descartadas, antes mesmo de serem testadas, por questões de
eficiência energética.
Uma metodologia testada foi a executada por Vieira et al. (2017), em que o controlador
da mufla foi configurado em três programas sequenciadas: i) G (Gradiente): rampa de
aquecimento de 10°C.min-1, com temperatura de set-point de 850°C; ii) P (Patamar):
definiu-se um tempo de patamar de 90 minutos, com temperatura mantida em 850°C; e
iii) F (Fim): desligamento automático do forno. O resfriamento do material foi feito no
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interior da própria mufla, sem submetê-lo a qualquer choque térmico, finalizando o ciclo
de calcinação. Ao retirar o RCOG calcinado do cadinho, observou-se ainda que o
material apresentava certa coesão, ao ponto de formar torrões e coloração cinza escuro
no núcleo da amostra, indicando que o processo de calcinação adotado não era
suficiente para se obter resultados compatíveis com as referências seguidas.
Diante dos resultados iniciais, optou-se por realizar o tratamento conforme ensaio de
perda ao fogo (PF) especificado na NBR 17086-6:2023, no intuito de identificar possíveis
erros na aplicação da metodologia ou se era uma característica particular do material.
Para o ensaio, o controlador da mufla foi configurado com os seguintes programas:
P.01 G (Gradiente): rampa de aquecimento de 10°C.min-1, com temperatura de set-
point de 1000°C;
P.02 P (Patamar): definiu-se um tempo de patamar de 60 minutos, com temperatura
mantida em 1000°C;
P.03 F (Fim): desligamento automático do forno.
A partir do ensaio de perda ao fogo foram obtidos resultados satisfatórios (ou seja,
ausência de coloração escura concentrada no centro da amostra), sendo assim, adotou-
se a mesma metodologia para a calcinação das demais amostras, tornando os
programas P.01, P.02 e P.03 como padrões desta pesquisa.
Após o resfriamento do RCOG calcinado, foi feita a pesagem para a identificação da
massa residual de cada amostra e, em seguida, a moagem em moinho de bola da marca
Solab, modelo SL 38 com ciclos de, 3 minutos, repetindo esse procedimento até que o
RCOG tratado passasse completamente na peneira de abertura 75μm.
A Figura 3 exibe um comparativo visual do RCOG após todas as etapas de tratamento,
já a Figura 4 resume de forma ilustrativa o processo de tratamento abordado.
(a) (b)
(c) (d)
3 Resultados
3.1 Tratamento do RCOG
Como mencionado no item 2.2.1, foi utilizado o ensaio de perda ao fogo (NBR 17086-
6:2023) como forma de confrontar o resultado do processo de calcinação. Na
metodologia adotada por Vieira et al. (2017), a perda de massa foi de 45,39%. Sabe-se
ainda que a descarbonatação do calcário é um processo que transforma o Carbonato de
Cálcio (CaCO3) em Óxidos de Cálcio (CaO) a partir da liberação de Dióxido de Carbono
(CO2) e que esse processo demonstra uma perda de massa de 44% (NUNES, 2021).
Dessa forma, o ensaio de perda ao fogo executado em laboratório rendeu resultados
satisfatórios, já que após 39 determinações a média de perda de massa obtida através
do processo de calcinação foi de 46,08%, com valores variando de 45,00% a 47,30% e
desvio padrão de 0,46%, o que valida o ensaio, principalmente ao se considerar a
heterogeneidade na composição da casca de ovo.
Assim, após o tratamento térmico, o RCOG é composto majoritariamente por CaO, com,
aproximadamente, 71% em peso (MARQUES, PRETTO E MAGNAGO, 2020),
constituição química semelhante da cal, material que quando hidratado é comumente
utilizado na produção de argamassas com vistas a proporcionar melhorias na
trabalhabilidade e plasticidade. A cal hidratada atua, basicamente, como um
aglomerante, permitindo o endurecimento da argamassa através do contato com o ar,
apresentando outras vantagens, como maior potencial de aderência ao revestimento e
grande capacidade de retenção de água (COELHO, 2009).
Figura 8 – Resultado à Tração na Flexão dos corpos de prova prismáticos das Misturas de
Referência e com Utilização do RCOG (Autores (2023))
Figura 9 – Resultado de Resistência à Compressão em corpos de prova (a) cilíndricos 100 x 200
mm; (b) cilíndrico 17x34mm; (c) prismático; e (d) cúbico em miniatura das Misturas de Referência e com
Utilização do RCOG (Autores (2023))
4 Considerações finais
A partir dos resultados obtidos no presente trabalho, pode-se concluir que:
• O beneficiamento através de lavagem, tratamento térmico, moagem e
peneiramento do RCOG foram satisfatórios, resultando num resíduo em que foi
possível sua utilização na produção de misturas cimentícias sem efeito de
aglomeração das partículas;
• A consistência das misturas sofreu influência da substituição de parte do cimento
pelo RCOG, como esperado, observando-se uma redução da plasticidade e
trabalhabilidade das pastas nas amostras com substituição de 5% e para o teor
de 10% foi verificado um aumento de fluidez;
• O desempenho mecânico das misturas com substituição parcial do cimento e
incorporação do RCOG (nos teores de 5 e 10%) foi inferior ao da pasta de
cimento utilizada como referência, com variações de até 39,56% em relação ao
teor de 0% em CP cilíndricos 50x100 mm;
Embora os resultados mecânicos nas pastas com substituição do cimento pelo RCOG
não tenham sido satisfatoriamente comparáveis à pasta utilizada como referência,
acredita-se que a redução do desempenho não tenha sido muito significativa, uma vez
5 Agradecimentos
À FAPESB e à UFRB, pela bolsa de iniciação científica, e à empresa Massa Fort
Concreto, pela doação de parte dos materiais utilizados na pesquisa.
6 Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Argamassas para
assentamento e revestimento de paredes e tetos - Determinação da densidade de
massa e do teor de ar incorporado. NBR 13278: Rio de Janeiro, 2005.
DIAS, F. et al. Avaliação dos efeitos nas propriedades técnicas da utilização de resíduo
de casca de ovo em blocos de pavimentação. Brazilian Journal of Development,
Curitiba, v.7, n.6. p. 58314-58343, jun. 2021. Disponível em:
https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/31294/pdf. Acesso
em: 12 jun. 2023.
VIEIRA, L. A. F.; PINHO, M. D.; SILVA, S. N. DA, PINHEIRO, I.P. Obtenção de Óxido de
Cálcio a partir da casca de ovo de galinha. The Journal of Engineering and Exact
Sciences, v. 03, n. 08, p. 1159-1166, Dez. 2017.