CAPTURA DE CO2 DEVIDO À CARBONATAÇÃO DO

CONCRETO

Edna Possana, Emerson Felipe Felixb, William de Araujo Thomazc

a
Universidade Federal da Integração Latino Americana,e-mail: edna.possan@unila.edu.br;
b
Universidade Federal da Integração Latino Americana: emerson.felipe.felix@gmail.com; cEcole
Nationale Supérieure d'Ingénieur de Limoges, França, Bolsista CAPES – Proc. Nº
88888.048142/2013-00, e-mail: williamathomaz@gmail.com

Palavras-chave: Balanço das emissões de CO2; Carbonatação do Concreto; Medida compensatória; Consumo de cimento

à carbonatação do concreto (ver tabela 1), o que motivou o

Introdução desenvolvimento deste trabalho.
O processo de fabricação de cimento é responsável por cerca
de 5 a 8% das emissões globais de dióxido de carbono (CO 2) Tabela 1: Resultados de pesquisas sobre captura de CO2
[1,2]. 50% destas emissões advêm da calcinação da rocha devido à carbonatação do concreto
calcária (descarbonatação) e o restante da queima de CO² absorvida
Ref. Cenário (local, estrutura)
combustíveis na geração de energia para a produção do VU Demolição
clínquer, principal composto do cimento, sendo gerada Dinamarca (70 anos de vida
[5] 24% 57%
aproximadamente uma tonelada de CO2 para cada tonelada útil + 30 após a demolição)
deste material. [6] Noruega 30-40% -
Em 2007, no Brasil foram emitidas 6,3 milhões de toneladas [7] Noruega 16% -
de dióxido de carbono pela indústria cimenteira, enquanto Brasil (Resíduos de 1 kg.CO2/
[8] -
1000 kg.RCD
Construção e Demolição)
que EUA e China emitiram 13,2 e 185,2 milhões de
[9] EUA (Calçadas de concreto) 28,2% -
toneladas, respectivamente. As elevadas emissões chinesas [10] Mundial (100 anos) 33-57% -
se devem ao fato do país ser responsável pela metade do [11] Brasil (Itaipu Binacional) 13,384 T -
cimento produzido mundialmente e por apresentar o maior
consumo per capita do planeta (1500 kg/habitante). Para Em estudos desenvolvidos na Noruega [6,7] os autores
comparação o consumo brasileiro é da ordem de 350 e o estimaram que 30-40% [6] e 16% [7] do CO2 emitido na
americano de 250 kg/habitante [3, 4]. produção do cimento é reabsorvido pelo concreto devido à
Contudo, o concreto, principal produto derivado do cimento, carbonatação durante sua vida útil. Já Pade e Guimarães [5],
tem a propriedade de absorver CO2 da atmosfera por meio estimam, para uma perspectiva de 100 anos, considerando a
do processo de carbonatação [5]. demolição da estrutura, que o concreto devido à
A carbonatação resulta das reações do CO2 com os produtos carbonatação pode absorver até 57% do CO2 emitido na
alcalinos do concreto, formando carbonato de cálcio produção do cimento. Caso a demolição da estrutura não
(CaCO3) e água. Essa reação (Ca(OH)2+CO2→CaCO3+H2O) seja considerada, esse valor é reduzido para 24%.
reduz o pH do concreto, deixando o aço suscetível à
corrosão, o que não é desejável para concretos estruturais. Metodologia: Emissões vs. captura de CO2
Por outro lado, captura o CO2 da atmosfera, em um processo A fim de estimar as emissões e a captura de CO2 devido à
inverso ao da produção do cimento (CaCO3→CaO+CO2), carbonatação do concreto, esse estudo selecionou os traços
compensando em partes as emissões do processo produtivo. apresentados na tabela 2, variando o consumo de cimento de
A reação de carbonatação e, consequentemente, a captura de 250 a 600 kg/m³ e a resistência à compressão de 10 a 40
CO2, ocorre durante toda a vida útil da estrutura ou elemento MPa.Os concretos foram dosados conforme método
de concreto, e, continua ocorrendo após a demolição onde o ABCP/ACI, considerando o emprego do Cimento Portland
processo pode ser intensificado [5]. Pozolânico (CP IV) [12].
Entretanto, verificam-se divergências na literatura em Na sequencia, a partir da execução das etapas de 1 a 5, fez-
relação à potencialidade do sequestro/captura de CO2 devido se o balanço das emissões associadas aos concretos.
 Tabela 2: Concretos simulados* de CO2 (conforme equação 2), indicando que a captura de
Concreto fc* Consumo de materiais (kg/m³) CO2 é mais efetiva no período pós-demolição da estrutura.
(traço) (MPa) Cimento Brita Areia Água 200
1 20 250 1320 315 151 175
Vida útil Pós demolição
2 25 300 1281 245 183
150
3 30 400 902 501 221
125
4 35 500 1500 1000 175

