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Estudo preliminar visando a substituição de cimento Portland por cinza

de eucalipto no concreto
Preliminary study aiming at the replacement of Portland cement by eucalyptus ash in
concrete
Abrahão Bernardo Rohden (1); Larissa Muziol de Oliveira (2); Gustavo Gutierrez De Oliveira
Rodrigues (3); Natalia Salamoni (3); Luis Carlos Seelbach (4)

(1) Professor Doutor, Departamento de Engenharia Civil da FURB; (2) Engenheira Civil, FURB; (3)
Mestrando(a), PPGEA-FURB; (4) Professor Mestre, Departamento de Engenharia Civil da FURB.
Endereço para correspondência: Rua São Paulo, 3250 – Itoupava Seca Blumenau/SC – CEP
89030-000 e-mail: arohden@furb.br

Resumo
A diversificação da matriz energética brasileira é importante para a economia do país, contudo muitas das
fontes energética geram resíduos. As cinzas de biomassa são um dos resíduos gerados na produção de
energia. Da queima dos eucaliptos citriodora são geradas cinzas volantes e pesadas. Este trabalho teve como
objetivo realizar um estudo preliminar visando avaliar a viabilidade da utilização das cinzas volante e pesada
da queima do eucaliptos citriodora em substituição parcial ao cimento Portland no concreto. Para isso foram
dosados 5 traços de concreto, um de referência e quatro com substituição de 10 e 20% de substituição de
cimento por cinza volante e pesada. O concreto foi caracterizado quanto a sua resistência à compressão e
absorção por capilaridade. Todos os traços obtiveram resultados de resistência à compressão superiores aos
mínimos exigidos por norma para aplicação estrutural. O concreto de referência apresentou resistência
superior ao dos traços com incorporação das duas cinzas, contudo a redução percentual da resistência
mecânica foi inferior aos percentuais de cimento substituído. Em relação à absorção por capilaridade, os
traços com cinza volante e pesada apresentaram menores valores percentuais do que o referência.

Palavra-Chave: concreto sustentável; cimento com baixo fator-clínquer; resíduo de biomassa

Abstract
The diversification of the Brazilian energy matrix is important for the country's economy, however many energy
sources generate waste. Biomass ash is one of the waste generated in energy production. The burning of
eucalyptus citriodora generates fly and heavy ash. This work aimed to carry out a preliminary study to evaluate
the feasibility of using fly and heavy ash from burning eucalyptus citriodora in partial replacement of Portland
cement in concrete. For this, 5 concrete mixes were dosed, one reference and four with 10 and 20% cement
replacement by fly and heavy ash. Concrete was characterized for its resistance to compression and capillary
absorption. All traces obtained compressive strength results higher than the minimum required by standard for
structural application. The reference concrete presented resistance superior to that of the mixes with
incorporation of the two ash, however the percentage reduction of the mechanical resistance was inferior to
the percentages of substituted cement. Regarding the absorption by capillarity, the traces with fly and heavy
ash showed lower percentage values than the reference.

Keywords: sustainable concrete; cement with low clinker factor; biomass residue

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1 Introdução

Em consequência à emissão de dióxido de carbono (CO2), a indústria cimentícia é uma das