CO2 (Kg)
5 40 600 1440 1560 270 100
*fc – resistência à compressão. 75
50
Etapa 1 - Estimativa das emissões: para a estimativa das 25
emissões referentes à produção do cimento (Ecim), 0
considerou-se o somatório das emissões por uso de energia 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
(Eene), por descarbonatação da matéria prima (Edesc) e pelo Tempo (anos)
transporte na produção do cimento (Etrans), conforme
Traço 1 Traço 2 Traço 3 Traço 4 Traço 5
indicações e metodologias da literatura [13, 14, 15 e 16].
Etapa 2 – Estimativa da carbonatação: Com o auxílio do Figura 1: Evolução da captura de CO2 ao longo do tempo
software Excel®, a estimativa da profundidade de
carbonatação do concreto ao longo do tempo foi realizada No período pós-demolição, os concretos 1, 2 e 3 foram
empregando-se o modelo de degradação proposto por totalmente carbonatados antes de finalizar o período de
Possan [17], para um elemento estrutural com dimensões de análise (100 anos). Isso se deve ao fato destes possuírem
40x50x500 cm (volume de 1 m²). menor resistência à compressão e consumo de cimento
reduzido, com velocidade de carbonatação elevada nos
Etapa 3 – Captura de CO2 na VU: No cálculo da captura
primeiros anos de exposição à ação do CO2. Como no pós-
de CO2 pelas estruturas do concreto durante a vida útil (0 a
demolição os elementos de concreto são de pequena
70 anos), empregou-se a Equação 1, onde y é a profundidade
dimensão (3x3x3 cm) o concreto é 100% carbonatado entre
de carbonatação do concreto (em metros), c é a quantidade
8 e 15 anos de exposição ao CO2.
de cimento empregada para produzir um m³ de concreto,
Observa-se que os traços 4 e 5 são os apresentam maior
sem considerar as adições (consumo), CaO é a quantidade
potencial de captura de CO2, porém são os que possuem
de óxido de cálcio contido no cimento, r é a proporção de
maior resistência à compressão e mais consomem cimento.
CaO totalmente carbonatada, ou seja, transformada em
Em geral quanto maior a resistência à compressão menor a
CaCO3, A é a área superficial do concreto exposta à ação do
carbonatação ao longo do tempo, e consequentemente menor
CO2 (em m²) e M é a fração molar do CO2/CaO.
deveria ser a captura de CO2.
CO2 = y.c.Cao.r .A.M CO2(Kg/m³) (Equação 1) Porém no estudo em questão (ver figura 2) esse efeito não é
observado, já que concretos com maior resistência, por
Etapa 4 – Captura de CO2 na demolição: Para o Cálculo possuírem maior quantidade de CaO disponível para a
da captura de CO2 pelas estruturas do concreto após sua reação, podem absorver maior quantidade de CO2 ao longo
do tempo (se considerada a demolição). Esta relação pode
demolição (de 70 a 100 anos) empregou-se a Equação 2,
ser explicada por meio da Equação 1, onde a quantidade de
onde Ast é a área superficial total que está em contato com a
CO2 capturada é diretamente proporcional a quantidade de
atmosfera, Asc é a área superficial do elemento de concreto,
cimento empregado para a produção do concreto.
Vc é volume do elemento de concreto e Vnc é o volume de
concreto que ainda não passou pelo processo de
Consumo Cimento
Alto