maiores poluidoras da construção civil (VASKE, 2012). Visando a redução dos impactos
ambientais e o manejo adequado de resíduos, o setor têm buscado o desenvolvimento de
tecnologias com o uso de adições minerais e de biomassa na geração de energia
(RODRIGUES, 2012).
As adições minerais são provenientes de materiais cimentícios, pozolânicos ou não
reativos, como escórias de alto forno, sílica ativa e fíler calcário, respectivamente
(RODRIGUES, 2012) que modificam a microestrutura da pasta de cimento, a partir de
interações química e física com os produtos da hidratação do clínquer ou do cimento
Portland (ISAIA, 2011; VASCONSELOS, 2013).
Perante o exposto, materiais alternativos, como cinza da casca de arroz, cinza do bagaço
da cana-de-açúcar e cinza da combustão de madeiras têm sido estudados para o emprego
como adição ao cimento Portland em misturas cimentícias (VASKE, 2012; CORDEIRO;
MASUERO; DAL MOLIN, 2014; RESENDE et al., 2014; UKRAINCZYK; VRBOS;
KOENDERS, 2016; JITTIN; MINNU; BAHURUDEEN, 2021).
Geralmente provenientes de outros setores industriais, as adições seriam normalmente
descartados em aterros, ou até mesmo em locais clandestinos, correndo o risco de
contaminação de solos e lençóis freáticos.
Diversas indústrias utilizam caldeiras e fornalhas em sua linha de produção, onde as fontes
de energias renováveis são priorizadas. Uma das formas mais utilizadas para conseguir a
energia necessária para os equipamentos é a queima da lenha. Visando a redução dos
impactos ambientais, como a escassez de recursos não renováveis, a madeira de eucalipto
proveniente de florestas plantadas é uma escolha adequada para esta aplicação, senso
seu ciclo de cultivo menor do que outras árvores de floresta plantada (AFONSO; OLIVEIRA;
COSTA, 2006).
Diante das evidentes limitações globais em florestas nativas, as florestas plantadas se
destacam com a redução dos riscos ambientais, com a ocupação dos solos não
agricultáveis e proteção de nascentes, por exemplo (GALVÃO, 2000).
Apesar dos benefícios, ainda há geração de resíduos provenientes da queima da madeira,
as cinzas de fundo, depositada em um cinzeiro debaixo da grelha com granulometria mais
grossa, e as cinzas volantes, depositada em um filtro dentro da chaminé e constituídas por
partículas mais finas e leves (VASKE, 2012).
As cinzas que são geradas pelo processo de queima são resíduos de destaque para a
reciclagem, devido ao impacto ambiental e problemas de armazenamento e disposição final
que causam (CINCOTTO, 1988). Ainda, dependendo da composição química, temperatura
e tempo de combustão, características morfológicas da sílica (cristalina ou amorfa) e finura
das cinzas de origem vegetal, o resíduo poderá ser utilizado como adição mineral ao
cimento Portland (FREIRE; BERALDO, 2003).
Frente ao exposto, visando a economia circular, este trabalho tem como objetivo avaliar a
substituição parcial do cimento Portland por 10 e 20% de cinza volante (10% CV e 20% CV)
e de fundo (10% CF e 20% CF) proveniente da combustão do eucalipto.

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2 Materiais e métodos

O programa experimental é resumido na Figura 1. Foram coletadas cinzas volante e de


fundo provenientes da combustão do eucalipto em uma caldeira. As cinzas volantes são as
cinzas que saem pelo precipitador de coleta da caldeira, enquanto as cinzas de fundo, são
as que ficam no interior dela.

Figura 1 - Programa experimental

Após coletadas, as duas cinzas passaram por um processo de moagem em Abrasão Los
Angeles, com carga 1:2,5 (cinza:esferas metálicas) durante 5 horas (Figura 2).

(a) (b)

Legenda: (a) cinza volante moída e (b) cinza de fundo moída


Figura 2 - cinza da combustão de eucalipto citriodora

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Para o concreto, foram realizados cinco traços com 0, 10 e 20% de substituição do cimento
Portland por cinza volante e de fundo, nomeados 0%, 10% CV, 10% CF, 20% CV e 20%
CF.
Os traços de concreto foram constituídos de cimento Portland CP V, de massa específica
3,15 g/cm³, agregados graúdo (brita 1) e miúdo (areia média), aditivo superplastificante,
água e cinza volante e de fundo da combustão de eucalipto citriodora (Corymbia citriodora),
com massa específica de 2,49 e 2,51 g/cm³, respectivamente. O método de dosagem
utilizado foi o ACI 211 (MEHTA; MONTEIRO, 2008), para 25 MPa e abatimento de (100 ±
20) mm (Tabela 1).
Tabela 1 – Dosagem dos materiais (kg/m³)
Materiais Referência 10% CV 20% CV 10% CF 20% CF
Cimento 380 342,0 304,0 342,0 304,0
Cinza volante (CV) - 30,0 60,1 - -
Cinza de fundo (CF) - - - 30,3 60,6
Agregado graúdo 1105,6 1105,6 1105,6 1105,6 1105,6
Agregado miúdo 669,4 669,4 669,4 669,4 669,4
Superplastificante 0,36 0,58 0,55 0,82 0,78
Água 190,0 190,0 190,0 190,0 190,0