carbonatação. Resistência

A 
Desempenho

Ast = Vnc . sc 

 m² (Equação 2) Captura de CO 2
 Vc 
Considerou-se nas simulações que a estrutura, após a vida
útil de 70 anos, foi demolida e transformada em elementos Prof. de
carbonatação
Baixo

cúbicos com face igual a 3 cm (similar a uma partícula de

agregado graúdo).
Etapa 5 – Balanço das emissões: Para o Balanço de CO2
durante o ciclo de vida (CV) das estruturas de concreto,
utilizou-se a Equação 3, onde Bco2 é o balanço de CO2, Econ
é a quantidade de CO2 emitida na produção do concreto e
Ccap é a quantidade de CO2 capturada pelo concreto.
BCO2 = Econ  Ccap CO2(Kg) (Equação 3)
Resultados e discussões.
A Figura 1 mostra a captura de CO2 ao longo do tempo para
os concretos com diferentes consumos de cimento.
Verifica-se uma inflexão no gráfico a partir de 70 anos, onde
a captura passa a ser maior devido à demolição da estrutura
e ao consequente aumento da área superficial exposta à ação
Menor Vida útil Maior
Figura 2: captura de CO2 x consumo de cimento x
carbonatação durante o ciclo de vida
Analisando a Figura 3, observa-se que as emissões atreladas
à produção dos concretos são diretamente proporcionais ao
consumo de cimento. Os concretos com consumo de cimento
de 250, 300, 400, 500 e 600 Kg/m³, emitem respectivamente
120, 138,5, 173,3, 224,2 e 265,9 Kg de CO2/m³ na
atmosfera. Por outro lado, quanto maior o consumo de
cimento maior o potencial de captura de CO2: se considerada
a demolição da estrutura, concretos com consumo de
cimento de 250, 300, 400, 500 e 600 Kg/m³ possuem
potencial de captura de 72,2; 92,3, 113,1,180,1 3 188,8 Kg
de CO2/m³.
 300
Emissão
Carbonatação
200 173,28
138,54
120,01
100
0 de julho de 2011.
Traço 1 Traço 2 Traço 3
-100 -72,2
-92,24
-133,12
-200
-300
Figura 3: Quantidade de CO2 emitida e capturada pelos
diferentes concretos durante o CV da estrutura
Com relação ao balanço das emissões (volume emitido-
volume capturado, equação 3) apresentado na figura 4, o
concreto com consumo de cimento de 400 kg/m³ (traço 3)
foi o que resultou em menor balanço unitário (por kg), pois
apenas 40,16 kg de CO2 não foram compensados,
correspondendo a um potencial de captura de 76
23,18
39,84 33,42
76,82
60,16 66,58
Traço 1 Traço 2 Traço 3
CP IV
% Carbonatada % do gás carbonico emitido e não absorvido
Figura 4: Balanço das emissões de CO2
%. Porém, o traço 4, foi o que apresentou maior potencial de
captura de CO2 devido à carbonatação do concreto
(80,35%), sendo que não foram capturados 44 kg de CO 2,
(19,65%).
Os traços 1, 2 e 5 apresentaram potencial de captura de
aproximadamente 60, 65 e 70%, respectivamente.
Conclusões/considerações finais
A captura de CO2 decorrente da carbonatação do concreto
pode ser de relevância para a construção civil, pois
conhecendo este processo é possível indicar concretos pelo
desempenho: visando à durabilidade, o menor consumo de
cimento e o potencial de captura CO2, podendo no futuro ser
considerada como medida compensatória no projeto de
estruturas de concreto.
No balanço das emissões, o concreto com 400 kg de cimento
foi o que apresentou melhor desempenho, o qual pode
capturar mais de 80% do CO2 emitido na sua produção.
O estudo também indicou a existência de um ponto ótimo
entre consumo de cimento, profundidade de carbonatação e
captura de CO2, situado entre 400 a 500 kg de cimento por