Após mistura dos materiais, foram moldados dez corpos de prova de cada traço, que
tiveram cura submersa em água saturada com cal. Com as bases dos corpos de prova
retificados, foram realizados os ensaios de absorção de água por capilaridade e resistência
à compressão axial aos 7 e 28 dias, conforme NBR 9779 (ABNT, 2012) e NBR 5739 (ABNT,
2018), respectivamente. Por fim, nos ensaios de resistência à compressão, foram
realizadas análises estatísticas do tipo ANOVA, com nível de significância de 5%.

3 Resultados e discussões

3.1 Absorção por capilaridade

As medições de absorção de água por capilaridade ocorreram nos tempos de 0, 3, 6, 24,


48 e 72 horas (Figura 3).
Com os resultados, percebe-se que o traço de referência possui absorção de água por
capilaridade após 72 horas ligeiramente superior aos demais traços com adição das cinzas.
Entretanto, não foi o que ocorreu em períodos anteriores.
Ainda, os traços com 10% de cinza de fundo (10% CF) e 20% de cinza volante (20% CV)
apresentaram os menores valores após 72 horas, apesar dos traços com cinza volante
terem apresentado os maiores valores de absorção nos tempos iniciais.

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Absorção de água por capilaridade (%)

8
7
6
5
4 0%
3 10% CV
10% CF
2
20% CV
1 20% CF
0
0 3 6 Tempo (h) 24 48 72
Figura 3 – Absorção de água por capilaridade

3.2 Resistência à compressão axial


O ensaio de resistência à compressão axial foi realizado aos 7 e 28 dias (Figura 4).

Figura 4 – Resistência à compressão axial

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Apesar de observar certa redução da resistência à compressão axial nos traços com maior
teor de cinzas, quando comparado aos com menor teor, não há diferença estatística entre
os traços com diferentes cinzas e teores para os resultados referentes à resistência à
compressão axial aos 28 dias. Em contrapartida, para a resistência à compressão aos 7
dias há diferença estatística entre os traços com as duas cinzas e com diferentes teores e
adição.

4 Conclusões

Visando a adição em concreto de cinzas volante e de fundo provenientes da combustão do


eucalipto (Corymbia citriodora), o presente estudo avaliou a absorção por capilaridade e
resistência à compressão axial de cinco traços contendo 0% (referência), 10 e 20% de
substituição do cimento Portland por cinza volante (10% CV e 20% CV) e por cinza de fundo
(10% CF e 20% CF).
Com o ensaio de absorção de água por capilaridade é possível observar que, ao final do
ensaio (72 horas), os traços com adição de cinzas apresentaram menores valores de
absorção por capilaridade em relação ao traço referência, sendo os traços 10% CF e 20%
CV aqueles com menor absorção.
Referente ao ensaio de resistência à compressão axial, a análise estatística apontou
diferença estatística tanto no tipo de cinza quanto no seu teor de substituição referente ao
ensaio aos sete dias, e não apontou diferença estatística no ensaio aos 28 dias. Portanto,
pode-se afirmar que o tipo e teor de cinza exercem influência significativa sobre a
resistência à compressão axial do concreto aos sete dias, mas não mais aos 28 dias.
Dessa forma, de acordo com as condições estudadas, ambas as cinzas provenientes da
combustão do eucalipto apresentam potencial de serem aplicadas como adição em
concreto, em 10 e 20% de substituição ao cimento Portland.

5 Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 9779: Argamassa e
concreto endurecidos - Determinação da absorção de água por capilaridade. Rio de
Janeiro, 2012.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS – ABNT. NBR 5739: Concreto -


Ensaio de compressão de corpos de prova cilíndricos. Rio de Janeiro, 2018.

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