m² de concreto, o qual conduz a uma profundidade de
carbonatação média durante a vida útil compatível com o
desempenho de durabilidade (carbonatação menor que o
cobrimento da armadura).
Referências bibliográficas
[1] Mehta PK (2001). Reducing the environmental impact of
concrete: concrete can be durable and environmentally
friendly. Concrete international; 61-66.
[2] Ali MB, Saidur R, Hossain MS. A review on emission
265,96 analysis in cement industries. Renewable and Sustainable
224,22 Energy Reviews 2011; 15: 2252-2261.
[3] CDIAC - Carbon Dioxide Information Analysis Center.
National Cement Production Estimates: 1950 – 2007, 2007.
Disponível em http://cdiac.ornl.gov/. Último acesso em 20
Traço 4 Traço 5
[4] Global Cement Report. 10th Edition. International
Cement Review.2013.
[5] PADE, C., GUIMARAES, M. The CO2 uptake of
-180,15 -188,8
concrete in a 100 year perspective. Cement and Concrete
Research, p.1384–1356, 2007.
[6] Liv-Margrethe Bjergea, Per Brevik. CO2 Capture in the
Cement Industry, Norcem CO2 Capture Project (Norway).
Elsevier.
[7] JACOBSEN,S., JAHREN,P. Binding of CO2 by
Carbonation of Norwegian OPC Concrete. CANMET/ACI
International Conference on Sustainability and Concrete
Technology, Lyon, 2002.
[8] ORLANDO CARLOS BATISTA DAMIN. Sequestro de
dióxido de carbono (CO2) por resíduos de construção e
demolição. Universidade Santa Cecília. Programa de Pós-
19,65
graduação em sustentabilidade de ecossistemas costeiros e
29,01
marinhos. Santos – SP.2013.
[9] Liv Haselbach, Agathe Thomas .Carbon sequestration in
concrete sidewalk samples. Construction and Building
80,35
70,99 Materials. 2014.
[10] Pade, Claus et al. The CO2 Uptake of Concrete in the
Perspective of Life Cycle Inventory, International
Symposium on Sustainability in the Cement and Concrete
Traço 4 Traço 5
Industry, Lillehammer, Norway, September 2007.
[11] POSSAN, E; THOMAZ, W. A.; ALEANDRI, G. A.;
FÉLIX, E. F. Durabilidade e captura de CO2 em concretos
carbonatados. 55º Congresso Brasileiro do Concreto.
Gramado, IBRACON, 2013.
[12] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS
TÉCNICAS. NBR 11578: Cimento Portland composto -
Especificação. Rio de Janeiro, 2001. 5 p.Versão
Corrigida:1997.
[13] IPCC – Intergovernmental Panel on climate change.
Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. 2006.
Disponível em http://www.ipcc.ch. Último acesso em 05 de
Junho de 2012.
[14] CSI. 2005. CO2 Accounting and Reporting Standard for
the Cement Industry. Cement CO2 Protocol, July. Ginebra:
WBCSD. Disponível em
http://www.wbcsdcement.org/climate.asp. Último acesso em
07 de junho de 2012.
[15] LIMA, J. A. R. Avaliação das consequências da
produção de concreto no Brasil para as mudanças climáticas.
Tese de Doutorado. Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo, EPUSP, 129 p., 2010.
[16] BRASIL - Ministério das Minas e Energia (MME).
Balanço Energético Nacional 2012: Ano base 2011 /
Empresa de Pesquisa Energética. Rio de Janeiro: EPE, 2012.
Disponível em:
https://ben.epe.gov.br/downloads/Relatorio_Final_BEN_201
2.pdf. Último acesso em 03 de Junho de 2012.
[17] POSSAN, E. Modelagem da carbonatação e previsão de
vida útil de estruturas de concreto em ambiente urbano.
2010. Tese (Doutorado em Engenharia) - Escola de
Engenharia, Programa de Pós-Graduação em Engenharia
Civil, UFRGS, Porto Alegre.